Tribunal da Relação de Guimarães Largo João Franco, 248-4810-269 Guimarães Tel: 253 439 900 - Fax: 253 439 999 - guimaraes.tr@tribunais.org.



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Tribunal da Relação de Guimarães Largo João Franco, 248-4810-269 Guimarães Tel: 253 439 900 - Fax: 253 439 999 - guimaraes.tr@tribunais.org.pt Apelação nº 659/06.5TBPVL.G1 (Proc. nº 659/06.5TBPVL, T J da Póvoa de Lanhoso) Acordam na 2ª Secção do Tribunal da Relação de Guimarães: I. Relatório: J, contribuinte fiscal nº, e mulher, R, contribuinte fiscal nº, residentes no lugar do, freguesia de,, propuseram a presente acção declarativa, com processo comum, na forma ordinária, contra: M e mulher, O, residentes Rua, ; J e mulher, F, residentes no lugar do, freguesia de, ; A e marido, A, residentes no lugar do, freguesia de, ; H e marido, A, residentes em, Peticionando a condenação destes a reconhecerem o seu (deles autores) direito de propriedade plena sobre o prédio urbano e logradouro que identificam e a absterem--se de perturbarem o exercício desse direito, bem como a declaração de extinção da servidão existente por desnecessidade, uma vez, com a construção de um novo cami- nho comum a todos os prédios dos réus, deixou de ter qualquer utilidade. Para tanto, alegaram, em síntese que: - São donos de um prédio urbano que adquiriram a outrem que, por seu turno, o havia adquirido, na sequência de partilhas por óbito de ; - Todos os prédios deste (falecido) tinham acesso ao que agora lhes pertence por um caminho de servidão; - Na sequência da aquisição do seu prédio, procederam à abertura de um caminho de acesso directo à estrada nacional, tendo vedado o antigo caminho de servidão, nos limites da sua propriedade, uma vez que deixou de ter qualquer utilidade. Os réus contestaram, alegando, em súmula, que foi já proferida sentença, transi- 1

tada em julgado, em que os, aqui, autores foram condenados a reconhecerem que se encontra constituída servidão de passagem, a favor do prédio deles réus, sucedendo, além do mais, que a servidão constituída por destinação de pai de família não pode ser extinta por desnecessidade. Concluíram no sentido da procedência da excepção dilatória de caso julgado ou, subsidiariamente, pela improcedência da acção. Os autores replicaram, consignando que não punham em causa a existência da servidão de passagem, mas pretendem que a mesma seja declarada extinta por desnecessidade, e que não existe caso julgado, uma vez que não há identidade de pedido e de causa de pedir. * Na audiência preliminar, foi julgada procedente a excepção de caso julgado, quanto à existência da servidão constituída por destinação de pai, em face da sentença proferida, em 23-02-2006, no âmbito do Proc. nº 411/2002 que tramitou no Tribunal Judicial da Póvoa de Lanhoso, tendo estes autos prosseguido tão-só para se decidir se essa servidão se extinguiu (ou não) por desnecessidade. Por sentença de fls. 238 a 243, a acção foi julgada improcedente. Os autores recorreram da sentença, pretendendo a sua revogação e que a acção seja julgada procedente, tendo alegado e formulado extensas conclusões que, em pequena medida, a seguir se resumem: 1ª Verifica-se, na sentença recorrida, uma incorrecta apreciação da matéria de facto, quando o meritíssimo juiz a quo entende que existe uma servidão de passagem a favor do prédio dos réus, através do prédio dos autores, constituída por destinação de pai de família; 2ª Quando deveria entender, pela conjugação do depoimento da testemunha com prova pericial e documental junta ao processo, que a servidão que os réus afirmam existir, afinal foi construída pela antepossuidora do prédio dos autores (a referida ), para dar acesso ao mesmo e não ao prédio dos réus; 3ª E que o acesso do prédio dos réus à via pública se faz, como sempre se fez, através do estradão novo que havia sido construído pelo 2º antepossuidor da quinta, ; 4ª Isto, há mais de trinta anos, uma vez que foi construído quando a testemunha, com 14/15 anos, era criada do dono da quinta; 5ª E que antes da construção desse caminho pela, o acesso ao prédio dos réus, bem como a todos os campos se fazia através do estradão mandado 2

