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3.1.4. Contribuições Sociais e filosóficas para a mudança de Paradigma e a formação do Hospital Contemporâneo: o Hospital Terapêutico. 84 Foi no decorrer dos Séculos XVII e XVIII que grandes transformações sociais se desencadearam, configurando agentes secundários, mas responsáveis por marcar significativamente a configuração de um novo paradigma no entendimento dos espaços hospitalares, assim como da doença e dos doentes. Em 1776, foi iniciada a Revolução Americana que desencadeou a Guerra de independência dos Estados Unidos da América, conquistada apenas em 1783 e sacramentada pelo Tratado de Paris. Iniciada em 1783, a Revolução Francesa marca o início da Idade Contemporânea e a proclamação dos direitos universais Liberté, Egalité, Fraternité 21. Ambas revoluções partilhavam dos ideais iluministas 22, a partir dos quais se explicava o universo com base na ciência, na razão e na valorização do Homem, contrapondo-se diametralmente aos ideais dogmáticos da fé. As grandes transformações sociais marcam o novo paradigma na concepção dos hospitais do decorrer dos Séculos XVII e XVIII. A ruptura paradigmática é constituída por vários agentes diretos e indiretos ao processo construtivo e o idealismo iluminista que estabelece a razão e ciência como explicação do universo. Também buscam explicar os processos de identificação das doenças e dos doentes, contribuindo com alterações conceituais dos espaços e dos procedimentos 21 "Liberdade, Igualdade e Fraternidade", frase de Jean-Nicolas Pache. 22 O Iluminismo ou Esclarecimento foi um movimento intelectual surgido na segunda metade do Século XVIII, o chamado "Século das luzes". Enfatizava a Razão e a Ciência como formas de explicar o Universo. Os principais filósofos do Iluminismo foram: John Locke, Voltaire, Jean-Jacques Rousseau, Montesquieu, Denis Diderot e Jean le Rond d Alembert. Fonte: disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/iluminismo>, acessado em 15/10/2007).

85 hospitalares. Mesmo estando inseridos numa época em que ainda não se dominava a microbiologia e os métodos anti-sépticos (ANTUNES, 1991, p.151), esses fatores marcaram um novo paradigma para a elaboração dos edifícios hospitalares. Assim, a partir do Século XVIII, o conceito de hospital é modificado, pois ele é concebido como um instrumento de cura, e a distribuição do espaço torna-se um instrumento terapêutico (FOUCAULT, 2006, p.109). Pode-se identificar claramente os ideais iluministas na abordagem de Foucault (2006, p.109), ao descrever as alterações projetuais e administrativas dos hospitais contemporâneos. É clara a utilização da ciência e da razão como bases conceituais, assim como a preocupação com o Homem, e não apenas uma busca de recuperar a alma como realizado anteriormente pelas unidades hospitalares religiosas. Com base nessa forma diferente de se ver o mundo, houve uma mudança na maneira de se organizar o hospital que, até então, utilizava-se a forma do claustro, comum nas comunidades religiosas. Essa forma de organização dos hospitais é banida em proveito de um espaço que deve ser organizado medicamente. Além disso, se o regime alimentar, a ventilação, o ritmo das bebidas e outras variáveis ambientais são fatores de cura, o médico, controlando o regime dos doentes, assume, até certo ponto, o funcionamento econômico do hospital, até então de privilégio das ordens religiosas (FOUCAULT, 2006, p.109). Em Portugal, onde a igreja católica detinha grande influência sobre o país, os ideais iluministas foram sendo admitidos de forma mais moderada, onde praticamente todos os estabelecimentos de saúde estavam sob a administração das casas de misericórdias. Esse poder será delimitado quando promulgado, em 1867, o primeiro código civil português. Juntamente com essa promulgação, [a] lei de 22 de Junho

86 de 1866, que veio ampliar a desamortização dos bens das Misericórdias (e de outras irmandades e confrarias, além dos respectivos hospitais) que tinham constituído, durante quase quatro séculos, o paradigma das nossas instituições de assistência. Essa lei obrigava-as a vender em hasta pública a maior parte do seu patrimônio e a converter o seu valor em obrigações do Estado que rapidamente se desvalorizaram (GRAÇA, 2000, n.86 apud Castro, 1981; Ferreira, 1957). Pode, pois, dizer-se que 1867 foi marcado o fim de uma era, e nomeadamente o início do lento colapso financeiro do hospital tradicional que, nascido da caridade religiosa, se vê então amputado das suas principais fontes de receita, constituídas, sobretudo por bens de raiz quer próprios quer das misericórdias que os administravam (GRAÇA, 2000, n.86). 3.1.5. O Hospital Terapêutico. Mesmo com toda a mudança paradigmática dos hospitais ocasionada pelo desenvolvimento dos modelos pavilhonares, os hospitais ainda apresentaram altas taxas de mortalidade até o Século XIX devido ao elevado índice de contaminação que dava estatística arrasadora: de 2.089 operados em hospitais e igual número operado em residências privadas, entre o primeiro haviam morrido 855 (41%) e entre o segundo 266 (13%) (RIBEIRO, 1993, p.26). Mesmo com a descoberta da microbiologia, foi necessário primeiro descobrir como esses seres invisíveis ao olho nu se comportavam e como poderiam ser transmitidas as doenças para, em um segundo momento, iniciar-se a utilização de métodos profiláticos eficazes. A partir do Século XX, o hospital perdeu as missões de penitência e misericórdia da Idade Média e tornou-se, definitivamente, um lugar de tratamento e recuperação. Com a incorporação do cientificismo da medicina e com a produção industrial dos

quimioterápicos e de equipamentos, o hospital adquire características e missões novas, próprias do hospital contemporâneo (RIBEIRO, 1993, p. 27). 87 O hospital terapêutico, grande modificador do paradigma de atendimento aos doentes, contribuiu significativamente para a evolução da medicina e dos espaços onde ela é oferecida. No entanto, como salienta Ribeiro (1993), foi somente na metade do Século XX que a medicina, associada a outras ciências e tecnologias, adquiriu uma eficácia considerável na luta contra as doenças. Este foi o perfil institucional com que os hospitais atravessaram todas as mudanças posteriores nas concepções médicas e sociais a respeito da doença e de seu tratamento. Caracterizando o tipo contemporâneo da organização hospitalar, esse perfil sobreviveu até mesmo à forma arquitetônica que dividia as unidades hospitalares em pavilhões de poucos andares, de pequenas dimensões e espaçamentos regulares. A supressão desse plano, no início do Século XX, atende à imposição de novos critérios de valorização do espaço urbano e só foi possível graças aos avanços técnicos da medicina, que proveu métodos alternativos, aliás[,] muito potentes e eficazes, para a manutenção da assepsia hospitalar (ANTUNES, 1991, p. 157). A ruptura de paradigma é dada neste momento com características marcantes do desenvolvimento das práticas médicas, do desenvolvimento das ciências aplicadas à medicina e ao desenvolvimento tecnológico. Essas características estabelecem um paradigma rígido e volátil em que os espaços dos hospitais devem acompanhar a velocidade do seu desenvolvimento para contemplar suas exigências e carências.

