Análise das Obras Indicadas aos Vestibulares Prof. Marco Antonio Mendonça Poemas Escolhidos (Cláudio Manoel da Costa)



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Análise das Obras Indicadas aos Vestibulares Prof. Marco Antonio Mendonça Poemas Escolhidos (Cláudio Manoel da Costa) Arcadismo O Arcadismo, iniciado (em Portugal em 1756 e) no Brasil em 1768, é um movimento de reação ao exagero barroco de meados para o final do século XVIII. É importante lembrar que o Barroco, chamado de arte da contra-reforma, era uma escola de influência religiosa (predominantemente católica e inquisitorial) que havia entrado em decadência juntamente com o modelo absolutista. Racionalmente influenciados pelas idéias iluministas francesas, os poetas buscam a retomada da simplicidade e resgatam alguns princípios da Antiguidade Clássica (daí ser chamado de neoclassicismo), por considerarem ser este o período de maior equilíbrio e pureza. Corresponde a um momento de Revolução Industrial, que conduziu homens do campo às cidades, onde a carestia e a dificuldade de encontrar colocação, levava-os a situações complicadas. Assim, Rousseau, filósofo deste momento histórico, prega o ideal do bom selvagem (o homem nasce bom, mas a sociedade o corrompe. Para manter seu status de bom o homem deve abandonar a cidade (lugar onde a falsidade impera) e voltar para a sadia rusticidade dos costumes rurais (campo). Este pensamento atingiu não só poetas, mas todas as artes do século XVIII, estendendo-se inclusive à arquitetura (que se tornas mais racional e passa a construir palácios nos modelos de inspiração greco-romana; além de decorá-los com motivos inspirados na natureza (Rococó) e dotá-los de jardins (natureza convencional). Há três princípios latinos básicos para a compreensão desse estilo de época: a) Carpe diem (aproveite o dia): máxima proposta pelo poeta latino Horácio. Significa viver o presente, aproveitando-o ao extremo, visto que o tempo passa rapidamente. b) Inutilia truncat (cortar o inútil): desejo de retirar dos textos tudo o que for excessivo, exagerado ou redundante, como o barroco. c) Fugere urbem (fugir da cidade): princípios de valorização da natureza, vista como lugar de perfeição e pureza, em oposição à cidade, onde tudo é conflito. Ideal pregado por Rousseau. A partir destes três princípios fundamentais o Arcadismo, é possível compreender as demais características do período: 1 retomada da teoria aristotélica da arte como imitação da natureza, usando a razão (mimesis). O poeta apreende o sentido de perfeição expresso pela natureza e tenta reproduzi-lo ao escrever. Há uma preocupação em situar o homem em ambientes em que a natureza aparece como pano de fundo, cenário. 2 respeito às teorias literárias dos antigos, utilizando as normas poéticas da Antiguidade (neoclassicismo); 3 simplicidade na forma e no conteúdo dos poemas; versos curtos; ausência de rimas em alguns versos; 4 bucolismo e pastoralismo (exaltação da vida do campo, uso de cenários pastoris); 5 presença da mitologia, num retorno aos valores clássicos; 6 equilíbrio entre a razão e a fantasia, através de uma disciplina literária a ser estabelecida pelas Arcádias (Academias) e seguida por seus membros; 7 uso de palavras simples, de fácil entendimento, sem serem vulgares; 8 preocupação com a finalidade moral da literatura; 9 desejo de mostrar uma realidade onde nada seja feio, idealizando-a. Arcadismo no Brasil Portugal, nos séculos XVII e XVIII, encontra-se economicamente decadente, dependendo do capitalismo inglês. E, para contrabalançar seu comércio deficitário, procura explorar suas colônias, em especial o Brasil. Isto faz com que um maior numero de colonos passe a trabalhar na mineração, proibindo o estabelecimento dos engenhos na região de Minas Gerais. Por volta de 1750, as minas de ouro começaram a diminuir drasticamente a sua produção, não sendo possível os colonos pagar os impostos estabelecidos pela metrópole. As idéias revolucionárias desenvolvidas na Europa, a Revolução Industrial, a Revolução Francesa, a Independência das colônias inglesas na América (Estados Unidos) e a cobrança de impostos altíssimos em ouro feitos por Portugal aos colonos brasileiros despertaram a necessidade da busca da Independência do Brasil, desencadeando uma serie de revoltas. Todo o contexto favorecia uma transformação social. E a intelectualidade colonial brasileira será uma das responsáveis por ela. Ao longo da formação de Minas Gerais, a partir da descoberta do ouro, em fins do século XVII, e das pedras preciosas, em inícios do XVIII, com o surgimento de núcleos populacionais e de uma vida urbana incipiente, a circulação de manuscritos foi crescente. Já na segunda metade do setecentos, estando proibida a existência de casas impressoras, muitos poemas manuscritos se difundiram de um espaço a outro, passando de privados a públicos, graças à ação de copistas nem sempre preparados para este mister. Desta fase, a década de 1780 ficará registrada na história da literatura brasileira e dos sucessos políticos do país, mais especificamente de Minas Gerais, como um dos períodos, ao mesmo tempo, mais ricos e mais dramáticos de nosso passado. Por uma feliz ou infeliz coincidência, aproximam-se nesses anos de 80, em terras mineiras, três dos poetas que realizaram a obra literária de maior significado no cenário brasileiro da época, obra madura a atestar uma vitalidade artística, visível em vilas e povoados mineiros, tanto na pintura, quanto na arquitetura, na imaginária, na produção musical, etc. Em Vila Rica, conviveram como amigos e intelectuais, e souberam trocar uns com os outros sua experiência, no campo da poesia e da política, os poetas Cláudio Manuel da Costa, Tomás Antônio Gonzaga e Inácio José de Alvarenga Peixoto.