Tribunal da Relação de Guimarães Largo João Franco, 248-4810-269 Guimarães Tel: 253 439 900 - Fax: 253 439 999 - guimaraes.tr@tribunais.org.pt construir por ; 6ª Que antes da construção desse estradão, o acesso às várias parcelas se fazia através de carreiros que deixaram de ter utilidade, a partir desse momento; 7ª Que tal situação se manteve, aquando das partilhas levadas a efeito por óbito do 1º antepossuidor, pai dos réus e da testemunha ; 8ª Na presente acção, verifica-se uma nulidade da sentença recorrida, nos termos do art. 668º, 1, d), 2ª parte, do Código de processo Civil, uma vez que o tribunal, na sua fundamentação de facto e de direito, não se pronunciou sobre questões que deveria apreciar; 9ª Não tomou em consideração as afirmações proferidas pela testemunha, que vendeu o prédio aos autores, relativamente à construção do acesso à sua habitação, fundamentais para uma boa decisão da causa; 10ª Por via desta incorrecta apreciação da matéria de facto, o meritíssimo juiz a quo, procedeu a uma incorrecta aplicação do direito; 11ª Os recorrentes pretendiam, na acção que intentaram, o reconhecimento da inutilidade de uma servidão e consequente extinção, por desnecessidade da mesma, nos termos do art. 1569º, 2 e 3, do Código Civil; 12ª O meritíssimo juiz entendeu que apenas as servidões constituídas por usucapião e as legais podem ser extintas por desnecessidade, excluindo as que tiveram por base um facto voluntário, como a do caso presente, concluindo, com base na jurisprudência que indica, que não existe, pois, disposição legal que permita a extinção por desnecessidade das servidões constituídas por destinação de pai de família ; 13ª Ora, da prova produzida resulta que os anteriores carreiros, que davam acesso aos vários prédios, nomeadamente ao dos autores e réus ficaram extintos, há mais de 30 anos, e foram substituídos pelo estradão; 14ª Isto é, nos termos dos arts. 1547º e 1549º do Código Civil, constitui-se, por vontade do proprietário dos vários prédios, uma servidão (estradão) que permitia o acesso a todos eles, nomeadamente ao dos réus; 15ª Quanto à passagem que dá acesso ao prédio dos autores, ora, recorrentes, e que os réus pretendem que também dá acesso ao deles, verifica-se que, afinal, a mesma foi mandada construir pela anterior titular do prédio dos autores, a mencionada 3

testemunha; 16ª Pelo que, nem sequer existe, constituída a favor do prédio dos réus qualquer servidão que onere o prédio dos autores, uma vez que não se trata de um prédio encravado, nos termos do artigo 1550º do Código Civil; 17ª Assim sendo, e perante esta factualidade, o meritíssimo juiz a quo deveria aplicar as normas que regem a plena propriedade, dos autores, ora, recorrentes, nomeadamente, os arts. 1305º e 1344º ambos do Código Civil; 18ª E isto porque, da matéria dada como provada se pode concluir que, se os réus passavam pelo caminho aberto pela anterior titular do prédio dos autores ( ), o faziam por mera tolerância da mesma; 19ª Pelo que deveria o meritíssimo juiz a quo socorrer-se do preceituado nos arts. 663º e 664º do Código de Processo Civil, para que a sentença se aproxime da situação de facto existente e aplique a justiça do caso; 20ª Sem prescindir, e caso assim se não entenda, sempre a invocada servidão de passagem por parte dos réus deveria ser declarada extinta; 21ª Na verdade, os prédios, todos pertencentes ao mesmo titular,, e agora aos autores