O PENSAR E O FAZER DE DUAS ALFABETIZADORAS DE EJA EM UMA ESCOLA PÚBLICA DE CUIABÁ MT CAMBRAIA, Andréia Aparecida de Oliveira PPGE/GEPLL/UFMT andreiajunior2004@yahoo.com.br OLIVEIRA, Ana Arlinda de PPGE/GEPLL/UFMT aarlinda@terra.com.br RESUMO Este trabalho é parte do projeto de pesquisa que está sendo realizado junto ao Programa de Pós Graduação em Educação da UFMT. Objetiva compreender o que fundamenta e norteia o pensar e o fazer pedagógico de duas professoras alfabetizadoras de Jovens e Adultos em uma escola pública de Cuiabá - MT. Trata-se de um estudo de natureza qualitativa, pois o mesmo ocorreu através de observações, entrevistas gravadas e coleta de informações nos documentos da escola. O processo de análise dos dados está em andamento, mas é possível apresentar resultados parciais tais como: Quando perguntado aos alunos o significado da leitura, as respostas variam de acordo com as necessidades deles, vários conseguem entender qual o significado que esta tem para sua vida. Em seus depoimentos as professoras enfatizam a dificuldade de uso dos novos livros didáticos, fato freqüente entre os professores que ainda tem dificuldades com metodologias diferentes daquelas propiciadas pelos métodos tradicionais. O ensino está centrado em textos cartilhescos tradicionais, o que torna a aprendizagem repetitiva, mecânica, com pouco significado para a aprendizagem da leitura e da escrita. Apesar das professoras gostarem do que fazem e de estarem satisfeitas com os resultados obtidos, percebe-se que o ensino não tem desenvolvido uma aprendizagem significativa para que os alunos tornem-se indivíduos críticos a autônomos. Palavras-chave: Educação; Alfabetização de Jovens e Adultos; Letramento.
ALGUMAS CONSIDERAÇÕES INICIAIS O ato de ler surgiu da capacidade que temos de desenvolver a leitura, associados aos estímulos da sociedade e dos códigos transmitidos pelo alfabeto. O grande teórico Chartier (1996 p.90) também enfatiza que o ato da leitura, [...] supõe uma relação íntima entre o leitor e um livro. O modelo de leitura existente foi decorrente de vários fatores, dentre eles: a revolução industrial, logo, a economia capitalista; o surgimento de novas classes como a burguesia; o crescimento da vida urbana, entre outros. A alfabetização foi concebida como forma de implantar o conhecimento, visto que, não era mais aceito um saber que não fosse através de um código escrito. Mas, a escola tem sido alvo de grandes discussões, pois a mesma tem desenvolvido seu papel de ensinar a ler e escrever de forma mecânica, ou seja, sem significado. A leitura é tão importante que Chartier (1996 p.86) ainda nos enfatiza que: leitura é reverência e respeito pelo livro porque ele é raro, porque está carregado de sacralidade mesmo quando é profano. Portanto, é de grande importância a leitura se apropriar da realidade do indivíduo. Portanto, motivada a conhecer melhor a relação entre teoria e prática é que proponho esta pesquisa em nível de mestrado que pretende conhecer o pensar e o fazer de duas alfabetizadoras de EJA em uma escola pública de Cuiabá no atual modelo educacional. METODOLOGIA Por considerar que a pesquisa qualitativa é a que mais se adequa a este estudo, fundamento-me em alguns teóricos como: Bogdan e Biklen (1994), Fazenda (1991), Ludke e André (1986), Zago, Carvalho e Vilela (2003), Bauer e GasKell (2002), entre outros, que descrevem sobre esta abordagem. 1) Na investigação qualitativa a fonte direta de dados é o ambiente natural, constituindo o investigador o instrumento principal: O investigador desprende grande quantidade de tempo em escolas, famílias, bairros e outros locais tentando elucidar questões educativas. Mesmo utilizando equipamentos de áudio e vídeo ou um simples bloco de anotações, os dados são recolhidos e complementados pelas informações obtidas através do contato direto. Os investigadores qualitativos freqüentam os locais de estudo porque se preocupam com o contexto. Acreditam que as ações podem ser melhor compreendidas quando são observadas em seu ambiente habitual de ocorrência.
