Pedro Ribeiro e Silva MAPFRE Seguros
A avaliação de riscos psicossociais no trabalho na ótica das seguradoras
A avaliação dos riscos psicossociais pelas seguradoras pode ser efectuada em duas perspectivas: - Internamente, enquanto condicionante da sua própria organização de serviços segurança e saúde no trabalho; - Enquanto prestadora de serviços de seguros em acidentes de trabalho (seguro obrigatório).
Mas existe ainda um momento anterior, em que teremos que perceber qual a relevância jurídica dos riscos psicossociais? Na nossa ordem jurídica, a expressão aparece pela primeira vez na Lei n.º 102/2009, de 10 de Setembro, em dois princípios de prevenção geral do empregador.
1.º - Assegurar, nos locais de trabalho, que as exposições aos agentes químicos, físicos e biológicos e aos factores de risco psicossociais não constituem risco para a segurança e saúde do trabalhador (art. 15.º, n.º 2, al. d));
2.º - Adaptação do trabalho ao homem, especialmente no que se refere à concepção dos postos de trabalho, à escolha de equipamentos de trabalho e aos métodos de trabalho e produção, com vista a, nomeadamente, atenuar o trabalho monótono e o trabalho repetitivo e reduzir os riscos psicossociais i i (art. 15.º, n.º 2, al. e)).
Por outro lado, são proibidas ou condicionadas aos trabalhadores as actividades que envolvam a exposição aos agentes químicos, físicos e biológicos ou outros factores de natureza psicossocial que possam causar efeitos genéticos hereditários, efeitos prejudiciais não hereditários na progenitura ou atentar contra as funções e capacidades reprodutoras masculinas ou femininas, susceptíveis de implicar riscos para o património genético, referidos na presente lei ou em legislação l específica, conforme a indicação que constar dos mesmos (art. 48.º).
Só que a lei não define o que são riscos psicossociais; esclarece apenas, na al. h) do art. 4.º, que risco é a probabilidade de concretização do dano em função das condições de utilização, exposição ou interacção do componente material do trabalho que apresente perigo. Mas nós sabemos que os riscos psicossociais são os aspetos de programação de organização e gestão do trabalho, que em interação com os seus contextos sociais e ambientais, têm potencial para causar dano psicológico, social ou físico (Agência Europeia).
E que se manifestam através de problemas como o absentismo, a rotação de pessoal, o stress ou os defeitos de qualidade que, em conjunto, representam importantes custos tanto em termos de saúde para as pessoas como económicos para a empresa.
Mais concretamente, podemos falar em consequências organizacionais dos riscos psicossociais, tais como: - Desmotivação; - Aumento do absentismo; - Aumento da rotatividade; - Menor produtividade; - Aumento das queixas dos utentes; - Deterioração da imagem institucional; - Aumento dos custos directos e internos;
- Mau ambiente psicológico nos locais de trabalho; - Aumento das situações de conflito, greves e agressões; - Aumento do número de acidentes.
Portanto, quando ocorre um desequilíbrio entre as interações de,,p por um lado, o trabalho, o seu ambiente, a satisfação no trabalho e as condições da sua organização e, por outro lado, a capacidade do trabalhador, as suas necessidades, a sua cultura e a situação pessoal fora do trabalho, aparece o risco de origem psicossocial.
Viu-se que a lei tem uma preocupação acrescida com a exposição do trabalhadores aos factores indutores de riscos psicossociais que podem ser de diversa ordem, tais como stress, elevadas exigências emocionais no trabalho, difícil conciliação da vida familiar com a profissional, aumento da carga de trabalho, envelhecimento activo, novas formas de contratação (precária), ritmos de trabalho, violência no trabalho, assédio (moral e sexual).
Ou seja, a matéria de segurança e saúde no trabalho nas empresas é de extraordinária importância porque a sua responsabilidade infortunística deve ser transferida para as seguradoras através de uma apólice de seguro acidentes de trabalho de natureza e de conteúdo obrigatório.
Sabemos que é acidente de trabalho aquele que se verifique no local e no tempo de trabalho e produza direta ou indiretamente lesão corporal, perturbação funcional ou doença de que resulte redução na capacidade de trabalho ou de ganho ou a morte. As causas dos acidentes podem ser de origem humana ou material.
No entanto, está provado que mais de 80% dos acidentes do trabalho têm causas humanas. Dentro das causas humanas pode identificarse a falta de experiência, a falta ou deficiente formação profissional, o cansaço e o stress. Como causas materiais os motivos mais comuns dos acidentes são os materiais defeituosos, os equipamentos em más condições e o ambiente físico ou químico não adequado.
As estatísticas informam que anualmente Portugal tem cerca de 200.000000 acidentes de trabalho (em 2010, 215.632, sendo 208 mortais em 2008, 248.000 acidentes e em 2000, 368 mortes). Mas não possuímos estatísticas para percebermos quantos acidentes de trabalho são causados por exposição a riscos psicossociais.