e réus, antes da construção do estradão, há mais de trinta anos, eram servidos por carreiros; 22ª Construído que foi o dito estradão que dava e dá acesso a todos os prédios, nomeadamente o que actualmente pertence réus, extinguiram-se os ditos carreiros, que foram substituídos por aquele; 23ª Situação que continuou em vida dos pais dos réus; 24ª Feitas que foram as partilhas, por óbito daqueles, todos os herdeiros concordaram com os limites das suas propriedades e respectivos acessos: pelo estradão; 25ª Pelo que fica demonstrada a completa desnecessidade da dita servidão de passagem, para o prédio dos réus, através do prédio dos autores; 26ª Ora, atento todo este circunstancialismo - e pelo facto de que não se trata de uma servidão constituída por destinação de pai de família - deveria o meritíssimo juiz a quo declarar extinta a dita servidão, por desnecessidade, nos termos do artigo 1569º, 2 e 3, do Código Civil; 27ª Este, aliás, o entendimento corrente da jurisprudência, nomeadamente do acórdão da RE, de 20/07/1976: BMJ, 262º, p. 203, que afirma: de harmonia com as disposições combinadas dos nºs 2 e 3 do artigo 1569º, as servidões legais, qualquer que tenha sido o título de constituição podem ser judicialmente declaradas extintas a requerimento do proprietário do prédio serviente, desde que se mostrem desnecessárias ao prédio dominante. 4

Tribunal da Relação de Guimarães Largo João Franco, 248-4810-269 Guimarães Tel: 253 439 900 - Fax: 253 439 999 - guimaraes.tr@tribunais.org.pt Os réus, e mulher,, e e marido, apresentaram contraalegações, propugnando pela confirmação da sentença recorrida, referindo, em resumo, que: - Os autores vieram a juízo requerer que fosse declarada extinta, por desnecessidade, a servidão de passagem, constituída por destinação de pai de família, que aos réus havia sido reconhecida por sentença transitada em julgado, proferida no processo nº 411/2002 do Tribunal Judicial da Póvoa de Lanhoso; - Os apelantes pretendem, nas motivações do recurso, que o tribunal viesse a dar como provada matéria que não foi alegada; - O que os apelantes vêm agora fazer é interpretar os depoimentos feitos em julgamento, para demonstrarem factos que, não tendo sequer sido alegados, não foram, obviamente, incluídos na base instrutória; - Pelo que é mais do que evidente que a sentença não padece de qualquer nulidade; - A resposta ao único quesito constante da base instrutória foi devidamente fundamentada e não mereceu dos autores qualquer reclamação; - Contrariamente ao que os autores afirmam, o tribunal não partiu do pressuposto errado da existência de uma servidão constituída por destinação de pai de família; - Pelo contrário, ao tribunal não restava outra alternativa senão partir desse pressuposto, ou seja, de que já existia uma sentença, anteriormente proferida e transitada em julgado, que reconhecia aos réus uma servidão de passagem pelo prédio dos autores, constituída por destinação de pai de família, como resultava dos pontos 2) e 4) da matéria de facto assente, em sede do saneador cfr. fls. 150; - É pacífico na doutrina e na jurisprudência o entendimento de que a servidão de passagem constituída por destinação de pai de família não se pode extinguir por desnecessidade; - Aliás, a desnecessidade da servidão teria de ser apreciada em termos objectivos; - A escassa matéria de facto alegada pelos autores e o único facto levado à base instrutória jamais poderiam fundamentar qualquer decisão de extinção da servi- 5

