N OTA USO DA AUDIOMETRIA DE TRONCO ENCEFÁLICO NA DETECÇÃO DA PERDA AUDITIVA. Auditory brainstem responses use in noise-induced hearing loss



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Transcrição:

N OTA USO DA AUDIOMETRIA DE TRONCO ENCEFÁLICO NA DETECÇÃO DA PERDA AUDITIVA PROVOCADA POR RUÍDO * Auditory brainstem responses use in noise-induced hearing loss Victor Luiz da Silveira 1, Volney de Magalhães Câmara 2 RESUMO O objetivo principal deste artigo consiste em apresentar uma revisão da importância da audiometria de tronco encefálico (ATE) como método semiológico para identificação e diagnóstico da perda auditiva provocada por ruído (PAPR), em trabalhadores expostos a altos níveis de pressão sonora, no que tange aos distúrbios retrococleares. Não foram verificados estudos na América Latina que se propusessem a analisar a PAPR a partir da ATE. Neste sentido, conclui-se, entre outros, que é fundamental que pesquisadores brasileiros sejam despertados a produzir estudos que analisem a presença de alterações retrococleares em grupos profissionais com histórico de exposição continuada a ruído ou com PAPR já diagnosticada, contribuindo, assim, para a avaliação e prevenção da surdez ocupacional. PALAVRAS-CHAVE Saúde do trabalhador, audiometria de tronco encefálico, perda auditiva provocada por ruído, surdez ABSTRACT The main objective of this article is to present an overview of the use of auditory brainstem responses (ABR) as a method for retro cochlear disturbance noise-induced hearing loss (NIHL) identification and diagnosis in workers exposed at high levels of sound pressure. Studies have not analyzed the NIHL-ABR relationship in Latin America, for this reason, it is fundamental the development of studies that specifically analyze the retro cochlear alterations in professional groups with history of continuous noise exposure or with NIHL diagnosed, which may contribute for the evaluation and prevention of occupational hearing loss. KEY WORDS Occupational health, auditory brain stem evoked responses, noise-induced hearing loss, deafness * Este artigo é parte integrante de uma dissertação de Mestrado em Saúde Coletiva da Universidade Federal do Rio de Janeiro. 1 Mestre em Saúde Coletiva. End.: Rua Dona Justina, 125 casa 1 - Sta. Izabel - Nova Iguaçu - CEP: 26020-800. 2 Doutor em Saúde Pública. Professor Titular do Instituto de Estudo em Saúde Coletiva da Universidade Federal do Rio de Janeiro. C AD. SAÚDE COLET., RIO DE JANEIRO, 15 (2): 275-282, 2007 275

V ICTOR LUIZ DA SILVEIRA, VOLNEY DE MAGALHÃES CÂMARA 1. INTRODUÇÃO O presente artigo trata de uma revisão bibliográfica e se propõe a apresentar uma descrição sintética dos principais estudos que tratam da aplicação clínica da audiometria de tronco encefálico (ATE) em trabalhadores com histórico de exposição ocupacional a ruído. O objetivo central consiste em apresentar a importância das produções literárias que usam esse método semiológico para identificação e diagnóstico da perda auditiva provocada por ruído, no que tange às manifestações retrococleares. Foi realizada uma revisão da literatura especializada, através de bases referenciais como as bases Scielo, Lilacs e Medline. A busca foi realizada entre os anos de 2004 e 2005. 2. SAÚDE AUDITIVA DO TRABALHADOR E ATE EM FOCO A exposição ao ruído e seus efeitos sobre a saúde é considerada na atualidade um problema de saúde pública crescentemente importante. A perda auditiva provocada por ruído (PAPR) é a doença ocupacional mais comum e evitável (apesar de irreversível) em todo o mundo (WHO, 2004). Níveis elevados de pressão sonora, seja no ambiente laboral, seja no lazer, possuem grande potencial lesivo ao sistema auditivo humano. Além disso, podem acarretar diversos problemas sistêmicos, tais como irritabilidade e hipertensão arterial, em razão do estresse que proporcionam aos trabalhadores (Santana & Barberino, 1995; Corrêa Filho et al., 2002). Segundo Russo (1997), a classificação do ruído é subjetiva, distinguindo-se de outros sons ambientais pelo fato de ser ou não desejável. Em virtude disso, há uma tendência atual de substituir o vocábulo ruído por nível elevado de pressão sonora. Entretanto, o termo ruído é usado para descrever um sinal acústico aperiódico, originado da superposição de vários movimentos de vibração com diferentes freqüências, as quais não apresentam relação entre si (Russo, 1997, p. 56). O ruído interfere com a comunicação, sendo a dificuldade de compreensão de fala um impedimento social severo (WHO, 2004). Além disso, Seligman (1997) afirma que o ruído pode afetar adversamente funções cognitivas como atenção e memória, conduzir a acidentes, potencializar comportamentos agressivos e provocar distúrbios do sono. A perda auditiva provocada por ruído consiste numa perda auditiva sensorioneural bilateral, geralmente simétrica (Silva & Costa, 1998), resultante de ruído contínuo ou interrompido, que atinge inicialmente as freqüências de 3000 e 6000 Hz (Sataloff & Thayer, 1980; Silva & Costa, 1998), podendo ocasionar perdas de até 40 dbna (decibel nível de audição) nas freqüências baixas e 75 dbna nas freqüências altas (Silva & Costa, 1998). A PAPR pode ser definida como uma patologia cumulativa e insidiosa, que cresce ao longo de anos de 276 CAD. SAÚDE COLET., RIO DE JANEIRO, 15 (2): 275-282, 2007

