QUÍMICA Avaliação da atividade antifúngica de extratos de Cassia fistula (Leguminosae) Samanta Pimenta de Andrade Pesquisadora Orientadora O aumento de micoses oportunistas e a necessidade de novos agentes antifúngicos na agricultura têm estimulado a busca de novos metabólitos secundários com atividade antifúngica a partir de plantas medicinais. A espécie vegetal Cassia fistula é utilizada na medicina popular como agente antimicrobiano e antiinflamatório e foi objeto do presente estudo. Extratos obtidos a partir de C. fistula foram avaliados contra fungos fitopatogênicos Cladosporium cladosporioides e Cladosporium sphaerospermum através do ensaio bioautográfico. Foram observadas atividades significativas para vários extratos obtidos de diversos tecidos vegetais. Os extratos hexânico e diclorometânico de sementes de C. fistula ativos contra os fungos testados foram submetidos ao fracionamento cromatográfico e foi possível localizar uma fração ativa a partir do extrato hexânico, que apresentou uma atividade inibitória mínima de 10 µg. Cassia fistula. Extratos vegetais. Atividade antifúngica. 151 The increasing occurrence of opportunistic mycoses and the need for new antifungal agents in agriculture has stimulated the search for new antifungal secondary metabolites from the plants. Cassia fistula is specie used in folk medicine as antimicrobial and anti-inflammatory, and was objective of this study. Extracts of C. fistula were evaluated against phytopatogenic fungus Cladosporium cladosporioides e Cladosporium sphaerospermum by a bioautographic method on TLC plates. Since the hexane and dichloromethane extracts from the seeds showed high growth inhibitory activity, they were subjected to fractionation procedures using chromatographic techniques associated with the bioautographic assay. Thus it was possible to locate the active fraction from the hexane extract showing the minimum inhibitory amount of 10 µg. Cassia fistula. Vegetable extracts. Antifungal activity.
Samanta Pimenta de Andrade 152 1 Introdução As plantas produzem diversos compostos orgânicos, muitos dos quais não participam diretamente de seu desenvolvimento. Essas substâncias referidas como metabólitos secundários ou produtos naturais desempenham um papel fundamental nas suas interações de defesa contra predadores e patógenos (CROTEAU et al., 2000). Muitos destes metabólitos secundários apresentam atividades biológicas e têm sido utilizados na indústria farmacêutica e agroquímica (HAMBURGER; HOSTETMANN, 1991). Dentre as diversas atividades biológicas apresentadas, há um grande estímulo para a procura de substâncias antifúngicas, tendo em vista o aumento das infecções fúngicas bem como a necessidade de novos agentes antifúngicos na agricultura, para evitar perdas incalculáveis para a produção agrícola (ZACCHINO, 2001). O objetivo do presente trabalho foi avaliar a atividade antifúngica de extratos vegetais dos diversos tecidos da espécie vegetal Cassia fistula (Leguminoseae), utilizada na medicina popular como cicatrizante e antiinflamatória (DI STASI; LIMA, 2002). Esta espécie é uma árvore utilizada com fins ornamentais, devido à beleza de suas flores, mas também encontra-se na medicina popular contra diversos males (figura 1). Sobre esta espécie vegetal foram publicados diversos trabalhos de metabólitos secundários biologicamente ativos. No trabalho de YADAVA et al. (2003) foi isolada uma flavona glicosilada a partir do extrato polar de sementes de Cassia fistula. Este flavonóide apresentou uma considerável atividade antimicrobiana. O extrato aquoso e etanólico das folhas de outra espécie do gênero Cassia (Cassia alata) foi testado in vitro contra fungos, leveduras e bactérias, sendo que o extrato aquoso apresentou uma atividade antimicrobiana comparável com a dos antibióticos utilizados como padrão (SOMCHIT et al., 2003). A partir de outros dados da literatura, pode-se concluir que esta espécie demonstra um alto potencial para a descoberta de substâncias antifúngicas. Figura 1 - Exemplar da espécie Cassia fistula.
