Resistência aos antibióticos e tratamento de acne Enfrentar o desafio Pontos chave Na Reunião de Cúpula do G8, em Junho de 2013, ministros de ciências voltaram sua atenção às estratégias de resistência a drogas antimicrobianas para conter o uso indevido de antibióticos, otimizando os padrões de prescrições médicas para preservar a eficácia dos existentes antibióticos contra infecções 1 A resistência antibacteriana tem sido um grande problema de saúde há mais de 10 anos. O excesso de prescrição de antibióticos para o resfriado comum em crianças tem contribuído significativamente à resistência bacteriana aos antibióticos 2 Se a propagação global da resistência não for retardada poderá haver sérias consequências à saúde será difícil ou impossível de tratar muitas infecções comuns e os procedimentos cirúrgicos de rotina podem se tornar um risco de vida 3,4 No tratamento da acne, o uso generalizado de antibióticos levou ao aumento da prevalência de cepas resistentes de Propionibacterium acnes (P. acnes) em todo o mundo e é um fator contribuinte à questão de resistência antimicrobiana global 5,6 A emergência da resistência antibacteriana através de diversos mecanismos 7 resultou em falhas de tratamento, redução da resposta em pacientes de acne 8,9 Os antibióticos orais são uma opção de tratamento importante para os pacientes de acne mais graves, e no momento outras alternativas, tais como a isotretinoína oral, são associadas a efeitos secundários graves. No entanto, existem alternativas mais eficazes aos antibióticos tópicos Em resposta à necessidade urgente de combater esta ameaça crescente, foram criadas diretrizes para o uso responsável e adequado de antibiótico, incluindo aqueles usados nos tratamentos da acne 1,4,9 A resistência aos antibióticos: uma grande ameaça à segurança Nos primeiros pontos da agenda da mais recente Reunião da Cúpula do Grupo dos Oito (G8) e o tópico de um relatório chave do Center for Disease Control (CDC), nos Estados unidos foi a resistência aos antibióticos, um problema que está crescendo num ritmo alarmante. Nesta reunião, ministros de ciências identificaram esta questão como sendo um "grande desafio da segurança sanitária do século 21. 1,9,10 Mais recentemente, o governo dos Estados Unidos lançou sua Estratégia Nacional para Combater as Bactérias Resistentes a Antibióticos (Setembro de 2014), prometendo prevenir, detectar e controlar doenças e morte relativas a bactérias resistentes a antibióticos, implementando medidas para reduzir sua emergência e disseminação, 11 assinalando a seriedade da situação em todo o mundo. Em dermatologia, a questão da resistência aos antibióticos é de grande importância devido ao crescente número de cepas bacterianas que apresentam resistência ao tratamento da acne. Diretrizes publicadas pela Global Alliance to Improve Outcomes in Acne (Aliança Global para melhorar os Resultados no Tratamento da Acne), endossadas pela American Academy of Dermatology (AAD), em 2014 destacaram os tratamentos recomendados e as medidas de manejo que os dermatologistas podem adotar para limitar a crescente ameaça da resistência aos antibióticos 9. Foi especificamente mencionado que os antibióticos orais e tópicos não devem ser usados como monoterapia, ainda que 35% dos antibióticos por via oral e 46% dos antibióticos tópicos sejam atualmente prescritos isoladamente. 12
A resistência às drogas resultou, em grande parte, pelo uso generalizado de antibióticos na saúde humana e animal e também na produção de alimentos. 3,4 O uso excessivo de antibióticos no tratamento do resfriado comum em crianças é considerado um fator importante que contribui para o rápido aumento de bactéria resistentes aos antibióticos e tradicionalmente, este tem sido o foco dos governos para combater o uso indevido de antibióticos 2. Em 2004, as autoridades também enfatizaram a questão das infecções bacterianas contraídas em hospitais, uma vez que a disseminação de casos de Staphylococcus aureus resistente à meticilina (SARM) e Clostridium difficile (C. difficile) virou manchete de primeira página no Reino Unido. Certas medidas postas em prática conseguiram reduzir o número de casos de SARM e C. difficile para 84,7% e 53% respectivamente. 