Aliás, dada a dimensão dos riscos psicossociais apenas se pode afirmar, com alguma certeza, que estes riscos são concausas adequadas ou causas concorrentes dos acidentes de trabalho.
Não existe significativa jurisprudência publicada sobre riscos psicossociais. Do que temos, apenas se percebe que os danos causados aos trabalhadores por estes riscos, quanto imputáveis aos empregadores, podem constituir estes em obrigação de indemnizar, em sede de responsabilidade civil contratual.
Em sede de acidente de trabalho, o mais difícil é conseguir enquadrar um determinado risco psicossocial no conceito de acidente de trabalho. Exemplo: maquinista e cobrador de empresa de transportes ferroviários, cujo comboio é invadido por um bando que tem por objetivo único causar distúrbios.
Maquinista isola-se na sua cabine e o cobrador é alvo de tentativa de agressão, acaba por cair mas não tem lesões de maior. O bando sai na estação seguinte e a partir desse dia o cobrador não se sente em condições para voltar a trabalhar pois sente pânico de voltar a repetir situação e experiência idênticas.
O caso descrito no exemplo é ou não um acidente de trabalho? Tudo se reconduz ao âmbito da noção de acidente de trabalho e, sobretudo, ao nexo de causalidade. O conceito de acidente de trabalho é o conhecido do art. 8.º, n.º 1 da Lei 98/2009:
É acidente de trabalho aquele que se verifique no local e no tempo de trabalho e produza directa ou indirectamente lesão corporal, perturbação funcional ou doença de que resulte redução na capacidade de trabalho ou de ganho ou a morte. Se não existem dúvidas quanto ao enquadramento, quando existem lesões corporais, as mesmas começam a surgir nos casos de perturbações funcionais.
Desde logo, em torno da causa exterior levantamse inúmeras dúvidas como a de saber se a origem da lesão tinha que resultar de uma acção directa sobre o corpo humano ou se bastava uma acção indirecta, se tinha que actuar de forma violenta ou se podia insinuar-se sem violência. O acontecimento exterior é, portanto um critério cuja verificação é extremamente variável e relativa. Por outro lado, se a causa do acidente não tem, obrigatoriamente, de ser exterior, poderíamos até ter o stress risco psicossocial como causa de acidente de trabalho...
Por outro lado, o tipo de ocorrência em apreço, não parece que integre o risco específico da actividade id d laboral l ou um risco genérico éi agravado. Deve tratar-se de um risco específico do trabalho ou, pelo menos, de um risco genérico agravado em si mesmo e não de um risco genérico éi que tantot pode recair sobre um trabalhador como sobre um qualquer cidadão. dã
Acresce, por isso, que nem todo o prejuízo sofrido pelo trabalhador dá origem à responsabilidade civil por acidentes de trabalho. Assim, o art. 283.º do Código do Trabalho acrescenta que o dano deve tratar- se de lesão, perturbação ou doença que não conste da lista de doenças profissionais e que é indemnizável desde que se prove ser consequência, necessária e directa, da actividade exercida e não apresente desgaste normal do organismo.
Entendimento: Não enquadramento no conceito de AT e, mesmo que considerássemos como perturbação funcional, a ocorrência não constitui um risco específico ou um risco genérico agravado da actividade laboral, mas sim um risco genérico que tanto pode abranger trabalhadores, como outros cidadãos, ficando o seu enquadramento no âmbito da organização específica da relação de trabalho por parte da entidade d patronal e, portanto, t fora do regime de RC por acidentes de trabalho.
Ao nível das seguradoras, é fundamental que estas, junto dos seus clientes, façam e facultem informação e formação preventiva de acidentes de trabalho, como forma de mitigação de um potencial risco psicossocial. É essencial ainda que as seguradoras os convençam da obrigação legal de criação de sistemas de gestão preventiva de riscos psicossociais.
Por outro lado, é preciso que se perceba e se faça intuir, de uma vez por todas, que o problema dos acidentes de trabalho é um problema sobretudo de direitos humanos. Como sublinhava Hegel, Ser pessoa e respeitar os outros como pessoas é a essência do Direito.
O problema da elevada taxa de sinistralidade que existe em Portugal não é um problema dos acidentados. É um problema da comunidade. E certamente de respeito pela lei e pelo Direito. O maior contributo que o mercado segurador pode dar na avaliação dos riscos psicossociais é na sua prevenção.
Há que descer à terra e repensar que a atividade seguradora não é apenas pura atividade id d financeirai resultante t da transferência de responsabilidades por via de um contrato.
A atividade seguradora é sem dúvida a da garantia de riscos. Mas garantir pressupõe avaliar e prevenir. E avaliar supõe determinar, estimar e calcular. E prevenir supõe acautelar, formar e educar. É por aqui que devemos seguir!
OBRIGADO!