DOCÊNCIA E A (IN)DISCIPLINA: UMA REFLEXÃO NECESSÁRIA



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Transcrição:

DOCÊNCIA E A (IN)DISCIPLINA: UMA REFLEXÃO NECESSÁRIA VALENTE, Fabio Eduardo 1 SCALET, Daniella 2 Introdução A docência não é constituída como uma arte, dom ou intuição, como muitos pseudointelectuais a descrevem e reduzem na atualidade, relegando-a uma subjetividade, que leva teóricos a debruçarem-se sobre os diversos temas que a compõem, a fim de torná-la mais repleta de seriedade e credibilidade. Para exercê-la e nela atuar, são necessários domínios de técnicas e práticas pedagógicas alicerçadas em competências e habilidades. O ambiente escolar é demasiadamente complexo e inclinado aos conflitos, destacando a principal relação permeada e promovida pela escola: entre aluno e professor. Diariamente, relação de caráter intrinsecamente afetivo, envolve a necessidade de conhecimento aprofundado da produção científica que vem sendo realizada. Somado a isso, há profunda necessidade de saber interpretar as legislações, resoluções e disposições que se fazem através da legalidade normativa. Isso sem contar a necessidade de noções privilegiadas de ética para enfim, se pensar em processo de aprendizagem. Acreditamos ser impossível realizar a instrução e educação sem esses fundamentos, assim como se torna paradoxal lecionarmos e não entendermos que ocorreram transformações coletivas e individuais aceleradas na sociedade e no ambiente escolar, causadas principalmente pelo advento da globalização nas duas últimas décadas do século XX. Cabe ressaltar a importância desse fenômeno, que também foi responsável pela difusão dos meios de comunicação e tecnologia e está atrelado ao processo de democratização do ensino no país, transformando as relações interpessoais e intrapessoais do ambiente sociohistórico. Lecionar na realidade educacional brasileira engloba a aceitação das dificuldades constantes, mutáveis e dinâmicas em nosso trabalho, assim como o reconhecimento da necessidade de debruçar-nos com maior exatidão ao conhecimento científico, empreendermos processo dialógico que permita a busca por soluções, caminhos de atuação e novos 1 Licenciado e bacharelado em História, especialista em Ética Valores e Cidadania na Escola, cursando o 2º semestre do curso de Pedagogia. Professor das redes públicas municipais de Santos e Mongaguá. 2 Especialista em Educação Infantil e Gestão Educacional, Mestre em Educação. Professora do curso de Pedagogia na Faculdade do Guarujá e do curso de pós-graduação em Ética, Valores e Cidadania na Escola UNIVESP-USP.

questionamentos sobre assuntos pertinentes a aqueles que atuam na docência e que desfrutam tanto os prazeres como as dificuldades da profissão. Se não fizermos isso, rumaremos em uma trina de direções constituídas de idealismo, saudosismo e anacronismo, que quando direcionados e aplicados, beiram ao senso comum e implicam em patologias e descontentamentos que serão sentidos pelos profissionais nos longos e árduos anos de trabalho. A reflexão neste texto parte de uma realidade comum encontrada nas escolas: a desatenção dos alunos na sala de aula e falta de comprometimento com o processo de aprendizagem e à figura do professor. Alunos que conversam assuntos pessoais e de caráter privado normalmente durante as explicações; atendem celulares e os usam para tocar músicas; dormem; interrompem a aula com perguntas inapropriadas em momentos inadequados, entre outras características são comuns no cotidiano escolar atual. Não raros são os relatos que estes alunos quando chamados à atenção, ouvem e observam, mas poucos minutos depois repetem o ato que havia sido sancionado. Estes casos, normalmente, apresentam a seguinte configuração: dificuldade ou incapacidade do aluno em praticar alteridade com os professores, assim como a total ausência do sentimento de vergonha e de culpa durante essas práticas. Sabe-se da necessidade da promoção da alteridade no ambiente escolar como alternativa na melhora das relações entre docentes e discentes e sob essa premissa, estudos realizados evidenciam a importância dos sentimentos na área da educação, destacando que vergonha e culpa são os mais estudados por psicólogos e pedagogos que os concebem como reguladores do sujeito ético, consciente, autônomo e generoso. Sem sentir o agir desses dois sentimentos, a Psicologia entende que o sujeito não pode ser generoso, portanto é incapaz de colocar-se no lugar do outro. A discussão que se apresenta, trata sobre a relação entre o comportamento e disciplina e a mesma como fenômeno social. A problemática foi relacionada ao contexto educacional brasileiro, traçando mudanças que acompanharam a trajetória da História educacional. Por fim, apresenta-se as problemáticas e implicações que essas concepções trazem na forma das relações entre professores (docentes) e alunos (discentes). O texto pretende encorajar os profissionais da docência a se debruçarem com maior ênfase e entusiasmo sobre o campo da pesquisa educacional, seja na área da Psicologia, Didática ou Metodologia. Além disso, pretende instigar e promover novos questionamentos, reflexões e debates, pois de fato, é sob esses alicerces que se constitui a ciência. Essa conjuntura é essencial para aquele que lê, atua e compreende os desdobramentos e a

necessária continuidade do fazer científico que está atrelado ao instável dinamismo do tempo e das mudanças do mundo contemporâneo. Dinamismos e mudanças que marcam uma contemporaneidade sedenta pelo fazer e compreender o que não foi feito e não foi compreendido. 1 A Relação do Comportamento e Disciplina A função docente e seu exercício são configurados e fomentados por conjunturas contempladas pelo cientificismo, somadas aos processos históricos e inflexões antropológicas. Embora não seja parte integrante do método científico e de sua dialogicidade, não se pode esquecer a inexorável influência do senso comum nesse processo. Não se pode negar essa abstração, muito menos sua importância social e científica. Para falar de disciplina no ambiente escolar, deve-se primeiramente tratar da relação que permite o seu surgimento, no caso, a relação de principal destaque do ambiente escolar, ou seja, a que concerne ao professor e aluno. Bill Rogers (2008) trata dessa relação e apresenta definição sobre os desdobramentos, constituições e relevâncias das mesmas para os seus protagonistas. O estudo desse canal de diálogo e trocas de conhecimento e aprendizado, ora se mostra pragmático, ora surpreendente. É constituído por imprevisibilidades e novidades, norteadas principalmente por concepções de direitos e deveres, assim como um conjunto de expressões corporais que caracterizam diversos comportamentos. Nesse cenário um tanto incomum no qual os alunos e os professores trazem agendas, sentimentos e necessidades pessoais e no qual certas obrigações e direitos devem ser equilibrados, tanto professor quanto aluno estão ensinando um ao outro por meio de seus comportamentos relacionais diário (ROGERS, 2008, p.17). Em um segundo momento, deve-se conceber que a grande produção científica voltada à área educacional dos últimos cinquenta anos correlaciona a relação professor e aluno com a disciplina e tratar dos dois elementos de forma separada se mostra praticamente impossível. Permitir tratamento à discussão com ostracismo e sem a devida atenção seria demasiado descaso com uma discussão importante. Importante por no mínimo se mostrar histórica o que já lhe garante caráter notável. Dessa forma, discuti-la e repensá-la seria, sem saudosismos, valorizar e credibilizar os renomados autores que trataram com demasiado cuidado e entusiasmo a problemática, como Vasconcellos (2010).