88 O Hospital Pavilhonar. Juntamente com as mudanças administrativas, destaca-se a importância da concepção do projeto para Hôtel-Dieu Paris de Jacques René Tenon, o projeto Jacques René Tenon deteria o mérito de ter deflagrado esse processo e de ter construído o marco inicial do tipo hospitalar contemporâneo (ANTUNES, 1991, p.151). Do ponto de vista arquitetônico, esse projeto foi responsável pela introdução do pavilhão hospitalar, forma que predominou nos hospitais até o início do Século XIX. (ANTUNES, 1991, p.152), esta concepção está baseada em fatos profiláticos, embasado nos experimentos da microbiologia publicados dos cientistas Louis Pasteur 23 e Robert Koch 24, que destacavam a bactéria como um causador de doenças e, supostamente, poderiam conter o aumento de contágio. Os hospitais terapêuticos sofreram algumas modificações organizacionais que alteraram completamente os espaços hospitalares. Tais fatores podem ser destacados da seguinte forma: 1) divisão da unidade hospitalar em diversos pavilhões, na busca de aumentar a iluminação e ventilação, diminuindo a insalubridade; 2) estudo do número de leitos por enfermaria com relação à iluminação e à ventilação; 3) estudo com relação ao número de andares da unidade, sendo que fora estabelecido o número máximo de três andares, com escadas muitas 23 Louis Pasteur (1822-1895): Estudou o papel dos microrganismos nas doenças dos seres humanos e dos animais. Em 1880, ele descobriu que bactérias atenuadas conferiram proteção contra a cólera aviária e, em 1884, relatou que os vírus atenuados protegiam contra a raiva. Coma finalidade de matar esporos, Pasteur iniciou a prática de esterilizar as infusões empregando o vapor sob pressão (15 libras a 121 o C), enquanto que materiais estáveis eram esterilizados em fornos com calor seco na temperatura de 160 o C. 24 Robert Koch (1843-1910): Foi o primeiro a provar que um tipo específico micróbio causa um tipo definido de doença. Em 1877 foi o primeiro a utilizar violeta com sucesso para a coloração do antraz, Paul Ehrlich utilizou o azul de metileno Ziehl e F. Neelsen desenvolveram a coloração pelo ácido, permitindo que Koch observasse, mais tarde, o bacilo da tuberculose. Introduziu também o meio contendo ágar, identificou o bacilo da tuberculose e foi o primeiro a isolar as bactérias causadoras do antraz e da febre asiática. Koch, por volta de 1880, organizou postulados para provar que um micróbio específico causa uma doença particular.

89 bem ventiladas; 4) divisão dos pavilhões em categorias de enfermidades, sendo que cada pavilhão tinha local destinado para seus próprios serviços, evitando-se, assim, o contágio inter pavilhonar; 5) divisão dos pavilhões em duas alas, separando os sexos e 6) proibição do leito coletivo e adoção obrigatória do leito individual (ANTUNES, 1991). Importantes descobertas científicas a partir da segunda metade do Século XIX como, por exemplo, a da origem microbiana das infecções pelo químico francês Louis Pasteur, em 1850, provocaram transformações na assistência médica com reflexos diretos na concepção do edifício hospitalar. A partir deste período, intensifica-se a construção de hospitais na forma pavilhonar com a separação dos pacientes por categorias de moléstias em áreas isoladas, visando resguardá-los dos riscos de serem infectados pelos micróbios de outros doentes (FERNADES, 2003, p.9). A separação em pavilhões proporciona maior proteção para os pacientes e maior integração com a natureza, por meio da disponibilização de pátios ajardinados que proporcionavam um aumento na insolação e na ventilação, conforme recomendado pelos estudos da enfermeira Florence Nightingale (TOLEDO, 2003), ilustrados pelas Figuras 16A e 16B. Pode parecer um estranho princípio enunciar como primeira e mais importante função de um hospital a de que ele não cause nenhum mal à saúde do paciente (BITENCOURT, 2004, p.31). Os estudos realizados por Florence Nightingale transformaram radicalmente a enfermagem a partir da segunda metade do Século XIX. Buscando racionalizar a prática por meio de um trabalho calcado em bases mais científicas, a enfermagem obtém, assim, a configuração profissional necessária ao auxílio na luta contra

90 doenças. Florence Nightingale encontrou o hospital com condições precárias para a promoção da cura devido às baixas condições de higiene e à alta promiscuidade presentes. Tais fatores favoreceram a entrada da enfermagem em cena, numa forma de buscar a normalização e a regulamentação, bem como a organização do espaço terapêutico do doente. Para tanto, Florence Nightingale legitima uma hierarquia institucional, preparando enfermeiras para ocuparem posições de chefia em enfermarias e superintendência, bem como treinando aprendizes para o cuidado propriamente dito. As primeiras enfermeiras-chefe foram denominadas lady-nurses 25 por possuírem alta posição social, enquanto que aquelas que prestavam o cuidado direto eram denominadas apenas de nurses, de nível social inferior. Os hospitais passam a ser considerados como espaços terapêuticos para a cura, onde se privilegia, principalmente, a relação médico-paciente, sendo que as demais profissões passam a ser vistas como as que fornecem suporte infra-estrutural (BELLATO; PASTI; TAKEDA, 1997). Observa-se nas Figuras 17A e 17B, que os leitos são individuais e localizados de forma a receber luz e ventilação natural, com janelas posicionadas nas duas faces da enfermaria. Observa-se também o distanciamento mínimo entre os leitos e o distanciamento dos sanitários, localizados no final do corredor. 25 Lady = Senhora, Dama; Nurse = enfermeira.

