UNIVERSIDADE FEDERAL DO MARANHAO CENTRO DE CIÊNCIAS BIOLÓGICAS E DA SAÚDE DEPARTAMENTO DE MEDICINA I CURSO DE MEDICINA



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UNIVERSIDADE FEDERAL DO MARANHAO CENTRO DE CIÊNCIAS BIOLÓGICAS E DA SAÚDE DEPARTAMENTO DE MEDICINA I CURSO DE MEDICINA ALVARO BRUNO BOTENTUIT SERRA DE CASTRO ESTRABISMO COMO PRIMEIRA MANIFESTAÇÃO DA SÍNDROME DE ARNOLD-CHIARI: RELATO DE CASO São Luís 2012 1

ALVARO BRUNO BOTENTUIT SERRA DE CASTRO ESTRABISMO COMO PRIMEIRA MANIFESTAÇÃO DA SÍNDROME DE ARNOLD-CHIARI: RELATO DE CASO Trabalho de Conclusão de curso apresentado ao curso de Medicina da Universidade Federal do Maranhão, como requisito para obtenção do título de Médico. Orientador: Prof. Dr. Jorge Antônio Meireles Teixeira São Luís 2012 2

ALVARO BRUNO BOTENTUIT SERRA DE CASTRO ESTRABISMO COMO PRIMEIRA MANIFESTAÇÃO DA SÍNDROME DE ARNOLD-CHIARI: RELATO DE CASO Trabalho de conclusão de curso apresentado ao curso de Medicina da Universidade Federal do Maranhão, como requisito para obtenção do título de Médico. Orientador: Prof. Dr. Jorge Antônio Meireles Teixeira Aprovada em: / / Prof.º Dr. Jorge Antônio Meireles Teixeira (Orientador) Doutor em Medicina (Oftalmologia) pela Universidade Federal de São Paulo Coordenador do Curso de Medicina da Universidade Federal do Maranhão Prof.ª Msc. Adriana Leite Xavier Bertrand Professora da Disciplina de Oftalmologia da Universidade Federal do Maranhão Profº. Dr. Élcio Francisco Cosseti Chefe do serviço de Oftalmologia do Hospital Universitário Presidente Dutra Prof.º Esp. José Anselmo dos Reis Freitas Filho Professor da Disciplina de Oftalmologista da Universidade Federal do Maranhão São Luís 2012 3

RESUMO Introdução: A Síndrome de Arnold-Chiari (SAC) é uma condição congênita caracterizada por um defeito anatômico da base do crânio, em que o cerebelo e o tronco encefálico herniam através do forame magno para o interior do canal vertebral. O inicio dos sintomas geralmente ocorre entre a terceira e quarta década de vida, variando entre períodos de exacerbação e remissão. O estrabismo isolado na SAC é um sinal raro. Métodos: Trata-se de um estudo observacional, retrospectivo, do tipo descritivo, relato de caso de estrabismo vertical na Síndrome de Arnold-Chiari. A coleta de dados do prontuário de paciente, emitidos pelo Serviço de Oftalmologia no prontuário do paciente, localizado no Serviço de Arquivo Médico (SAME) do HUPD. Paciente foi informado sobre os detalhes da pesquisa e devida assinatura do Termo de Consentimento Livre e esclarecido. Relato do caso: Paciente apresentando estrabismo há um ano, com piora do quadro oftalmológico nos últimos dois meses. Após investigação do caso, o diagnóstico de SAC foi estabelecido através técnicas de neuroimagem e a descompressão cirúrgica do forame magno foi realizada, com resolução completa do quadro clinico. Conclusão: Devido aos poucos casos na literatura, não é possível concluir qual a fisiopatologia que melhor define o estrabismo na SAC tipo 1, apresentação pouco comum nessa síndrome. O tratamento de escolha para o Estrabismo no SAC I, consiste de neurocirurgia descompressiva. A cirurgia de estrabismo e uso de toxina botulínica são opcões terapêuticas úteis para casos de estrabismo refratários à neurocirurgia. A limitação deste trabalho consiste no fato de ser um relato de caso, porem incita a curiosidade cientifica para a realizacao de mais estudos, em um maior número de pacientes a respeito deste tema. Descritores: Síndrome de Arnold-Chiari; Estrabismo; Ressonância Nuclear Magnética; Descompressão cirúrgica; Cirurgia de Estrabismo 4