U SO DA AUDIOMETRIA DE TRONCO ENCEFÁLICO NA DETECÇÃO DA PERDA AUDITIVA PROVOCADA POR RUÍDO exposição associada comumente ao ambiente de trabalho, causada por qualquer exposição ao longo de oito horas por dia, que exerça uma média de 90 dbnps (decibel nível de pressão sonora), regularmente, por um período de vários anos, resultando alterações mecânicas ou metabólicas (Oliveira, 1997). Estudos sobre a prevalência de perda auditiva em grupos de trabalhadores expostos a ruído, entre outras funções, visam ao diagnóstico de comprometimento auditivo se coclear (sensorial) ou retrococlear (neural) e se tal perda se dá realmente por exposição ocupacional ao ruído da maquinaria. A fim de detectar se as perdas auditivas observadas são do tipo retrococlear, ou seja, de prognóstico bem mais reservado, é comum que se lance mão da audiometria de tronco encefálico (ATE), exame eletrofisiológico que capta potenciais bioelétricos do nervo auditivo e do tronco cerebral evocados por estímulo auditivo (clique). Através desse método, é possível identificar disfunções neurais em qualquer ponto retrococlear: nervo acústico, tronco cerebral baixo, tronco cerebral médio ou tronco cerebral alto. A literatura especializada é exaustiva no tocante à relação entre perda auditiva provocada por ruído e as alterações morfofisiopatológicas da cóclea, especificamente do órgão sensorial de Corti. Todavia, poucos autores destacaramse na análise de distúrbios das vias auditivas centrais, as quais conduzem a informação auditiva da cóclea ao córtex auditivo primário, sobretudo em grupos de trabalhadores com exposição a ruído ocupacional; entre eles estão: Attias e Pratt (1984), com um estudo realizado em Israel; Almadori et al. (1988), tendo realizado sua pesquisa com trabalhadores na Itália; Noorhassim et al. (1996), com um estudo realizado na Malásia; e Xu et al. (1998), que realizaram sua pesquisa na Bélgica. A ATE tem se mostrado útil no diagnóstico diferencial da perda auditiva sensorioneural, fornecendo informações que podem objetivamente indicar se a lesão é situada em nível coclear ou retrococlear (Xu et al., 1998). Por meio deste exame, muitas pesquisas avaliaram cobaias expostas a ruído através da observação do limiar eletrofisiológico (Boettcher, 1993; Ngan & May, 2001; Fraenkel et al., 2003; Perez et al., 2004). A exposição ao ruído pode causar degeneração de células sensoriais, especialmente das células ciliadas externas (Lim & Dum, 1979). Contudo, a degeneração de outras regiões também foi documentada, tais como as terminações e as sinapses do nervo coclear primário e os neurônios secundários da região caudal posterior do núcleo coclear ventral (Teopold, 1975). Outro estudo, utilizando animais, provou que o ruído pode induzir à degeneração das vias auditivas ascendentes até o complexo olivar superior e o colículo inferior (Morest & Bohne, 1983). C AD. SAÚDE COLET., RIO DE JANEIRO, 15 (2): 275-282, 2007 277