91 A B Figura 17 Enfermaria proposta por Florence Nightingale. Legenda: A) Planta modelo proposta de Florence Nightingale e B) Foto de uma enfermaria modelo de Nightingale. Fonte: A)Planta: TOLEDO, 2003 apud St. Thomas Hospital, 1857, B) Foto: TOLEDO, 2003 apud VICENT; PROST,1987. No final do Século XVIII, o hospital terapêutico passa a ser também local de estudo, onde a figura do médico será revigorada, uma vez que o saber médico se formará e se transmitirá no hospital, mediante as práticas médicas (ALMEIDA, 2003). Ao desenhar o Hospital Naval de Stonehouse (Figura 18) na cidade de Plymouth, Inglaterra, Roverhead foi o primeiro a adotar a solução pavilhonar, em 1760.

92 Figura 18 Hospital Naval de Stonehouse - Plymouth/Inglaterra. Fonte: TOLEDO, 2003 apud TOLLET, 1892. Entre outras propostas, destacam-se os projetos de 1786 por Bernard Poyet (Figura 19) e de1 773 por Lê Roy (Figuras 20A e 20B), para reconstrução do Hôtel-Dieu de Paris (TOLEDO, 2006, p.22. apud MIGNOT, 1983, p. 224). Figura 19 Projeto de Bernard Poyet pra reconstrução do Hôtel-Dieu Paris em 1786. Fonte: TOLEDO, 2003 apud TOLLET, 1892.

93 A B Figura 20 Projeto de Lê Roy pra reconstrução do Hôtel-Dieu Paris em 1773. Legenda: A) Fachada Principal do projeto de reconstrução do Hôtel-Dieu Paris e B) Planta do projeto de reconstrução do Hôtel-Dieu Paris Fonte: TOLEDO, 2003 apud TOLLET, 1892.

94 3.1.7. O Hospital Monobloco As concepções e teorias de Jacques René Tenon e Florence Nightingale associados à utilização do modelo pavilhonar de construção de hospitais se disseminaram por toda Europa e também pelo Novo Mundo 26. Na América do Norte, a evolução das tecnologias para utilização estrutural do ferro e aço associadas ao domínio da construção de elevadores mais potentes que possibilitavam o transporte vertical em distâncias maiores, abriu espaço para o desenvolvimento de edifícios mais altos e a conseqüente discussão do modelo pavilhonar de construção de hospitais. Baseados nos princípios das tecnologias construtivas, na tecnologia da microbiologia e contando com a sabedoria necessária para identificar o tratamento das doenças infecto-contagiosas, Toledo (2003) destaca, entre outros fatores, que na América do Norte o modelo começava a ser substituído por um novo paradigma: o partido arquitetônico de bloco compacto, com vários pisos, também conhecido como monobloco vertical. Assim, as críticas feitas ao modelo pavilhonar são de escala técnica, construtiva e de gestão administrativa. (...) a adoção do partido vertical, capaz de diminuir de forma dramática os longos percursos impostos, principalmente aos médicos e às enfermeiras, pelos intermináveis corredores dos hospitais pavilhonares (TOLEDO, 2006, p.24). O hospital pavilhonar também levava desvantagem quando comparado ao hospital monobloco de vários andares nos quesitos economia da construção, facilidade operacional de controles de acesso, gestão de pessoal, distribuição de fluxos, como de alimentos, medicação, roupas e de pessoas (TOLEDO, 2003; SAMPAIO, 2005; TOLEDO, 2006). 26 Novo Mundo = América.

95 Segundo Miquelin (1992), no período compreendido entre as duas guerras mundiais, o conceito pavilhonar evoluiu para o partido monobloco, passando a constituir-se em uma sobreposição de enfermarias conforme o modelo proposto e testado por Florence Nightingale em projetos de hospitais pavilhonares. O domínio da tecnologia de elevadores mais eficientes propiciava a ligação entre essas várias enfermarias: Construídos na década de 20 organizavam as funções hospitalares em quatro setores básicos: no subsolo os serviços de apoio, no térreo os consultórios médicos, o pronto atendimento e o serviço de raios-x (então chamado de eletro-medicina), no primeiro andar o laboratório e os serviços administrativos, nos pavimentos intermediários, as áreas de internação, no último o bloco operatório. O sótão era usualmente ocupado pelos residentes médicos e de enfermagem (MIQUELIN, 1992, p.54). Toledo (2003) apresenta como exemplos dos hospitais de modelo monobloco: Columbia Presbyterian Medical Center em Nova York desenhado por James Gamble Rogers em 1929, Cornell Medical Center em Nova York, projetado por Coolidge, Shepley, Bulfinch & Abbot Architects (Figura 21A) e Hartford Hospital em Connecticut (Figura 21B), projetado por Coolidge, Shepley, Bulfinch & Abbot Architects. A B Figura 21 Projetos de Hospitais Monobloco. Legenda: A) Cornell Medical Center em Nova York e B) Hartford Hospital em Connecticut. Fonte: TOLEDO, 2003.

96 O advento do hospital monobloco e a conseqüente verticalização dos edifícios voltados à saúde constituíram o novo paradigma na concepção e construção de hospitais, espalhando-se rapidamente pelos continentes americano e europeu. Com a quebra do paradigma do hospital pavilhonar e a adoção do paradigma do hospital monobloco, a separação dos hospitais em pavilhões passou a ser desnecessária e dispendiosa. Outros fatores, como o desenvolvimento das ciências aplicadas à medicina, das novas tecnologias de diagnósticos e dos novos conceitos de administração hospitalar, se somaram e tornaram importante a concepção arquitetônica do projeto hospitalar que deve abranger e controlar todos esses fatores dos quais o perfeito funcionamento da unidade é função. 3.1.8. O Hospital do final do Século XX e início do Século XXI. O edifício hospitalar é um edifício complexo, pois compreende inúmeras áreas e necessita ser minuciosamente estudado como define Karman (1994, p.21): (...) o hospital é considerado uma das instituições mais complexas, tanto sob o ponto de vista arquitetônico, de engenharia, de instalações, de equipamentos, como de tecnologia e de administração. Complementam Bitencourt; Krause (2004): A elaboração do projeto arquitetônico para construção de estabelecimentos assistenciais de saúde é um processo complexo que deve buscar, invariavelmente, satisfazer a uma significativa diversidade de critérios técnicos e de compatibilidades físico-funcionais. A concepção da solução projetual, além de atender às demandas da tecnologia médica, às características geográficas regionais, à flexibilidade dos espaços determinada pelas variáveis epidemiológicas, deve contemplar, com fundamental relevância, a satisfação do usuário através do conforto ambiental em seus diversos aspectos (BITENCOURT; KRAUSE, 2004 p.2).