ABSTRACT Introduction: Arnold-Chiari syndrome (SAC) is a congenital condition characterized by an anatomic defect of the base of the skull, in which the cerebellum and brain stem herniated through the foramen magnum into the cervical spinal canal. The onset of Chiari syndrome symptoms usually occurs in the third or fourth decade. Symptoms may vary between periods of exacerbation and remission. Strabismus isolated in SAC is an uncommon sign. Methods: This was an observational, retrospective, descriptive, case report of vertical strabismus in Arnold-Chiari syndrome. The collection of data from patient records, issued by the Department of Ophthalmology in the patient file, located in the Service of Medical Files of HUPD. The patient was informed about the details of the research and due signing the Free and Informed Consent. Case Report: Patient presenting with strabismus for one year with worsening of ophthalmologic signs in the last 2 months. After investigation of the case, the diagnosis was established with neuroimaging techniques and surgical decompression of the foramen magnum was performed, with complete resolution of the case. Conclusion: Due to the few cases in the literature, it is not possible to conclude that the pathophysiology that best defines the SAC strabismus in type 1, an unusual presentation of this syndrome. The treatment of choice for Strabismus in SAC I, consists of neurosurgical decompression. The strabismus surgery and use of botulinum toxin are useful therapeutic options for refractory cases of strabismus neurosurgery. The limitation of this study is the fact that it is a case report, but encourages scientific curiosity for the conduct of further studies in a larger number of patients on this subject.. Keywords: Arnold-Chiari Syndrome; Strabismus; Nuclear Magnetic Resonance; Surgery decompression; Strabismus surgery 5

1. INTRODUÇÃO A Síndrome de Arnold-Chiari (SAC) é uma anomalia congênita da transição crânio-vertebral caracterizada por um deslocamento de uma ou ambas as tonsilas cerebelares para o canal vertebral, através do forame magno, com ou sem porções do tronco cerebral (TARRICO M, 2008). Em 1891 Hans Van Chiari descreveu esse grupo de malformações que envolvem vários graus tipos I a III, sendo o tipo IV descrito mais tarde. Esses quatro tipos são baseados em quão longe as amígdalas cerebelares são hérniadas e da quantidade de hidrocefalia presente. Os tipos II, III, IV podem ser identificados antes ou ao nascimento e podem ser letais (SPEER MC, 2003). O padrão de hereditariedade é complexo. Parece existir uma contribuição genética para um considerável número de casos, provavelmente por subdesenvolvimento do osso occipital e da fossa posterior - segmento mesoblástico da mesoderma para-axial defeito neuroectodérmico, o que é corroborado pela sua coexistência com doenças mendelianas - anomalias ósseas. Os casos adquiridos resultam de trauma, tumores crâniocervicais ou outras lesões cerebrais e medulares. (PENNEY DJ, 2001) O quadro clínico tem inicio geralmente na terceira ou quarta década de vida sendo caracteristicamente multiforme, variando conforme a disfunção da medula espinhal cervical, compressão primária do tronco cerebral ou cerebelo. Os sintomas relatados pela maioria dos pacientes com SAC tipo 1 são tipicamente inespecíficos, como dor na região da nuca, tontura, pressão retro-orbitária, visão turva, fotofobia intermitente, desequilíbrio, disfagia, rouquidão, hipo ou hiperacusia e vertigem. Achados neurológicos comuns podem incluir ataxia, disartria, nistagmo e outros déficits de nervos cranianos (HAERER AF, 1992). O diagnóstico da SAC é realizado através de técnicas de neuro-imagem com preferência para Ressonância Nuclear Magnética (RNM) (VENTUREYRA EC, 2003). Opções terapêuticas incluem tratamento clínico sintomático com fisioterapia ou intervenção cirúrgica. Pacientes assintomáticos podem ser acompanhados clinicamente, principalmente através de ressonância magnética. Sintomas significativos ou progressivos requerem tratamento cirúrgico, que consiste na descompressão da fossa posterior, objetivando o restabelecimento do fluxo liquórico, cabendo ao neurocirurgião avaliar a necessidade de eletrocoagulação, ressecção de tonsilas ou retração das tonsilas através de pontos ancorados na dura-máter (OAKES WJ, 1994). 6

