ANÁLISE DA INCOSTITUCIONALIDADE DE PATENTE PIPELINE: REVALIDAÇÃO OU CONCESSÃO ORIGINÁRIA?



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ANÁLISE DA INCOSTITUCIONALIDADE DE PATENTE PIPELINE: REVALIDAÇÃO OU CONCESSÃO ORIGINÁRIA? SONEGO, Elisabetha Leal. Aluna do curso de Direito Unifra; CEZNE, Andrea Nárriman. Orientadora Doutora UFRGS, Professora do Curso de Direito. Trabalho de Pesquisa_UNIFRA Curso de Direito do Centro Universitário Franciscano (UNIFRA), Santa Maria, RS, Brasil E-mail: betasonego@gmail.com RESUMO O presente trabalho tem por finalidade uma análise da possível inconstitucionalidade das patentes pipeline levantada pelo STF na ADIn 4234, devido a sua natureza jurídica de revalidação e não como requisito de concessão originária. Por isso, faz-se um breve estudo sobre patentes de medicamentos, a legislação envolvida, os requisitos para concessão, a produção e o desenvolvimento de medicamentos como mecanismo de promoção da saúde. Analisa-se a aplicação de princípios constitucionais como a primazia do interesse público, especificamente o direito à saúde, o princípio da exclusividade sobre o novo e a função social das patentes de medicamentos. O estudo será realizado através do método de abordagem dialético, partindo-se da análise da Lei de Propriedade Industrial LPI nº9279/96. Palavras-chave: Patente; Medicamentos; Saúde; Revalidação; Propriedade Industrial. 1.INTRODUÇÃO: O tema em questão escolhido, das patentes na Indústria Farmacêutica, desperta interesse entrelaçando a área farmacêutica e a proteção à propriedade, confrontando com o direito à saúde, e outros princípios constitucionais. Discute-se a inconstitucionalidade dos artigos 230 e 231 da LPI nº 9279/96(Lei da Propriedade Industrial), que tratam das patentes Pipeline, do qual resultou na ADIn 4234, ainda não julgada pelo Superior Tribunal Federal. Questiona-se a natureza jurídica de revalidação dos produtos patenteados por este mecanismo e não como uma concessão originária, visto que esta patente está vinculada ao primeiro depósito do invento no país de origem e por isto não deve seguir as mesmas regras aplicadas a concessão de patentes de produtos novos. É um tema interessante, pois permite analisar a relação da LPI com os princípios constitucionais e os interesses da sociedade, principalmente quanto à primazia do interesse público, no que se refere à promoção da saúde. Quanto ao princípio constitucional da primazia do interesse público, convém ressaltar que se trata do fundamento principal para qualquer legislação. Com isto as limitações que são impostas ao setor privado quanto às suas descobertas visam buscar um equilíbrio entre o público e o privado (que tem direitos em relação a sua descoberta), porém sempre privilegiando a função social. 1

A produção e o desenvolvimento de medicamentos constitui uma análise primeiramente quanto à sua principal finalidade que é a promoção da saúde. Porém outros aspectos relevantes devem ser analisados, como a produção de riquezas das indústrias envolvidas neste processo e o desenvolvimento científico na busca de novas descobertas. Analisa-se a importância da proteção patentária, os requisitos para a concessão da patente, como é tratada tal proteção na Legislação Brasileira e o que levou à inconstitucionalidade levantada em relação aos artigos 230 e 231 da LPI. Justifica-se também a análise do tema observando que os interesses econômicos envolvidos da indústria farmacêutica constituem elevados valores, fazendo-se necessário a interferência estatal para que seja assegurada a finalidade maior que é a saúde e os interesses sociais. A produção de medicamentos tem por natureza destinar-se ao comércio, cujas aquisições são feitas tanto pelo setor público, quanto pelo setor privado. O setor público de países com grande disparidade social, como é o caso do Brasil, faz com que o governo necessite de elevados gastos com medicamentos para tratar