V ICTOR LUIZ DA SILVEIRA, VOLNEY DE MAGALHÃES CÂMARA Através da ATE, foi observado em trabalhadores expostos a ruído: ausência de ondas precoces, ou seja, ondas I e III (Noorhassim et al., 1996); aumento de latência das ondas I, III e V (Attias & Pratt, 1984), especialmente da onda V (Janczewski et al., 1991), que consiste em aumento do tempo transcorrido entre a apresentação do estímulo eliciador (clique) e o surgimento dessas ondas; e aumento dos intervalos interpicos I-III, III-V e I-V (Attias & Pratt, 1984; Janczewski et al., 1991). Estes resultados sugerem que o comprometimento auditivo localiza-se no nervo auditivo (onda I) ou acima deste no tronco encefálico (ondas III e V), ou, ainda, entre tais pontos (intervalos interpicos). Attias e Pratt (1984) estudaram 31 trabalhadores expostos a ruído ocupacional com ATE antes e durante a exposição. Após 14 meses, os pesquisadores observaram as latências de ondas e os intervalos interpicos aumentados entre 0,2 ms e 0,3 ms e de 0,1 ms a 0,5 ms, respectivamente. Almadori et al. (1988) estudaram 54 trabalhadores (108 orelhas) diagnosticados com PAPR entre 25 e 51 anos e com tempo de exposição a ruído mínimo de cinco anos, submetendo-os à audiometria tonal liminar e audiometria vocal, à timpanometria e à ATE com estímulo de 21 cliques/segundo, a fim de averiguar a possibilidade de envolvimento retrococlear. Os exames audiométricos e a timpanometria sozinhos não podem dar o diagnóstico de distúrbio retrococlear; apenas compuseram, no estudo, a rotina audiológica prévia à realização do exame eletrofisiológico. Os dados da ATE indicaram que 12 orelhas (11,1%) apresentaram ausência de componentes precoces, sendo 10 de onda I e dois de ondas I e III, e que cinco orelhas (4,6%) apresentaram ausência total de potenciais evocados. Além disso, realizaram estudos radiológicos e neurológicos nos trabalhadores, o que permitiu excluir comprometimento retrococlear nos que tinham ausência de ondas. Janczewski et al. (1991) realizaram um estudo com homens com TTS (Temporary Threshold Shifts) e outros com PTS (Permanent Threshold Shifts), a fim de comparar as diferenças entre os achados da ATE. Analisaram as latências I, III, V e os interpicos I-III, III-V, I-V em função da intensidade do estímulo, e observaram que os grupos com TTS e PTS mostravam diferenças significativas apenas nas latências da onda V em 90 dbnps. Chen et al. (1992) estudaram os efeitos do ruído de aeronave na audição e nas vias auditivas centrais. Selecionaram 112 empregados de um aeroporto em Taiwan e os submeteram à audiometria tonal e à audiometria de tronco encefálico, para avaliar a função coclear e para verificar a possibilidade de envolvimento retrococlear. Os trabalhadores foram divididos em cinco grupos, de acordo com sua jornada diária: o grupo A foi formado de 23 trabalhadores de manutenção; o grupo B, de 20 bombeiros; o grupo C, de 24 policiais; o grupo D, de 24 staffs terrestres de linha aérea; e o grupo E, de 14 servidores civis. Os resultados dos 278 CAD. SAÚDE COLET., RIO DE JANEIRO, 15 (2): 275-282, 2007