Antes de mais nada, para enfrentar o problema da disciplina, é necessário compreendêlo, ou seja, entender o que está acontecendo hoje com a disciplina na sala de aula, na escola (e na sociedade). Com certeza, uma série de fatores influencia, mas devemos analisar como ocorre concretamente como síntese de múltiplas determinações (VASCONCELLOS, 2010, p.25). Outro motivo para se debruçar sobre o tema, seria a necessidade do pensar e do agir do homem, instigado pela demanda que se apresenta através do processo histórico. Como uma confluência, a dinamicidade histórica, exige que este sujeito, denominado antropologicamente o sujeito sociohistórico, desenvolva sínteses e interpretações sobre o seu tempo, pressupondo que é dessa maneira que se constitui o fazer e o agir no mundo, acoplados à ação e reflexão consciente, ou seja, o processo constitutivo da própria autonomia, daquilo que podemos chamar de plenitude do Homo Sapiens. Obviamente, esse caminhar conta com duas etapas principais que se apresentam: primeiro o tempo físico unido à psiquê do sujeito (respeitado os devidos estágios comportamentais da anomia e heteronomia degraus que não podem ser pulados na formação dessa plenitude), e o tempo sociohistórico, muito mais dinâmico, mutável e imprevisível que o primeiro. Como uma corrida contra o tempo, o homem luta por uma maturação que se aproxime ao máximo da percepção e interpretação desses dinamismos, se formando e capacitando, motivado e inspirado pela necessidade de ler, explicar e possivelmente transformar o tempo. Tempo este, tão modificado pelo homem. No entanto, jamais tido como propriedade dele. É notório o valor e destaque que o docente contemporâneo proporciona em seus discursos cotidianos, dando ênfase à importância disciplinar para o processo de aprendizagem e na consolidação dos valores e atitudes do aluno, ou seja, naquilo que pode ser entendido pelo caráter do sujeito. Há muito interesse e discussão sobre o assunto, pois existe uma crença proveniente de parte da sociedade e do próprio ambiente escolar, de que sem a apreensão, instrução e aprendizado de um chamado processo disciplinar, revertido naquilo que podemos chamar de disciplina, não seria possível contemplar aquilo que se entende como objetivo da educação contemporânea: instruir e educar. Genericamente falando, o senso comum escolar entende que a disciplina seria o comportamento que o aluno deveria ter e demonstrar no espaço escolar, sendo sumariamente detectadas nas inúmeras situações que se dão nesse espaço. Portanto, um pré-comportamento alicerçado por expectativas oriundas do macro e micro espaços sociais, exigidos por todas as esferas que compõem esses perímetros, mas encabeçados e cobrados principalmente pela família, gestão escolar e corpo docente.

Vasconcellos (2010) apresenta características da relação comportamento e disciplina e um conjunto dessas expectativas, enfatizando a docente: Geralmente, disciplina é entendida como a adequação do comportamento do aluno àquilo que o professor deseja. Só é considerado disciplinado o aluno que comporta-se como o professor quer. A questão que poderia ser colocada é a seguinte: que comportamentos deseja o professor? É frequente o desejo do professor que o aluno fique quieto, ouça as explicações que tem para dar, faça direitinho os exercícios e pronto. Se isto acontecer, sentir-se-á realizado (VASCONCELLOS, 2010, p.47). Aquino (1996), também apresenta através de diversos autores, concepções dessa relação, um dos teóricos participantes dessa constituição, Yves de La Taille, aponta que o caráter formador da disciplina é amplamente questionável, pois a rigor, a disciplina em sala de aula pode equivaler à simples boa educação: possuir alguns modos de comportamento que permitam o convívio pacífico [...] O aluno comportado pode sê-lo por medo do castigo, por conformismo (DE LA TAILLE, 1996, p.10). Logo, vários problemas se fazem presentes quando trata-se do assunto fundamentado na breve, mas valorosa e impactante citação. Inicialmente, pode-se perceber que a primeira problemática a emergir é a dificuldade de empreender diagnóstico do que seria realmente a disciplina, diferenciando-a de outras duas classificações, chamadas pelo autor de a simples boa educação e alguns modos de comportamento que permitam o convívio pacífico. Essa delimitação é de extrema valia, pois permite discutir e refletir sobre a questão sem a impregnação de comuns, mas perversas confusões. Formas comportamentais como essas, são tão semelhantes à disciplina e se apresentam consolidadas por uma diversidade de fins e começos, intrapessoais ou interpessoais. Além disso, estão dispostas em uma conjuntura e campo de estruturas e relações sociais que circundam complexamente o sujeito nas amplas esferas, transfigurando e transformando formas comportamentais genéricas em específicas, devido à singularidade, personalidade e sentimentos do mesmo. Discutir a relação professor e aluno associados à disciplina e em que práticas ela se constitui, é de intrínseca e inegável necessidade, pois envolve demandas sociais relacionadas à harmonização da convivência nas relações interpessoais, que tem por caminho e finalidade, estabelecer formas de viver processualmente mais saudáveis. É necessário se ater a necessárias classificações (disciplina, simples boa educação, alguns modos que permitam o convívio pacífico) para se entender especificidades que dão suporte e entendimento para