tanto doenças simples decorrentes da falta de saneamento básico quanto doenças graves como medicações para o tratamento de câncer, visto que o direito à saúde está garantido conforme artigos 6º e 196º da Constituição Federal, e é invocado por quem de fato necessita. Entretanto o direito à saúde muitas vezes torna-se prejudicado com a proteção dada a medicamentos (através das patentes) que inclusive já caíram em domínio público (caso da patente Pipeline), pois não permite a concorrência na sua produção, elevando assim os preços. O Brasil preocupou-se em colocar na Lei nº9279/96 uma proteção na forma de patentes de medicamentos novos, como forma de estímulo à pesquisa e desenvolvimento de novos produtos, e também como forma de recuperar parte do investimento feito pela Indústria para a comercialização destes novos produtos, visto que se trata de altos valores investidos em pesquisas e desenvolvimento. O objetivo principal do trabalho é explorar a questão da inconstitucionalidade das patentes Pipeline devido a sua natureza jurídica de revalidação e não como requisito de concessão originária. Essas patentes Pipeline foram inseridas no ordenamento jurídico em violação à CF/88 em seu artigo 5º, inciso XXIX, que trata do Principio da exclusividade sobre o novo, o que gerou a ADIn 4234, pois faltaria o requisito da novidade absoluta necessário para a concessão de uma patente. A patente Pipeline é um dispositivo legal transitório que permite o reconhecimento de patente para produtos e processos, desde que não tenham sido colocados em nenhum mercado do mundo. Este período de transição ocorre entre a revogação de uma antiga Lei e o início de vigência de outra, nova, que preveja o reconhecimento de patentes em áreas que 2

a antiga não previa. O Brasil, em 1945, deixou de reconhecer patentes para produtos das áreas química, farmacêutica e alimentícia e 24 anos mais tarde estendeu a proibição aos processos farmacêuticos, confirmada na Lei nº5772 (Código de Propriedade Industrial) vigente até 14 de maio de 1997. Com a sanção da Lei nº9279, em 14 de maio de 1996, que admitiu o patenteamento de produtos e processos farmacêuticos, iniciou-se o período de transição entre as Leis, no qual se aplicou o Pipeline. Portanto, em 14 de maio de 1997, quando a Lei nº9279 entrou em vigor, o pipeline perdeu a sua eficácia. O prazo de vigência desta patente transitória é limitado no máximo em 20 anos. O conhecimento que está em domínio público pode ser explorado de acordo com o sistema da livre concorrência o que pode gerar uma redução nos custos e preços em benefício da sociedade. Em razão a estes argumentos apresentados e outros que serão tratados no trabalho verifica-se a importância deste tema para a promoção da saúde na sua forma mais ampla, pois atualmente observa-se a grande demanda por medicamentos principalmente por uma população hipossuficiente de recursos que acaba requisitando ao setor público a satisfação de suas necessidades. 2.DESENVOLVIMENTO: 2.1. A LEGISLAÇÃO SOBRE PATENTES NO CENÁRIO BRASILEIRO, O CONCEITO DO MECANISMO DE PROTEÇÃO APLICADO AOS PRODUTOS FARMACÊUTICOS E SEUS REQUISITOS. No período de 1945 a 1969, o Brasil concedia patentes apenas para processos farmacêuticos e não para produtos. Com o advento do Código de Propriedade Industrial de 1971, foi excluído qualquer tipo de proteção patentária de processos e produtos farmacêuticos, ficando assim um intervalo sem regulação na área. A Lei nº9279/96 é uma decorrência de acordos internacionais assumidos pelo Brasil, como por exemplo, o Acordo TRIPS (Trade-Related Aspects of Intellectual Property Rights) e a Convenção de Paris. A Lei nº 9279/96 trouxe então ao cenário brasileiro a regulamentação das invenções patenteáveis, que desde então pouco se falava. A nova Lei respeitando as regras de Tratados e Convenções Internacionais que regulam o assunto prevê a concessão de patentes em todos os setores