WYLER, Lia. Línguas, Poetas e Bacharéis uma crônica da tradução no Brasil, Rio de Janeiro: Rocco, 2003. 158p.

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WYLER, Lia. Línguas, Poetas e Bacharéis uma crônica da tradução no Brasil, Rio de Janeiro: Rocco, 2003. 158p. Narceli Piucco (Doutoranda, PGET/UFSC) narcelipiucco@yahoo.com.br L ia Carneiro da Cunha Alverga-Wyler 1 trabalhou como tradutora, intérprete, foi professora de inglês e coordenadora de material didático no Britannia Special English Studies. Possui Licenciatura e Bacharelado em Tradução pela PUC-RJ e mestrado em Comunicação pela ECO-UFRJ, onde defendeu a dissertação A tradução no Brasil: o ofício de incorporar o Outro, em que trata da condição de invisibilidade do tradutor brasileiro. Traduziu mais de 70 títulos em tradução literária, principalmente de ficção e infanto-juvenis. Alguns autores traduzidos o campo da literatura infanto-juvenil são Tom Wolfe, Stephen King e Joyce Carol Oates: Verteu para o português do Brasil os irmãos Grimm, Cannon Janell, Tan Amy, Cherry Whytock, Charles Ogden e Paula Danziger, de quem traduziu oito livros da série de Clara Rosa (Amber Brown). Recebeu alguns prêmios pelo trabalho que mais lhe deu visibilidade: a tradução da série completa de Harry Potter de J. K. Rowling. Como pesquisadora, colaborou na primeira enciclopédia mundial de tradução, a The Routledge Encyclopedia of Translation Studies, organizada por Mona Baker, em 1998. Publica com frequencia artigos sobre tradução em revistas especializadas do Brasil e do exterior. Suas pesquisas na História da Tradução no Brasil resultaram no livro Línguas, poetas e bacharéis que é a primeira publicação brasileira, de 2003, que trata, de forma detalhada, a história da tradução no Brasil e é adotado em cursos universitários de tradução. Em um artigo publicado na revista Delta, 2 Lia Wyller afirma que a historiografia da tradução é uma área do conhecimento híbrida, dado que não aborda apenas as traduções em si, mas as circunstâncias que cercaram sua produção em cada período e em cada país, todas muito diferentes entre si. A partir dessa afirmação, pode-se concluir que, para realizar pesquisas na história da tradução, é preciso buscar os fatos históricos do país que são relevantes para entender o processo de formação da profissão do tradutor e da literatura 247

248 traduzida. Esse é justamente o objetivo da autora na obra: uma pesquisa histórica, inédita no Brasil, reunindo dados que permitem ao leitor conhecer esse processo de formação. O livro é dividido em capítulos temáticos em que os fatos históricos são abordados de forma cronológica, o que faz com que a autora avance em um assunto que está relacionado ao tópico seguinte. Porém, essa característica da obra não atrapalha a consulta, e a leitura, ao contrário, é compreensível devido à grande quantidade de informações e datas. Na Introdução, a autora define tradução como reescritura em língua nacional de um texto em língua estrangeira, em que considera texto e não obras. Pode-se relacionar a citação da autora à noção de texto de Barthes (2004, p. 65-75): o texto é um trabalho, uma produção e ele não para em uma estante de biblioteca, está sempre se transformando e por isso pode atravessar várias obras. Assim são as traduções, inconstantes formas de produção, divulgação, recepção e compreensão de textos é por meio delas que as obras sobrevivem. Wyler atenta que tal atividade pode ser usada como instrumento de manipulação a serviço de um dado poder. Toda reescritura, seja qual for a intenção, reflete uma ideologia. O mito, segundo Barthes (2004, p. 76), consiste em inverter a cultura em natureza; o social, o cultural, o ideológico em natural. E o mito contemporâneo é descontínuo, já não se constitui em grandes narrativas e sim em discursos. No Brasil, as forças políticas sempre se relacionaram com a tradução a fim de apoia-la ou refutá-la. Muitos tradutores, conscientes ou não, atravessaram seus trabalhos de ideologias, formas e escritas ao gosto de um determinado setor da sociedade ou da política. Ainda na Introdução, a autora aborda a polêmica questão da invisibilidade do tradutor. Considerada como profissão liberal desde o século XIX, o único segmento regulamentado da categoria é o dos tradutores públicos ou juramentados que prestam concursos nas Juntas Comerciais Estaduais. Apesar desse quadro profissional, no Brasil, 80% dos livros de prosa, poesia, referência, manuais e catálogos são frutos de traduções. Na universidade, a partir de 1968, com a proposta de Holmes em fazer dos Estudos da Tradução uma disciplina autônoma, a tradução ganhou maior definição e clareza enquanto profissão liberal e objeto de pesquisa. A pesquisa historiográfica em tradução no Brasil é rara, e a própria autora afirma ser difícil encontrar dados sobre a história da tradução no país. Os colonizados, nas palavras de Rajagopalan (1998), começam a existir discursivamente apenas quando são traduzidos ou acionados pelos colonizadores, aqueles que retêm o controle exclusivo sobre a língua hegemônica do poder imperial. Um tanto diferente da maioria dos movimentos de colonização, no Brasil a língua predominante era a

