O APOIO MATRICIAL COMO PROCESSO DE CUIDADO NA SAÚDE MENTAL Patrícia de Bitencourt Toscani 1 Durante a década de 70, o processo da Reforma Psiquiátrica possibilitou construir uma nova política de saúde mental proveniente das exigências de um novo modelo de atenção no Brasil, considerando a Lei 10.216,de 6 de abril de 2001 que dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais e redireciona o modelo assistencial em saúde mental, e o conjunto de iniciativas políticas, científicas e sociais ocorridas na época, que ofereceram ao portador de sofrimento psíquico uma atenção mais humanizada e efetiva, dando-lhe a alternativa de tratamento extra-hospitalar, buscando também a reinserção social destas pessoas. Ainda neste contexto vimos o surgimento de serviços substitutivos, os Centros de Atenção Psicossocial, que objetivam as questões anteriormente mencionadas, juntamente com novas práticas humanizadoras que acreditam nas pessoas portadoras de sofrimento psíquico. Este resumo pretende relatar a experiência de integração dos serviços de saúde mental, mais especificamente o CAPS I(Centro de Atenção Psicossocial) servindo de apoio matricial para a ESF (Estratégia Saúde da Família), numa tentativa de ampliar o processo da reforma psiquiátrica, buscando uma nova maneira de cuidar em Saúde Mental.Propôs-se então realizar apoio matricial através da integração das equipes, favorecendo o sistema de referência e contra referência; e capacitando os profissionais da ESF a fim de desenvolver a intersetorialidade na Rede Municipal de Saúde, possibilitando o acolhimento e a vinculação dos possíveis usuários de CAPSI a ESF, aumentando assim a resolutividade na saúde coletiva. 1 Enfermeira. Especialista em Interdisciplinariedade em Terapia Intensiva com ênfase em oncologia. Enfermeira do CAPSI da Secretaria de Saúde de Santiago-RS, e docente do curso Técnico de enfermagem da Universidade Reginal Integrada URI Santiago RS. Endereço Duque de Caxias, 517 ap. 102. Bairro: Centro CEP: 97700-000. Endereço eletrônico: pbtoscani@hotmail.com
A Estratégia Saúde da Família foi concebida em 1994 pelo Ministério da Saúde, tendo como objetivo reorganizar a prática assistencial em novas bases e critérios de substituição do modelo hospitalocêntrico. O mesmo documento regulamenta os princípios de atuação dessa Estratégia, os quais mantêm as diretrizes do SUS como: universalidade equidade, hierarquização e entre estas a integralidade, visando um sistema que garanta a atenção integral aos indivíduos e famílias e seja assegurado a referência e contra-referência para diversos sistemas, principalmente para as especificidades. Este trabalho surgiu devido a necessidade de intensificar o cuidado em saúde mental na rede de atenção básica propondo-se cumprir a diretriz do acolhimento, entendido pela possibilidade de universalizar o acesso, abrir a unidade para todos usuários que dela necessitarem independente de sua enfermidade, e servindo ainda como escuta qualificada e compromisso com a resolução do seu problema de saúde, dar-lhes encaminhamentos seguros quando necessário, e ainda estabelecer o vínculo de usuário do CAPS com a equipe da ESF, também a co-responsabilização destes para com seus pacientes usuários do serviço de saúde mental, possibilitando a promoção da saúde e intervindo na redução de agravos, sendo o CAPS I suporte, e referência em saúde mental para esta Estratégia. Foi desenvolvido na ESF São Vicente no município de Santiago-RS, onde propôs-se assistência em saúde mental na atenção básica, através da integração e intersetorialidade,e vinculação entre usuários de CAPS e profissionais da ESF, Trata-se de um estudo descritivo qualitativo que teve início com a integração entre as equipes (CAPS/ESF), a fim de favorecer o sistema de referência e contra referência, seguido de capacitação, onde se discutiu temas pertinentes a Saúde Mental sugeridos pelas mesmas, tais como: reforma psiquiátrica; funcionamento de CAPS I; processo de triagem e entrevista psiquiátrica;diferenças entre psicose e neurose, seguido de estudos de caso de clientes do CAPS I e pertencentes à área de abrangência da ESF São Vicente. Em um segundo momento o CAPS disponibilizou suporte técnico-pedagógico, teórico e prático para continuidade do matriciamento entre as equipes. Ocorreram encontros semanais, totalizando vinte, e estes, proporcionaram à ESF acolher os possíveis usuários
do CAPSI e realizar os encaminhamentos e acompanhamentos com mais segurança e maior resolutividade. O apoio matricial funcionou como uma retaguarda especializada às equipes de referência ou, ainda, como uma atividade complementar da rede, favorecendo o vínculo, o acolhimento e principalmente a integralidade, focando o fazer saúde no sujeito, e não na doença. Considerando a Saúde Mental historicamente, conforme Teixeira, Mello e Grando (1997) até o século XVIII os doentes mentais eram vistos como seres possuídos por demônios; devido este motivo, eram mantidos isolados, acorrentados e tratados como criminosos. No final do século XVIII surge na França, um médico que provocou uma revolução na assistência aos doentes mentais, iniciando a humanização da assistência, e logo após Freud traz a visão do homem como um ser composto pelo físico e pela mente e ainda um produto de sua história de vida. A Reforma Psiquiátrica teve início mais tarde, na Itália por volta de 1960, com Rotelli e Baságlia e a partir daí obteve âmbito mundial. No Brasil, este movimento começou a ser pensado em 1987 com a I Conferência