4 A prevalência da resistência aos antibióticos está aumentando rapidamente em todo o mundo e afetando praticamente todas as áreas do globo. 12 O problema também está se expandindo, com um aumento no número de cepas microbianas apresentando resistência contra uma lista crescente de antibióticos. 6 Se esta questão não for abordada, a resistência aos antibióticos poderá se transformar em uma epidemia mundial de doenças que anteriormente eram tratáveis e poderá aumentar o risco de procedimentos cirúrgico de rotina. 10 O impacto de bactérias resistentes aos antibióticos (ARB) é um problema mundial 13 A resistência aos antibióticos representa um grande risco à saúde pública, uma vez que se associa com o prolongamento de doenças e internações hospitalares, tratamentos mais complexos e taxas de mortalidade mais altas. 3,13 Na Europa, o impacto anual estimado da resistência aos antibióticos é de: 14 Mais de 25,000 mortes (devido a infecções bacterianas hospitalares resistentes) 2,5 milhões de dias em hospital que poderiam ser evitados 1,5 bilhão em custos de saúde e perdas de produtividade
O surgimento da resistência aos antibióticos A resistência aos antibióticos ocorre quando cepas de bactérias já não respondem aos antibióticos usados para tratar infecções causadas por esses microorganismos. A resistência pode ocorrer através de vários mecanismos: 6,8 Mutações genéticas aleatórias no DNA bacteriano Transferência de genes resistentes aos antibióticos entre as bactérias Propriedades intrínsecas que neutralizam o efeito dos antibióticos O uso de antibióticos tem como resultado a sobrevivência e reprodução de bactérias resistentes, enquanto que as cepas sensíveis são eliminadas. 4,15 Ao longo do tempo, isso levou a um aumento gradual da propagação de cepas bacterianas resistentes aos antibióticos. 4 Aumento na prevalência de cepas resistentes de P. acnes Até recentemente, o foco de mau uso de antibióticos tem sido limitado, mas já vem se transformando para incluir outras doenças onde os antibióticos têm sido a principal opção de tratamento, tais como a acne. O aumento global de resistência aos antibióticos reflete o crescente número de cepas bacterianas que apresentam resistência no tratamento da acne. Este surgimento de P. acnes resistentes, tem sido atribuído à prescrição generalizada no tratamento da acne tanto de antibióticos orais como tópicos no tratamento da acne. 5,6 Estudos indicam que a prevalência global de cepas resistentes de P. acnes tem aumentado de forma constante ao longo dos últimos 30 anos, 16,17 aumentando de 20% em 1978 para 62% em 1996. 6 De acordo com as orientações atuais, os antibióticos orais e tópicos não devem ser usados em conjunto para tartar a acne. No entanto, os dados de prescrição indicam que 23% das prescrições de antibióticos orais continuam sendo combinadas com antibióticos tópicos. Os antibióticos orais continuam sendo uma importante opção no tratamento de pacientes com acne moderada a grave. A isotretinoína oral pode ser utilizada em pacientes com acne grave, mas pode levar a numerosos efeitos secundários graves, tais como a teratogenicidade (mal formação fetal). No entanto, existem alternativas para antibióticos tópicos, incluindo retinóides tópicos e peróxido de benzoíilo (POB) em combinação. Uma tática importante na preservação da eficácia dos antibióticos é a de assegurar que os antibióticos orais sejam utilizados apenas por um tempo limitado e não em combinação com um antibiótico tópico. 16 A resistência aos antibióticos pode trazer sérias consequências aos pacientes e a comunidade em geral. Para pacientes com acne a bactéria P. acnes resistente pode levar a falhas de tratamentos, onde os pacientes de acne podem apresentar diminuição, pouca ou nenhuma resposta ao tratamento, ou que possivelmente tenham recidivas que poderiam ter sido prevenidas. 8,9 A P. acnes também tem sido associada raramente a infecções mais graves, como artrite, 18,19 endocardite 20 e podendo estar associada a cirurgias, implantes e pacientes imunocomprometidos. 21 Além disso, as bactérias presentes em outras áreas do corpo (tais como a flora normal e protetora presente no intestino ou aquelas transportadas como comensais humanos) pode ser submetida a alterações por pressão selecionada do antibiótico. 9