dão por desnecessidade, pois esta não resultou minimamente provada. O recurso foi admitido como apelação, com efeito devolutivo. II. Questões a equacionar: Uma vez que o âmbito dos recursos é balizado pelas conclusões apresentadas pelos recorrentes (arts. 690º, 1, e 684º, 3, do Código de Processo Civil, na redacção anterior ao Dec.-Lei nº 303/207, de 24/VIII), importa apreciar as questões que delas fluem. Assim, «in casu», há que ponderar as seguintes: - A invocada nulidade da sentença; - Da servidão e sua extinção. III. Fundamentação: A) Factos provados: 1. Encontra-se registada, na C. R. Predial da Póvoa de Lanhoso, sob o nº 325, a aquisição, a favor dos autores, do prédio urbano composto de rés-do-chão e andar, com a superfície coberta de 113 m2, sito no lugar do Marco, S. João de Rei, Póvoa de Lanhoso, e inscrito na matriz sob o art. 286; 2. Tal prédio foi adquirido pelos autores, através de escritura pública de compra e venda, outorgada em 04.11.1998, no cartório Notarial de Póvoa de Lanhoso, em que figuraram como compradores os autores e vendedora ; 3. Esta havia adquirido esse prédio, na sequência de partilhas levadas a efeito por óbito de ; 4. Em 23.02.2006, foi proferida sentença, já transitada em julgado, no âmbito de acção instaurada por M e outros contra J e outra, I e A, sentença essa onde se consideraram provados os factos elencados a fls. 95 a 106 e se condenaram os, ali, réus (aqui, autores) a reconhecerem que se encontra constituída servidão de passagem a favor dos prédios dos ali autores (aqui réus), onerando, na parte correspondente ao leito desse caminho que o atravessa, o prédio urbano descrito na ficha nº 325, a ser exercida a pé ou através de veículos afectos ao fim da servidão, bem como se condenaram os, ali, réus a restituírem aos, então, autores a posse do aludido direito de servidão de passagem e a demolirem, as expensas suas, as obras que realizaram sobre o dito caminho, repondo-o no estado em que se encontrava antes dessas obras; 5. Os réus são proprietários, na proporção de ¼ para cada um deles, do prédio rústico denominado Leiras do Pontilhão de Cima e de Baixo e Leira Comprida, situado no lugar de Cancelos, S. João de Rei, Póvoa de Lanhoso, registado na C. R. 6

Tribunal da Relação de Guimarães Largo João Franco, 248-4810-269 Guimarães Tel: 253 439 900 - Fax: 253 439 999 - guimaraes.tr@tribunais.org.pt Predial sob a ficha nº 8 e inscrito na matriz no art. 766; 6. O prédio referido em 1) está onerado, em benefício do prédio descrito em 5), com uma servidão de passagem, com as características constantes da sentença aludida em 4), constituída por destinação de pai de família; 7. O prédio descrito em 5) tem acesso a uma Estrada Municipal, através de um caminho mais largo e rectilíneo que o referido em 4), sendo que de ambos os caminhos para aceder àquela Estrada é necessário passar por outro caminho em terra batida que desemboca nessa Estrada. B) Enquadramento jurídico: 1) A invocada nulidade da sentença: Sustentam os autores/apelantes (nas 8ª a 10ª conclusões) que a sentença recorrida enferma da nulidade prevista no art. 668º, 1, d), 2ª parte, do Código de Processo Civil, uma vez que o tribunal, na sua fundamentação de facto e de direito, não se pronunciou sobre questões que deveria apreciar. Como decorre das suas alegações e das 9ª e 10ª conclusões, com referência às 2ª a 7ª conclusões, entendem os autores que o tribunal devia considerar o depoimento da testemunha, conjugando-o com o relatório pericial e os documentos juntos aos autos, e, assim, concluir que: - O caminho que, segundo os réus, permite o exercício do direito de servidão foi construído por ela; - O acesso ao prédio dos réus se faz, há mais de trinta anos, por um outro caminho que apelidou de «estradão» que havia sido construído pelo 2º antepossuidor da quinta cuja partilha deu origem aos vários prédios, ; - Afinal não existe qualquer servidão de passagem. Nesta conformidade e em bom rigor, os autores acabam por pôr em causa a decisão sobre a matéria de facto. Sucede que a existência da servidão de passagem, constituída por destinação de pai de família, não estava (não está) em discussão, porquanto fora reconhecida por sentença transitada, existindo, nessa parte caso julgado. Nestes autos tão-só se discute se essa servidão se extinguiu (ou não) por desnecessidade. Tanto assim que a 7

