1 ESTABELECENDO RELAÇÕES: DESIGN, CONSUMO E DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL Patrícia Oliveira de Abreu 1 Sandro Ferreira de Souza 2 Taís de Souza Alves Coutinho 3 RESUMO O consumo consciente, assim como o design, se apresenta como importante fator para o desenvolvimento sustentável. No entanto, para sua aplicação são necessárioa alguns esclarecimentos, principalmente por sua relação delicada com a sociedade do consumo. Este artigo propõe uma revisão bibliográfica de assuntos concernentes aos temas Desenvolvimento Sustentável e Consumo, a fim de ampliar o entendimento de seus conceitos e relações. Foi possível perceber a importância de no mínimo três setores para a implementação de um consumo responsável, são eles: o usuário, a indústria e o design. Palavras-chave: Design, Sustentabilidade, Consumo consciente. 1. INTRODUÇÃO Enchentes, poluição, aumento da temperatura do planeta são alguns dos problemas da crise ambiental da Terra. Alguns autores, tais como (TRIGUEIRO, 2011), e (KAZAZIAN, 2005), consideram o excesso de consumo dos recursos naturais como uma das principais fontes destes problemas. Esse excesso se deve ao consumo exagerado de produtos, como por exemplo, o celular, que somente no ano de 2011, no Brasil, foram ativados mais de 210 milhões de aparelhos, número maior do que a população inteira do país (Instituto AKATU, 2011). Tal situação afeta não só o meio ambiente, mas também os seres humanos. Conforme Trigueiro, reduzir impactos ambientais no consumo não é, como muitos ainda pensam, simplesmente proteger o 1 Aluna do 8 período do curso de Design de produto da Universidade do Estado de Minas Gerais, UEMG Ubá. 2 Graduado em Arquitetura e Urbanismo. (UFJF), Mestre em Arquitetura e Urbanismo (UFV), professor da UEMG/Ubá, sandroferreiras@gmail.com 3 Graduada em Comunicação Social (UFJF), Mestre em Letras, professora da UEMG/Ubá, taisalvesuba@gmail.com
2 meio ambiente, mas garantir condições ambientais saudáveis para nos humanos (2011, p. 60). Neste artigo apresenta-se um estudo sobre as relações de áreas como o consumo e o desenvolvimento sustentável considerando o design como uma das profissões envolvidas no contexto. 2. MÉTODOS A presente pesquisa se classifica como exploratória e qualitativa resultando em uma revisão bibliográfica, estabelecendo algumas relações entre as variáveis. Conforme explica Gil, A pesquisa bibliográfica é desenvolvida com base em material já elaborado, constituído principalmente de livros e artigos científicos. As pesquisas sobre ideologias, bem como aquelas que se propõem à análise das diversas posições acerca de um problema, também costumam ser desenvolvidas quase exclusivamente mediante fontes bibliográficas (GIL, 2002, p.44). 3. REVISÃO BIBLIOGRÁFICA A revisão bibliográfica foi estruturada em tópicos visando à fundamentação da temática estudada e ao atendimento dos objetivos propostos, incluindo os seguintes temas: Desenvolvimento Sustentável; Consumismo; A Maturidade do Design Sustentável. 3.1. DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL A definição de desenvolvimento sustentável é aquele que atende às necessidades do presente sem comprometer a possibilidade de as gerações futuras atenderem as suas próprias necessidades (CNUMAD, 1988, p.46). Esta definição foi elaborada pelo relatório de Brundtland, porém, Cavalcanti (2003), aponta que o relatório descreve o nível do consumo mínimo partindo das necessidades básicas, mas é omisso em relação ao nível máximo de consumo dos recursos naturais. Observa também, que quando se fala sobre o desenvolvimento sustentável, é preciso considerar não só os aspectos materiais e econômicos, mas o