U SO DA AUDIOMETRIA DE TRONCO ENCEFÁLICO NA DETECÇÃO DA PERDA AUDITIVA PROVOCADA POR RUÍDO audiogramas nesse estudo revelaram que o índice de prevalência de perda auditiva em alta freqüência em todos os trabalhadores foi de 41,9%. A incidência de PAPR foi altíssima no grupo de trabalhadores de manutenção (A) (62,2%) e bombeiros (B) (50,0%), que estão quase continuamente expostos ao ruído de aeronave. Em ambos os grupos verificou-se também que havia prolongamento no tempo de condução central, mostrado principalmente em intervalos de onda I-V e III-V, fato sugestivo do envolvimento das vias auditivas centrais, especialmente entre a ponte e o mesencéfalo. Os autores concluíram que o grau de prejuízo auditivo coincidiu com o padrão profissional e confirmou-se o dano de vias auditivas centrais e periféricas para altas freqüências (sons agudos) na exposição ao ruído de aeronave. Noorhassim et al. (1996) afirmam que pouquíssimos estudos examinaram a relação entre audiometria de tom puro e ATE para trabalhadores com perda auditiva permanente induzida por ruído. Os autores estudaram 22 pacientes (44 orelhas) com diagnóstico de PAPR, objetivando encontrar a relação entre os resultados da audiometria de tom puro e as anormalidades das ondas do ATE. Detectaram padrões anormais de ondas do ATE em 72,7% das orelhas, dentre estes 20,5% referiam-se ao aumento de latência de ondas, 18,2% a ausência de ondas precoces e 21,1% referiam-se ao aumento da latência interpico I-V. Os autores concluíram no estudo que havia relação entre a severidade da PAPR indicada pela audiometria tonal e os padrões do ATE no grupo de trabalhadores, e que os achados de prolongamento da onda I e do interpico I-V são indicativos de degeneração de ambas as vias auditivas periféricas e centrais. Ferreira et al. (2001) evidenciaram a alteração da morfologia das ondas I, III e V, respectivamente, em 13,75%, 12,5% e 12,5% e aumento de intervalo I-V em 15% das 80 orelhas analisadas de 42 pacientes, com mediana de 49 anos, referenciados a uma clínica otorrinolaringológica para investigação de PAPR, sem tempo de exposição definido. Conforme o constatado, conclui-se que há uma quantidade pouco significativa de estudos que se propuseram a analisar a PAPR a partir da ATE. Dentre estes, se destacam os de língua estrangeira, o que denota carência de estudos em língua portuguesa ou ainda menor expressividade e/ou relevância destes. Neste sentido, é importante que pesquisadores brasileiros sejam despertados a produzir estudos que analisem a presença de alterações retrococleares em grupos profissionais com histórico de exposição continuada a ruído ou com PAPR já diagnosticada, enriquecendo, dessa forma, a literatura científica especificamente no vernáculo. Conclui-se, ainda, que a ATE consiste num valioso instrumento detector da surdez de origem ocupacional, merecendo destaque por se tratar de um método eletrofisiológico portanto, objetivo que propicia um diagnóstico precoce. C AD. SAÚDE COLET., RIO DE JANEIRO, 15 (2): 275-282, 2007 279

V ICTOR LUIZ DA SILVEIRA, VOLNEY DE MAGALHÃES CÂMARA Tal sensibilidade a difere da audiometria tonal liminar, exame freqüentemente empregado na detecção e diagnóstico da PAPR e método avaliativo predominante em estudos acerca da perda auditiva de grupos profissionais. Além disso, é possível conferir-lhe a condição de imprescindibilidade para a vigilância à saúde auditiva do trabalhador, visto que através da ATE pode se identificar aqueles trabalhadores que já estão desenvolvendo a PAPR a despeito da existência de sintomas auditivos como hipoacusia ou zumbido. R EFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALMADORI, G; OTTAVIANI, F.; PALUDETTI, G.; ROSIGNOLI M.; GALLUCCI L.; D ALATRI L.; VERGONI G. Auditory brainstem responses in noise-induced permanent hearing loss. Audiology. v. 27, n. 1, p. 36-41, 1988. ATTIAS, J.; PRATT, H. Auditory evoked potentials and audiological follow up of subjects developing noise-induced permanent threshold shift. Audiology. v. 23, n. 5, p. 498-508, 1984. BOETTCHER, F. A. Auditory brain-stem response correlates of resistance to noise-induced hearing loss in Mongolian gerbils. The Journal of the Acoustical Society of America. v. 94, n. 6, p. 3207-3214, 1993. CHEN, T. J.; CHIANG, H. C.; CHEN, S. S. Effects of aircraft noise on hearing and auditory pathway function of airport employees. Journal Occupational Medicine. v. 34, n. 6, p. 613-619, 1992. CORRÊA FILHO H. R.; COSTA L.S.; HOEHNE E. L.; PÉREZ, M. A. G.; NASCIMENTO, L. C. R.; MOURA, E. C. Perda auditiva induzida por ruído e hipertensão em condutores de ônibus. Revista de Saúde Pública. São Paulo, v. 36, n. 6, p. 639-701, 2002. FERREIRA, L. L. A.; SILVEIRA, J. A. M.; PERCEBO, C. C.; GONÇALEZ, F. Perda auditiva induzida por ruído: análise dos achados de audiometria tonal, potenciais evocados auditivos de tronco cerebral e emissões otoacústicas evocadas por produto de distorção. Revista Brasileira de Otorrinolaringologia. v. 67, n. 1, p. 9-14, 2001. FRAENKEL, R.; FREEMAN, S.; SOHMER, H. Use of ABR threshold and OAEs in detection of noise induced hearing loss. Journal of Basic and Clinical Physiology and Pharmacology. v. 14, n. 2, p. 95-118, 2003. 280 CAD. SAÚDE COLET., RIO DE JANEIRO, 15 (2): 275-282, 2007

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