tecnológicos, inclusive para produtos químicos, alimentos e fármacos que eram excluídos da proteção patentária pelo Código da Propriedade Industrial de 1971 - Lei nº5772/71. Dispõe a Convenção de Paris: As nações podem formular suas leis de patentes, desde que as regras básicas sejam respeitadas. Cabe, então, a cada nação o direito de disciplinar a concessão de patentes conforme seus interesses ou anseios socioeconômicos e até mesmo políticos. (DI BLASI, 2002. pag 35) Inicialmente se faz necessário analisar o conceito de patente, sua previsão legal no ordenamento jurídico brasileiro e o uso para produtos farmacêuticos. Patente é um conjunto de regras destinadas a proteger as invenções. É um direito concedido pelo Governo de uma 3

nação a uma pessoa (física ou jurídica) que lhe confere exclusividade na exploração de sua invenção, durante um determinado período, em todo território nacional. É uma forma de gratificar o inventor pelo seu esforço e investimentos na pesquisa e desenvolvimento de um novo produto. Assim proporciona equilibrar os interesses do inventor pela sua criação e permitir à sociedade usufruir do benefício da descoberta. Conceitua PICARELLI em sua obra: A patente é título de propriedade temporário concedido pelo Estado, que confere aos inventores ou a empresas um direito exclusivo de exploração da invenção protegida. Ao inventor que oferece à sociedade um produto ou um processo novo, é reconhecido, mediante sua demanda, um direito privativo em troca da relação dos meios de sua invenção. (PICARELLI,2011.pag.39) O desenvolvimento de novos produtos não seria possível, ou então eficiente se não houvesse a proteção da propriedade industrial e a garantia de um retorno financeiro com o monopólio de exploração permitido pela patente. Cada vez mais se torna necessário o desenvolvimento de produtos mais sofisticados e no caso dos medicamentos mais eficientes, com menos efeitos colaterais, contra doenças que até então não eram conhecidas. O fenômeno mundial da globalização permite o acesso à informação, atualidades, estudos de caso, matérias primas, tecnologia para um aprimoramento neste setor de grande importância, para proporcionar uma evolução nos tratamentos de saúde. É notório o grande salto que houve na área de saúde quanto ao descobrimento de medicamentos nas últimas décadas e isto se deve, em parte, ao retorno financeiro que os laboratórios possuem com suas descobertas. Aparentemente esse direito antagônico de promoção da saúde X lucro das empresas é importante para que se desenvolvam novos produtos mais elaborados, mesmo sabendo que isto só ocorrerá se houver uma lucratividade considerável para a empresa que o produz. O direito de propriedade e a proteção das invenções estão previstos na Constituição Federal em seu artigo 5º, incisos XXII e XXIX e dependem de regulamentação especial. A Lei nº9279/96 determina quais os requisitos para obtenção de patente para um determinado produto farmacêutico. O primeiro requisito para a concessão de patente é o caráter de novidade da invenção. Segundo o Tratado de Cooperação em Matéria de Patentes, uma invenção é considerada nova se, à data do correspondente depósito do pedido de patente, não se encontrar compreendida pelo estado de técnica. Este estado de técnica é tudo que se tornou acessível ao público, através de divulgação, publicação ou comercialização. No Brasil, segundo a doutrina, aplica-se o princípio da novidade Absoluta, ou seja, produtos patenteáveis não podem ter entrado no estado de técnica, conforme dispõe o artigo nº11 da Lei 9279/96: Art. 11. A invenção e o modelo de utilidade são considerados novos quando não compreendidos no estado da técnica. 4