dos indígenas; os colonizadores aprenderam-na para poder exercer o controle e dominação da colônia. Assim, a tradução acaba se tornando, nas mãos dos colonizados, o único meio de resistência e, ao mesmo tempo, a arma mais poderosa para alcançar seus objetivos (RAJAGOPALAN, 1998). De acordo com Lia, no primeiro capítulo intitulado A tradução oral no Brasil, a tradução no Brasil tem sido sempre descontínua. O achamento do Brasil marcou a tradução oral entre o colonizador e os índios brasileiros, que, entre si, já praticavam o plurilinguismo, pois havia centenas de tribos que falavam diferentes dialetos e línguas e, posteriormente, também com os africanos, todos dependiam da transmissão oral de conhecimentos. A chegada dos jesuítas em 1549 provocou uma revolução linguística, eles aprenderam o nheengatu (a língua franca da costa) para a catequização e esta viria a se tornar a língua oficiosa da colônia. Os línguas vieram a ser os mamelucos e não mais os náufragos. Mesmo após a expulsão dos jesuítas em 1759, somente em 1823 o português foi instituído como língua oficial. Em 1808, com a abertura dos portos ao comércio exterior, a regulamentação da figura do intérprete sofreu mudanças, inicialmente com a posição de oficial de línguas na Secretaria de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Guerra, em seguida a de intérprete público nomeado pelos Tribunais do Comércio para a tradução oficial de documentos estrangeiros e, finalmente, a de intérprete nomeado mediante concurso público promovido pelas Juntas Comerciais, estabelecido desde 1943. A tradução escrita só iniciou seu desenvolvimento após a segunda metade do século XX, antes era atividade acadêmica ou ocupação das elites intelectuais. Esse lento desenvolvimento deu-se em decorrência de dois fatores desencadeados pela política de educação do Brasil colônia: o analfabetismo de massa e o estrangeirismo das elites, que eram influenciadas pela cultura de Portugal e, principalmente, da França. No século XVIII, a tradução escrita progrediu, assim como a tradução impressa de livros. Wyler cita alguns nomes como Antônio José da Silva, João de Seixas Fonseca, João Mendes da Silva e Antônio de Morais Silva. No final do século, eram traduzidas do alemão, inglês, francês, castelhano obras para o progresso do país, em seguida eram impressas em Lisboa pela Tipografia do Arco do Cego, criada em 1799 por Frei Veloso, que reuniu jovens poliglotas familiarizados às idéias iluministas. Em 1801, a tipografia foi incorporada à Impressão Régia de Lisboa. Os jovens tradutores eram remunerados em termos de moradia e alimentação, e relatavam dificuldades como falta de dicionários e obras de referência brasileiras. 249