2) A investigação qualitativa é descritiva: Os dados recolhidos são em forma de palavras ou imagens e não de números. Os resultados são baseados nos dados para ilustrar e dar substância à apresentação. Nos dados incluem transcrição de entrevistas, notas de campo, fotografias, vídeos, documentos pessoais e outros registros oficiais. O investigador analisa os dados em toda sua riqueza, respeitando ao máximo a forma como foram registrados ou transcritos. 3) Os investigadores qualitativos interessam-se mais pelo processo do que simplesmente pelos resultados ou produtos: Como é que se começaram a utilizar certos termos e rótulos? Como é que determinadas noções começaram a fazer parte daquilo que consideramos ser o senso comum? Qual a história natural da atividade ou acontecimentos que pretendemos estudar? 4) Os investigadores qualitativos tendem a analisar seus dados de forma indutiva: O investigador não recolhe dados ou provas com o objetivo de confirmar hipóteses previamente construídas, ao invés disso, as abstrações são construídas à medida que os dados que foram recolhidos vão sendo agrupados. Não se trata de montar um quebracabeças cuja forma final conhecemos de antemão. 5) O significado é de importância vital na abordagem qualitativa: Os investigadores que fazem uso deste tipo de abordagem se interessam pelo modo como diferentes pessoas dão sentido à vida. Centram-se em questões como: quais os juízos que as pessoas fazem sobre suas vidas? O que consideram ser dados adquiridos? (BOGDAN E BIKLEN,1994, p.48-50). Os investigadores qualitativos freqüentam os locais de estudo porque se preocupam com o contexto. Acreditam que as ações podem ser melhor compreendidas quando são observadas em seu ambiente habitual de ocorrência. Ainda que os indivíduos que fazem investigação qualitativa selecionem questões específicas à medida que recolhem os dados, a abordagem à investigação não é feita com o objetivo de responder a questões prévias ou de testar hipóteses. Privilegiam a compreensão dos comportamentos a partir da perspectiva dos sujeitos da investigação. As causas exteriores são consideradas em segundo plano, recolhem os dados em função de um contato aprofundado com os indivíduos. As estratégias mais representativas da investigação qualitativa é a observação participante e a entrevista em profundidade. O investigador introduz-se no mundo das pessoas que pretende pesquisar, tenta conhecê-las, dar-se a conhecer e ganhar sua confiança, elabora um registro de tudo o que houve e observa e complementa o material com outros dados, como registros escolares, fotografias, etc. Apesar de ser reconhecida faz pouco tempo, a investigação qualitativa possui uma longa a rica tradição que auxiliam investigadores qualitativos em educação a compreender a sua metodologia em contexto histórico.
PROBLEMA Como pensam e fazem suas práticas pedagógicas, relacionadas à alfabetização, duas professoras de EJA de uma escola pública de Cuiabá MT? Algumas questões orientam minha investigação: 1) Na classe de alfabetização da EJA há uma prática pedagógica que proporcione aos alunos a aquisição da lecto-escrita e o desenvolvimento do letramento? 2) O livro didático ainda norteia o processo de aquisição da leitura e da escrita? 3) Os jovens e adultos têm contato com a diversidade textual no processo de alfabetização? 4) A literatura tem um papel fundamental no processo de alfabetização? 5) Que concepções permeiam as práticas de leitura e escrita na fase de alfabetização nesta sala de EJA? Tenho como objetivo geral, compreender o que fundamenta e norteia o pensar e o fazer pedagógico de duas professoras alfabetizadoras de Jovens e Adultos em uma escola pública de Cuiabá - MT. Ainda como objetivos específicos pretendo: Demonstrar se na classe de alfabetização da EJA há uma prática pedagógica que proporcione aos alunos a aquisição da lecto-escrita e o desenvolvimento do letramento; Constatar se o livro didático ainda norteia o processo de aquisição da leitura e da escrita; Identificar se os jovens e adultos têm contato com a diversidade textual no processo de alfabetização; Perceber se a literatura tem um papel fundamental no processo de alfabetização. Identificar quais concepções e métodos do ensino da leitura e da escrita norteiam o processo de ensino e aprendizagem, de modo a propiciar o desenvolvimento do letramento.