questões que envolvem situações distintas. Dessa forma, tratar o distinto de forma distinta, classificando e especificando essa diversidade de produção de situações e relações, constitui elemento importante para análise e solução da problemática. Torna-se curioso perceber que a imprevisibilidade das ações do homem, somadas às imprevisibilidades que o mesmo insere na sociedade, permite que essa gama de elementos esteja presente em uma única situação ou ausente em uma série delas. Logo, uma série de questões se fazem presentes na abordagem e discussão da questão: Como empreender diagnóstico diferenciando a disciplina, da boa educação e de alguns modos de comportamento que permitam o convívio pacífico? Existe uma forma disciplinar? Que tênues limites cercam o antagonismo consumado pelo fazer e agir do sujeito autônomo e consciente, daquele que se comporta segundo condicionamentos sociais e familiares impostos de forma concreta ou abstrata, mas de caráter repressor? Ao invés de classificarmos os alunos como seres inclinados avidamente às mudanças, seríamos nós ao mesmo tempo, resistentes demais a elas? Vasconcellos (2010) nos mostra que o conceito de disciplina associado à obediência está muito presente no cotidiano da escola, mais ou menos conscientemente; isto porque há uma verdadeira luta em classe, onde o professor está procurando sobreviver, num contexto de tantos desgastes. (VASCONCELLOS, 2010, p.47). A disciplina não pode ser entendida apenas pelo pressuposto da obediência e aplicar reducionismo a ela, não caracterizaria nem a originalidade da discussão. A seguir, pode-se conferir de maneira mais aprofundada a complexidade e ambiguidade do tema. 2 A Indisciplina como Fenômeno Social A confusão entre os elementos acima relacionados, (disciplina, boa educação e modos que permitam o convívio pacífico) também é comentada por La Taille (1996). Ao apresentar a dificuldade, complexidade e ambiguidade da definição do conceito de disciplina, automaticamente se pressupõe a mesma para a definição dos outros dois elementos. A explicitação do autor demonstra pessimismo quanto à capacidade de empreender diagnóstico efetivo sobre a similar tríade, além de mostrar que pensar a disciplina apenas sob o pressuposto da obediência seria simplista demais. O tema é delicado, perigoso até, por três razões, pelo menos. A primeira porque podese facilmente cair no moralismo ingênuo e, sob a aparência de descrever o real, tratar de normatizá-lo. A indisciplina em sala de aula seria decorrência da falta de valores de nosso tempo. Porém, falta de que valores? A segunda seria o reducionismo, que explica um fato por

uma única dimensão. Existe o reducionismo psicológico que, ao fazer abstração de características sociais, culturais e históricas, reduz o fenômeno estudado ao jogo de mecanismos mentais isolados do contexto em que estão. Porém, há também o reducionismo sociológico, que consiste em atribuir a causas gerais todo o comportamento humano, desprezando variáveis psicológicas (estas consideradas como mero subproduto de determinações sociais). Para fugir do reducionismo, duas soluções: ou possuir um grande sistema explicativo que articule várias dimensões ou, na ausência de tal sistema (que é o caso mais frequente), situar claramente a análise no nível escolhido e sem afirmar a onipotência da explicação apresentada. A terceira é a complexidade e a ambiguidade do tema. De fato, o que é disciplina? O que é sua negação, indisciplina? Não é tão simples. Se entendermos por disciplina comportamentos regidos por um conjunto de normas, a indisciplina poderá se traduzir de duas formas: 1) a revolta contra as normas; 2) o desconhecimento delas (LA TAILLE,1996, p.9-10). A normatização da disciplina, de forma a propor e legitimar de maneira clara ou oculta, uma maneira ou maneiras de ser, não pressupõe a existência de uma conduta disciplinar consciente, oriunda da ação e reflexão do sujeito nas mais singulares e adversas situações. Eleger de forma pré-concebida e estabelecida uma ou algumas condutas de forma repressora e autoritária, não compreenderia o entendimento do sujeito como ser livre e autônomo, capaz de atuar nas esferas de expressões abstratas (ideias, concepções) ou concretas (corporais). Esse processo fatalista e pragmático, inevitavelmente levaria o sujeito a ser escravo e heterônomo, comprometendo seu processo de desenvolvimento. Além disso, os valores que se fazem presentes no cotidiano social são de caráter altamente questionáveis, visto que nossa sociedade é constituída de valores essencialmente judaicos e cristãos. Nenhum repúdio ou apologia que desmereça o advento e consolidação dos mesmos em nossa herança histórica. No entanto, o conhecido processo da globalização, que teve como um dos seus desdobramentos e consequências, a democratização do ensino, trouxe outros valores para a escola, que estão presentes em etnias, religiões e instituições familiares da atualidade. Essa forma produtiva de valores diferentes, que consequentemente produz formas comportamentais foi, e continua sendo incentivada com êxito pelos meios de comunicação em massa, Estados de Direitos e formas econômicas de integração. O educador português Nóvoa (2011) explicita bem a questão ao abordar a existência de valores generosos e perversos. Obviamente, por questões éticas e de impossível classificação ou definição, o notável pensador não destaca quais seriam os valores chamados generosos ou perversos, pressupondo que toda cultura possui essa polaridade.