O estrabismo é caracterizado por um distúrbio no alinhamento ocular o qual pode ocorrer em um ou ambos os olhos, de modo congênito ou adquirido, dependendo da posição do olhar e de outros fatores associados. Pode ser classificado de acordo com a direção do desvio em horizontais esotropia e exotropia e desvios verticais como hiper ou hipotropia. Não obstante, o estrabismo adquirido como primeira manifestação de apresentação da SAC tipo 1 é relativamente raro, o tratamento neurocirúrgico nesses casos pode curar o distúrbio oftalmológico comprovando uma relação de causa-efeito (BIOUSSE V., 2000). Há poucos relatos na literatura sobre essa associação, o que torna interessante a descrição do nosso caso. 7

2. METODOS Trata-se de um estudo observacional, retrospectivo, do tipo descritivo, relato de caso de estrabismo vertical na Síndrome de Arnold-Chiari. O presente estudo foi inicialmente avaliado e aprovado pelo comitê de ética do Hospital Universitário da Universidade Federal do Maranhão (HUUFMA) em São Luís-MA, Brasil. Após aprovação foi realizada coleta dos dados emitidos pelo serviço de Oftalmologia através de consultas aos registros presentes no prontuário do paciente, localizado no serviço de arquivo médico (SAME). O paciente foi informado sobre os detalhes da pesquisa e após assinatura do termo de consentimento livre e esclarecido. 8

3. RELATO DE CASO MVCB, masculino, 44 anos, pardo, casado, natural e residente em São Luís-MA, ensino médio completo, bancário e católico. Queixa principal de visão borrada há um ano. Paciente refere que há mais ou menos um ano iniciou quadro de diplopia vertical intermitente, com piora progressiva nos últimos dois meses. Associado ao quadro relatou episódios de cefaléia de localização nucal, precordialgia e dispneia aos médios esforços nos últimos dois anos. Realizou avaliação cardiológica, a qual não evidenciou quaisquer alterações. Nega uso de medicações. Sem demais queixas clínicas. De antecedentes pessoais relatou quadro dispéptico e nefrolitíase. Nega hipertensão arterial, acidente vascular encefálico, tumores cerebrais, aneurismas, traumatismos cranianos, diabetes mellitus (DM), intervenções cirúrgicas realizadas. De antecedentes familiares, o paciente nega casos de DM, tumores ou malformações cerebrais e estrabismo na família. Quanto aos antecedentes fisiológicos nasceu de parto normal, a termo, sem complicações durante o parto.no Exame Neurológico não apresentou alterações. Ao exame oftalmológico apresentou acuidade visual com correção (AVcc): 1,0 / 1,0 (J1), refração dinâmica (Rx): plano / -0,50 à 90⁰, Adição(Ad): 150, pressão intraocular (PIO): 11/10, Fundo de olho à oftalmoscopia indireta(foi): normal em ambos os olhos (AO). Ao exame da musculatura ocular extrínseca pelo método de Prima e Cover (P&C) para longe e com correção (l, cc): D / E 2, comitante - Fusão à medida objetiva do desvio, Versões: normais, Nistagmo sacádico nas lateroversões (fisiológico). Foram estabelecidas algumas hipóteses diagnosticas, Diabetes Mellitus, Doença de Basedow-Graves, Tumor do Sistema Nervoso Central, Miastenia Gravis, Síndrome Miastênica de Eaton-Lambert, Esclerose Múltipla e Síndrome de Arnold-chiari. O diagnóstico foi estabelecido através de Ressonância Nuclear Magnética de crânio, na qual foi observada herniação do tronco encefálico para o interior da medula espinhal. O paciente foi submetido à descompressão cirúrgica e evoluiu com resolução do quadro oftalmológico. 9