A ESCOLA PESQUISADA A escola escolhida é a Escola Estadual Dr. Mário de Castro, localizada na rua Santos Dumont, nº. 102 - Bairro Pedra 90, onde estudei a 5ª e 6ª série do Ensino Fundamental. Pensei que seria uma ótima oportunidade de contribuir com a comunidade, visto que, resido há quatorze anos neste bairro. A escola pertence à Rede Oficial de Ensino e é mantida pela Secretaria de Educação e Cultura do Estado de Mato Grosso, foi criada pelo Decreto N.º.802 de 18 de Fevereiro de 1992, sendo reconhecida o dia 15 de Dezembro de 1992 sob. N.º277, sendo autorizada a funcionar o 1º grau e Supletivo de I a IV: Fase I e Fase II no ano de 1992. No ano de 2001 deu-se início ao Ensino Médio, com de 1º e 2º ano do segundo grau. A Escola se caracteriza como Escola Estadual de Ensino Fundamental e Médio Dr. Mário de Castro, foi resultado da construção do Bairro Pedra 90, que atendida desde o Ensino I a VI até o ano de 92. E no ano de 2004 atende as séries de 1ª, 2ª e 3ª fase do 2º ciclo 3ª, 4ª, 5ª série VI a VIII e EJA de I á IV a V á VIII e em 2001 iniciou o Ensino Médio. O nome da escola foi escolhido em homenagem a um célebre médico, admirado por todos por ter construído uma história de saúde solidária. A escola conta com o prédio em boas condições de funcionamento. Ao final de cada dois anos a comunidade escolar elege o diretor que deve ser membro nato do Conselho Deliberativo Escolar. Na escola funciona um total de 14 salas de aula distribuídas em três períodos, matutino, vespertino e noturno. A escola está em seu décimo quarto ano de funcionamento, e no final de 2007 foi eleito por votos da comunidade seu novo diretor. A filosofia da escola Dr. Mário de Castro, segundo seu Projeto Político Pedagógico é de atender sua clientela com o compromisso político/social, visando sobremaneira, a formações de cidadãos ativos/críticos; que possam atinar para a continuidade do crescimento científico/tecnológico e psicológico, através da ótica de aluno sujeito da sua própria aprendizagem. SUJEITOS DA PESQUISA
Os sujeitos desta pesquisa são 28 alunos com idade entre 27 e 70 anos, pertencentes à classe de alfabetização da escola em questão e 2 professoras. Praticamente todos os alunos são oriundos de famílias muito pobres e que não tiveram condições ou acesso à escola quando criança. Muitos também tiveram que começar a trabalhar muito cedo para ajudar a família no sustento do lar. A turma é constituída basicamente de empregadas domésticas, diaristas, do lar, serviços gerais, entre outros. INSTRUMENTOS DE ANÁLISE A pesquisa em questão foi realizada em uma sala de alfabetização de Jovens e Adultos, através de observações realizadas durante 4 meses (de agosto a dezembro de 2007), entrevistas gravadas com questões abertas com as professora e alunos, coleta de dados, busca de subsídios nos PCNs, informações nos planos de ensino e no Projeto Político Pedagógico (PPP) da Escola. ALGUNS RESULTADOS A pesquisa em questão e a análise de dados ainda estão em andamento, mas é possível apresentar resultados parciais. Quando perguntado às professoras o conceito de leitura, as respostas explicam a prática desenvolvida por elas. Acho que ler é descobrir um mundo novo, porque muitas vezes, eles vão pra um lugar eles não sabem ler, eles tem que pedir pra outra pessoa ler pra eles. Eles só decoram o número do ônibus porque vêm 90 no final, mas eles não sabem ler o Pedra, eles lêm o 90, só o número, aí fica fácil pra eles vim pra casa, então eles têm que ficar pedindo, então pra eles é uma grande vitória. (professora A). ler pra mim é entender, sabe é... não leva só assim a ler, porque as vezes o aluno, eu até vou falar do caso aqui dos meus né... eles não lêm corretamente, assim, na leitura, mas eles lê no pensamento, na expressão, pra mim isso que é ler. (professora B). As professoras têm consciência da necessidade social de seus alunos aprenderem a ler e escrever, porém a professora B, ao centrar a leitura como prática de lê no