3 conjunto que o compõe, ou seja, seus aspectos políticos, sociais, culturais e físicos (CAVALCANTI, 2003). A respeito da discussão entre necessidade básica e excesso, em uma pesquisa patrocinada pelo Ministério do Meio Ambiente (2012) uma interessante questão é levantada sobre quem decide o que é necessário e o que é supérfluo. A resposta para a mesma ainda é desconhecida, mas Cavalcanti estabelece a diferença entre o necessário para a vida humana e o necessário da sociedade de consumo: Longe de buscar a satisfação das necessidades, o capitalismo se sustenta justamente pela busca constante de criar e suscitar novas necessidades, única forma pela qual o excedente gerado na produção pode realizar-se no mercado. A produção crescente exige um consumo crescente, ou seja: necessidades continuamente insatisfeitas (CAVALCANTI, 2003, p.122). Este excesso, ou supérfluo, é chamado de consumismo. Trigueiro (2013) estabelece a diferença entre consumo e consumismo. Para ele, o ato de consumir é necessário e favorece a vida, já o sufixo ismo alude a desperdício e excesso, destrói os recursos fundamentais a vida. 3.2. CONSUMISMO A história do consumismo começa após a Segunda Guerra Mundial. Antes, a estratégia das empresas era voltada para a produção, mas com a necessidade de reconstrução pós-guerra o consumidor é descoberto. Daí em diante, o número de objetos presentes nas vidas dos consumidores só aumentou. Uma família de quatro pessoas possuía entre 150 e 200 objetos, e hoje possui de 2 mil a 3 mil (KAZAZIAN, 2005). Portilho (2005) relata que estes consumidores eram considerados como vítimas do capitalismo porém, tem-se hoje uma visão de que o consumo é uma prática cultural e opcional. Isto porque fica claro que o consumo saiu da área da necessidade básica e se elevou principalmente para o nível do desejo (Citado por PRUDÊNCIO, MAZZARINO, LAROQUE, 2011). Em 1945, este progresso começa a perder a inocência, as bombas atômicas lançadas em Hiroshima e Nagasaki despertam a sociedade para o poder de destruição do homem e então são levantados alguns questionamentos éticos (KAZAZIAN, 2005). Mas isso não foi o suficiente para atingir o nível de reflexão necessário para que o
4 almejado desenvolvimento industrial e econômico fosse pensado de maneira suficientemente sustentável. O significado da palavra consumir, no dicionário (MICHAELIS, 2015) é: destruirse, porém, no início da Revolução Industrial a hipótese de os recursos naturais acabarem não era nem mesmo cogitada; o que hoje é visto como uma possível realidade e que tem como possibilidade a inexistência humana. Hoje já consumimos 30% a mais de recursos do que a Terra é capaz de aceitar, e isso se torna ainda mais grave quando se considera que somente 20% da humanidade consomem 80% desses recursos, (TRIGUEIRO, 2012). No entanto, o objetivo não é fazer as pessoas não consumirem, segundo Hélio Mattar, diretor-presidente do Instituto Akatu, o consumo é vida, é preciso consumir, o fundamental é que haja reflexão neste ato, quanto às suas consequências sobre a sociedade, o meio ambiente, a economia e sobre os próprios indivíduos. É o que a Akatu chama de política dos 4R s, onde o primeiro deles é o repensar, seguido dos outros já conhecidos R s, reduzir, reutilizar e reciclar. Neste contexto, ressalta-se sobre a urgência de uma nova cultura baseada no consumo consciente. Essas transformações dependem, em grande parte, de mudanças profundas na teoria do conhecimento e nas ciências em geral (CAVALCANTI, 2003). 3.3. A MATURIDADE DO DESIGN SUSTENTÁVEL O design é um solucionador de problemas, portanto, encontra-se também na profissão a possibilidade de buscar soluções projetuais que tenham menor impacto no meio ambiente, o que está sendo chamado aqui de design sustentável. Manzini e Vezzoli (citado por STRALIOTTO, 2009, p. 114) trazem um conceito de níveis de maturidade para esse design sustentável. Santos (2013) também propõe os mesmos níveis acrescentando o primeiro, não apresentado anteriormente por Manzini e Vezzoli (Figura 1). Esse modelo mostra que o processo para alcançar o nível do consumo suficiente é um caminho evolucionário, sendo que cada nível requer o entendimento e o exercício do nível anterior. É visível também que quanto maior o potencial de impacto do nível, maiores serão as barreiras enfrentadas para sua implementação.
