PESQUISA QUALITATIVA EM EDUCAÇÃO: REFLEXÕES A PARTIR DAS VIVÊNCIAS DE UM GRUPO DE PESQUISA



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Transcrição:

1 PESQUISA QUALITATIVA EM EDUCAÇÃO: REFLEXÕES A PARTIR DAS VIVÊNCIAS DE UM GRUPO DE PESQUISA Educação e Produção do Conhecimento nos Processos Pedagógicos Mateus Lorenzon 1 Daniela Diesel 2 Jacqueline Silva da Silva 3 Introdução As abordagens qualitativas de pesquisa passam a ser utilizadas em investigações no campo educativo, concomitante com o desenvolvimento de um sentimento de crise na Ciência Moderna e da percepção que muitos fenômenos estudados nesses campos disciplinares não poderiam ser matematizados, devido a sua complexidade (VARELLA, 2008). A pesquisa qualitativa está fundamentada no pressuposto de que um fato não pode ser compreendido apenas por meio de critérios de quantificação, pois isso teria um caráter reducionista de muitos aspectos importantes que influenciam no arranjo do fenômeno observado. Moraes e Galiazzi (2011) destacam ainda, que toda a investigação está fundamentada em uma pressuposição de que todo o fenômeno pode ter múltiplas leituras. No estudo realiza-se um exercício auto-reflexivo, no qual os autores analisam suas práticas de investigação, desenvolvidas enquanto integrantes do Grupo de Pesquisa Iniciação à Pesquisa e ao Ensino: Do Sul ao Norte e Nordeste, o qual tem por objetivo identificar como ocorre a iniciação à pesquisa e a investigação em diferentes níveis da Educação Básica. Nessa perspectiva, esse estudo consiste na sistematização das reflexões realizadas pelos integrantes da pesquisa, na qual analisa-se a importância do emprego 1 Graduando em Pedagogia, Bolsista de Iniciação Científica Centro Universitário UNIVATES, mateusmlorenzon@gmail.com 2 Graduada em Educação Física, Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Ensino do Centro Universitário UNIVATES, danieladiesel@universo.univates.br 3 Doutora em Educação, Professora do Centro Universitário UNIVATES, jacqueh@univates.br

2 das pesquisas qualitativas para identificar e estudar saberes e práticas dos professores. No Grupo de Pesquisa foram desenvolvidos dois estudos, nos quais as práticas docentes e os saberes produzidos no contexto escolar tornaram-se objetos de estudo. Para isso os pesquisadores acompanharam as práticas pedagógicas desenvolvidas por sete professores de Educação Básica, imergindo no campo de estudo e realizaram observações participantes, registros fotográficos e descritivos sobre aspectos que foram observados. A fim de complementar esses dados, foram feitas entrevistas semiestruturadas com os participantes. Para Biklen e Bogdan (1994) a imersão do pesquisador no campo de estudo e a retenção de dados descritivos são as principais caracterizações das investigações qualitativas. Contudo, é necessário reconhecer que esse envolvimento com o fenômeno observado, não garante que a realidade seja captada tal como ela é. Todo o corpus de uma pesquisa, conforme Moraes e Galiazzi (2011) é uma releitura de um fenômeno e uma perspectiva deste. Ao elaborar-se uma comparação entre as análises dos relatórios produzidos pelos pesquisadores, comparando com as análises elaboradas a partir das entrevistas observou-se haver uma distinção entre as categorias, nas quais muitas práticas e situações acompanhadas não foram verbalizadas. Planejamento na Abordagem Emergente: Vivências de um Grupo de Pesquisa O primeiro estudo desenvolvido pelo grupo de pesquisa foi intitulado Planejamento na Abordagem Emergente: Concepções e Práticas de Professores do 1º Ano do Ensino Fundamental e contou com o financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio Grande do Sul - FAPERGS. Esse estudo teve como objetivo identificar referenciais epistemológicos presentes na prática de seis professores do 1º Ano do Ensino Fundamental. Para que o objetivo da pesquisa fosse alcançado, realizou-se uma investigação qualitativa na qual os dados foram gerados por meio da realização de quatro observações as práticas desenvolvidas por cada um dos professores