97 A elaboração de um projeto hospitalar passa por diversas etapas, mas a necessidade de compreender a real grandeza dos serviços a serem prestados é de suma importância, conforme ressalta Bross (2006, p.2): (...) o edifício não parte de um programa arquitetônico, mas de uma definição da estratégia de negócio. Rino Levi (1954) também descreve a importância do planejamento físico-funcional do edifício de assistência à saúde: O primeiro trabalho ao se iniciar o estudo de um hospital é o de organizar o seu programa funcional. Este deverá ser precedido de um trabalho de pesquisa e da coleta de dados. O programa deverá ser minucioso e preciso. Certos detalhes, à primeira vista secundários, podem influir decisivamente na concepção do projeto (LEVI, 1954, p.39). A etapa de investigação da estratégia do empreendimento deve ser bem concisa, pois um empreendimento hospitalar é um investimento muito elevado e, com a clara definição do escopo dos serviços prestado, é possível mensurar as necessidades do edifício, partindo para a definição de seu partido arquitetônico. Como define Ching (2000, p.73): [partido é um] esquema básico ou conceito de um projeto arquitetônico, representado por um diagrama. Para o autor, diagrama é ainda o desenho, não necessariamente figurativo que esboça, explica ou esclarece o arranjo e as relações entre as partes de um todo (CHING, 2000, p. 73). Já para Martinez (2000), a definição de partido é muito mais complexa, sendo primariamente definida como: (...) todo projeto é o desenvolvimento de um anteprojeto, cuja estrutura costuma ser denominado partido. Diferentes projetos podem ser desenvolvidos com base em um mesmo partido. O processo consiste em passar de etapas de maior generalidade e menor definição para etapas de maior definição (MATINEZ, 2000, p. 13). Adotaremos na perspectiva da concepção projetual de um hospital que [partido é um] esquema básico ou conceito de um projeto arquitetônico (CHING, 2000, p.73),

98 que tem como desafio passar de etapas de maior generalidade e menor definição para etapas de maior definição (MARTINEZ, 2000, p.13), e cujo primeiro trabalho, ao se iniciar o estudo de um hospital, é o de organizar o seu programa funcional (LEVI, 1954, p.39). Com a evolução do pensamento de projetos específicos para os Estabelecimentos Assistenciais de Saúde (EAS) e, avaliando-se as tendências de desenvolvimento das áreas hospitalares, são criados novos conceitos, ou linhas, que possivelmente delinearão as novas unidades de EAS e, assim, estabelecerão um paradigma para o projetar unidades de saúde. Estes novos modelos são amplamente discutidos por profissionais da área, sendo até mesmo propostos como desafios para novos projetos, pois são elementos que não constam em legislações e normatizações, mas constituem o entendimento do arquiteto e de sua capacidade de projetar para esse novo tempo, propondo partidos arquitetônicos coerentes e com flexibilidade para o futuro de novas intervenções. A elaboração do partido arquitetônico para um edifício hospitalar deve levar em conta que o mesmo deve possibilitar ao edifício uma flexibilidade de mudança de seu espaço físico; essa característica é amplamente ressaltada pelos profissionais da área por vários fatores, sendo que, entre eles, destacam-se os seguintes: a grande evolução tecnológica dos procedimentos médicos, o aumento do número de usuários a serem atendidos e a mudança de uso do espaço por decisões políticas, dentre outros. Uma possível definição de flexibilidade é apresentada por Hertzberger (1999): Flexibilidade significa já que não há uma solução única que seja preferível a todas as outras a negação absoluta de um ponto de vista fixo, definido. O plano flexível tem seu ponto de partida na certeza de que a solução correta não existe, já que o problema que requer solução

está num estado permanente de fluxo, i.e., é sempre temporário (HERTZBERGER, 1999, p.146). 99 E ainda enfatiza a sua posição com relação à flexibilidade em concepções projetuais: A flexibilidade parece inerente à relatividade, mas, na verdade, está ligada apenas à incerteza, à falta de coragem em nos comprometermos e, portanto, à recusa da responsabilidade inevitável ligada a cada ação que empreendemos. Embora uma formulação flexível a cada mudança que surja não pode ser nunca a melhor e a mais adequada solução para nenhum problema, pode fornecer qualquer solução em qualquer momento, mas nunca a melhor solução. A flexibilidade representa, portanto, o conjunto de todas as soluções inadequadas para um problema (HERTZBERGER, 1999, p.147). A posição com relação à flexibilidade de projetos apresentada por Hertzberger (1999) é oposta aos discursos de arquitetos que se especializaram na concepção de projetos hospitalares, como se pode observar no discurso de Jarbas Karman que, em sua apresentação no 1º Seminário de Arquitetura Hospitalar, ressalta (...) os edifícios de saúde são especialmente sujeitos à introdução de novas técnicas e tecnologias, e, portanto, requerem grande potencial de atualização para não entrar em obsolescência física e funcional (KARMAN apud CORBIOLI, 2003, p. 1). O discurso de flexibilidade nos estabelecimentos assistenciais de saúde também é relatado em entrevista por Bross (2006, p. 5): O hospital precisa de uma ossatura, uma estrutura, e fechamento que permitam constante flexibilidade. É necessário organizar as instalações e estruturas de tal forma que se possam adequar, com certa facilidade, aos ambientes internos. Observa-se que a questão de flexibilidade dos projetos faz parte dos discursos dos arquitetos que projetam hospitais e nota-se que essa característica é destacada