5 Figura 1- Processo evolucionário em direção ao consumo sustentável Fonte: Adaptado de Santos (2013) No primeiro nível, não há intervenção nas características dos produtos, o foco está nos processos e operações, as ações contribuem para a redução do consumo de matéria-prima, energia e água. Straliotto (2009, p.115) traça um paralelo do mesmo com as soluções fim de linha, que segundo ele são as que buscam solucionar os impactos ambientais com medidas paliativas, não os evitando, apenas remediandoos. O segundo nível constitui-se principalmente pela substituição de materiais não renováveis por materiais renováveis, é feito também o redesign do produto. Apesar de ter ação mais direta em relação ao meio ambiente, suas ações não resolvem os problemas em longo prazo. O terceiro nível atua diretamente no projeto do produto, partindo do próprio conceito. Apresenta maior resistência de implementação que os demais, pois exige consideráveis mudanças no estilo de vida do usuário. O quarto nível representa a implementação de sistemas produto-serviço, que podem ser exemplificados por alguns projetos apresentados por Kazazian (2005) em sua proposta de produtos mais leves. Este nível busca desmaterializar todo ou parte do consumo mediante a satisfação do usuário via serviços associados ao produto (SANTOS, 2013). O sistema produto-serviço responsabiliza a empresa não só pela
6 venda do produto, mas inclui manutenção, reparos, reciclagem de peças e reposição do produto final (RAPOSO, CESAR, KIPERSTOK, 2014, p. 24). O quinto nível é o do consumo suficiente, consumo consciente, ou ainda consumo responsável. Segundo Santos (2013), este nível encontra maiores dificuldades em sua implementação e busca aproximar o consumo das necessidades reais de cada indivíduo dos limites de resiliência do planeta Terra. Este último nível ainda necessita de estudos em sua área e sua definição é a mais recente em relação aos outros. Percebe-se que o consumo consciente envolve no mínimo três áreas, a indústria, o design, e o usuário. Em relação ao usuário, define-se o consumo consciente através da descrição da Akatu, que o apresenta como sendo: O ato ou a decisão de consumo (compra ou uso de serviços de bens industriais ou naturais) praticado por um indivíduo (uma pessoa física) levando em conta o equilíbrio entre a satisfação pessoal, as possibilidades ambientais e os efeitos sociais de sua decisão (AKATU, 2012). Outros autores reforçam que para este consumidor responsável, não somente o produto ecológico é importante, mas também a conduta social e ambiental da empresa que o oferece. E acrescentam ainda que as empresas também podem contribuir para que os indivíduos se tornem consumidores mais conscientes (ALVES et al. 2011), sendo este um componente da participação da indústria. No design, foram citados os produtos mais leves propostos por Kazazian (2005), neles a desmaterialização do produto é um dos pontos importantes, através da aplicação do sistema produto-serviço e do ecodesign. Reforçando o fato de que estes níveis são processos evolucionários, ou seja, neste último nível todos os outros quatro já mencionados também são utilizados. Outro fator importante neste nível, conforme MANZINI e VEZZOLI (citado por ZACAR, 2010), é a possibilidade de compartilhamento de produtos pelos usuários, o que reduz ainda mais a quantidade de matéria física. Entende-se então que ao atingir este nível a sociedade estará mais próxima de um desenvolvimento e consumo com responsabilidade social e ambiental. 4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
7 A pesquisa se mostrou eficiente para o entendimento geral das áreas de estudo envolvidas: design, consumo e desenvolvimento sustentável. Evidenciou-se a necessidade de mudanças nos padrões de consumo e a urgência em se obter uma redução da extração de recursos naturais, a fim de possibilitar ao planeta o tempo necessário para sua recuperação. O consumo consciente é uma das etapas do processo para se atingir um desenvolvimento mais sustentável. Sendo que esse é um caminho longo e de difícil transição, e que ainda necessita de abordagens que aprofundem seus conhecimentos e facilitem sua execução. Foi possível perceber também o envolvimento de no mínimo três setores no consumo responsável: a indústria, o usuário e o design, sendo que a participação da indústria se dá principalmente em suas ações que devem ser refletidas, não só em relação aos aspectos ambientais, mas também nos sociais. Além disso, podem contribuir para tornar o usuário mais consciente, através do exemplo de suas próprias atitudes. O usuário se apresenta com o encargo de pensar no seu ato de compra, e suas consequências para a sociedade como um todo. O designer tem a responsabilidade de projetar produtos e/ou serviços que atendam a expectativa do usuário causando o menor impacto possível. Portanto, o conjunto desses fatores torna o ato de consumo mais consciente e responsável diminuindo os efeitos nocivos do mesmo para o planeta.