4. DISCUSSÃO A SAC tipo 1 é caracterizada por uma deformidade da fossa cerebral posterior e uma protrusão das tonsilas cerebelares de pelo menos 3 a 5 mm através do forame magno. Estas estruturas podem exercer graus variáveis de pressão sobre o tronco encefálico e medula espinhal, provocando alterações na dinâmica liquórica. Este aumento pressórico pode afetar a função do sexto par craniano, sendo o principal mecanismo desencadeador do quadro de estrabismo(curtis R, 2009) na SAC tipo 1. Entretanto, no caso relatado o paciente apresentou desvio vertical, incompatível com o diagnostico de paresia do sexto par. A síndrome afeta todas as raças e ambos os gêneros, embora seja predominante no sexo feminino. Diferente do presente caso, em que o individuo é do sexo masculino. Sua prevalência é de difícil definição, uma vez que a maioria dos casos é assintomática, o que torna escassa a informação epidemiológica (FERNANDEZ AA,2009). A média de início da apresentação clínica encontra-se por volta da terceira e quarta década de vida (PILLAY PK, 1991) assim como no presente caso. Embora os sintomas possam começar em qualquer idade, do primeiro ano de vida até além dos 60 anos, sendo raros acima de 65 anos de idade (AITKEN LA, 2009; GREENLEE JD,2002). O quadro clínico é geralmente inespecífico e oscila entre períodos de exacerbação e remissão (HAERER AF, 1992), apresentando-se na maioria dos casos com uma cefaléia suboccipital de natureza opressiva acentuada com a manobra de Valsalva, tontura, vertigem, alterações auditivas e da função respiratória, disfagia, e fasciculações da língua (FERNANDEZ AA, 1999). No presente estudo o paciente apresentou cefaleia nucal esporádica, e dispneia aos pequenos e médios esforços, porém não foram relatados vertigem ou alterações auditivas. Achados objetivos como nistagmo, sinais cerebelares e acometimento de pares cranianos ocorrem em uma minoria de pacientes. Outros sintomas descritos são os oculares, sendo mais comum dor retro-orbital, diplopia, visão borrada e fotofobia.( TARRICO M, 2008) Um quadro de diplopia vertical intermitente associado a nistagmo fisiológico foi encontrado de maneira semelhante neste caso. Embora o estrabismo seja uma manifestação pouco comum, neste estudo foi encontrado como primeira manisfetação da SAC tipo 1, com exacerbação do quadro oftalmológico nos últimos 2 meses. 10

O Estrabismo é um achado objetivo que pode ser observado em pacientes com SAC tipo I. Na maioria dos casos descritos este vem acompanhado de outras manifestações típicas, como nistagmo patológico, síndrome cerebelar e papiledema indicando hidrocefalia (LEWIS AR, 1996). Estrabismo como manifestação isolada de SAC tipo I é raro e poucos casos foram descritos na literatura. Na verdade, estrabismo de instalação aguda é incomum em qualquer indivíduo (SIMON AL, 1997). Trata-se de um achado tão raro que alguns autores tem defendido a realização de estudo de neuroimagem somente quando outros sinais neuro-oftalmológicos estejam presentes (VALERIE BIOUSSE, MD, 2000). Franzco et AL, 2006, em uma busca por casos descritos na literatura, relacionou uma serie de 25 casos de estrabismo associado a SAC tipo I, comparando as principais características apresentadas por esses pacientes. 72% era do sexo feminino, 60% tinham menos que 20 anos, com de idade variando entre 5 e 54 anos. Aproximadamente 88% dos pacientes apresentaram outras manifestações neurológicas associadas, como nistagmo e sinais cerebelares. O principal sintoma associado foi cefaleia, presente em todos os pacientes desse estudo (FRANZCO CLAUDIA MD, 2006). Estrabismo na SAC tipo I foi inicialmente atribuído à existência de hidrocefalia. No entanto, a maioria dos pacientes sintomáticos com SAC tipo I não apresentam hidrocefalia (BIGLAND AW, 1990), em concordância com o paciente do presente estudo, o qual não apresentava sinais de hipertensão intracraniana. É provável que nem todo caso de estrabismo na SAC tipo I esteja relacionado primariamente à disfunção do nervo abducente ou a uma pressão intracraniana elevada (MILHORAT TH, 1999), o que de fato observamos no presente caso, cujo desvio ocular era do tipo vertical. Milhorat et AL, 1999, sugeriram que alguns sinais e sintomas da SAC tipo I podem estar relacionados à alterações do fluxo de líquor levando à compressão do tronco encefálico. De fato, em uma série de 364 pacientes sintomáticos com SAC tipo I, Milhorat et AL observaram que 9% dos indivíduos apresentaram uma herniação de menos que 5mm. Eles sugeriram que o principal mecanismo da SAC tipo I não é o deslocamento tonsilar, mas uma fossa craniana posterior volumetricamente pequena que não consegue acomodar ponte, bulbo e o cerebelo de forma satisfatória, levando a alterações na dinâmica do líquor como já comprovado por ressonância magnética de fluxo. O diagnóstico da SAC em pacientes sintomáticos ou assintomáticos é estabelecido com técnicas de neuro-imagem, de preferência com RNM, a qual é útil 11