Determinada a periodicidade histórica ao processo de produção cultural é natural ocorrer instabilidade e mudanças rápidas na classificação e prioridade desses valores pela sociedade. A forma disciplinar, boa educação ou modos de comportamento que estavam presentes em uma antiga escola que se mostrava excludente e impregnada de valores da cultura judaica e cristã, assim como qualquer outra cultura, que também composta de valores generosos e perversos se misturou a outras formas de produção culturais e de comportamentos. Logo, a consolidação desse fenômeno que adentrou a escola, trazendo miscelâneas e coletâneas de seres para seu seio. Não se pode falar do declínio dos valores, mas de uma transfiguração de antigos e padronizados valores que se acoplaram a outros, formando uma nova dinâmica de atitudes, comportamentos e concepções do ser e das novas formas de ser. Por fim, se de fato é difícil conhecer os valores de nossa época, além do tempo que esses permeiam e asseguram relações sociais saudáveis, como se pode definir o sujeito que conhece as regras daquele que as desconhece? Como investigar aquele que as conhece e pratica, daquele que não as conhece e não pratica? Ou por vezes, aquele que as conhece e não pratica? Não praticá-las, seria revoltar-se contra elas? São necessárias análises de inúmeras variantes e atenuantes para se concluir em um processo investigativo, a dicotomia da revolta contra as normas e a tênue linha que envolve a relação, pois o desconhecimento de algumas normas não implica no desconhecimento de outras normas, ou seja, o desconhecimento de uma forma comportamental não implica o desconhecimento de outras formas comportamentais. Nem todas as demandas comportamentais exigidas pela sociedade caracterizam a saúde dela. Há revoltas contra normas que podem levar à construção de relações interpessoais mais saudáveis, obviamente alcançadas através do pacifismo, da consciência e argumentações convincentes. Esse processo nem sempre é tão ameaçador ou nocivo como o senso comum e os meios de comunicação costumam propagar. Muitas revoltas na História do homem garantiram demandas sociais repletas de melhorias de sua vida e sociedade. Como exemplo, podemos citar as revoltas da população brasileira na época do Império (1822-1889), dentre elas a Balaiada, Cabanagem e Sabinada. Considerando suas especificidades, todas essas revoltinhas objetivavam propor melhorias e projetos mais igualitários a um país extremamente desigual e repressor. Somos levados a pensar, refletir e questionar, se essa forma comportamental que aparece demonstrada no comportamento de grande parte dos alunos, é de caráter estritamente transgressor, ausente de qualquer pretensão ideológica política, ou uma forma instintiva do

aluno, acoplada a uma percepção consciente de que o ambiente escolar, suas relações, currículo e formas didáticas são demasiadamente repressoras, anacrônicas e desinteressantes. Ainda segundo o autor, a disciplina traduz-se por uma forma de desobediência insolente; no segundo, pelo caos dos comportamentos, pela desorganização das relações. [...] Hoje, o cinismo (negação de todo o valor, e logo, de qualquer regra) explica melhor os desarranjos da sala de aula. Anteontem, o professor falava a alunos dispostos a acatar; ontem, a certos alunos (pré-) dispostos a discordar e propor; hoje, tem auditório de surdos. (DE LA TAILLE, 1996, p.10) A afirmação do autor chama muito atenção, visto que ao apresentar breve disposição sobre o quadro da disciplina e a radicalidade desse comportamento, destaca o fenômeno do cinismo como responsável por esse agir que incomoda e frustra a docência. O cinismo pode ser entendido como a negação de todo o valor, e logo, de qualquer regra e é descrito como um fenômeno social. Partindo do pressuposto e da inevitabilidade de se entender uma situação sem conseguir fugir das generalizações que surgem, deve-se pensar em hipóteses e questionamentos que permitam entender que processos e desdobramentos levaram o sujeito contemporâneo a entender os valores e as regras como elementos desnecessários e descartáveis facilmente questionáveis. Eis algumas questões: Por que motivos tem ocorrido na sociedade prazer pelas negações de valores e regras? O que a sociedade pretende com isso? A busca desenfreada pelo rompimento com os valores antigos também comprometeu a produção dos novos valores? Algumas dessas perguntas ajudam a compreender sob que indagações norteiam o estudo da disciplina como comportamento. Outra forma de compreensão precisaria de aprofundamento filosófico, visto que existe nítida e constante desvalorização social do amor aos valores e regras. A falta desse elemento não permite ao sujeito dar valor aos valores, muito menos reconhecer a importância das regras no seu processo de emancipação e atuação no mundo. Esses elementos (valores e regras) vêm sendo dissociados e distanciados da concepção dos sujeitos, no que diz respeito à seu valor e implicando em uma falsa concepção de que não são primários, necessário ou saudáveis no estabelecimento daquilo que se entende por prática das boas relações, ou seja, uma sociedade harmoniosa e equilibrada. Cabe considerar que desde a fundação das primeiras comunidades e povoamentos, regras e valores são alicerces na formação das civilizações, além de serem historicamente supervalorizados

por culturas milenares e seculares. Portanto, o que se presencia das produções científicas e orais, nos leva a crer nas relações interpessoais futuras com pessimismo. Não se pode prever ou saber que relações se darão com a valorização das negações dos valores e regras. No entanto, o descontentamento de segmentos sociais significativos torna obrigatória atenção ao fenômeno. A carência de valorização, incentivo e amor a à regras e valores, pode propor dinamismos sociais ainda não previstos e inimagináveis pelos estudioso, justamente pela alta abstração da questão. Os efeitos poderiam ser catastróficos, pois pragmaticamente haveria enorme ausência de pessoalidade nas relações, levando como exemplo a solidariedade entre os seres à extinção. A temporalidade da questão tratada pelo autor é de fácil percepção: dividiu-se o tempo desse processo social em anteontem, ontem e hoje, ou seja, o espaço cronológico de consolidação desse fenômeno foi, e está sendo demasiadamente curto considerando que essa transformação possui tamanha importância para o sujeito, sociedade e suas instituições. A efemeridade dessa relação somada à mutação constante desses valores e regras pode produzir distanciamentos sociais sob os diversos critérios que compõem a sociedade. Distanciamentos de faixas etárias, religiões, etnias. Enfim, o fim de uma sociedade entendida como igual dentro de suas diferenças, mas diferente dentro de suas igualdades. Ao mesmo tempo, essa forma comportamental que vêm frustrando docentes de faixas etárias mais elevadas, pode ser oriunda de uma expectativa que perpassa a subjetividade do docente, sua concepção de mundo. Essa concepção de mundo implica em uma concepção de valores e regras definidas, fazendo-o esperar comportamentos similares aos seus. De maneira ingênua e inconsciente, o docente acaba por desconsiderar as regionalidades, singularidades e particularidades daquilo que se entende por singularidade do outro ser humano. Um exemplo clássico são as produções discursivas nos conselhos finais dos bimestres, onde há números significativos de discordâncias e opiniões entre os docentes. O objetivo principal do Conselho seria discutir os aspectos cognitivos dos alunos, assim como os métodos de avaliação empregados e as situações didáticas propostas. No entanto, parece que a questão disciplinar vem sobrepujando o próprio aprendizado. Isso pode ser visualizando quando se ouve frases de como o aluno é ruinzinho na aprendizagem, mas é quietinho e se comporta muito bem ; Esse aluno é muito inteligente, mas pentelha a aula toda. Sorte dele é que consegue tirar nota. Essa consideração de importância do aspecto de disciplinar, deixando a cognição em segundo plano, pode proporcionar nova configuração às situações de aprendizagem.o disciplinar na escola pode se tornar mais importante que o instruir.