1º O estado da técnica é constituído por tudo aquilo tornado acessível ao público antes da data de depósito do pedido de patente, por descrição escrita ou oral, por uso ou qualquer outro meio, no Brasil ou no exterior, ressalvado o disposto nos arts. 12, 16 e 17. 2º Para fins de aferição da novidade, o conteúdo completo de pedido depositado no Brasil, e ainda não publicado, será considerado estado da técnica a partir da data de depósito, ou da prioridade reivindicada, desde que venha a ser publicado, mesmo que subsequentemente. 3º O disposto no parágrafo anterior será aplicado ao pedido internacional de patente depositado segundo tratado ou convenção em vigor no Brasil, desde que haja processamento nacional. O segundo requisito para concessão de patente é a atividade inventiva, ou seja, refere-se à capacidade de criação humana, que é quando uma criação, para um técnico no assunto, não é consequência óbvia do estado da técnica, como determina o artigo 13º da Lei nº9279/96: A invenção é dotada de atividade inventiva sempre que, para um técnico no assunto, não decorra de maneira evidente ou óbvia do estado da técnica. O terceiro requisito para obtenção da patente é a utilização industrial que está relacionada ao fator econômico e a possibilidade de ser materializada, produzida inclusive em escala industrial, como descrito no artigo 15º da Lei nº9279/96: Art.15: A invenção e o modelo de utilidade são considerados suscetíveis de aplicação industrial quando possam ser utilizados ou produzidos em qualquer tipo de indústria. Assim, podemos resumir que são patenteáveis as invenções que atendam aos requisitos de novidade, atividade inventiva e aplicação industrial, conforme determina o artigo 8º da Lei nº9279/96. Declarado aceito o pedido de patente a Constituição Federal de 1988 confere ao titular do direito a exploração, a produção, a utilização, a comercialização da invenção e os lucros patrimoniais obtidos com a devida exclusividade, conforme descrito no artigo 5º, inciso XXIX: Art.5º, inciso XXIX: a lei assegurará aos autores de inventos industriais privilégio temporário para sua utilização, bem como proteção às criações industriais, à propriedade das marcas, aos nomes de empresas e a outros signos distintivos, tendo em vista o interesse social e o desenvolvimento tecnológico e econômico do País. 2.2. O CONCEITO DE PATENTE PIPELINE E SUA RELAÇÃO COM OS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DA NOVIDADE E O DIREITO À SAÚDE; ANÁLISE DOS ARTIGOS 230 E 231 DA LEI DE PROPRIEDADE INTELECTUAL E SUA POSSÍVEL INCONSTITUCIONALIDADE Como houve uma transição entre o Código de 1971 que não previa nenhuma proteção patentária aos produtos farmacêuticos e a Lei de 1996 que prevê tais medidas protetivas, esta última lei criou um mecanismo de transição, chamado Patente Pipeline. Trata-se de regra transitória e excepcional, inserida no ordenamento por iniciativa exclusiva do legislador interno, visto que não consta no acordo TRIPS que determina em seu artigo 70: não haverá obrigação de restabelecer proteção da matéria, que, na data de aplicação 5

deste Acordo para o Membro em questão, tenha caído no domínio público. A Lei 9279/96, que entrou em vigor em 14 de maio de 1996, estabeleceu o prazo de um ano, contado da data da publicação, para a solicitação do privilégio pipeline, prazo este que se encerrou em 15 de maio de 1997. A proteção terá o prazo máximo de vigência de 20 anos, como no registro de pedido de patente originária. O mecanismo de transição Pipeline gera controvérsias quanto a sua constitucionalidade por ter uma possível natureza jurídica de revalidação, patenteando produtos que se encontram em domínio público, resultando na ADIn nº4234. Assim conceitua-se a patente pipeline como: É a denominação dada a um dispositivo legal transitório que permite o reconhecimento de patente para produtos e processos, desde que estes mesmo que já pesquisados ou desenvolvidos não tenham sido colocados em nenhum mercado do mundo. Isto ocorre no período de transição, entre a revogação de uma antiga lei e o início de vigência de outra, nova, que preveja o reconhecimento de patentes em áreas que a antiga não