O Arcadismo, no Brasil, determina o nascente valorização da obra literária, que começa a tomar rumos de caráter nacional, afastando-se dos modelos europeus. O sentimento de apego à terra brasileira aflora, tendo como referência a simplicidade da natureza marcada pela poesia européia. O sentimento nativista preencherá as paginas das obras literárias com a exaltação do índio, que passará a ser visto como herói nas obras épicas do período. O Arcadismo brasileiro originou-se e concentrou-se principalmente em Vila Rica ( hoje Ouro Preto) MG, e seu aparecimento teve relação direta com grande crescimento urbano verificado nas cidades mineiras do século XVIII, cuja base econômica era a extração de ouro. O crescimento espantoso dessas cidades favorecia tanto a divulgação de jovens brasileiros, providos das camadas privilegiadas daquela sociedade, foram buscar em Coimbra, já que a Colônia não lhes oferecia cursos superiores. Ao retornarem de Portugal, traziam consigo as idéias iluministas que faziam fermentar a vida cultural portuguesa à época das inovações políticas e culturais do ministro Marquês de Pombal, adepto de algumas idéias de ilustração. Essas idéias em Vila Rica, levaram vários intelectuais e escritores a sonharem com Inconfidência do Brasil, principalmente após a repercussão da independência dos EUA (1776). Tais sonhos culminaram na frustada Inconfidência Mineira (1789). Cecília Meireles, em seu Romanceiro da Inconfidência Mineira, registra o espírito febril provocado pelo ouro: Mil galerias desabam; mil homens ficam sepultados, mil intrigas, mil enredos prendem culpados e justos; já ninguém dorme tranqüilo, que a noite é um mundo de sustos. Com a publicação de Obras Poéticas, de Cláudio Manoel da Costa, em 1768, tem início o Arcadismo no Brasil, onde destacam-se: Cláudio Manoel da Costa, Tomás Antonio Gonzaga, Basílio da Gama, Silva Alvarenga e Frei José de Santa Rita Durão. A história e o conceito de clássico O Clássico na Grécia A referência primeira e maior que se tem sobre o Clássico está na Grécia e em Roma, durante o período que se convencionou chamar de Antiguidade Clássica. Período longo que abriga muitos fatos e muitas idéias, nem sempre ligadas, necessariamente, ao fenômeno que ele denomina. Que se trata de uma antiguidade é um fato inquestionável; que essa antiguidade é totalmente clássica, isso é plenamente discutível. Comecemos por determinar esse período. Os historiadores, como uma maneira didática de estudar a História, dividiram-na em períodos. Ao primeiro período da história ocidental, chamaram de Antiguidade Clássica, abrangendo um longo tempo entre os séculos VIII a. C. e o século V da Era Cristã. Assim, a Antiguidade Clássica vai da redescoberta da escrita pelos gregos (século VIII a. C) à queda do império romano no Ocidente, no ano 476 (século V), resultado das invasões dos chamados povos bárbaros, provenientes do norte da Europa, a partir do século IV. Como podemos ver, trata-se de um longo período de treze séculos. Muitas pessoas aludem a esses 1300 anos como se fossem uma coisa só! Nada mais errôneo. As duas principais culturas da Antiguidade Clássica a grega e a romana se assemelham, mais esta àquela do que o contrário, mas são diferentes e, evidentemente, agem de modo diferente e com propósitos diferentes, na política, na guerra, na religião, na organização social, no comércio... Para o grego, então, o que é o Clássico? Diz-se Clássico o período cultural da Grécia entre o século V a. C. e o século IV a. C. Parece pouco, não? Contudo, se o conhecimento produzido nesses cem anos tivesse sobrevivido na íntegra, os estudiosos teriam matéria para muitos e muitos séculos de estudo... Só de peças teatrais trágicas, há uma estimativa de que tenham sido produzidas mais de mil tragédias, das quais apenas