Escutar o professor em sala de aula, não significa necessariamente o sucesso e desenvolvimento de uma situação de aprendizado bem consolidada. Seria ingenuidade em demasia contemplar e defender tal premissa, embora parte da cultura escolar se aproprie dessa generalidade. Mais vale uma situação significativa de aprendizagem sem o ato de ouvir do que ouvir sem o ato significativo de aprendizagem. Não se pode negar a importância do ouvir no processo de ensino e aprendizado, mas não é apenas através dele que aprendemos coisas e temos contato com o mundo. A presente geração valoriza o ato de ouvir em alguns momentos, mas valoriza mais o ato de falar na maioria dos momentos. Também valoriza valores e regras em alguns momentos, mas valoriza mais a ausência de valores e regras na maioria dos momentos. Existem outras ferramentas de aprendizado como a sinestesia e a própria observação. Com a ajuda desses meios, é possível sintetizar falas extensas e tornar a escola mais atrativa para esses jovens. É necessária mudança de estratégia que tenha como premissa a moldagem do método científico de ensino (das teorias e práticas) à realidade social, assim como profissionais que concebam a nova realidade escolar e de alunado da atualidade. Não se trata de render-se ou travar uma batalha pelos valores, mas compreender o mundo e aprender sua configuração e mecanismos de atuação para assim configurá-lo e atuar nele. Não se pode propor projeto educativo com alunos que gostaríamos de ter. Deve-se trabalhar com os sujeitos que temos, respeitando assim suas singularidades e vivências. 3 Indisciplina no Contexto Educacional Brasileiro Crer, defender e empreender apologia à crença e existência de uma única e universal forma disciplinar é inequívoco, pretensioso e infindável. Não se pode afirmar com demasiada convicção, matéria de extrema grandeza e complexidade. Seria como defender que através de uma forma didática estariam garantidos todos os aprendizados das disciplinas e conteúdos. Deve-se, considerar que a juventude da atualidade não vive o melhor de seus momentos no que diz respeito a organização e empreendimento de questionamentos aos governos, muito menos aos sistemas escolares com seus currículos e práticas. A primeira opção apresentada por La Taille (1996) sobre o desconhecimento das normas pela negação de todo o valor, sejam esses generosos ou perversos, nos parece mais plausível para aceitação do que a segunda opção, que trata da revolta contra as mesmas. Desde o estabelecimento da proposta educacional para o Brasil, que se iniciou na esfera privada e no seio da família, e que foi transformada em plano governamental durante nossa História, essa implementação nasceu em um território caracterizado por um número

muito maior de dificuldades e problemas do que realizações e sucessos. Canário (2006), apresenta três fases de transformações que a escola passou, caracterizando consequências profundas em seu seio. A primeira delas é denominada por ele como "escola das certezas". A escola que temos hoje não corresponde a mesma instituição que marcou a primeira metade do século XX. Durante esse século fomos conhecendo três escolas. A instituição escolar sofreu mutações que podemos sintetizar em uma fórmula breve: a escola passou de um contexto de certezas, para um contexto de promessas, inserindo-se, atualmente, em um contexto de incertezas. A escola das certezas corresponde à escola da primeira metade do século que, a partir de um conjunto de valores intrínsecos e estáveis, funcionava como uma "fábrica de cidadãos", fornecendo as bases para a divisão social do trabalho [...]. A escola funcionava em um registro elitista que permitia a alguns a ascensão social, permanecendo isenta de responsabilidades na produção das desigualdades sociais. A escola aparecia como uma instituição justa, em um mundo injusto (CANARIO, 2006, p.16-17). A segunda transformação da escola é denominada "escolas das promessas". O período posterior à Segunda Guerra Mundial marca a passagem de uma escola elitista para uma escola de massas e a correspondente transição de uma escola de certezas para uma de promessas. Nesse período, a extensão quantitativa dos sistemas escolares coincide com uma atitude otimista que associa "mais escola" a três promessas: desenvolvimento, mobilidade social e igualdade (...). Nessa época, a sociologia da educação evidenciou a produção das desigualdades sociais que os sistemas escolares desempenham (...) (CANARIO, 2006, p.17). O autor constata que desde os primórdios da educação como oferta intermediada pela responsabilidade dos Estados de Direito, a elitização da escola não permitiu que a mesma fosse um agente de mudanças na sociedade, mas apenas uma agente na subjetividade de cada indivíduo considerando a conjuntura sociopolítica e econômica da época. Era uma escola que se restringia à formação e transformação do sujeito e não da sociedade, caracterizando a chamada escola das certezas. Em um segundo momento, a escola das promessas aparece em um novo quadro sociopolítico e econômico, afetada pela alteração e nova configuração da sociedade, ou seja, a escola não mudou a sociedade, e sim foi mudada por ela. É nessa escola, como diz o autor, que a sociologia da educação evidenciou a produção das desigualdades sociais que os sistemas escolares desempenham. A escola é produtora de desigualdades, pois é um ambiente político, produzindo seres políticos. A conduta apologética não é colocada nessa discussão. No entanto, a evidenciação nos mostra como foi espantoso para a escola perceber o despreparo físico e de formação profissional que se mostrou com as diversidades