3 investigados, entrevistas semiestruturadas com os mesmos e análise da documentação pedagógica (documentos escolares, portfólios de atividades, registros de atividades e planejamento dos mesmos). Para a composição do corpus da pesquisa, foi analisado o grau de saturação que para Moraes e Galiazzi (2011) consiste em um cuidado do pesquisador em se retirar do campo de estudo no momento que as informações acompanhadas tornam-se repetitivas. Os materiais produzidos foram submetidos à Análise Textual Discursiva (MORAES; GALIAZZI, 2006; 2011) na qual foram construídas categorias a priori. Visto que o objetivo do estudo consistia em identificar referenciais norteadores do estudo, empreendeu-se o que Becker (2004) denomina de análise epistemológica de buscar referências que sustentam o desenvolvimento dessas práticas. Nessa primeira etapa da pesquisa, as dificuldades que justificam a escrita do estudo tornaram-se latentes, uma vez que em muitas situações observadas pelo pesquisador, passavam despercebidas pelos professores. Da mesma forma, quando estes eram perguntados sobre os referenciais que embasavam suas práticas, muitas vezes não reconheciam referenciais implícitos nas mesmas, nem a epistemologia que sustentavam suas ações enquanto docentes. O mesmo ocorreu em decorrência de um segundo estudo investigativo, intitulado de Manifestações do Princípio da Investigação na Prática de uma Professora de Teatro, caracterizado por um estudo de caso, no qual buscamos analisar como a investigação concebida como um princípio do Planejamento na Abordagem Emergente manifestava-se na prática de uma professora de teatro de uma escola da rede privada de ensino. Para isso, foram realizadas duas entrevistas com a professora participante do estudo, entrevistas com dezessete alunos, além de oito observações às práticas desenvolvidas pela docente. Após a constituição desse corpus, ele foi submetido à Análise Textual Discursiva. Nessa pesquisa realizada, novamente, percebemos uma diferença entre a prática da professora e o seu entendimento da mesma. Nessa perspectiva, a análise dos dados gerados pelas observações, quando comparados com os dados produzidos a partir das entrevistas, provocaram os integrantes do grupo

4 de pesquisa a refletir sobre a construção das percepções dos docentes sobre suas práticas, uma vez que havia uma nítida distinção entre o que era produzido em decorrência de observações e o que era verbalizado pelos professores. Essa distinção gerava um sentimento de incômodo nos Bolsistas de Iniciação Científica quando desempenhavam a atividades de observação das práticas pedagógicas. Uma vez que a diferença entre o observado pelos pesquisadores e o que era verbalizado pelos professores era distinto, discutiase qual seria a compreensão mais correta da realidade, ou seja, se essa distinção não seria um indicador que a realidade não estava sendo analisada da maneira correto. Com o intuito de romper com uma explicação proveniente do senso comum de que tal distinção seria gerada pelo fato do trabalho docente ser uma atividade técnica e portanto desprovida de referenciais epistemológicos, enquanto a atividade do pesquisador consistia de uma atividade teórica, propomo-nos a discutir brevemente como os professores produzem suas práxis (visto que toda prática está indissociavelmente fundamentada em alguma teoria) e as percepções acerca de suas atividades. Abordagem de Pesquisa Qualitativa: Paradigma Emergente em Ensino e Educação A fim de discutirmos a distinção existente entre os discursos dos professores e as atividades práticas que eles desenvolvem, inicialmente partese do pressuposto de que toda a ação do sujeito é embasada em determinadas pressuposições teóricas (SILVA, 2011). Existe assim uma indissociação entre teoria e prática, ou seja, toda ação é uma práxis. Conforme Tardif (2012, p. 16) o ser e o agir, ou melhor, o que Eu sou e o que Eu faço ao ensinar, devem ser vistos aqui não como dois polos separados, mas como resultados dinâmicos das próprias transações inseridas no processo de trabalho escolar. Mesmo que todas as ações docentes estejam fundamentadas em determinadas concepções epistemológicas, estas não manifestam-se de forma homogêneas. Tardif (2012) e Tardif e Lessard (2012) corroboram dizendo que a prática dos professores é formada por um repertório variado e heterogêneo