base instrutória é constituída apenas pelo seguinte quesito: O prédio dos réus referido na matéria de facto assente tem hoje acesso directo ao caminho público mais largo e em melhores condições? Assim sendo, o que foi dito pela mencionada testemunha quanto à construção ou alargamento do caminho é irrelevante, tratando-se, aliás, de factualidade que nem sequer havia sido alegada. E, como é bom de ver, não se verifica a invocada nulidade. Na verdade, as nulidades da sentença têm a ver com vícios do próprio acto decisório, consistindo em desvios às normas atinentes à sua forma externa e à sua estrutura intrínseca, enquanto acto processual que é («errores in procedendo»), mas nada tendo a ver com o erro de julgamento, de facto ou de direito («error in judicando»), o qual ocorre quando o julgador pondera e valora mal a prova produzida (erro de facto) ou quando interpreta mal a(s) norma(s) legal(ais) aplicável(veis), ou, ainda, quando infringe as regras da subsunção dos factos à(s) norma(s) erro de direito. Ocorre a nulidade prevista no mencionado art. 668º, 1, d), quando o juiz deixe de se pronunciar sobre questões que devesse apreciar (omissão de pronúncia) ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento (excesso de pronúncia). Com efeito, de harmonia com o art. 660º, 2, também do Cód. Proc. Civil, o juiz deve resolver todas as «questões» que sejam submetidas à sua apreciação (exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras), mas só essas, a não ser que outras se perfilem de conhecimento oficioso. Contudo, as «questões» a ter em conta são as que se reportam às pretensões deduzidas, aos elementos integradores do pedido e da causa de pedir; isto é, devem entender-se por «questões» as concretas controvérsias centrais a dirimir, sem abarcar os argumentos, motivos ou razões jurídicas invocadas pelas partes, embora haja que apreciar todas as pretensões processuais formuladas (pedidos e excepções) e todos os factos em que assentam. Como se refere no Ac. do STJ, de 25-03-2009, Proc. 09A530, «in» www.dgsi.pt, a nulidade a que se reporta o mencionado art. 668º, 1, d), 1ª parte, pressupõe que se silencie questão que o tribunal deva conhecer, «ex vi» do art. 660º, 2, 1ª parte, mas não significando que se tenha de abordar, de forma detalhada, todos os argumentos ou considerações trazidas pelas partes. Já a nulidade a que se reporta o mencionado art. 668º, 1, d), 2ª parte, ocorre quando o tribunal, indo para além dos limites traçados pelo art. 660º, 2, 2ª parte, decide questão que não foi suscitada pelas partes e que não é de conhecimento oficioso. Trata-se de um mero vício formal (e não de erro de substância ou de julgamento) traduzido em decisão para além dos poderes de cognição do julgador - o Ac. do STJ, de 23-8

Tribunal da Relação de Guimarães Largo João Franco, 248-4810-269 Guimarães Tel: 253 439 900 - Fax: 253 439 999 - guimaraes.tr@tribunais.org.pt -05-2006, Proc. 06A10 90, «in» www.dgsi.pt. Ora, «in casu», a única questão suscitada que não ficou logo decidida, no despacho saneador, tem a ver com a extinção da servidão de passagem, por desnecessidade, foi objecto de pronúncia expressa, não tendo a sentença exorbitado dela. 2) Da servidão e sua extinção: Como já ficou dito e resulta dos nºs 4, 2, 6 e 5 do elenco de factos provados, por sentença de 23-02-2006, transitada em julgado, os, aqui, autores/apelantes foram condenados a reconhecerem que existe uma servidão de passagem, a ser exercida a pé ou através de veículos, constituída por destinação de pai de