que se apresentaram em um espaço que antes seletivo, logo revertido em coletivo. Em um segundo momento de sua obra, o autor aborda a pragmática e defendida democratização do ensino, destacando que esse fenômeno possui caráter paradoxal. Ao mesmo tempo em que ingenuamente procurou solucionar problemas sociais históricos da sociedade brasileira, tendo inclusive solucionado alguns, a democratização do ensino acentuou processos sociais demasiadamente consolidados em um terreno de desigualdades, problemas e dificuldades, tanto no contexto global, quanto nacional-regional. Segundo ele: A democratização da escola comprometeu-a com a produção das desigualdades sociais, o que fez com que ela tenha deixado de poder ser vista como uma instituição justa em uma sociedade injusta, tendo passado a acentuar níveis de frustração e desencanto que marcam a sua entrada em uma era de incertezas. A escola das incertezas emerge no contexto dos efeitos cruzados do acréscimo de qualificações, acréscimo de desigualdades, desemprego estrutural de massas, precariedade de trabalho e desvalorização dos diplomas escolares [...]. É dessa forma que a escola passa a estar condenada a alimentar processos de exclusão relativa, configurando-se como um jogo de soma nula (os ganhos de um correspondem às perdas de outros) (CANÁRIO, 2006, p.17). Dentro dessa perspectiva, é possível apontar a dificuldade do professor contemporâneo em entender e adaptar-se a essa nova configuração de uma nova sociedade e escola. Uma escola nova que produz novos alunos e que impossibilita a retomada de concepções abstratas e concretas que formaram uma escola antiga. Escola antiga que por sua vez não existe mais, além de contar com uma clientela de alunos, formas de ensino-aprendizagem e tratamentos que seguiram o mesmo caminho. Pensar a escola das incertezas como escola das certezas é o cometimento de imensurável e descartável anacronismo. O educador não deve restringir o processo disciplinador estritamente ao processo de ensino e aprendizagem, esperando com entusiasmo e excedentes expectativas condutas rotineiras e disciplinadas do sujeito no espaço escolar, pois o tempo social e tempo escolar que vivemos, como diz o autor, infelizmente, são pautados em auspícios de incertezas, pessimismos e imprevisibilidades. É tempo de planejar, mas também de lidar com o que não foi planejado, planejando. O tempo da previsibilidade tornou-se o da imprevisibilidade. A rotina deu seu lugar à novidade. Não se trata do entendimento e do ensino de uma forma disciplinar, mas de formas disciplinares que possam ser ensinadas, vivenciadas e aprendidas, respeitadas as vivências e singularidades de cada sujeito.

Essa concepção se mostra mais apropriada para os educadores da atualidade. A adoção e aceitação de propostas de ensino que consigam atender essas demandas de comportamentos e histórias de vida. A expectativa docente é pautada na ideia de que o aluno deve adentrar a escola formalmente disciplinada pela família e sociedade, sendo que, na maioria dos casos, essa esperada formação não acontece, inclusive por mudanças e novos dinamismos das relações entre a esfera pública e privada. Se a família e a sociedade não realizam a esperada consumação dessa disciplinarização, cabe à docência interpretar o processo histórico, pois já foi delegada à escola essa função, embora continue despercebida por muitos, mas visivelmente consolidada na contemporaneidade. Essa configuração vem causando transtornos e frustrações aos docentes comentadas por Vasconcellos (2010). O professor anda confuso com tudo aquilo que vem acontecendo com ele, com a escola e com a sociedade. Há uma profunda mudança na relação Escola-Sociedade e parece que não nos demos conta suficientemente disto (VASCONCELLOS, 2010, p.27). Por fim, é importante destacar a produção científica iluminista do século XVIII, influente nas sociedades ocidentais e que legitimou a necessidade do produzir, compreender e interpretar o mundo através da racionalidade. Esta ajudou a legitimar e reverter a compreensão cultural sob a concepção de mundo, que era puramente teocêntrica e pouco antropocêntrica. O olhar antropocêntrico permitiu que a Filosofia passasse a se preocupar com o estudo e papel da disciplina na vida homem, destacando que ela não se constitui como uma opção dele, mas uma necessidade para ele. Portanto, essa preocupação disciplinar não começou a ser notada apenas por aqueles que atuam no espaço escolar, mas por pessoas que demonstravam preocupações científicas notáveis a respeito da composição e plenitude do homem. Kant, famoso filósofo prussiano, comenta que: [...] a disciplina é condição necessária para arrancar o homem de sua condição natural de selvagem". Não se trata, portanto, apenas de "bons modos": trata-se de educar o homem para ser homem, redimi-lo de sua condição animal. Permanecer parado e quieto num banco escolar é necessário, não para possibilitar o bom funcionamento da escola, mas para ensinar a criança a controlar seus impulsos e afetos. (KANT apud DE LA TAILLE, 1996, p.10) Kant não limitou o estudo da disciplina apenas ao processo cognitivo, embora concebesse como relativa a sustentação de que a falta de disciplina pudesse afetar a alfabetização do sujeito. Destacava a importância do letramento e da instrução, mas entendia que esses elementos eram secundários na formação constitutiva do homem. Tinha como

preocupação principal no estudo desse objeto, a dificuldade que o sujeito encontraria para humanizar-se, promovendo dessa forma uma negatividade derradeira do homem como ser antropológico. Sem disciplinar-se o homem não poderia aprender e agir consciente sobre o mundo, pois o processo de humanização é constituído por uma grande quantidade de fatores, sendo o aprendizado apenas um deles. A falta de humanização do homem constituída como um processo de desumanização comprometeria os processos cognitivos, as relações humanas, a humanidade e seu futuro.embora a afirmação esteja fundada em alicerces e objetivos predominantemente filosóficos, a mesma denota ao campo sociológico e pedagógico, ou seja, a importância do estudo da disciplina contempla as três áreas do conhecimento. Embora diferentes em seu objeto de estudo, todas destacam premissas similares quanto a sua necessidade na vida do homem. 4 Indisciplina e Relação Discente-Docente Se o tema da disciplina ou da falta desta é demasiadamente complexo e de difícil entendimento e definição, seu estudo e diagnóstico exigem formulação e aplicação de métodos objetivados por sistemas explicativos avançados, que tem como objetivo solucionar questionamentos. Resta-nos entender que fenômenos e novos dinamismos psicológicos e sociológicos incutidos no processo histórico geraram comportamentos nos discentes impossíveis de serem conceituados ou classificados, mas que assustam com preocupante crescimento, o docente e seu trabalho. O fato é que essa totalidade comportamental quando não é entendida é reduzida ao nome disciplina. Porém, outras questões emergem nessa reflexão: que mudanças trouxeram exacerbada violência e impessoalidade aos alunos? Quando a falta do amor e interesse pelo saber se consolidou? Quando se passou a buscar satisfações pessoais através das transgressões materiais, como no uso de boné e celulares, materiais proibidos em muitas escolas? Em que momento a profissão docente deixou de ser norteadora de referências para os alunos? É importante se ater ao objeto em questão: alunos exercendo práticas de assuntos privados no espaço público (sala de aula) através de conversas, durante explicações; uso de objetos proibidos previamente; interrupções em momentos inadequados; ausência de culpa e vergonha em suas ações; desinteresses. Essas conversas e formas comportamentais exercidas pelos alunos exigem especificidade de análise porque envolvem influência de fenômenos sociais. Portanto, não podem ser definidas como falta de disciplina de maneira tão simplista. O principal fenômeno social desse problema é comentado por Hannah Arendt, no capítulo