desde 1954 por Rino Levi em seu discurso, palestrando na Comissão de Planejamento de Hospitais do IAB: 100 (...) o planejamento do hospital, o estabelecimento de um organismo tanto quanto possível flexível facilmente adaptável a circunstâncias novas. (...) vemos a evolução rápida da medicina e da técnica hospitalar, novas condições e necessidades surgem incessantemente, exigindo a modificação contínua da organização do hospital e do seu arranjo interno (LEVI, 1954, p. 41-42). O Ministério da Saúde também publica seu parecer a respeito desse assunto, nos textos de apoio à programação física de estabelecimentos de saúde dizendo: Uma vertiginosa dinâmica é inerente à própria natureza das atividades desenvolvidas no edifício hospitalar. Grandes mudanças na área médica e o avanço tecnológico, seja nas técnicas terapêuticas, ou na própria construção e na manutenção do edifício hospitalar, tem pressionado mudanças na forma de se conceber os hospitais. Estes devem ser capazes de ser cada vez mais rapidamente adaptados e adaptáveis, tanto no que diz respeito à alteração de uso, à introdução de novas instalações e equipamentos, quanto a mudanças espaciais seja de adaptação ou de expansão. Essencialmente são dois grandes aspectos que importam do ponto de vista da materialização dos edifícios, a sua funcionalidade e sua construção. A última diretamente ligada aos requisitos do sistema construtivo e de construtibilidade, a primeira ancorada nos requisitos de flexibilidade e racionalidade. A Flexibilidade é a capacidade dos espaços construídos se adaptarem às novas necessidades hospitalares. Aqui, se destacam, por um lado, a própria expansão da construção, fruto do crescimento ou complexidade das atividades e aumento da capacidade instalada, e, por outro lado, das demandas de modernização e adaptação fruto do desenvolvimento dinâmico da instituição hospitalar (WEIDLE, 1995, p.32). Indo ao encontro do posicionamento dos arquitetos especializados na criação e desenvolvimento de projetos de unidades de saúde em todo o Brasil, considera-se que a flexibilidade é necessária como uma característica a ser observada nos objetos de estudo. Associado diretamente à característica de flexibilidade da concepção projetual, está a proposta de funcionalidade e a racionalização dos espaços, defendida novamente por arquitetos que se especializaram na concepção de projetos hospitalares. A funcionalidade está ligada diretamente à disposição dos ambientes dentro de um hospital e à interligação entre eles. O Arquiteto Augusto Guelli (coordenador de

101 projetos da Bross Arquitetura), em palestra durante o 1º Seminário de Arquitetura Hospitalar, discursa sobre essa característica e propões anotações e esboços genéricos (Figuras 22A e 22B) sobre o assunto: As instituições de saúde funcionam como redes interligadas de serviços e, por isso, requerem a otimização dos recursos disponíveis o que está diretamente relacionado ao fluxo entre setores (GUELLI apud CORBIOLI, 2003, p.2). Assim também defende Jarbas Karman no mesmo seminário: Um dos pontos mais importantes para a racionalização do funcionamento hospitalar inclui a análise de todo tipo de deslocamento interno. Os percursos que devem ser feitos por profissionais, pacientes, carrinhos e equipamentos, bem como os trajetos de energia elétrica, água e gases medicinais, dependem da provisão de corredores, ruas, dutos, poços de elevador, escadas, condutores elétricos ou tubulações. O conjunto formado por esses elementos dinâmicos e estáticos, que o arquiteto denomina valência, está sujeito a diversas variáveis, como comprimento, largura, horário, velocidade, tempo, pressão, potência e temperatura, entre outras. Essas variáveis constituem as covalências. O planejamento racional do hospital resulta do equacionamento de valências e covalências (KARMAN apud CORBIOLI, 2003, p. 2). A B Figura 22 Organograma de Funcionamento dos espaços internos hospitalares. Legenda: A) Organização do edifício de saúde; e B) Organização dos espaços. Fonte: Augusto Guelli, Bross Consultoria e Arquitetura, reportagem sobre 1º seminário de Arquitetura Hospitalar (Melkan &Chiarello), São Paulo, Revista Projeto Design, Edição 283, Set. 2003.

A funcionalidade é um tema também discutido por Hertzberger (1999), que observou obras funcionalistas e apontou algumas características: 102 Na arquitetura funcionalista, a forma é derivada da expressão de eficiência (o que significava automaticamente que toda arquitetura funcionalista fosse igualmente eficaz). (...) o pensamento sobre soluções para os problemas arquitetônicos foi prejudicado pela segregação de funções, que acabou prevalecendo sobre a integração. A rápida obsolescência de soluções demasiadamente específicas conduz não só à disfuncionalidade como também a uma grave falta de eficiência (HERTZBERGER, 1999, p.146). Analisando-se as Figuras 22A e 22B, associadas aos relatos de Hertzberger (1999, p.146), observa-se que a funcionalidade proposta por Augusto Guelli e Jarbas Karman vem ao encontro das afirmações de Hertzberger, quando a proposta funcionalista apresentada pelos autores estabelece a relação entre as funções - necessárias em um ambiente hospitalar - e suas integrações, estabelecendo e definindo, assim, os fluxos entre elas e solucionando a falha grave mencionada por Hertzberger (1999, p.146), que é a segregação de funções. O elo entre todas as áreas e todas as funções exercidas por cada unidade funcional é dado pela circulação. Os percursos dentro de um hospital devem ser sugeridos de forma a organizar as várias atividades exercidas, até mesmo controlando-as de certa forma. Há vários tipos distintos de circulação dentro de um hospital, que em alguns casos devem ser separadas, ou mesmo setorizadas. O Hospital além de ser um edifício que deve contemplar diversas áreas distintas, com inúmeras especialidades, deve fazer com que elas sejam complementares e coexistam de forma harmoniosa, para atingir o objetivo de uma eficiente prestação de serviço, mensurada também pela satisfação de seus usuários. Essa tarefa é extremamente custosa, pois seus usuários (aqui destacando apenas o tipo de usuários dos serviços prestados pela unidade), são pacientes ou acompanhantes

103 que estão em seu espaço exclusivamente por uma necessidade que está na maioria dos casos vinculada à doença ou para tratamentos decorrentes da mesma, com exceção das parturientes, conforme ressalta Givisiez (2004, p.8), um bom projeto de hospital, além de formalmente bem resolvido, deve ser coerente com suas funções e com seus usuários. O comprometimento com a satisfação do usuário deve ser um dos fatores predominantes da elaboração de uma proposta para edifícios de saúde, como salienta Bross (2006, p.5), a questão ambiental é muito importante porque estudos feitos no Brasil e em outros países mostram que o espaço físico é um componente na recuperação dos pacientes. Também ressalta Carlos Eduardo Pompeu (2003), em seu discurso no 1º Seminário de Arquitetura Hospitalar, a importância de um ambiente humanizado, nas unidades de saúde: O projeto deve reunir características que assegurem funcionalidade, mas sem esquecer o bem-estar dos usuários. O hospital tem de ser bom e parecer bom para dar a sensação de confiança, afirma. Segundo ele, médicos norte-americanos já constataram que o psiquismo é fator determinante para a rápida recuperação do paciente: Nosso psiquismo pode ser motivado ou deprimido e isso é regulado em grande parte pelas emoções (POMPEU apud CORBIOLI, 2003, p.2). 3.2. BRASIL O REFLEXO DOS PARADIGMAS EUROPEUS E NORTE AMERICANOS. A transposição dos modelos existentes em Portugal para a colônia Brasileira se traduz, inicialmente, de forma imediata com a instalação das Santas Casas de Misericórdia, que seguem o modelo de Portugal. Mais tarde, a partir do Século XVIII, foram construídos em todo o país hospitais gerais, hospitais militares, asilos,