pensamento, na expressão..., não promove efetivamente a aquisição do código escrito, o que dificulta o acesso ao mundo letrado. Quando perguntado aos alunos o significado da leitura, as respostas variaram de acordo com as necessidades deles, vários conseguem entender qual o significado que esta tem para sua vida. Ah, lê pra mim eu acho que é tudo né. Se ocê num sabe lê, cê num arruma emprego, né. Eu mesmo, eu sô mecânico, mais mecânico de bicicleta, né. Mais eu mexo com bicicleta, moto, tudo, né. Lá num precisa lê muitas coisa né, tem um patrão que atende lá e manda as peça pra mim, é por isso que eu tô a seis ano. (Isa - M- 27 anos) Ah... conhecê as letras. (Ei - F- 29 anos) Olha, essa pergunta eu num sei. Eu num sei te responder ainda... eu penso assim, que é como enxergar, né, a pessoa que num sabe lê no meu pensa é igual cego né, num sabe lê é cego. (Mja - F - 53 anos) Ah, eu acho que é lê é... é um sonho né, é flutuá num livro né, numa bíblia assim, e eu acho assim que a hora que eu aprendê a lê mesmo, eu vô lê muito, porque agora mesmo eu tenho curiosidade, né, de lê de pegá as coisa e tentá lê. Eu vejo uma placa eu quero lê, então eu acho que é assim, é uma clareza na vida da gente. Que agente vive assim no escuro, que se chegá uma coisa na sua casa você num sabe o que que tá escrito, você tem que esperá a pessoa... filho ou esposo chegá pra lê. Então as vez é uma coisa importante e você num tá sabendo o que que é. (Arg -F- 47 anos) Gostaria de destacar a fala da (Mja F 53 anos), quando diz que ler é como enxergar e quem não sabe é como se fosse cego. Ela considera o processo de decodificação como sendo a única forma de enxergar o mundo e interferir nele, desconsiderando toda sua vivência de mundo, o que denominamos de letramento. Foi perguntado aos alunos para que serve ou servirá a leitura em suas vidas, e a maioria soube responder com bastante ênfase seu propósito. Ah... eu acho que vai servi pra muita coisa, num vai não? Vamo vê... porque eu num posso contá o resto da vida com aquele serviço lá, né, tem seis ano, um hora pode, né... Aí eu vô procurá outro serviço e aí o estudo, onde tá? E lá onde eu trabaio não é carteira assinada. Então agente precisa estuda pra podê fazê a carteira e arrumá um serviço fichado. É melhor, né, quando ficá na velhice aí, num tem nem como aposentá, nunca trabalho fichado, seis ano sem carteira assinada, e se fosse assinada eim? Era bom. (Isa- M- 27 anos)
Vai servi muito bom pra mim, assim... causo, né, se eu fô... vamo supô, se as vez posso arrumá um serviço, né, num escritório e se eu num sabê lê eu num... num vai tê como, porque o importante é a pessoa lê, senão se você num sabê lê num tem serviço, né. (Din- F- 44 anos) Mesmo assim... pra mim... rumá um serviço, é rumá um serviço. (Ilz- F- 42 anos) A leitura ocupa um lugar estritamente funcional na vida deles, e eles têm clareza que a leitura é uma habilidade importante na vida profissional, mas não conseguem vislumbrar algo mais. Apesar das professoras gostarem muito do que fazem e dizer que estão satisfeitas com os resultados obtidos até agora, nota-se que o ensino não tem desenvolvido uma aprendizagem significativa para que os alunos tornem-se indivíduos críticos e autônomos. Ler e escrever nos dias atuais constitui, uma demanda social que necessita ser resignificada e atendida pela escola. Desta forma, é primordial redefinir junto aos educadores o conceito de alfabetização e o significado de estar alfabetizado numa sociedade contemporânea letrada. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BARBOSA, José Juvêncio. Alfabetização e leitura. São Paulo: Cortez, 1994. BOGDAN, Robert e BIKLEN, Sari. Investigação Qualitativa em Educação Uma Introdução à teoria e aos métodos. Lisboa: Porto, 1994. CARVALHO, Marlene. Guia prático do alfabetizador. São Paulo: Ática, 2004. CHARTIER, R. A ordem dos livros. Brasília: Editora da UNB, 1994.. Práticas da leitura. Tradução Cristiane Nascimento. São Paulo: Estação Liberdade, 1996. FERREIRO, Emília. Reflexões sobre alfabetização. Trad. Horácio Gonzáles et al. São Paulo: Cortez, Campinas: Autores Associados, 1985.
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