escrito por Sônia A. Moreira França no livro de Aquino (1996). A autora interpreta o fenômeno comportamental sustentando a tese de que esse quadro se deu devido a confusão na relação de atribuições entre os espaços e interesses públicos e privados, denominada de "privatização do espaço privado". Além disso, apresenta correlação e confusão dos conceitos de liberdade e livre-arbítrio com contribuintes desse quadro. Os delimitados fatores, somados ao cinismo (negação de todo valor e regra) constituem características psicológicas e sociológicas que explicitam essa generalidade comportamental, embora também demonstrem influências e mudanças oriundas de estruturas e ações políticas, no caso das autarquias e dos próprios governos. A sociedade moderna transformou os interesses da vida privada - em que o homem defende a vida e a sobrevivência da espécie - em interesses coletivos. [...] esse acontecimento histórico criou um modo de organização de povos e comunidades política como sendo uma grande família, cujos negócios devem ser geridos por uma gigantesca administração doméstica. A consequência disso é que o processo da vida foi canalizado para a organização pública e as relações humanas passaram a ser vividas e expressas sob um ponto de vista privado, alterando completamente o modo de existência da esfera pública, que passou a se preocupar em manter a vida dos indivíduos e da espécie. A dependência mútua entre os homens, para a sobrevivência, adquiriu importância pública. Ao transformar a preocupação individual com a propriedade privada, fonte de subsistência, em preocupação política de todos os homens, exigiu-se da esfera pública a proteção à propriedade particular, lugar em que o homem se sente protegido do mundo. O lar, espaço interior e pessoal, passa a ser o lugar das expressões humanas. Mas esse mundo familiar aconchegante não substitui a realidade do mundo em sua multiplicidade. Aliás, é justamente esta multiplicidade do mundo que amedronta o homem, hoje aprisionado em seu mundo interior, em seu gueto [...] O homem contemporâneo vive a liberdade como um diálogo exclusivo consigo próprio (ARENDT apud FRANÇA, 1996, p.140-141). Quanto ao tratamento da liberdade, a autora sustenta que Excluindo-se das possíveis convocações da vida pública propõe em sua diversidade existencial e vivendo na intimidade de si mesmo e de seu gueto, este homem experimenta a liberdade como algo que se realiza a partir de seu mundo interior. Só lhe parece possível ser livre e autêntico na relação consigo próprio ou com aqueles que lhe são íntimos.[...] Confundiu-se liberdade com livre arbítrio: escolha que julga e decide entre duas coisas. Liberdade não é um fenômeno da vontade, mas a excelência com que o homem responde àquilo que o

mundo lhe oferta a fim de trazer à existência o que anteriormente não havia, qual seja: dar lugar ao inédito, ao inesperado. [...] Separar a liberdade de seu lugar de origem, (o mundo político e articulá-lo com a capacidade individual da vontade é uma consequência política perigosa; separa os homens do mundo e aproxima autonomia, soberania e tirania em um mesmo eixo fundante de UM: o EU QUERO). (ARENDT apud FRANÇA, 1996, p.141). Pode-se perceber que a influência e confusão das esferas públicas e privadas na vida do homem alterou sua forma comportamental. Além disso, não se pode desconsiderar os fatores socioeconômicos, mas a questão é sumariamente legalista. Ao garantir proteção exacerbada responsabilizando-se por tarefas que deveriam ser do sujeito, o homem teve sua atuação reduzida naquilo que se entende por esfera pública de atuação. Sobraram para ele, espaços para atuar, mas que de fato não são significativos na sua construção como homem. A consequência dessa ação-transformação foi frustrante para o homem no processo histórico, pois se antes ele desenvolvia um diálogo que partia dele em direção ao mundo, agora a dinâmica desse diálogo tem início e fim, consigo mesmo. O homem acaba por dialogar com sua própria existência, dialoga e torna-se escravo dela, da sua intrapessoalidade fundamentada em uma extensa vontade que excede qualquer resignação, altruísmo ou generosidade. Sem diálogo com o mundo, o homem não se sente feliz, completo, capaz ou importante. A ausência desse diálogo implica na incapacidade de se doar pelo outro, muito menos ouvi-lo. A expressão da vontade como alicerce das relações não pode proporcionar liberdade, mas livre arbítrio. A liberdade está fundamentada em um conjunto de propostas que envolvem equilíbrio dos valores e direitos pertencentes às duas esferas (pública e privada), ou seja, o próprio campo político (a ética). O livre-arbítrio é contemplando apenas pela esfera privada, ou seja, pela vontade e prazeres. Com exatidão, têm-se aumentado a produção de discursos que tem por objetivo mostrar aos seres humanos as tipificações das esferas além de maneiras construtivas de se atuar sobre elas. O homem que não conhece a primeira (esfera pública e o conjunto de direitos e deveres que a formam), jamais compartilhará de valores necessários a ela, primeiro, porque nunca conheceu nada além de si, segundo porque procurará trazer a sua existência à esfera privada através dos seus direitos, mas, sobretudo, as vontades e prazeres. O sujeito com essas características não vive para a sociedade muitos menos por ela. Dessa maneira, não fica difícil pensar a complexidade de comportamentos oriundos de forças sociais, políticas e psicológicas. O docente luta contra esses poderes que adentraram a escola e ao mesmo tempo