previa. (DI BLASI, 2002. Pag.159) Este mecanismo tem como finalidade proporcionar a proteção para produtos e processos, dos inventores nacionais e estrangeiros, de criação já divulgada, mas anteriormente não patenteável. A patente Pipeline está prevista no artigo 230 da Lei nº 9279/96 que assim dispõe: Art.230: Poderá ser depositado pedido de patente relativo às substâncias, matérias ou produtos obtidos por meios ou processos químicos e as substâncias, matérias, misturas ou produtos alimentícios, químicofarmacêuticos e medicamentos de qualquer espécie, bem como os respectivos processos de obtenção ou modificação, por quem tenha proteção garantida em tratado ou convenção em vigor no Brasil, ficando assegurada a data do primeiro depósito no exterior, desde que seu objeto não tenha sido colocado em qualquer mercado, por iniciativa direta do titular ou por terceiro com seu consentimento, nem tenham sido realizados, por terceiros, no País, sérios e efetivos preparativos para a exploração do objeto do pedido ou da patente. O referido artigo busca a proteção das substâncias descritas no Brasil, de acordo com a data do primeiro depósito no exterior, desde que o objeto da descoberta não tenha sido colocado em qualquer mercado. Trata-se de uma forma de revalidação de patentes concedidas no exterior, e como não havia previsão legal na Lei anterior, estas substancias não eram protegidas no território brasileiro, sendo assim muitos pedidos de patentes de substancias farmacêuticas foram depositados no estrangeiro, observados os requisitos impostos no território de origem. Dispõe também sobre o assunto o artigo 231 da Lei nº 9279/96: Art.231: Poderá ser depositado pedido de patente relativo às matérias de que trata o artigo anterior, por nacional ou pessoa domiciliada no País, ficando assegurada a data de divulgação do invento, desde que seu objeto não tenha sido colocado em qualquer mercado, por iniciativa direta do titular ou por terceiro com seu consentimento, nem tenham sido realizados, por terceiros, no País, sérios e efetivos preparativos para a exploração do objeto do pedido. 6

Com a leitura deste artigo verifica-se que um dos principais problemas levantados em relação à patente Pipeline é quanto ao requisito da novidade absoluta, previsto na mesma Lei 9279/96 em seu artigo 8º, que assim dispõe: É patenteável a invenção que atenda aos requisitos de novidade, atividade inventiva e aplicação industrial. Já foi visto que para a concessão da patente é indispensável que se trate de um produto novo e aí se encontra um dos motivos da inconstitucionalidade, uma vez que a natureza jurídica da patente Pipeline é de revalidação de algo que já se encontra no domínio público, logo não há motivos para se criar um monopólio de tecnologias de produção. A patente Pipeline tem caráter de revalidação porque está vinculado ao primeiro depósito do invento no país de origem. Não há o caráter da novidade absoluta aplicado na legislação brasileira, pois se a tecnologia para a qual se pede a proteção já entrou no estado da técnica em qualquer lugar, não se pode falar em privilégio e exclusividade de direitos. Este monopólio considerado ilegítimo afetou principalmente a indústria farmacêutica e como leciona o Procurador Geral da República Antonio Fernando Souza: A pretexto de incentivar a pesquisa científica acabou-se por tornar patenteável e, portanto, sob controle monopolístico de algumas indústrias farmacêuticas, a produção de determinados medicamentos que se encontravam em escala de produção de mercado por diversas fontes dentro da política econômico-social de oferta de genéricos e de produtos medicamentosos a preços mais acessíveis à população mais carente. Este monopólio tem influencia direta nos preços, pois a ausência de concorrência gera aumento considerável de preços que é repassado ao consumidor, prejudicando assim o direito à saúde e o interesse social. 