História e características dos instrumentos Baschet A partir de meados dos anos 50, o nome dos irmãos Baschet está associado à escultura sonora, à fabricação de instrumentos e à vanguarda musical. A sua obra integra três preocupações fundamentais: a pesquisa estética na área sonora, a pesquisa estética na área formal e a consciência da função social da arte e a sua repercussão, incluindo a participação do público. O essencial do percurso destes dois irmãos consiste em aplicar esta tríade a diferentes áreas tais como as artes plásticas, o espectáculo, a música, a arquitectura, a acústica, a acção social, a educação e a terapia. Conceberam dois tipos de objectos em especial: as esculturas sonoras e as estruturas sonoras. As esculturas sonoras são objectos-escultura destinados aos museus, galerias de arte e projectos de arquitectura, uma vez que as suas qualidades visuais prevalecem sobre as qualidades sonoras. Pelo contrário, nas estruturas sonoras, instrumentos musicais destinados aos músicos, as qualidades sonoras prevalecem sobre as qualidades plásticas. - Da pesquisa à criação de novos instrumentos A associação dos irmãos Baschet começou em Paris em 1953. Sonhavam criar um novo tipo de instrumentos que revolucionasse a fabricação de instrumentos musicais. Com este fim dedicaram os primeiros quatro ou cinco anos da sua colaboração a uma pesquisa fundamental em acústica. Interessaram-se especialmente pela vareta encastrada 1, um princípio acústico simples que permite a propagação no ar dos sons internos dos metais, normalmente não audíveis. Este princípio apresentava a seu ver o duplo interesse de produzir sonoridades com ressonâncias modernas, comuns na música contemporânea a partir de Edgar Varèse, e nunca ter sido sistematicamente explorado na fabricação de instrumentos. Entusiasmados com esta descoberta, decidiram criar instrumentos musicais baseados neste princípio acústico. Verdadeiros sintetizadores acústicos, as estruturas sonoras são concebidas com base no princípio do meccano. São constituídas por elementos intermutáveis como as barras e as placas de metal, invólucros de plástico insufláveis, cones de aço inoxidável, cordas de piano, molas, etc. Cada combinação destes diferentes elementos produz um som particular. Foi deste modo empírico, acrescentando ou retirando elementos que François e Bernard Baschet inventaram toda uma série de instrumentos novos com sonoridades originais. A contribuição dos dois irmãos para a fabricação instrumental é notável, sendo as suas estruturas sonoras um dos 1 Bouasse, H. 1927. Verges et plaques, cloches et carrillons. Paris : Delagrave. 1
raros casos do emprego da inovação acústica na área da produção de instrumentos musicais no século XX. - Uma estética inovadora As estruturas sonoras dos irmãos Baschet apresentam uma fabricação bastante particular. As formas, a organização dos teclados e o seu princípio acústico diferem consideravelmente das apresentadas pelos instrumentos tradicionais. Estão ligadas a uma estética musical onde cada um dos parâmetros do som (altura, duração, timbre e dinâmica) é tratado de igual modo. O resultado musical é assim muito mais próximo de Varèse do que de Mozart. Isto significa que a função primordial destes instrumentos não é produzir notas nem melodias, mas sim sons e contrastes de timbres. As sonoridades produzidas deste modo são comparáveis às novas correntes musicais centradas na pesquisa sonora, mas contrariamente à tendência actual, não resultam de qualquer meio eléctrico. Os instrumentos são completamente acústicos: a emissão e o perfil do som dependem directamente do gesto do instrumentista. Assim, embora pertencendo a uma estética musical moderna, as estruturas sonoras perpetuam o espírito e a fabricação instrumental tradicional. As sonoridades produzidas por estes instrumentos podem agrupar-se em três tipos A originalidade e a qualidade sonora são duas propriedades fundamentais destes instrumentos. De um modo geral pode dizer-se que apresentam um leque rico de sons, muitas vezes surpreendentes, algumas vezes divertidos, que vão do mais curto ao mais longo, do mais fino ao mais espesso do mais pesado ao mais leve, do mais claro ao mais escuro, do mais liso ao mais rugoso, do mais grave ao mais agudo, do mais forte ao mais suave. Os conhecedores não hesitam em falar de multiplicidade de combinações de cores sonoras (timbres) que conseguem produzir. Por outro lado as estruturas sonoras nunca soam desafinadas. As noções de harmonia tonal. Considerando que as estruturas sonoras foram concebidas num espírito completamente diferente, essas noções não se aplicam quando se está a consideradas deploráveis na música tonal, tornam-se aqui elementos de curiosidade e de exploração. - Jogos de construções com cores, sons e formas Ao criarem os seus instrumentos musicais, os irmãos Baschet aperceberam-se que existia uma correspondência entre os sons e as formas. Com efeito, a organização dos diferentes elementos para produzir uma determinada sonoridade 2