família, em benefício dos prédios dos, ora, réus, onerando, «na parte correspondente ao leito desse caminho que o atravessa», o prédio urbano pertencente àqueles, descrito na Conservatória do Registo Predial da Póvoa de Lanhoso, na ficha nº 00325/971222. Assim sendo, não subsistem dúvidas quanto à existência dessa servidão. Porém, na presente acção, os autores peticionaram que se declare extinta, por desnecessidade, tal servidão. Também é evidente que do nº 7 do elenco de factos provados se pode concluir que o prédio dos réus tem bom acesso à via pública, por outro caminho que não o que corresponde à indicada servidão, bem podendo prescindir dela. Nesta conformidade, pode-se concluir que tal servidão se patenteia desnecessária, caso se pondere apenas que o prédio serviente tem adequada comunicação com a via pública por outro caminho. No que concerne à extinção das servidões, estatui o art. 1569º Cód. Civil, no que aqui interessa, que: 1. As servidões extinguem-se: a) Pela reunião dos dois prédios, dominante e serviente, no domínio da mesma pessoa; b) Pelo não uso durante vinte anos, qualquer que seja o motivo; c) Pela aquisição, por usucapião, da liberdade do prédio; d) Pela renúncia; e) Pelo decurso do prazo, se tiverem sido constituídas temporariamente. 9

2. As servidões constituídas por usucapião serão judicialmente declaradas extintas, a requerimento do proprietário do prédio serviente, desde que se mostrem desnecessárias ao prédio dominante. 3. O disposto no número anterior é aplicável às servidões legais, qualquer que tenha sido o título da sua constituição; tendo havido indemnização, será esta restituída, no todo ou em parte, conforme as circunstâncias. «In casu», não se verifica qualquer das hipóteses previstas no nº 1 do mencionado artigo. Também não é aplicável, directamente, o nº 2. Assim, a questão está em saber se o nº 2 poderá ser aplicável, «ex vi» do nº 3. A resposta tem sido esmagadoramente negativa, quer ao nível da doutrina, quer no âmbito da jurisprudência, por se entender que a expressão «servidões legais» não abarca as «servidões voluntárias» (aquelas que não podem ser impostas ao dono do prédio serviente contra sua vontade), entendendo-se que estas últimas, «só por título equivalente ao constitutivo, no que respeita à relevância da vontade», se devem extinguir cfr. Prof. Luís A. Carvalho Fernandes, Lições de Direitos Reais, Quid Juris? Sociedade Editora, Ldª, 3ª edição, 2ª reimpressão, Lisboa, 2001, p. 448. Para este autor, «a desnecessidade é uma causa de extinção privativa das servidões adquiridas por usucapião e das servidões legais, qualquer que seja, quanto a estas, o seu título de aquisição». Por sua vez, os Profs. Pires de Lima e Antunes Varela, «in» Civil Anotado», Vol. III, Coimbra Editora, 1972, p. 621, nota 5, ao mencionado art. 1569º, referem que: Houve, todavia, quem entendesse que o novo Código ( ) deveria estender o princípio da extinção da servidão por desnecessidade a todas as servidões, fosse qual fosse o seu título constitutivo ( ). A sugestão, porém, não vingou, por se ter reconhecido que, apesar de logicamente se justificar a cessação de todas as servidões que se tornem desnecessárias, há a sua diferença, sob esse aspecto, entre os encargos constituídos por usucapião e os estabelecidos por acordo das partes. Os primeiros são impostos pelos factos; uma vez desaparecidos, ou ultrapassados a latere, os factos que lhes deram origem, nenhuma reserva se levanta contra a extinção da servidão. No caso das servidões voluntárias, há o acordo das partes ou a declaração de vontade do testador a respeitar, e nem sempre são conhecidas em toda a profundidade as razões determinantes desse acordo ou dessa declaração. Estender indiscriminadamente a essas servidões o princípio do nº 2 equivalia, por conseguinte, a abrir a porta a difíceis problemas de interpretação dos negócios jurídicos, com o risco de decisões contrárias à vontade das partes. Havendo para mais a regra da extinção pelo não uso, julgou-se mais prudente não ir além dos limites da solução consagrada em 1930. 10