Avaliação da atividade antifúngica de extratos de Cassia fistula (leguminosae) 2 Material e Métodos 2.3 Avaliação da atividade antifúngica 2.1 Coleta do material vegetal A espécie Cassia fistula foi coletada em um parque localizado na região norte de São Paulo em março e setembro de 2004. A localização exata da árvore é GPS S 23 o 30 564 W 46 o 36 501. Esta espécie foi identificada pela professora Adriana Amaral Baroli (UNIFIEO), e uma exsicata (SPSF 30711) foi depositada no Herbário do Instituto Florestal de São Paulo. 2.2 Extração Os tecidos vegetais foram separados manualmente em folhas, galhos, flores, frutos e sementes, sendo submetidos às etapas de secagem e moagem. Em seguida, os tecidos vegetais foram extraídos com metanol a frio por duas vezes, sob banho de ultra-som. Os extratos metanólicos foram então suspendidos em água e particionados com hexano, diclorometano, acetato de etila e n-butanol (figura 2). As soluções obtidas foram concentradas em evaporador rotatório. Os extratos brutos e frações obtidos a partir destes foram submetidos ao ensaio antifúngico pelo método bioautográfico para a detecção de substâncias antifúngicas frente aos fungos fitopatogênicos Cladosporium sphaerospermum e Cladosporium cladosporioides segundo a metodologia descrita (HOMANS; FUCHS, 1971). No ensaio foram utilizadas cromatoplacas de sílica-gel 60 F254 (Merck), onde foram aplicados 40 ml de uma solução estoque das frações de 10 mg/ml, correspondendo a 400 µg dos extratos brutos. No caso de frações foram aplicados 200 µg. A placa foi eluída em hexano:acetato de etila 7:3, e após a evaporação do solvente, esporos do fungo Cladosporium sphaerospermum e de C. cladosporioides em solução de glicose e sais foram nebulizados sobre a placa e a mesma foi incubada em câmara úmida a 25 C, durante 48 horas no escuro. Decorrido este período, o crescimento do fungo foi observado sobre toda a placa cromatográfica, exceto nas regiões onde se encontravam as substâncias fungitóxicas, visíveis sob a forma de manchas claras de inibição do crescimento do fungo. 153 2.4 Fracionamento dos extratos ativos Figura 2 - Esquema de obtenção dos extratos brutos dos tecidos vegetais de C. fistula. O extrato hexânico de sementes de C. fistula (794,9 mg), obtido inicialmente, foi fracionado em coluna filtrante, utilizando-se sílica-gel G-60, sendo eluído com hexano:acetato de etila em gradiente de polaridade e em seguida com metanol. Foram recolhidas 34 frações de aproximadamente 5 ml cada e, após analise do perfil cromatográfico via CCDC, foram reunidas em 16 frações. Todas as frações obtidas, foram submetidas ao ensaio bioautográfico para detecção das substâncias responsáveis pela atividade antifúngica.
Samanta Pimenta de Andrade 154 O outro extrato que apresentou atividade antifúngica, extrato diclorometânico de sementes de C. fistula (326,6 mg), também foi fracionado em coluna filtrante, utilizando-se sílica-gel G-60, sendo eluído com hexano: acetato de etila em gradiente de polaridade e em seguida com metanol. Foram recolhidas 47 frações de aproximadamente 5 ml cada, que após analise do perfil cromatográfico via CCDC foram reunidas em 26 frações. Todas as frações obtidas foram submetidas ao ensaio bioautográfico para detecção das substâncias responsáveis pela atividade antifúngica. 2.5 Avaliação da concentração inibitória mínima A fração ativa do extrato hexânico de sementes foi submetida ao ensaio antifúngico pelo método bioautográfico para determinação da concentração inibitória mínima (MIC). No ensaio foram utilizadas cromatoplacas da Merck de sílica gel 60 F254, onde foram aplicadas 40 µl, 20 µl, 10 µl, 5 µl, 2,5 µl e 1 µl de uma solução estoque da fração de 10 mg/ml, correspondendo a 400 µg, 200 µg, 100 µg, 50 µg, 25 µg e 10 µg, respectivamente. 3 Resultados e Discussões Todos os extratos obtidos a partir de Cassia fistula foram submetidos ao ensaio bioautográfico contra os fungos fitopatogênicos Cladosporium cladosporioides e C. spharospermum. Os extratos que apresentaram maior atividade foram os extratos hexânico (ECF13), diclorometânico (ECF14) e em AcOEt (ECF15), obtidos a partir das sementes de C. fistula, principalmente contra os fungos Cladosporium cladosporioides. Esta atividade foi determinada com base no halo de inibição do crescimento fúngico observado na cromatoplaca (figura 3). Observou-se ainda que os extratos hexânico (ECF9) e diclorometânico (ECF10) dos galhos e o extrato diclorometânico (ECF2) das folhas apresentaram moderada atividade para os dois fungos testados, enquanto o extrato hexânico das flores (ECF5) apresentou pequena atividade para ambos os fungos (figura 3). Para o fracionamento biomonitorado foram selecionados os extratos hexânico (ECF13) e dicrometânico (ECF14) das sementes que mostraram maior atividade contra os fungos testados.
Avaliação da atividade antifúngica de extratos de Cassia fistula (leguminosae) Figura 3 - Extratos de C. fistula bioautografados com fungos do gênero Cladosporium. O extrato hexânico de sementes de C. fistula foi submetido ao fracionamento cromatográfico em coluna, e as frações obtidas da coluna de fracionamento foram novamente submetidas ao ensaio bioautográfico para a localização das frações responsáveis pela atividade antifúngica (figura 4). Notou-se que as frações ativas correspondem as de número 11 a 16, que apresentaram uma substância com Rf de 0,4. 155 Figura 4 - Frações do extrato hexânico de sementes de C. fistula bioautografados com fungos do gênero Cladosporium.