também afectava a forma geral do instrumento. Assim, a descoberta de um novo som era acompanhada pela criação de uma nova forma. Começaram então a tratar os instrumentos musicais como composições plásticas, constituídas por massas, superfícies e volumes que tinham de ser organizados. Dirigem-se, então, gradualmente, para uma via escultural de síntese que lhes granjeou, a partir do início dos anos 60, um sucesso internacional confirmado nas grandes exposições apresentadas no Musée des Arts Décoratifs de Paris (1964), no Museum of Modern Art de Nova Iorque (1965), na Akademie der Kunste de Berlim (1972) e no Barbican Centre de Londres (1983). São actualmente considerados como Para os irmãos Baschet, o crescente fosso entre o público e a arte do nosso tempo pode ser ultrapassado pelo despertar do instinto lúdico e pelo potencial criativo que existe em cada um de nós. Essa ideia reflecte-se na sua produção artística que se pretende acessível: as esculturas e estruturas sonoras são elaboradas de modo artesanal com um ferramental mínimo; os materiais utilizados são simples e ao alcance de todos; o seu princípio de montagem assemelha-se ao de um jogo de construções. O público é deste modo convidado, não só a contemplar e brincar, como a construir as suas próprias esculturas sonoras. - O alcance educativo dos instrumentos Baschet Em 1965, os irmãos Baschet foram convidados a expor as suas esculturas sonoras no Moderna Musset de Estocolmo. O museu acolhia, entre outras, turmas de crianças que vinham iniciar-se na arte moderna. Pela primeira vez os irmãos Baschet observaram o poder de atracção que as suas obras exerciam sobre as crianças, que se precipitavam para elas com espantoso entusiasmo. Em exposições seguintes, os irmãos Baschet continuaram a observar as mesmas reacções de júbilo nos jovens que manipulavam essas criações sonoras. Alguns professores sugeriram que a atracção e o poder encantatório desses objectos fossem explorados na educação musical. Por isso, no início dos anos 70 os irmãos Baschet imaginaram um conjunto de instrumentos musicais destinados à animação musical nos museus. Com esse objectivo criaram uma nova geração de estruturas sonoras especificamente adaptadas ao contexto e mais pequenas do que as suas antecessoras tocadas por músicos profissionais. Munido dessa nova série de instrumentos Bernard Baschet, decidiu ocupar-se dos estudantes que visitavam o museu. Aplicou à educação musical uma abordagem não intelectual baseada na pesquisa sonora e na improvisação e tirou igualmente partido das suas próprias descobertas sobre a classificação dos sons complexos, sequência das experiências que realizara no Groupe de recherches musicales nos anos 60. Daqui resultou uma transposição do ensino contemporâneo das artes plásticas para a música: A comparação seguinte deve ajudar a clarificar esta questão. No passado, durante as aulas de iniciação à arte, as crianças em idade de infantário recebiam um objecto e eras-lhe dito que o copiassem; só eram autorizadas a colori-lo depois 3
de completado o desenho. Sob a influência da moderna pedagogia e da arte contemporânea, em particular da arte abstracta, as crianças recebem hoje em dia Aprendendo gradualmente a estruturar as imagens, aprendem a estruturar-se a si próprias. Influenciados pela música electro-acústica e contemporânea, pensámos criar semelhante fora tentado na educação musical. Em geral as crianças começavam por escalas um conceito intelectual comparável ao desenho rigoroso. 2 Uma abordagem pedagógica desta natureza inscreve-se na corrente das novas cri Cerca de seis anos de experiências educativas com as estruturas sonoras Baschet levaram a uma constatação: apesar das inegáveis qualidades pedagógicas, as estruturas sonoras permaneciam demasiado grandes e os teclados demasiado complexos para as crianças. Era portanto necessário reduzir o formato e a dimensão dos instrumentos e simplificar os teclados. Para isso, Bernard Baschet criou entre 1977 e 1980, um conjunto de pequenas estruturas sonoras mais adaptáveis ao trabalho com as crianças. Apesar de mais pequenas e mais simples, mantinham contudo as principais características das suas irmãs maiores. A iniciativa de Bernard Baschet assemelha-se à de Carl Orff que, nos anos 30, revolucionou a pedagogia musical ao adaptar ao tamanho das crianças instrumentos inicialmente concebidos para os adultos. No início deste processo de simplificação, foram criadas catorze pequenas estruturas sonoras de aspecto e timbre variados, e reagrupadas sob o nome de instrumentarium Baschet. Este, é hoje em dia fabricado artesanalmente e por encomenda à associação Structures sonores et pédagogie. (Estruturas sonoras e pedagogia). - Aplicações pedagógicas Num contexto escolar, o instrumentarium Baschet deveria ser considerado como um conjunto de base que pode ser completado por outros corpos sonoros. São 2 Baschet, F.et B. Baschet. 1987. Sound sculpture: Sound, Shapes, Public Participation, Education. Leonardo, vol.20, nº 2, pp.107-114. 4