Nacional de Saúde Mental, onde transcorreram várias ações neste âmbito de Reforma Psiquiátrica e Luta Antimanicomial, buscando um novo olhar sobre a loucura e conseqüentemente no tratamento de pessoas portadoras de sofrimento psíquico. No Brasil o SUS foi criado para garantir ações de prevenção, promoção e recuperação da saúde da população, e também para assegurar para qualquer pessoa acesso aos serviços de saúde, conforme a constituição de 1988 e posteriormente confirmado pela lei número 8.080/90 que dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços, conforme o Ministério da Saúde (2008). A reforma psiquiátrica vem em busca de transformação do modelo clássico, da desconstrução dos manicômios e criação dos denominados Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), que constitui um serviço comunitário com o papel de cuidar pessoas que sofrem com transtornos mentais severos e persistentes, no seu território de abrangência. A partir deste contexto redefine-
se inclusive o conceito de saúde mental que pela Organização Mundial de Saúde (OMS) como a capacidade de estabelecer relações harmoniosas com os demais e a contribuição construtiva nas modificações no ambiente físico e social, alguns autores ainda definem como concepção integral do ser humano, uma entidade biopsicosocial e indisolúvel. A Estratégia Saúde da Família e o Centro de Atenção Psicossocial sofreram grande progresso na política do SUS. Este avanço deve-se a vinculação destas equipes, propiciando o aumento da resolutividade, neste contexto surgiu o apoio matricial, que constitui um arranjo de serviços que complementa as equipes de referência. Sendo a equipe de referência a responsável pelos seus pacientes, ela geralmente não os encaminha ela pede apoio. Os serviços de referência que dão apoio matricial passam a ter dois usuários, o usuário do serviço e o próprio serviço. O apoio matricial é, portanto, uma forma de organizar e ampliar a oferta de ações em saúde, que lança mão de saberes e práticas especializadas, sem que o usuário deixe de ser cliente da equipe de referência, favorecendo a construção de vínculos terapêuticos e responsabilização das equipes. As equipes de referência do apoio matricial são como ferramentas indispensáveis para a humanização da atenção e da gestão em saúde, favorecendo a integralidade do atendimento, o matriciamento então é como uma atividade complementar da rede, aumentando a capacidade resolutiva de problemas de saúde pela equipe local, e compartilhando responsabilidades. Considerando a integralidade como princípio do SUS e principalmente sua importância estratégica para a consolidação do novo modelo de atenção a saúde, ela ainda busca uma apreensão ampliada das necessidades de saúde da população atendida. Assim a soma de olhares, como se propõe no apoio matricial, resulta numa abordagem integral dos indivíduos. CAMPOS e DOMITTI (2007) retratam o objetivo do apoio matricial como: assegurar retaguarda especializada a equipes, incluindo suporte assistencial e técnico-pedagógico às equipes de referência, ainda refere que a equipe ou profissional de referência são aqueles que têm a responsabilidade pela
condução de um caso individual, familiar ou comunitário, objetivando ampliar as possibilidades de construção de vínculo entre profissionais e usuários. Com essa estruturação as especificidades ocupam um lugar de apoio junto às equipes de referência, objetivando ampliar sua clínica. Segundo Figueiredo (2005) o apoio Matricial da saúde mental seria suporte técnico especializado em que conhecimentos e ações geralmente ligados a saúde mental, são ofertados aos demais profissionais de saúde e a equipe interdisciplinar na composição de um espaço de troca de saberes, auxiliam a equipe a lidar com a subjetividade dos usuários. Faz-se necessário as equipes de saúde repensarem o caminho a seguir no que diz respeito a assistência integral a saúde, onde o primeiro passo é resgatar o sentido de ser humano, analisando que este é composto por mente, corpo, espírito e inserido em um contexto social. Repensou-se então a integralidade na saúde, afim de, cuidar plenamente e co-responsabilizar as equipes de referência ou seja a atenção básica, buscando a soma de olhares visando uma abordagem integral ao indivíduo, fazendo com que este seja cuidado de forma plena em sua comunidade, resgatando sua cidadania e seus direitos. Palavras - chave: Apoio Matricial, CAPS, ESF Área temática: Organização e gestão do trabalho REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BRASIL. Ministério da saúde. Lei 10.216 de 06 de abril de 2001. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil/leis/leis2001/l10217.htm>. Acesso em: 10 jan. 2008. CAMPOS, Gastão Wagner de Souza; DOMITTI Ana Carla. Apoio matricial e equipe de referência: uma metodologia para gestão do trabalho interdisciplinar em saúde. Cadernos de Saúde Pública v.23 n.2 Rio de Janeiro fev.2007. Disponível em:<http://www.scielo.br/pdf/csp/v23n2/16.pdf>. Acesso em 24 de julho de 2007.
FIGUEIREDO, M. D. Saúde Mental na Atenção Básica: Um estudo hermenêutico-narrativo sobre o Apoio Matricial na rede SUS-Campinas(SP). Dissertação de Mestrado. Campinas: São Paulo,2005. TEIXEIRA, Marina Borges; MELLO Inaiá Monteiro; GRANDO, Lúcia Helena; FRAIMAN, Dinah de Perwin E. Manual de Enfermagem Psiquiátrica. São Paulo: Atheneu, 1997. SECRETARIA DA SAÚDE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL. Legislação Federal e Estadual do SUS. Porto Alegre:Rio Grande do Sul,2000.