Samanta Pimenta de Andrade O extrato diclorometânico também foi submetido ao fracionamento cromatográfico em coluna. Para localização das frações ativas, estas foram submetidas ao ensaio bioautográfico frente aos dois fungos fitopatogênicos; entretanto, as frações analisadas separadamente não apresentaram atividade antifúngica significativa como no extrato bruto. Estes dados permitem supor que não seja uma única substância responsável pela atividade antifúngica observada, mas que esteja ocorrendo um sinergismo das várias substâncias presentes no extrato para que haja inibição do crescimento fúngico, como observado para o extrato bruto. A fração ativa obtida a partir do extrato hexânico de sementes de C. fistula foi aplicada em concentrações decrescentes de 400 a 10 mµg, para avaliação da concentração inibitória mínima. Observou-se uma substância fortemente ativa (Rf 0,4) contra o fungo Cladosporium sphaerospermum em todas as concentrações testadas (figura 5), comparável ao antifúngico padrão nistatina (ativo a 10 mµg). Verificou-se ainda observada uma atividade fraca, frente ao fungo Cladosporium cladosporioides (tabela 1). 156 Figura 5 - Fração ativa do extrato hexânico de sementes de C. fistula bioautografada para avaliação da concentração inibitória mínima.
Avaliação da atividade antifúngica de extratos de Cassia fistula (leguminosae) * - Atividade fraca *** - Atividade forte Tabela 1 - Avaliação da concentração inibitória mínima (MIC). Com base nestes resultados, sugere-se que esta substância possua um potencial para a produção de um novo agente antifúngico capaz de proporcionar uma aplicação agroquímica. 4 Conclusão Os ensaios bioautográficos para a detecção e atividade antifúngica contra os fungos fitopatogênicos Cladosporium sphaerospermum e Cladosporium cladosporioides revelaram uma atividade significativa para os extratos hexânico e diclorometânico de sementes contra ambos os fungos testados. Através do fracionamento cromatográfico biomonitorado pelo ensaio antifúngico, foi possível isolar uma substância ativa a partir do extrato hexânico das sementes de C. fistula. Curiosamente as diversas frações obtidas a partir do fracionamento do extrato diclorometânico não apresentaram atividade antifúngica significativa. Visto que o extrato apresentou uma atividade razoável, podese supor que ocorra uma ação sinérgica de duas ou mais substâncias para que ocorra a atividade observada para o extrato. Com base nos resultados e de outros trabalhos descritos na literatura, pode-se sugerir que esta espécie apresenta um alto potencial para a descoberta de substâncias antimicrobianas, incluindo agentes antifúngicos. Agradecimentos À Dra. Maria Claudia Marx Young do Instituto Botânico pela colaboração na realização dos ensaios antifúngicos, e ao Prof. Dr. Sílvio Miranda Prada pela coleta da espécie vegetal. 157 Referências CROTEAU, R.; KUTCHAN, T. M.; LEWIS, N. G. Natural products (secondary metabolites). In: BUCHANAN, B.; GRUISSEM, W.; JONES, R. Biochemistry & molecular biology of plants. Rockville: American Society of Plant Physiologists, 2000. DI STASI, L. C.; HIRUMA-LIMA, C. A. Plantas medicinais na Amazônia e na Mata Atlântica. 2. ed. São Paulo: UNESP, 2002.
Samanta Pimenta de Andrade GRUISSEM, W.; JONES, R. Biochemistry & molecular biology of plants. Rockville: American Society of Plant Physiologists, 2000. HOMANS, A. L.; FUCHS, A. J. Direct bioautography on thin layer chromatograms as a method for detecting fungitoxic substances. Journal of Chromatography, v. 51, p. 327-330, 1970. HAMBURGER, M.; HOSTETTMANN, K. Bioactivity in plants: The link between phytochemistry and medicine. Phytochemistry, v. 30, p. 3864-3874, 1991. SOMCHIT, M. N. et al. In vitro antimicrobial activity of ethanol and water extracts of Cassia alata. J. Ethnopharmacology, v. 84, p. 1-4, 2003. YADAVA R. N., VERMA V., J. A new biologically active flavone glycoside from the seeds of Cassia fistula (Linn.). Asian Natural Products Research, v. 5, p. 57-61, 2003. YUNES, R. A.; CHECHINEL FILHO, V. Breve análise histórica da química de plantas medicinais: sua importância na atual concepção de fármaco segundo os paradigmas ocidental e oriental. In: YUNES, R. A.; CALIXTO, J. B. Plantas medicinais sob a ótica da química medicinal moderna. Chapecó: Argos, 2001. ZACCHINO, S. Estratégias para a descoberta de novos agentes antifúngicos. In: YUNES, R. A.; CALIXTO, J. B. Plantas medicinais sob a ótica da química medicinal moderna. Chapecó: Argos, 2001. 158