5 de saberes adquiridos ao longo da formação profissional e pré-profissional. Gauthier et al (2013) acrescenta ainda, o papel desempenhado pelo senso comum pedagógico adquirido no momento que o sujeito está inserido no seu meio de trabalho e formando sua identidade profissional. Muitas das práticas executadas pelos professores são fundamentadas em saberes e referenciais adquiridos involuntariamente ou por meio de aprendizagens e vivências informais do sujeito. Acreditamos que a rotinização do trabalho docente faz com que muitas vezes o professor converte seus saberes em algo técnico, adotando apenas um uso pragmático. Assim, as vezes, as estratégias de ensino são utilizadas em uma perspectiva utilitária, fazendo com que o professor ausente-se de um pensamento de ordem epistemológica, o levando a assumir e a repetir noções provenientes do senso comum e da tradição (BECKER, 2004). Mesmo que grande parte dos saberes dos profissionais são mobilizados para a prática pedagógica, essa mobilização ocorre de modo inconsciente, ou seja, é quase uma operação técnica. Uma vez que o professor age por meio de um saber experiencial (TARDIF, 2012), grande parte das pressuposições que regem suas práticas permanecerão implícitas em suas falas. No momento que o professor volta-se para pensar a sua prática, ele toma alguns saberes percebidos como verdadeiros. Assim, um exercício de verbalizar as práticas em uma entrevista é um movimento de olhá-las e analisá-las. Contudo, em uma perspectiva sociológica, esse exercício consiste em um movimento de tomar algumas pressuposições como verdadeiras (BERGER, LUCKMANN, 1985), não as submetendo em uma análise epistemológica. Assim, as pesquisas realizadas dentro da abordagem qualitativa, tal como foram desenvolvidas pelo Grupo de Pesquisa representam o confrontamento da perspectiva do pesquisador, com a perspectiva do professor que atua em sala de aula. A percepção do pesquisador é constituídas em decorrência das observações, por sua vez, as compreensões do professor são produzidas devido a sua reflexão na ação (SCHÖN, 2000). Uma vez que toda análise é realizada com base em referenciais teóricos anteriores (MORAES; GAIAZZI, 2011), analisar essa dupla perspectiva representa enriquecer uma

6 pesquisa, visto que isso pode desvelar aspectos que passaram despercebidos aos pesquisadores. Considerações Finais Conforme destacamos no início do estudo, as pesquisas qualitativas compreendem um paradigma emergente no campo educacional, sendo empregadas para a realização de grande parte dos estudos que envolvem a atuação dos docentes, suas práticas e a sua formação. O uso de tal abordagem de pesquisa ocorre devido a pressuposição da impossibilidade de quantificar saberes docentes e as suas práticas. Tal como destacam Biklen e Bogdan (1994), o intuito da realização de uma pesquisa qualitativa não é saber a verdade, nem comparar realidades distintas, mas sim compreender os fenômenos de modo distinto e a partir dessas compreensões produzir novos saberes. Em nosso estudo buscamos apresentar os principais dilemas e desafios enfrentados no decorrer de uma pesquisa qualitativa. No momento que nos colocamos em uma postura de investigar as práticas docentes uma ação de natureza complexa e que implica não apenas na análise de práticas, mas também em referênciais epistemológicos que estão implicados nessa ação (BECKER, 1993, 2004; FULLAN, 2002) - percebemos alguns aspectos da pesquisa qualitativa que exigem um estudo mais aprofundado. Destaca-se que o nosso esforço foi lançar luzes sobre esse fato, mas outros aspectos da pesquisa na abordagem qualitativa aplicada à investigação de saberes e práticas docentes devem ser analisados e estudados. Entre esses, destacamos as implicações éticas da imersão do pesquisador no ambiente estudado e as modificações que esse causa no arranjo natural do ambiente, bem como o compromisso da pesquisa na abordagem qualitativa para a transformação das práticas dos docentes. Referências BECKER, Fernando. A Epistemologia do Professor. 11 ed. Petrópolis: Vozes, 2004. BERGER Peter. LUCKMANN, Thomas. A construção social da realidade: Tratado de sociologia do conhecimento. Petrópolis: Vozes, 1985.

7 BOGDAN, Roberto C.; BIKLEN, Sari Knopp. A investigação qualitativa em educação. Porto/Portugal: Porto Editora, 1994. GAUTHIER, Clermont et al. Por uma teoria da pedagogia: Pesquisas contemporâneas sobre o saber docente. 3 ed. Ijui: Ed. Unijui, 2013. MORAES, Roque. GALIAZZI, Maria do Carmo. Análise Textual Discursiva. 2. Ed. Ver. Ijuí: Ed. Unijuí, 2011. SCHÖN, Donald A. Educando o profissional reflexivo: um novo design para o ensino e a aprendizagem. Porto Alegre: Artmed, 2000. TARDIF, Maurice. Saberes Docentes e Formação Profissional. 13 ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2012. TARDIF, Maurice; LESSARD, Claude. O trabalho docente: elementos para uma teoria da docência como profissão de interações humanas. 7. ed. Petrópolis: Vozes, 2012. VARELLA, Ana Maria Ramos. A comunicação interdisciplinar na educação. São Paulo: Escuta, 2008.