colônias leprosários ou dispensários, assim como os hospícios, refletindo não apenas as influências Portuguesas, mas sim, as Européias como um todo. 104 Acompanhando a evolução das políticas de saúde pública, observa-se o desenvolvimento das práticas da medicina e, conseqüentemente, a necessidade de estabelecer padrões mínimos para garantir a qualidade de saúde à população. Dessa maneira, foi sendo desenvolvida uma formação das legislações de saúde, embasada em estudos, nas experiências apreendidas dos profissionais de saúde e do desenvolvimento tecnológico. O processo de busca de uma regulamentação para as áreas de saúde é observado desde o Século XVIII, quando se iniciou a utilização de disciplinas (normas) como mecanismo de controle das ações nos hospitais conforme descreve Foucault (2006, p.107): É, portanto, o ajuste desses dois processos, deslocamento das intervenções médicas 27 e disciplinarização do espaço hospitalar, que está na origem do hospital médico 28. Assim como, também complementa Antunes (1991, p. 154) que a partir do Século XVIII, novos projetos do médico Jacques René Tenon e John Howard marcaram o nascimento do hospital com foco na cura, um hospital terapêutico, que seria, segundo o autor, a convergência de duas práticas, a médica e a hospitalar, e que geraria a disciplina dos espaços e da rotina do hospital. No Brasil, a preocupação em estabelecer o controle com a disciplinarização dos ambientes hospitalares é decorrente do reflexo do comportamento apreendido por outros países. Mesmo sendo uma colônia de exploração de Portugal, o Brasil apresentava em seus hospitais algum desenvolvimento tecnológico como reflexo das 27 Entende-se como modificação da intervenção médica: a transformação do saber e da prática médica (FOUCAULT, 1992, p.107). 28 Entende-se como Hospital Médico aquele que busca a cura do paciente e não somente seu isolamento.

105 descobertas e inovações européias na época que podem ser observados nos projetos da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo (Pavilhonar) e do Hospital Emílio Ribas, que segue o modelo proposto pelo projeto de Jacques René Tenon, para o Hôtel-Dieu Paris. Durante o período monárquico brasileiro, o cuidado com a saúde no país era praticamente oferecido pelas Santas Casas, formadas por serviços religiosos não governamentais. Foi somente em 1920 que o Departamento [de Saúde Pública] caracterizou-se como uma das primeiras iniciativas de saúde do Estado Brasileiro no âmbito realmente nacional (MORAES, 2005, p.13). Observa-se que, até a década de 1930, a grande maioria dos hospitais construídos era de cunho religioso (administrado pelas Santas Casas de Misericórdia) e unidades assistenciais voltadas a cuidados sanitários, como asilos, colônias, leprosários, que tinham como intuito conter as grandes epidemias. 3.2.1. As Unidades Filantrópicas: A Irmandade da Santa Casa de Misericórdia no Brasil. Portugal deu continuidade em terras brasileiras ao modelo existente de assistência à saúde. O primeiro hospital a ser construído no Brasil foi uma unidade da Santa Casa de Misericórdia. Braz Cubas, fidalgo português e líder do povoado do porto de São Vicente, posteriormente vila de Santos, auxiliado por outros moradores, iniciou em 1542 a construção da Santa Casa da Misericórdia de Santos, o mais antigo hospital brasileiro, inaugurando-o em novembro de 1543. D. João III concedeu-lhe o alvará real de privilégios em 2 de abril de 1551. A construção do segundo prédio foi concluída em 1665, no Campo da Misericórdia, atual Praça Visconde de Mauá. O terceiro, inaugurado pelo Dr. Cláudio Luiz da Costa em 1836, junto ao

106 morro de São Jerônimo, atual Mont Serrat, foi parcialmente destruído por um deslizamento de terra em 1928. O conjunto atual, único remanescente, foi inaugurado pelo Presidente Getúlio Vargas em 1945, com 1400 leitos (IVAMOTO, 2006). A primeira implantação da Santa Casa de Misericórdia ocorreu em Santos, próximo ao porto, cuja administração determinou a criação do hospital para tratar dos marinheiros e forasteiros, gente estranha a terra, sem um teto para as receber nessas dificuldades, ficava a padecer os maiores sofrimentos, quando aqui aportava (SANTOS; LICHTI; 1986). Dessa forma, a primeira instalação hospitalar de Santos estabelece a mesma proposta do modelo assistencial Português, no formato dos Espritais ou dos Nosocomium Portugueses, como descreve Toledo (2006, p.25-26): As Misericórdias, antes de serem construídas no Brasil, já tinham se difundido por Portugal e suas colônias, constituindo um verdadeiro sistema hospitalar, não obstante a independência administrativa e econômica de cada unidade. Ainda afirmam Santos; Lichti (1986) que, ao fundar o hospital de caridade em Santos (Figura 23), Braz Cubas baseou-se nos conceitos e nos moldes já existentes da Irmandade da Santa Casa da Misericórdia em Portugal desde 1498. Segundo outras fontes, como a unidades da Santa Casa de Recife, há uma divergência na informação sobre a primeira unidade estabelecida no Brasil. A Irmandade de Recife garante que a primeira Santa Casa a ser implantada no Brasil foi a unidade de Olinda, Pernambuco, supostamente instalada em 1539. Sendo que, somente em 1860, foi inaugurada a Santa Casa de Misericórdia do Recife (Figura 24), incorporando a Santa Casa de Olinda. Devido à impossibilidade de se confirmar tais informações por meio de documentação ou estudos acadêmicos, adotar-se-á, neste trabalho, a versão dos autores Santos; Lichti (1986).