Fatores contribuintes O rápido aumento da resistência aos antibióticos no tratamento da acne tem sido atribuído a uma série de fatores: Práticas de prescrição 16 Uso de Antibióticos 3,16 Monitoramento limitado 3 O uso inadequado e/ou indiscriminado de antibióticos Tratamento com antibióticos de longa duração (> 12 semanas) Dosagem abaixo dos níveis recomendados Monoterapia antibiótica uso comcomitante de antibióticos orais e tópicos O uso simultâneo de antibióticos quimicamente diferentes Baixa adesão Não-conclusão do curso completo de antibióticos Vários cursos de antibióticos Fácil acesso aos antibióticos Transmissão na comunidade 6 Falta de sistemas de vigilância para monitorar o uso de antibióticos e a emergência e propagação de cepas resistentes Medidas insuficientes no controle de infecção cruzada Contato próximo entre indivíduos resulta na propagação de cepas resistentes Viagens e comércio internacionais facilitam a rápida disseminação de bactérias resistentes em todo o mundo Enfrentar o problema global de resistência aos antibióticos Há uma necessidade urgente para que governos, profissionais da classe médica, indústria farmacêutica e indivíduos trabalhem juntos e enfrentem a ameaça da resistência aos antibióticos. As recomendações para enfrentar este desafio incluem: 1,3,4 Preservar a eficácia de agentes antibióticos existentes Promover o uso adequado de antibióticos Desenvolver rápido diagnósticos para informar sobre o uso Apoiar a cooperação internacional e partilhar dados de vigilância Incentivar o desenvolvimento de novos antibióticos O que é que podemos fazer em dermatologia para contribuir com a redução da resistência aos antibióticos? Os antibióticos orais são uma importante opção no tratamento da acne e tem ajudado muitos pacientes, mas os médicos agora tem a responsabilidade de garantir que estão otimizando seus padrões de prescrição ao usar antibióticos orais e tópicos para reduzir a propagação de acne resistente aos antibióticos. Isto significa que devem prescrever antibióticos orais de forma responsável e evitar o uso de antibióticos tópicos. Os antibióticos orais devem ser prescritos apenas para acne moderada a moderadamente grave para períodos de tratamento curtos e devem ser combinados com POB e retinóides tópicos (para atingir o maior número de fatores fisiopatológicos possível e diminuir a formação de novas lesões de acne). 9 A terapia combinada deve ser iniciada o quanto antes possível, de preferência no início do tratamento, para atacar simultaneamente dois ou três dos diferentes fatores patogênicos. 22 As principais recomendações da Global Alliance to Improve Outcomes in Acne, que em 2014 foi endossada pela AAD, orienta de modo claro sobre o tratamento adequado da acne (levando em conta a fisiopatologia da acne e as questões de resistência aos antibióticos). 9
As diretrizes da Global Alliance to Improve Outcomes in Acne recomendam: 9 Os antibióticos orais são recomendados para acne moderada a moderadamente grave Usar uma combinação de retinóide tópico e antimicrobiano como terapia de primeira linha, uma vez que se conseguiu a limpeza de modo muito mais rápido e melhor em comparação com a monoterapia Evitar o uso de antibióticos orais e tópicos como monoterapia ou de usá-los simultaneamente Limitar o uso de antibióticos para períodos curtos de tratamento (12 semanas) Interromper o uso de antibióticos quando não houver nenhuma melhora ou apenas uma ligeira melhora Usar retinóides tópicos (não antibióticos) na terapia de manutenção e adicionar peróxido de benzoíla para um efeito antimicrobiano, se necessário References 1. Group of Eight (2013). G8 science ministers statement London UK, 12 June 2013. Disponível em: https://www.gov.uk/government/publications/g8-science-ministers-statement-london-12-june-2013 (data de acesso: Novembro de 2014). 