Tribunal da Relação de Guimarães Largo João Franco, 248-4810-269 Guimarães Tel: 253 439 900 - Fax: 253 439 999 - guimaraes.tr@tribunais.org.pt A solução discriminatória que acabou por prevalecer, atentos os fundamentos em que assenta, poderia levantar algumas dúvidas em relação às servidões por destinação do pai de família. Ponderou-se, no entanto, o facto de os sinais que servem de suporte à sua constituição exprimirem de certo modo uma declaração tácita de vontade e, por isso, elas foram relegadas para o regime geral, ficando o âmbito do nº 2 circunscrito às servidões constituídas por usucapião. Na mesma linha de orientação, o Prof. Mota Pinto, «in» Direitos Reais, Livraria Almedina, Coimbra, 1976, p. 344, refere que o regime de extinção judicial por desnecessidade apenas «se compreende para as servidões legais em que a lei sancionou a possibilidade de se constituírem por haver uma necessidade nesse sentido e para as servidões adquiridas por usucapião, porque, também aí, não se verificou um facto voluntário na sua constituição. Já aquelas servidões que têm por base um facto voluntário, permitindo a lei que se constituam mesmo quando não são estritamente necessárias, não podem extinguir-se, por desnecessárias, porque então nem se poderiam constituir. Ao nível da jurisprudência, e a título exemplificativo, temos que: No Ac. do STJ, de 11-11-2003, Proc. 03A3510 (rel: Lopes Pinto), «in» www.dgsi. pt, considerou-se que apenas as servidões que não têm na sua base um facto voluntário se podem extinguir por desnecessidade, face ao disposto no art. 1569º, 2 e 3, do Código Civil, pelo que uma servidão constituída por destinação do pai de família não pode ser extinta com base nessa causa. Mais se tendo consignado que, esse regime apenas se compreende para as servidões legais, em que a lei sancionou a possibilidade de se constituírem por haver uma necessidade nesse sentido, e para as servidões adquiridas por usucapião, porque, também aí, não se verificou um facto voluntário na sua constituição; No Ac do STJ, de 13-11-2003, Proc. 03B3029 (rel: Araújo de Barros), «in» www. dgsi.pt, entendeu-se que «verificados todos os pressupostos de constituição de servidão por destinação do pai de família, não pode impedir-se, com fundamento no abuso de direito, nem mesmo invocada a sua desnecessidade, que os seus titulares peçam ao tribunal o reconhecimento desse direito real e o convencimento dos réus - que o não 11

aceitavam - da sua existência na ordem jurídica concreta». Ora, se assim é para a constituição de uma servidão que, «ab initio», se prefigura desnecessária, o mesmo terá de suceder quanto à sua extinção por desnecessidade; No Ac. do STJ, de 18-12-2003, Proc. 03B2987 (rel: Bettencourt de Faria), «in» www.dgsi.pt., considerou-se que a servidão constituída por destinação do pai de família não pode ser extinta por desnecessidade, pois não é uma servidão legal, pelo que, nem directa, nem indirectamente, lhe é aplicável o disposto no nº 2 do art. 1569º do Código Civil. Mais se entendeu que não existe disposição legal que permita a extinção por desnecessidade das servidões constituídas por destinação do pai de família; No Ac. do STJ, de 15-03-2005, Proc. 05B287 (rel: Ferreira de Almeida), «in» ww w.dgsi. pt, entendeu-se que a servidão constituída por destinação do pai de família representa um encargo predial não qualificável como servidão legal, mas antes como uma servidão voluntária, que se constitui no preciso momento em que os prédios ou fracções de determinado