2.3 A SITUAÇÃO DA ADIN Nº 4234 E OS ARGUMENTOS LEVANTADOS PELOS INTERESSADOS A Procuradoria Geral da República ajuizou a Ação Direta de Inconstitucionalidade ADIn 4234 no Superior Tribunal Federal, em 24 de Abril de 2009, contra os artigos 230 e 231 da Lei nº 9279/96, que tratam da regulamentação das patentes Pipeline. O debate foi iniciado a partir da solicitação feita pela FENAFAR (Federação Nacional dos Farmacêuticos), pela REBRIP (Rede Brasileira pela Integração dos Povos) e ABIA (Agência Brasileira Interdisciplinar de AIDS) junto à Procuradoria Geral da União. Vários são os motivos levantados de inconstitucionalidade das patentes pipeline e questionados na ADIn 4234, como violação ao princípio da novidade absoluta, do direito à saúde, do interesse público, interesse social, do devido processo legal, função social da propriedade, princípio da isonomia, entre outros. Os artigos 230 e 231 da Lei nº 9279/96 em questão permitem a revalidação de patentes de produtos que já se encontram em domínio público, mas que anteriormente não eram protegidos, em detrimento direto ao princípio da novidade. Além disso, a patente Pipeline permite que as indústrias ingressem com o pedido de reconhecimento de patentes 7

de produtos estrangeiros sem análise técnica e anuência prévia da ANVISA (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) como é exigido para o registro de produtos nacionais, ou seja, para os produtos estrangeiros são aceitos os requisitos para concessão de patente do país de origem. Este tratamento de pedido de patente diferenciado entre nacional e estrangeiro afronta o Princípio da Isonomia. Outro argumento analisado é que as patentes Pipeline não constam nos Acordos Internacionais, ou seja, foram inseridas no ordenamento jurídico brasileiro por iniciativa do legislador interno, levando em conta interesses de particulares, em detrimento ao interesse público violando assim o princípio da primazia do interesse público. Como pode observar-se a patente Pipeline possui natureza jurídica de revalidação e não de concessão de patente originária, visto que está vinculada ao primeiro depósito do invento no país de origem e por isto não deve seguir as mesmas regras aplicadas a concessão de patentes de produtos novos. Desta forma verifica-se que se não há o requisito da novidade, não há que se falar em exclusividade na produção destes medicamentos, e isto seria de grande interesse da população brasileira, pois vários remédios poderiam custar até 50% menos se fossem permitidos os genéricos destes produtos protegidos. Desde a data de início da questão, até hoje, a ADIn 4234 não foi julgada, pois está em questão interesses políticos que dificultam a celeridade do julgamento. Ao todo foram realizados 1.182 pedidos de patentes Pipeline, incluindo medicamentos importantes para saúde pública, como os usados no tratamento da AIDS, câncer, saúde mental, entre outros (Pedro VILLARDI, 2010). Alguns medicamentos usados para o tratamento de leucemia e AIDS, por exemplo, estão com monopólio de produção em função da patente Pipeline. A decretação de inconstitucionalidade destes artigos terá reflexo direto no preço de muitos medicamentos uma vez que será possível a livre concorrência favorecendo o acesso a medicamentos mais baratos, diminuindo consideravelmente os gastos com medicamentos custeados pelo poder público e pela população em geral. De acordo com a Federação Nacional dos Farmacêuticos (FENAFAR): Um parecer de economistas que integrou o pedido para ajuizamento da ADI diz que, especificamente no caso de cinco medicamentos utilizados no combate ao vírus da Aids, o Brasil gastou a mais US$ 420 milhões (em comparação com os preços mínimos da Organização Mundial de Saúde - OMS), entre 2001 e 2007. Porém, há argumentos de uma corrente contrária a decretação da inconstitucionalidade onde alegam que a Lei nº9279/96 e a Constituição Federal de 1988 não fazem menção expressa para a necessidade do requisito da novidade Absoluta, que esta foi fruto de entendimentos doutrinários. Os que defendem este mecanismo, como por exemplo, o constitucionalista CANOTILHO, em sua obra sobre o assunto, alega que a patente pipeline é uma forma de corrigir uma omissão da antiga Lei de 1971 compensando assim os inventores, pelas suas criações. Como o Código de 1971 é anterior a Constituição 8