reverte suas forças para transformar o espaço consumado na expressão da vontade de todos, em um campo político para todos, tarefa que obviamente não é fácil. França (1996) reforça a questão argumentando que (...) a privatização do espaço público, lugar por excelência da educação como fenômeno político, torna a sala de aula um espaço de explicitação da vontade de cada um, fato este que abre flanco para a diluição do campo político que lhe é vital. (FRANÇA, 1996, p.143). Dessa forma, o sujeito entende o espaço público e seu campo político, é visto com repulsa e desinteresse. Essa repulsa e desinteresse pelos espaços públicos são como sofismas na mente do sujeito, pois é nesse espaço que o sujeito encontra o significado de sua existência. O francês Philippe Meirieu (2005), professor de Ciências da Educação na UniversitéLumiere-Lyon, apresenta em seu livro O Cotidiano da Escola e da Sala de Aula: o fazer e o compreender, a distorção dessa concepção errônea e pejorativa a respeito desse espaço. O espaço público, nessa perspectiva, não é a negação de histórias e adesões individuais; é o lugar possível de coexistência destas e de realizações de um projeto comum. Se nenhuma crença pode legislar sobre o espaço público é justamente para que todas as pessoas inclusive em sua dimensão privada possam encontrar seu lugar ali (MEIRIEU, 2005, p.45). Portanto, o significado da existência e plenitude do sujeito não está nas conversas da sala de aula, mas no projeto comum de valores positivos que assume na sala de aula. A contradição dos interesses e direitos privados legitimados pela sociedade e instituições públicas, o fenômeno do cinismo, a confusão de liberdade e livre arbítrio, juntos a uma individualizada dinâmica, sobretudo tênue e confusa, que suplanta a dinâmica coletiva em espaços que não foram constituídos dessa forma, permite entender sobre os comportamentos em sala de aula, ampliando nossas concepções de que essas condutas classificadas como disciplina ou indisciplina, não são apenas fruto do "descaso da família", da "preguiça" ou das "dificuldades cognitivas do aluno". Não se deve praticar reducionismo à uma questão irredutível. Esses termos tem se tornado frequentes no linguajar de muitos docentes que vivem um "modismo" das verdades educacionais, impregnadas de afirmações e oratórias convictas, mas sem nenhum embasamento científico. O fato de essa forma comportamental estar se apresentando como comportamento padronizado e geral, não permite classificação e definição sob forma de verdade absoluta. No entanto, é fundamental considerá-los intransigentes e inadequados.

Podem ser originários de transgressões conscientes ou inconscientes, desconhecimento de regras, frustração de expectativas docentes, consequências de forças sociais. O importante é concebê-los como nocivos à saúde social, pois em um consenso geral, essa forma comportamental vem trazendo problemas na relação professor e aluno, comprometendo a cognição e a afetividade entre os protagonistas. Basta observar os elevados graus de impessoalidade entre os sujeitos dessa relação ensino e aprendizagem. Essa situação não deve ser tratada sem atenção. Teóricos, gestores e professores têm demonstrado muita preocupação com o problema. Por vezes, o desespero leva o professor a empreender apologia de uma ideologia através da força e autoritarismo na sala de aula. Essa atitude configura lamentável paradoxo em tempos de consolidação democrática. Não propor a criação de um espaço político de atuação, permitindo maneiras de ser e agir, seria transformar através do reflexo da negligência, o ambiente escolar e a sala de aula, em espaços de libertinagem e caos. Para fugir desse mal-estar docente, o professor tem por tarefa propor uma gestão de comportamento e relacionamento em sala de aula. Essa proposta respeita a diversidade, e propõe a inclusão da mesma em uma esfera política que vise o bem-estar coletivo. Essa predisposição é descrita por Meirieu (2005): Por isso pelo fato de pertencer a todos a Escola não pertence a ninguém. Portanto, ninguém pode fazer dela propriedade exclusiva, ninguém pode apropriar-se de seu território, ninguém pode impor-lhe sua lei, suas regras de comportamento, as convicções ou os hábitos de sua comunidade (MEIRIEU, 2005, p.44). Meirieu (2005) faz menção à necessidade da escola se constituir de forma democrática, sem essa premissa, é inconcebível pensar a gestão dos comportamentos e dos relacionamentos em sala de aula. Os princípios e valores democráticos são necessários à sala de aula, pois possuem elementos que reduzem os conflitos. Ao tratar das formas comportamentais, o autor destaca três formas de proibição (proibição do incesto, da violência e do prejudicar) a serem proporcionadas e permitidas pela instituição. Percebe-se que a instituição também é responsável pela orientação e incentivo de práticas comportamentais positivas, zelando pela prática do bem, instituindo regras e valores a serem praticados. Meirieu (2005) dá destaque a última das proibições, destacando o papel da escola como zeladora do bem comum.

Considerações Finais A comentada disciplina ou a falta dela foram explicitadas na intenção de desmistificar que essas formas comportamentais eram oriundas estritamente da revolta ou desconhecimento das normas. Tratar essa forma comportamental heterogênea e complexa somada pela superficial e homogênea afirmação de uma possível desestruturação familiar seria irrisoriamente nocivo à questão. Pode-se perceber que definir o sujeito disciplinado ou indisciplinado é uma questão demasiadamente complexa e fatorial. Se a conceituação de disciplina que está associada ao campo dos valores e estes para serem concebidos como conceitos perpassam diversos campos do saber, como a Filosofia, Psicologia, Antropologia, Ontologia e História, como pode o profissional professor solitariamente definir essa forma comportamental sustentado por singular argumentação, ou seja, relegando à questão a um único viés, quando a mesma se mostra pluralista em sua radicalidade? De fato, o entendimento docente sobre falta de disciplina se sustenta com maior destreza sob o argumento de que a sociedade contemporânea vem rumando em direção a uma nova configuração social de valores que apresentam novas características e consolidações sociais, sendo algumas categoricamente antagonistas de valores ditos e pertencentes à outra geração, e outros amplamente aperfeiçoados. Além disso, se a indisciplina é um comportamento entendido pelo professor como exceção, mas ao mesmo tempo concebido como fenômeno geral no ambiente escolar por autores renomados, como pode ela ainda ser e entendida como exceção, sendo que a grande parte dos alunos a "praticam"? Podem os professores compreender essa forma comportamental que se consolidou ou continuaremos vivendo expectativas de uma disciplina norteada por valores de nossos tempos acoplados à singularidades e subjetividades de nossa vivência e existência? É possível aprender nessa forma comportamental presente, ou desfrutamos apenas de produções científicas que remetem às antigas concepções disciplinares? Se não é curioso, no mínimo é paradoxal. A indisciplina da atualidade caracteriza-se por uma forma comportamental não entendida e não tolerada pelo professor da atualidade, embora a mesma consolide-se continuamente como o conjunto de valores, hábitos e práticas da geração contemporânea. Portanto, a dita falta de disciplina, sob o ponto de vista deste trabalho, se associa muito mais à negação e desvalorização social e intrapessoal dos sentimentos de vergonha e culpa, entre outros, do que propriamente da indignação com normas e desprazer e negligência no aprendizado destas. O professor contemporâneo deve cercar-se e entender cientificamente