prédio passam a pertencer a proprietários diferentes e assenta num facto voluntário consistente na colocação ou aposição de sinal ou de sinais permanentes que a evidenciem. Donde, a qualificação como servidão voluntária implica que não possa ser extinta por desnecessidade, face ao que dispõe o mencionado art. 1569º, 2 e 3; No Ac. do STJ, de 14-05-2009, Proc. 09A0661 (rel: Fonseca Ramos), «in» www. dgsi.pt, partindo da ideia de que a servidão por destinação do pai de família, não se pode qualificar como servidão legal, mas sim como servidão voluntária, considerou-se que não era subsumível à previsão do mencionado art. 1569º, 3, não sendo extinguível por desnecessidade; No Ac. da RG, de 19-10-2006 (rel: Maria Rosa Tching), «in» CJ, Ano XXXI, Tomo IV, p. 274 a 279, também se entendeu que «a extinção de uma servidão por desnecessidade só se compreende em relação às servidões constituídas por usucapião e às servidões legais, dada a sua natureza não voluntária, não podendo, por isso abranger as servidões constituídas por destinação de pai de família». Do que fica dito tem de se extrair a conclusão de que, em face do direito constituído, não há base legal para declarar extinta, por desnecessidade, uma servidão constituída por destinação de pai de família, por mais desnecessária que ela se patenteie. Propendemos a entender que, constituindo a servidão um encargo que onera o prédio serviente (cfr. o art. 1543º do Código Civil), diminuindo-lhe o valor e podendo implicar uma diminuição da sua capacidade de produzir riqueza, dever-se-ia ter previsto legalmente a possibilidade da sua extinção, sempre que comprovadamente fosse desnecessária, qualquer que tivesse sido o seu modo de constituição. Todavia, como 12

Tribunal da Relação de Guimarães Largo João Franco, 248-4810-269 Guimarães Tel: 253 439 900 - Fax: 253 439 999 - guimaraes.tr@tribunais.org.pt referem os Profs. Pires de Lima e Antunes Varela (ob. e loc. cit.), apesar de essa ser a solução vigente nos códigos alemão e suíço, ter sido proposta nos trabalhos preparatórios do Código Civil de 1966, e já ser defendida por Cunha Gonçalves, na vigência do Código Civil de 1867, o certo é que não foi adoptada, em homenagem ao princípio da autonomia da vontade. Salvo o devido respeito pela opinião contrária, o regime vigente, nesta parte, não tem fundamentos substanciais, podendo constituir um entrave ao melhor aproveitamento do (s) prédio (s) serviente (s) e permitir a manutenção de servidões que só encontram justificação numa certa atitude de capricho dos titulares do (s) prédio (s) dominante (s), como parece suceder no caso destes autos. E, diga-se ainda que o facto de se poderem extinguir pelo não uso pouco adianta, porque, quando na base da sua manutenção estiver a teimosia, é sabido que esta tende a ser de longa duração. Não faz grande sentido impor um encargo a um prédio, prejudicando a optimização da sua exploração, para facultar a outro um proveito de que ele não carece. E, num sistema jurídico que assinala à propriedade uma função social, é difícil justificar a manutenção de um encargo inútil (por desnecessário), em função de uma vontade ou pretensa vontade de pretérito, sendo certo que seria fácil encontrar mecanismos para ressalvar dela o que merecesse ainda ser considerado. Mas, vale aqui o estatuído no art. 8º, 2, do Código Civil, segundo o qual «o dever de obediência à lei não pode ser afastado sob pretexto de ser injusto ou imoral o conteúdo do preceito legislativo». Pelo que fica dito, a apelação tem de ser julgada improcedente. IV. Decisão: Pelo exposto, decide-se julgar a apelação improcedente e, em consequência, confirmar a sentença recorrida. Custas pelos apelantes. Guimarães, 2010-05-25 /António da Costa Fernandes/ 13

/Isabel Maria Brás Fonseca/ /Maria Luísa Duarte/ 14