para estudo do volume da fossa posterior e da dinâmica do fluxo de líquor (VENTUREYRA EC, 2003). Análise de casos anteriores sugerem que as características neurológicas ou progressão do desvio ocular são indícios para investigação com RNM. Outros autores têm recomendado que o estrabismo sem outras características neurológicas, não justifica mais investigações iniciais embora quando houver um alto índice de suspeição médica o exame de neuroimagem seja aconselhável (SIMON AL, 1997). O paciente do caso relatado foi diagnosticado por meio de RNM de acordo com a maioria dos estudos da literatura. (FIGURA 1) A SAC tipo I tem sido tratada cirurgicamente por um número variado de métodos. O tratamento primário é descompressão da fossa posterior. Este procedimento pode fornecer mais espaço em torno da porção inferior do tronco cerebral e melhorar o funcionamento neurológico devido a remoção de parte do osso occipital. Procedimento neurocirúrgico semelhante foi realizado com o paciente descrito nesse caso, com resolução completa do quadro de estrabismo. Os pacientes podem também se beneficiar de formas adequadas de fisioterapia e terapia ocupacional com alívio considerável de alguns sintomas (VALERIE BIOUSSE, MD, 2000). A decisão-chave para o manejo do paciente é saber proceder inicialmente com o estrabismo ou neurocirurgia para a malformação. Em uma revisão da literatura, Weeks e Hamed concluíram que a seqüência apropriada de tratamento deve ser primeiro descompressão suboccipital, seguida pela cirurgia de estrabismo caso o realinhamento ocular espontâneo não ocorra, e sugeriram aguardar 3 a 6 meses antes de prosseguir com a cirurgia de estrabismo. Defoort-Dhellemmes et al recomendaram um aguardo de 12 meses para definir uma resposta tardia à neurocirurgia. Neste estudo foram analisados relatos de casos anteriores em que a neurocirurgia foi a opção de tratamento inicial em 9 pacientes, com efetiva correção do estrabismo em 6 (67%) destes. Por outro lado, o tratamento inicial do estrabismo seja conservador ou cirúrgico foi empregado em 12 casos, onde se revelaram eficazes em 6 deles. No total, metade do grupo que realizou tratamento inicial do estrabismo necessitou posteriormente neurocirurgia. Dada a relativa simplicidade e menor morbidade cirurgia de estrabismo, em comparação com a descompressão neurocirúrgica, alguns podem defender cirurgia de estrabismo em primeiro lugar, reservando a neurocirurgia para os casos que apresentarem recorrência. No entanto, o procedimento neurocirúrgico de descompressão suboccipital é supostamente seguro, o risco de grave morbidade irreversível é estimada 12

em menos de 2%. Além disso, o atraso no tratamento definitivo da SAC pode causar lesões neurológicas irreversíveis. (CAI C, OAKES WJ, 1997) A toxina botulínica tem sido utilizada com sucesso como opção terapêutica para alguns casos de estrabismo associado à SAC tipo 1, refratários à neurocirurgia. Nestes pacientes tem-se obtido resolução do quadro oftalmológico na grande maioria dos casos (ALISON YR, 2006). Entretanto, mais estudos são necessários para determinar a eficácia e possíveis efeitos adversos dessa substância no contexto da SAC tipo I. 13