2. Nyquist A-C, Gonzales R, Steiner JF. Antibiotic prescribing for children with colds, upper respiratory tract infections, and bronchitis. JAMA 1998;279(11):875 877. 3. World Health Organization (2012). The evolving threat of Antibiotic resistance: options for action. Disponível em: http://www.who.int/patientsafety/implementation/amr/publication/en/ (data de acesso: Novembro de 2014). 4. Department of Health (2013). Annual report of the Chief Medical Officer, volume two, 2011:infections and the rise of antimicrobial resistance. Disponível em: https://www.gov.uk/government/uploads/system/uploads/attachment_data/file/138331/cmo_annual_report_volume_2_2011.pdf (data de acesso: Novembro de 2014). 5. Dreno B. Topical antibacterial therapy for acne vulgaris. Drugs 2004;64(21):2389 2397. 6. Rosen T. Antibiotic resistance: an editorial review with recommendations. J Drugs Dermatol 2011;10(7):724 733. 7. Todar K. Todar s Online Textbook of Bacteriology. Disponível em: http://textbookofbacteriology.net/resantimicrobial_3.html (data de acesso: Novembro de 2014). 8. Leyden JJ, McGinley KJ, Cavalieri S, et al. Propionibacterium acnes resistance to antibiotics in acne patients. J Am Acad Dermatol 1983;8:41 45. 9. Thiboutot D, Gollnick H, Bettoli V, et al. New insights into the management of acne: an update from the Global Alliance to Improve Outcomes in Acne Group. J Am Acad Dermatol 2009;60(Suppl 5):S1 50. 10. BBC news (2013). Antibiotics resistance as big a risk as terrorism medical chief. Available at: http://www.bbc.co.uk/news/health- 21737844 (data de acesso: novembro 2014). 11. United States government. National Strategy For Combating Antibiotic-Resistant Bacteria, September 2014. Disponível em: http://www.whitehouse.gov/sites/default/files/docs/carb_national_strategy.pdf (data de acesso: Novembro de 2014) 12. Market Insights IMS D+J Market - MAT Q4 2012 - WW (39 Countries) 13. World Economic Forum (2013). The dangers of hubris on human health. Disponível em: http://reports.weforum.org/global-risks- 2013/view/risk-case-1/the-dangers-of-hubris-on-human-health/ (data de acesso: Novembro de 2014). 14. European Centre for Disease Prevention and Control and European Medicines Agency (2009). ECDC/EMEA Joint Technical Report - The bacterial challenge: time to react. Disponível em: http://www.emea.europa.eu/docs/en_gb/document_library/report/2009/11/wc500008770.pdf (data de acesso: Novembro de 2014). 15. Tanghetti E. The impact and importance of resistance. Cutis 2007;80(Suppl1):5 9. 16. Eady EA, Gloor M, Leyden JJ. Propionibacterium acnes resistance: a worldwide problem. Dermatology 2003;206:54 56. 17. Tzellos T, Zampeli V, Makrantonaki E, et al. Treating acne with antibiotic-resistant bacterial colonization. Expert Opin Pharmaco 2011;12:1233 1247. 18. Levy PY, Fenollar F, Stein A, et al. Propionibacterium acnes postoperative shoulder arthritis: an emerging clinical entity. Clin Infect Dis 2008;46:1884 1886. 19. Berthelot P, Carricajo A, Aubert G, et al. Outbreak of postoperative shoulder arthritis due to Propionibacterium acnes infection in nondebilitated patients. Infect Control Hosp Epidemiol 2006;27:987 990. 20. Delahaye F, Fol S, Celard M, et al. Propionibacterium acnes infective endocarditis. Study of 11 cases and review of literature. Arch Mal Coeur Vaiss 2005;98:1212 1218. 21. Chanet V, Romaszko JP, Rolain JM, et al. Propionibacterium acnes adenitis. Presse Med 2005;34:1005 1006. 22. Gollnick H, Cunliffe W. Management of acne: a report from a Global Alliance to Improve Outcomes in Acne. J Am Acad Dermatol 2003;49(Suppl 1):S1 37.