107 Figura 23 Imagem do Primeiro Hospital Santa Cruz da Misericórdia de Santos fundado em 1543. Fonte: Imagem: tela de Benedito Calixto, apud texto publicado por Francisco Martins dos Santos e Fernando Martins Lichti na obra conjunta História de Santos/Poliantéia Santista (volume I, 1986, Editora Caudex Ltda.,São Vicente/SP): disponível em: http://www.novomilenio.inf.br/santos/h0260d1.htm, acessado em: 11/10/2007. Figura 24 Santa Casa de Misericórdia de Recife. Fonte: Santa Casa de Misericórdia de Recife, disponível em: http://www.santacasarecife.org.br. Outras unidades da Santa Casa de misericórdia foram implantadas no Brasil, como a de Olinda, Rio de Janeiro e São Paulo. De acordo com a Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo, Por volta de 1560, deu-se a possível criação da Confraria da Misericórdia de São Paulo dos Campos de Piratininga que esteve alojada no Pátio do Colégio, nos Largos da Glória e Misericórdia, sucessivamente (SANTA CASA DE MISERICÓRDIA DE SÃO PAULO, disponível em: <http://www.santacasasp.org.br/>, acessado em: 28/10.2007). Também foi instalada

uma terceira unidade da Santa Casa de Misericórdia na Chácara dos Ingleses, ilustrada juntamente com as outras localidades na Figura 25. 108 B A C Figura 25 Primeiros locais de Implantação da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo. Legenda: A) Imagem do primeiro local de instalação da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo, sitiada na Igreja da Misericórdia, B) Imagem do segundo local de instalação da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo, sitiada não Largo da Glória, e C) Imagem do terceiro local de instalação da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo, sitiada na Chácara dos Ingleses. Fonte: http://www.santacasasp.org.br. Ao observarem-se as instalações apresentadas na Figura 25, pode-se notar o modelo adotado pela Irmandade da Santa Casa de Misericórdia portuguesa de estabelecer o atendimento aos necessitados juntamente com a capela ou igreja, fornecendo conjuntamente os préstimos ao corpo e ao espírito enquanto resgatava as quatorze Obras da Misericórdia que têm guiado as atividades da Irmandade desde sua criação em Portugal em 1498. Segundo Cabral (2006), a fundação da Santa Casa do Rio de Janeiro ocorreu em meados do Século XVI, porém, o autor afirma que não é possível precisar a data. Cabral (2006) afirma ainda que muitos estudiosos atribuem ao padre José Anchieta a construção de um barracão de palma coberto de sapé, localizado na praia de

109 Santa Luzia, atual Rua de Santa Luzia - em que permanece até hoje - na orla marítima do morro do Castelo, que teria dado origem à Santa Casa da Misericórdia do Rio de Janeiro em 1582 para cuidar dos enfermos da esquadra espanhola que se encontrava ancorada no porto do Rio de Janeiro. Durante o período de colonização, o Brasil não dispunha de leis próprias que regulamentassem a construção de hospitais e, assim, as concepções eram importadas da Europa por engenheiros e arquitetos que de lá vinham trazendo conceitos na bagagem e os aplicavam aqui, contextualizando com os materiais existentes, ou mesmo importando parte deles. A preocupação vigente era sanear os espaços urbanos e controlar as epidemias. O atendimento era restrito às instituições filantrópicas como a Santa Casa de Misericórdia, modelo espalhado por todas as colônias portuguesas no mundo e que tinha como objetivo a prática da caridade para confortar e curar doentes, indigentes, pobres, velhos, ou qualquer outra pessoa necessitada, sem distinção. As construções que abrigavam as unidades de atendimento das Santas Casas de Misericórdia nos primeiros séculos de vida brasileira resumiam-se a edifícios construídos em taipa com um ou dois pavimentos, sendo seu programa físicofuncional constituído por: 1) enfermarias coletivas separadas por sexo; 2) quartos para dois leitos; 3) área destinada à administração; 4) recepção; 5) serviços (dormitório dos empregados, cozinha e botica) e 6) igreja ou capela anexa ao prédio. Inexistiam salas de cirurgia e de curativos. Tanto a administração como os serviços internos aos pacientes, inclusive, eram exercidos por leigos sem qualquer formação específica: os serviços de enfermagem estavam em mãos de escravos. De um modo geral, faltava tudo: medicamentos, instrumental, rouparia e alimentos. Higiene também (SILVA, 1999).

110 Outras unidades de atendimento da Irmandade da Santa Casa de Misericórdia foram construídas em todo o país, principalmente nas capitanias provinciais que, hoje, representam os estados. Após a proclamação da república, a construção de unidades de atendimento nesse modelo foi mantida ainda por vários anos (CAMPOS, 1950, p. 54). 3.2.2. A mudança de paradigma - Hospital Terapêutico (pavilhonar) e sua repercussão em solos brasileiros. A mudança de paradigma com estudos e projetos de Jacques René Tenon, Bernard Poyet, Le Roy, Gauthier, não ocorreu de forma imediata na Europa. Tampouco no Brasil, onde as repercussões desse novo paradigma só se fariam sentir cerca de 40 anos depois de o primeiro hospital pavilhonar ter sido instalado na Europa. Até 1822, o Brasil continuou sendo colônia de Portugal e, como tal, manteve-se sob o mando e administração da coroa portuguesa. Após a independência, o Brasil passou a ter que se administrar e defender seu território de ameaças externas e internas. O exército ganha importância nesse processo de controle territorial e a construção de novos hospitais militares ganha espaço, inicialmente nas sedes das capitanias e subseqüentemente em pontos avançados do território. Assim, no final do Século XVIII e início do Século XIX, observa-se no Brasil que, enquanto por um lado os valores de saúde pública no Brasil continuavam a se restringir ao saneamento público e o controle das epidemias, por outro, há um aumento na construção de hospitais administrados e mantidos pelo exército e também de

111 hospitais para lazaretos e de isolamento. Como um exemplo dessa época, pode-se citar a instalação de uma base de enfermaria militar no Palácio do Governo no antigo Colégio dos Jesuítas, em 1765 e em 1792, onde é construído o Hospital da Capitania de São Paulo (FERNANDES, 2003). Nesse mesmo período, a Santa Casa de Misericórdia de Santos já apresentava necessidades de melhorias na configuração do local de atendimento e, tais necessidades culminaram com a construção do terceiro hospital próprio da Misericórdia, cujas obras foram iniciadas em 2 de julho de 1835. Esse hospital (Figura 26) estava localizado na base do antigo morro de São Jerônimo (atual Mont Serrat), junto à capela de São Francisco de Paula, sendo inaugurado somente em 4 de setembro de 1836 (SANTOS; LICHTI, 1986). Figura 26 O Hospital da Santa Casa de Santos 1835, na atual Av. São Francisco. Fonte: texto publicado por Francisco Martins dos Santos e Fernando Martins Lichti na obra conjunta História de Santos/Poliantéia Santista (volume I, 1986, Editora Caudex Ltda., São Vicente/SP). Baseados na proposta de hospital pavilhonar de Jacques René Tenon, esses hospitais representaram a mudança de paradigma no Brasil. Tal mudança repercutiu também na construção do Hospital Emílio Ribas (Figura 27), em São Paulo, Brasil, no período de 1876 a 1880, que se baseia também na proposta filosófica abordada por Foucault (2006, p.107) da origem do hospital médico.