5. CONCLUSÃO Com tão poucos casos na literatura, não é possível concluir qual a fisiopatologia melhor define o estrabismo na SAC tipo I. Nem sempre o estrabismo na SAC I é causado por disfunção do sexto par craniano ou hidrocefalia, podendo existir uma provável alteração no núcleo do terceiro par, levando a um quadro de estrabismo vertical, como o apresentado no relato de caso. Na SAC I, o principal sintoma é a cefaleia, sendo raro o estrabismo como primeira manifestacao da sindrome. O diagnóstico é realizado por meio de RNM com devida avaliação da dinâmica do fluxo. O tratamento para o Estrabismo no SAC I, consiste de neurocirurgia descompressiva, porém, não podemos afirmar que essa conduta irá sempre produzir resultados igualmente favoráveis como o desfecho apresentado neste relato de caso, no qual o paciente após o procedimento evoluiu com resolução completa do quadro clínico com regressão absoluta dos sintomas. A cirurgia de estrabismo e uso de toxina botulínica são opcões terapêuticas úteis para casos de estrabismo refratários à neurocirurgia. A limitação deste trabalho consiste no fato de ser um relato de caso e, portanto, analisar um único caso de estrabismo vertical na SAC tipo I, entretanto este estudo de caso incita a curiosidade cientifica para a realizacao de mais estudos, em um maior número de pacientes a respeito deste tema. 14

6. REFERÊNCIAS ALISON YR, JOHN P. Botulinum toxin for the treatmentof acute-onset concomitant esotropia in Chiari I malformation Biophtalmo, doi: 10.1136/bjo.2006.111104 AITKEN LA, LINDAN CE, SIDNEY S, GUPTA N, BARKOVICH AJ, SOREL M, WU YW: Chiari type I malformation in a pediatric population. Pediatric Neurologic 2009, 40(6):449-54. BIOUSSE V., NEWMAN N., PETERMANN S.,LAMBERT S. Isolated comitant esotropia and Chiari malformation. Am J Ophthalmol 2000;130:216-20. CAI C, OAKES WJ. Hindbrain herniation syndromes: the Chiari malformations (I and II). Semin Pediatr Neurol 1997;4:179 91. CURTIS R. BAXSTROM, O.D. Nonsurgical treatment for esotropia secondary to Arnold-Chiari I malformation: A case report. Optometry 2009;80:472-478 DEFOOR-DHELLEMMES S, DENION E, ARNDT CF, BOUVET-DRUMARE I, Resolution of acute acquired comitant esotropia after suboccipital decompression for Chiari I malformation. Am J Ophthalmol 2002;133:723 725. FERNANDEZ AA, GURRERO AI, VAZQUEZ ME et al. Malformations of the craniocervical junction (chiari type I and syringomyelia: classification, diagnosis and treatment). BMC Musculoskeletal Disorders 2009, 10(Suppl 1):S1 doi:10.1186/1471-2474-10-s1-s1 FRANZCO C, YAHALOM MD. Chiari 1 malformation presenting as strabismus: a case series of patients and review of the literature. Binocul Vis Strabismus. 2006; 21(1):18-26 GREENLEE JD, DONOVAN KA, HASAN DM, MENEZES AH: Chiari I malformation in the very young child: the spectrum of presentations and experience in 31 children under age 6 years. Pediatrics 2002, 110(6):1212-9. HAERER AF. COORDINATION. IN HAERER AF. DeJong.s the neurologic examination. 5.Ed., Philadelphia: Lippincott Company, 1992:400-401 LEWIS AR, KLINE LB, SHARP JA. Acquired esotropia due to Arnold Chiari I malformation. J Neuro-ophthalmol 1996;16:49 54.OPHTHALMOLOGY 2000, VOL. 130, NO. 2 MILHORAT TH, CHOU MW, TRINIDAD EM, KULA RW, MANDELL M, WOLPERT C, SPEER MC: Chiari I malformation redefined: clinical and radiographic findings for 364 symptomatic patients. Neurosurgery 1999, 44(5):1005-17. OAKES WJ. Chiari malformations and syringohidromyelia. In Rengachary SS,Wilkins RH (eds). Principles of neurosurgery.hong Kong: Mosby-Wolfe, 1994;9:2-8. 15

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ANEXO FIGURA 1. RNM em corte sagital, mostrando hérnia tonsilar abaixo do forame magno com diminuição do espaço do líquor ao redor do forame sugestivo de tecido nervoso. 17