250 A Imprensa Régia imprimiu traduções e adaptações de romances e outras obras da literatura clássica (Ovídio, Virgilio, Voltaire, Racine), suprimindo o nome do autor e acrescentando títulos sugestivos. Porém, toda essa liberdade foi limitada, pois as publicações estavam sujeitas a censores. Na segunda metade do século XIX, com o término da censura, livreiros como Pierre Plancher, os irmãos Firmim Didot e Garnier Frères se instalam no Brasil. Algumas dessas livrarias remuneravam o trabalho dos tradutores; já as traduções eram impressas fora do país e importadas para reduzir o custo dos livros, devido ao custo do papel nacional. O romance folhetim e o teatro impulsionaram a tradução no século XIX. Na época dos jesuítas, os autos morais e catequizadores eram bilíngues, em nheengatu e português. A partir de 1810, as peças estrangeiras eram imitadas ou traduzidas livremente, pois ainda não havia produção nacional. Mais tarde, peças alemãs, francesas, italianas e espanholas eram encenadas por companhias estrangeiras no país ou por companhias nacionais com tradução de escritores renomados. Machado de Assis depreciava as adaptações feitas por qualquer um que conhecesse um pouco uma língua estrangeira e, juntamente com outros escritores e tradutores, criou o Conservatório Dramático Brasileiro, a fim de estabelecer padrões linguísticos às peças nacionais e traduzidas. Com a política nacionalista do Presidente Governo de Getúlio Vargas, no campo da educação e da alfabetização, houve grande produção de livros técnicos, didáticos e infantis; obras historiográficas escritas por estrangeiros sobre o Brasil também foram traduzidas e publicadas pela Livraria Martins, citando como tradutor Sergio Milliet. Grandes nomes da literatura nacional, como Monteiro Lobato e Mário de Andrade, responsáveis pela criação e reprodução dos padrões linguísticos do idioma, escolhiam, traduziam, adaptavam, revisavam obras da literatura estrangeira, muitas vezes, impulsionados por interesses financeiros. Monteiro Lobato inovou introduzindo o uso da linguagem coloquial dando início à literatura para jovens, o que repercutiu, em longo prazo, nas preferências do leitor brasileiro. A tradução conheceu sua Idade de Ouro, de 1942 a 1947, com o escritor Érico Veríssimo coordenando a Editora Globo de Porto Alegre e uma equipe de tradutores, com carga horária, local de trabalho e remuneração mensal definida para a execução do ofício. Os melhores intelectuais e profissionais eram contratados pela editora para traduzir grandes obras da literatura estrangeira. Ao final da Era Vargas, o mercado editorial no país continuou a prosperar com a impressão de coleções literárias e enciclopédias que eram vendidas de porta em porta.

Naquela época, com a política de desenvolvimento de Juscelino Kubitschek, o mercado foi promissor para o tradutor técnico. Na busca de um aperfeiçoamento, em 1969, a PUC do Rio de Janeiro ofereceu habilitações no curso de Letras como de revisor, tradutor e intérprete, assessor, secretário executivo, pesquisador, crítico literário. Lia Wyller dedicou as últimas páginas da obra a Paulo Rónai e à fundação da Associação Brasileira de Tradutores, mencionando a publicação de seu primeiro livro sobre a Tradução no Brasil Escola de tradutores. Lia Wyler, como pioneira de uma historiografia legitimamente brasileira sobre a tradução, relaciona considerável número de informações em seu livro, e extensa pesquisa bibliográfica referenciada ao final de cada capítulo. O livro contribui de maneira importante para a história da tradução no Brasil, desde o achamento até a década de 1970. A autora deixa aos pesquisadores e estudiosos da tradução a tarefa de prosseguir a pesquisa sobre a tradução, pois é também a partir dela que se pode entender a formação literária e cultural de um país, o papel essencial dos textos traduzidos na construção de leitores críticos. O livro atenta para os fatores negativos do percurso da tradução no Brasil, como a manipulação de textos e a invisibilidade principalmente profissional do tradutor. Segundo Lia, o problema é que a profissão continua aguardando regulamentação, não sendo exigida dos profissionais uma formação homogênea e contínua, o que contribui para a invisibilidade da profissão, levando muitos a fazerem cursos rápidos de especialização e a aceitarem uma remuneração incompatível. É preciso conhecer a história dos tradutores e da tradução em um país, para poder provocar uma ruptura com essa visão e gerar mudanças significativas. Conhecer o perfil desses profissionais dentro do contexto histórico de produção de textos permite entender melhor o processo de invisibilidade e o papel desses profissionais na história, possibilitando valorizar mais essa área do conhecimento. 251

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BARTHES, R. O rumor da língua. Prefácio, Leyla Perrone-Moisés; Tradução Mario Laranjeira; revisão de tradução Andréa Stahel M. da Silva. 2. ed. São Paulo: M. Martins, 2004. RAJAGOPALAN, Kanavillil. Pós-modernidade e a tradução como subversão. VII Encontro Nacional de Tradutores. Transcrito dos Anais do VII Encontro Nacional de Tradução/I Encontro Internacional de Tradução - Universidade de São Paulo, 7 a 11 de setembro de 1998. Disponível em: <http://www.novomilenio.inf.br/idioma/19980911.htm>. Acesso em: 2012. 1 As informações biográficas foram feitas a partir do perfil da tradutora, elaborado por Pablo Cardellino e Walter C. Costa, Dicionário de Tradutores Literários. Disponível em: <http://www.dicionariodetradutores.ufsc.br/pt/liawyler.htm>. 2 WYLER, Lia. Que censura? DELTA, São Paulo, v. 19, n. spe, 2003. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=s0102-44502003000300007>. 252