de 1988, para esta corrente, não há como cogitar que as invenções, anteriores a 1996, teriam caído em domínio público e a necessidade da novidade absoluta, pois não havia legislação determinando estes requisitos e a própria Constituição Federal de 1988, não faz referência à novidade absoluta, sendo objeto de Lei infraconstitucional. 3. METODOLOGIA: Será usado na pesquisa o método de abordagem Dialético, partindo da análise da Lei de Propriedade Industrial nº9279/96 e dos princípios da novidade e o direito à saúde. Verifica-se um conflito na interpretação dos artigos 230 e 231 da LPI e os requisitos para a concessão de uma proteção pelo mecanismo de patente. 4.CONCLUSÃO: O estudo mostrou que um dos aspectos controvertidos levantados pela ADIn 4234 é quanto ao requisito da novidade absoluta que não é considerado, nas já estudadas patentes Pipeline.Note-se que muitos interesses econômicos e políticos estão envolvidos nesta briga judicial entre os órgãos que desejam a extinção dos artigos 230 e 231 da Lei 9279/96 e os que defendem a continuação e aplicação destes dispositivos legais. Controvérsias a parte deve-se optar pela posição que melhor represente a população em geral, o bem estar social e a aplicação dos princípios constitucionais do direito à saúde e a primazia do interesse público, aqui representado pelo acesso aos medicamentos. 5.REFERÊNCIAS: BARBOSA, Denis Borges. Inconstitucionalidade das Patentes Pipeline. Maio de 2009. Disponível em: http://www.denisbarbosa.addr.com/arquivos/novidades/adin4234.pdf. Acesso em 20/05/2012. BASSO, Maristela. O Direito Internacional da Propriedade Intelectual. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2000.Revista da Associação Brasileira de Propriedade Intelectual ABPI 66, set/out. 2003, p. 12-37. BEZERRA, Matheus Ferreira. Patente de Medicamentos: quebra de patente como instrumento de realização de direitos. Curitiba: Juruá, 2010. BRASIL. Lei 9.279, de 14 de maio de 1996. Regula Direitos e Obrigações relativos à Propriedade Industrial. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 15 mai. 1996. CANOTILHO,J.J. Gomes; MACHADO, Jónatas. A questão da Constitucionalidade das Patentes Pipeline à luz da Constituição Federal Brasileira de 1988. Coimbra: Almedina SA, 2008. CLEVE, Clemerson Merlin; RECK, Melina Breckenfeld. A repercussão, no regime da patente Pipeline, da declaração de nulidade do privilégio originário. Disponível em: 9

http://www.conjur.com.br/2009-set-08/patente-pipeline-carater-revalidacao-nao-patente-originaria. Acesso em 01/06/2012. DI BLASI, Gabriel; GARCIA, Mario Soerensen; MENDES, Paulo Parente M. A Propriedade Industrial: Os sistemas de marcas, patentes e desenhos industriais analisados a partir da Lei nº9279, de 14 de maio de 1996. Rio de Janeiro: Forense, 2002. FENAFAR. Inconstitucionalidade das patentes Pipeline. Disponível em: http://www.fenafar.org.br/portal/patentes/71-patentes/247-agu-pede-inconstitucionalidade-daspatentes-pipeline.html. Acesso em 12/04/2012. HERINGER, Astrid. Patentes Farmacêuticas e Propriedade Industrial no Contexto Internacional. Curitiba:Juruá,2001. MPF. Norma questionada criou patentes em detrimento do princípio da novidade. Disponível em: http://noticias.pgr.mpf.gov.br. Acesso em 15/05/2012. www.stf.jus.br/portal/peticaoinicial/pesquisarpeticaoinicial.asp. Petição Inicial da ADIn 4234. Disponível em: http://www.stf.jus.br. Acesso em 15/05/2012. PICARELLI, Márcia Flávia Santini; ARANHA, Márcio Lorio. Política de Patentes em Saúde Humana. São Paulo: Atlas, 2001. 10