112 Figura 27 Hospital Emílio Ribas - Pequeno hospital construído entre 1876 e 1880, com planta de autoria do engenheiro Wallace da Gama Cochrane. Hospital da Câmara Municipal, depois denominado Hospital de Isolamento. Desenho de Jules Martin. Fonte: DIM/DPH/SMC CAMPOS, Eudes. Arquitetura paulistana sob o Império. 1997. Tese de doutorado em arquitetura - FAU USP, São Paulo. V.3), disponível em: http://www.fotoplus.com/dph/info07/index.html - arquivo Histórico Municipal - Prefeitura de São Paulo. De forma semelhante, a Santa Casa de São Paulo apresenta características de partido pavilhonar, foi projetada em 1884 pelo engenheiro italiano Luis Pucci, fortemente influenciado pelos conceitos de planejamento hospitalar adotados no Hôpital Lariboisière (MIQUELIN, 1992, p. 45). É possível notar a utilização do mesmo conceito ao observarmos as Figuras 28 e 29, em que se pode ver a repetição dos cinco pavilhões interligados por um corpo central que se abre para um pátio interno, além de sua fachada permitir acesso a todos os pavilhões. Esses pavilhões mantinham isolados os enfermos por tipo de doença, por sexo e por idade (adultos e crianças)

113 A B C D Figura 28 Santa Casa de Misericórdia de São Paulo. Legenda: A) Implantação da Santa Casa; B) Enfermaria., C) Fachada Original do Hospital Central da Santa Casa; e D) Imagem da fachada do Hospital Central da Santa Casa, com algumas alterações no projeto original. Fonte: A) TOLEDO, 2003; B) http://www.santacasasp.org.br; C e D) SANTA CASA DE MISERICÓRDIA Em artigo escrito em 1910, Oliveira Fausto aponta esta fachada como sendo a do projeto original de Luiz Pucci para o prédio do Arouche (mas foi modificado).

114 A B Figura 29 Hospital Laribosiére de Paris, projetado por Gauthier 1839. Legenda: A) Planta Geral do Hospital Laribosière de Paris e B) Foto da fachada principal do Hospital Laribosière de Paris. Fonte: TOLEDO, 2003. O projeto original proposto por Luis Pucci sofreu algumas alterações na fachada, conforme se pode observar nas Figuras 28B e 28C, em que o corpo central de entrada do edifício foi alterado completamente. Com relação às plantas não obtivemos notícias de alterações consideráveis. Observa-se também na comparação da Figura 28A com a Figura 17A (página 91), que o modelo proposto para as enfermarias da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo, segue a mesma linha adotada pela enfermeira Florence Nightingale, com amplas janelas que permitem a eficiente troca de ar associada à grande iluminação natural da enfermaria, proporcionando o conforto necessário e almejado no período. A grande preocupação com o controle das doenças infecto-contagiosas levou à construção de leprosários e asilos, que receberam o nome mais prudente de colônias. O espaço asilar sofreu severas críticas, que condenavam o caráter absolutista da instituição, no emergente contexto de Liberdade, Igualdade e Fraternidade da Revolução Francesa. Assim, o modelo foi reformulado dando

origem às colônias (FONTES, MARIA P.Z. in SANTOS; BURSZTYN (ORG), 2004, p.59), como relacionados a seguir. 115 Foram construídos colônias, asilos, leprosários e hospícios, por todo o país, entre os quais pode-se destacar: 1) 1741- Hospício dos Lázaros, Recife - Pernambuco; 2) 1759 - Hospital dos Lázaros (atual Hospital Frei Antonio), Rio de Janeiro (Figura 30); 3) 1787 Leprosário Dom Rodrigo José de Menezes - Bahia; 4) 1803 - Hospício dos Lázaros, instalado em uma casa no bairro do Gloria; São Paulo; 1805 Leprosário Asylo de Olaria São Paulo; 5) 1814 a 1816 - Hospital São José dos Lázaros Mato Grosso; 6) 1815 - Hospício dos Lázaros de Tocunduba, Pará; 7) 1858 - Hospício da rua de São João que, em 1858, foi transferido para uma chácara na ladeira da Tabatinguera, São Paulo; 8) 1870 - Hospital do Gavião, Maranhão; 9) 1883 - Hospício dos Lázaros de Sabará, Minas Gerais; 10) 1893 - Desinfectório Central de São Paulo, São Paulo (Figura 31); 11) 1893 - o Hospital de Isolamento localizado na estrada do Araçá, adiante do cemitério da municipalidade (Figura 32), São Paulo; 12) 1895 - O Asilo do Juquery, Franco da Rocha, São Paulo;

116 13) 1903 Desinfectório de Botafogo, Rio de Janeiro (Figura 33); 14) 1903 a 1922 Fazenda Manguinhos Fundação Oswaldo Cruz : 1904 Pavilhão da Peste ou Pavilhão do Relógio, Manguinhos, Rio de Janeiro, projeto do arquiteto Luiz Moraes Júnior (Figura 34); 15) 1905 - Leprosário Asilo de Guapira, São Paulo; 16) 1912 a 1918 - Pavilhão Hospital para moléstias humanas; Hospital de Manguinhos, projetado pelo arquiteto Luiz Moraes Jr. (Figura 35), Rio de Janeiro, e 17) 1916 - O Hospital Militar da Força Pública, construído no bairro da Luz, São Paulo (Figura 36). Preocupado com o avanço das epidemias, o Governo da Província de São Paulo constrói em 1893, distante do aglomerado urbano e do centro da cidade, o Hospital de Isolamento. Localizado na estrada do Araçá, adiante do cemitério da municipalidade, no alto da Consolação, o edifício era organizado em pavilhões para a internação dos pacientes separados por moléstias como: difteria, febre tifóide, febre amarela, escarlatina, varíola, pavilhões para administração e portaria, desinfectório, cozinha, lavanderia a vapor e crematórios (FERNANDES, 2003, p. 18 apud SEGAWA, 1988; VISCONTI, 2000). A B Figura 30 Hospital dos Lázaros ou Hospital Frei Antonio - Rio de Janeiro/RJ. Legenda: A - vista da entrada da recepção; B) Interior do Hospital Frei Antonio Fonte: http://www.leprosyhistory.org.