8 REFERÊNCIAS AKATU. Akatu Mirim. Disponível em: <http://www.akatumirim.org.br/#/tema/7>. Acesso em: 23 Abril 2015. AKATU. Akatu. Disponível em: <http://www.akatu.org.br>. Acesso em: 28 Abril 2015. ALVES, Ricardo Ribeiro, et al. Consumo Verde: comportamento do consumidor responsável. Viçosa: Ed. UFV, 2011. BRASIL. MINISTERIO DO MEIO AMBIENTE. SECRETARIA DE ARTICULAÇÃO INSTITUCIONAL E CIDADANIA. O que o brasileiro pensa do meio ambiente e do consumo sustentável: mulheres e tendências de consumo atuais e futuras no Brasil. Rio de Janeiro: Publit, 2012. CAVALCANTI, Clóvis. (org.) Desenvolvimento e natureza: estudos para uma sociedade sustentável. 4. ed. São Paulo: Cortez, 2003. CNUMAD - Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento. Nosso futuro comum. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1988. GIL, Antônio Carlos. Como elaborar projetos de pesquisa. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2002. KAZAZIAN, Terry. Haverá a idade das coisas leves: design e desenvolvimento sustentável. São Paulo: SENAC, 2005. MELHORAMENTOS. Michaelis. Disponível em: <http://michaelis.uol.com.br/moderno/portugues/index.php?lingua=portuguesportugues&palavra=consumir>. Acesso em: 03 Junho 2015. PRUDÊNCIO, Ana Valquiria; MAZZARINO, Jane Márcia; LAROQUE, Luiz F. da Silva. A temática ambiental no ensino do Design. Desenhando o futuro 2011 1º Congresso Nacional de Design. Bento Gonçalves, v.01, n.1, p. 1-10, 2011. RAPÔSO, Aurea; CESAR, Sandro Fábio; KIPERSTOK, Asher. Sustentabilidade, design e sistema de produto-serviço: inter-relações para produção de estofados
9 em pequena escala. Estudos em Design. Rio de Janeiro: v. 22, n. 2, p. 20 43, 2014. SANTOS, Aguinaldo. Níveis de maturidade do design sustentável na dimensão ambiental. In: MORAES, D. D.; KRUCKEN, L.; Cadernos de Estudos Avançados em Design: Design e sustentabilidade I. 2ed. Barbacena: EdUEMG, 2013. STRALIOTTO, Luiz Marcelo. Ciclos: Estudo de casos de ecodesign de jóias. 2009. 224 f.. Dissertação (Mestrado em Design) Escola de engenharia e Faculdade de Arquitetura, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre. TRIGUEIRO, André. Mundo Sustentável 2: novos rumos para um planeta em crise. São Paulo: Globo, 2012. ZACAR, Claúdia Regina Hasegawa. Design e Flexibilidade: estratégias para o gerenciamento da obsolescência de telefones celulares. 2010. 182 f.. Dissertação (Mestrado em Design) Setor de Ciências Humanas, Letras e Artes, Universidade Federal do Paraná, Curitiba.