várias as razões que recomendam o emprego das estruturas sonoras para fins pedagógicos: qualidade no que diz respeito às sonoridades, aspecto visual, organização dos teclados e solidez dos elementos que as constituem. Qualquer músico conhece o impacto que a qualidade de um instrumento musical pode ter na motivação para tocar. Oferecer às crianças instrumentos que são bonitos, soam bem e são tão agradáveis como fáceis de manipular, é estimular nelas, à partida, o emergir de um interesse pela música. indiscutível. Mas o mais surpreendente é o facto dessas sonoridades serem totalmente acústicas. Na educação musical o contacto com o som acústico é primordial. Hoje em dia, o contacto com o som musical faz-se cada vez mais através de aparelhos eléctricos tais como a rádio, a televisão, o leitor de discos compactos, etc. O resultado é o som artificial e empobrecido tornar-se mais familiar do que o som natural. Embora a educação musical deva ter em conta a omnipresença dessas tecnologias de geração e difusão do som, é necessário proporcionar também contacto com o som ao vivo. Musicalmente tocar com as estruturas sonoras Baschet é uma excelente ocasião de pôr as crianças em contacto com uma paleta de sons acústicos muito rica. artistas reconhecidos internacionalmente. Ao contactar com estes instrumentos, as crianças entram automaticamente no domínio da arte. Se a utilização dos objectos do quotidiano e dos materiais em bruto é um prolongamento natural e desejável da educação musical, as crianças devem igualmente ser postas em contacto com a obra de arte. A força de expressão das estruturas sonoras Baschet realça imediatamente a atmosfera de um lugar, confere uma luminosidade nova às realizações das crianças, estimula o desejo de criar. A sinestesia é um conceito central das pedagogias criatividade. As estruturas sonoras Baschet são objectos de síntese do som e da forma. Numa primeira aproximação as crianças são logo atraídas pela vivacidade das cores, a singularidade das formas e a surpresa do movimento. Olhá-los e tocá-los é uma solicitação imediata. Antes mesmo de produzir qualquer som, estes instrumentos criam um clima de abertura multisensorial que predispõe para o trabalho de criação estética. Finalmente, os teclados foram organizados de modo a facilitar a execução instrumental. As estruturas sonoras oferecem uma oportunidade real de integração para as crianças com dificuldades motoras ou intelectuais. Sendo espontaneamente acessíveis à manipulação, as estruturas sonoras permitem a essas crianças produzir desde o início sons interessantes, participar na actividade 5
musical e contribuir para ela de modo significativo. As estruturas sonoras são de resto utilizadas na musicoterapia com crianças e adultos com patologias graves. De um instrumento para o outro, os teclados diferem. Embora certos elementos, como a vara estriada sejam comuns a várias estruturas sonoras, estes nunca estão dispostos de maneira idêntica. Também a dimensão dos teclados varia de instrumento para instrumento e alguns apresentam características originais. Por exemplo, alguns teclados são móveis enquanto outros permitem modular o som exercendo uma pressão sobre a caixa do instrumento. As posições de execução são múltiplas: em algumas estruturas sonoras pode tocar-se de pé, noutras de joelhos, e outras sentado. Os teclados, tal como as sonoridades produzidas, não fazem referência a nenhum instrumento conhecido. A criança não é, pois, tentada a comparar a sua execução com os padrões de execução habituais; pode tocar livremente e exprimir-se sem complexos. Cada estrutura sonora é constituída por um teclado dividido em zonas com timbres distintos que são delimitadas por elementos de formas e materiais diferentes. Cada zona de timbre está declinada num registo sonoro mais ou menos extenso que vai do grave ao agudo. Deste modo, o instrumento é tão interessante para a execução individual como para a execução colectiva; as estruturas sonoras foram concebidas para receber vários instrumentistas em simultâneo. instrumentarium Baschet permite modos de execução tradicionais: dedilhar ou friccionar as cordas, percutir os elementos metálicos, e, de acordo com o conhecimento do cristal, friccionar as varetas com os dedos húmidos. Contudo, a restrição ao uso único destas técnicas de execução equivalia a ignorar a função desses instrumentos que são, no seu todo destinados à exploração sonora e gestual. É por isso que, para além dos gestos fundamentais, o instrumentista é convidado a explorar outras técnicas de execução. Primeiro com elementos de percutir de natureza variada: mãos, baquetas de todas as espécies, berlindes, moedas, etc, mas também com gestos diferentes: acariciar, arranhar, esfregar, etc. Nesta área, o único limite é a imaginação do instrumentista. lado, alguns efeitos sonoros são conseguidos abanando o teclado ou todo o instrumento. Por exemplo, é possível dirigir o som para um determinado lugar deslocando o cone do instrumento. Por outro, as estruturas sonoras, tornadas elementos de decoração, ou acessórios de teatro, podem ser deslocadas na área da execução. http://www.er.uqam.ca/nobel/baschet/ 6