trinta e duas sobreviveram... É nesse chamado Século de Ouro da Grécia, que se produz o maior nível artístico e intelectual do Ocidente, legando à humanidade futura um bem de valor incalculável. Não é por acaso que nesse momento a democracia toma o lugar da tirania; a filosofia questiona a verdade estabelecida; a palavra escrita ganha relevância jamais vista sobre a palavra oral; o teatro trágico mostra que a humanidade precisa de homens, não de heróis; cria-se o conceito de cidade (pólis) e de cidadão (polites), e o direito é comum a todos os que são iguais os cidadãos. É a era de escritores como Ésquilo, Sófocles e Eurípides, a tríade do teatro trágico grego, e de filósofos como Sócrates, Platão e Aristóteles. E a cidade de Atenas, na Ática, é o palco de todas essas transformações. O Clássico em Roma Como estamos fazendo uma incursão pelo mundo clássico, é necessário que avancemos um pouco além e cheguemos a Roma. Esta cidade que dominaria o mundo, primeiro pelas armas, depois pela herança cultural, começou como uma simples vila de pastores, na metade do século VIII a. C., em 753. A Roma que nos interessa, mais especificamente, neste tópico, é a Roma compreendida entre o século I a. C. e o século I da Era Cristã, quando a famosa cidade, já centro do mundo conhecido, atinge seu melhor momento artístico-cultural, apesar de conturbado momento político que vai da transição da República ao início do Império (cerca de 60 a. C. a 29 a. C.), passando pelas guerras civis. A Grécia também viu seu momento especial ser marcado pelas guerras contra os persas (início do século V a. C., cerca 499-479) e até contra Esparta, na famosa guerra do Peloponeso (431-404 a.c.). Assim, podemos marcar o período Clássico em Roma do aparecimento da retórica com Cícero, por volta de 80 a. C., até o romance de costumes com Petrônio, cerca de 68 da nossa era. Nesse intervalo se produziu o melhor da literatura latina com o

aparecimento de grandes poetas, protegidos por Mecenas, amigo do imperador Augusto: Catulo, Horácio e Virgílio estão entre eles. Nessa época também surgiria o maior dos poemas do mundo latino a Eneida (17 a. C.), poema que celebra a glória de Roma, na figura de Enéias, o troiano incumbido da ingente tarefa de fundar uma nova Tróia, que daria origem à mais gloriosa das cidades. É o período que se costuma chamar de Século de Augusto. Veja no mapa abaixo a localização de Roma, na Península Itálica, numa situação privilegiada e estratégica no Mediterrâneo. O Classicismo Seguindo o raciocínio desenvolvido sobre o Clássico, período que criou na Grécia e em Roma momentos de alta qualidade cultural e literária, é de se esperar que estas características sejam irradiadas ao longo da história da humanidade e recuperadas ciclicamente. Assim, vemos o século XV nos trazer o mundo moderno e, a reboque, a consolidação dos valores clássicos, já apregoados pelo humanismo, desde o século XI. O Renascimento, movimento filosófico, artístico, cultural e político, que nasce na Itália e se alastra pela Europa ocidental, tem como desdobramento natural o Classicismo. O Classicismo europeu se configura para nós brasileiros na obra do português Luís Vaz de Camões (1525-1580), principalmente em Os Lusíadas (1572), poema épico da glorificação da navegação portuguesa e da descoberta do caminho para as Índias, permitindo a expansão para o Oriente, através do Atlântico, oceano de navegação, até então, desconhecida. O poema retoma a tradição da épica clássica de Homero e Virgílio, na exaltação dos feitos heróicos de um povo, de uma nação ou de um herói, com a exaltação centrada na figura histórica do navegador Vasco da Gama (1469-1524), tomado metonímica e ficcionalmente como a nação lusitana. Assim, não se pode confundir o Clássico com o Classicismo. O Classicismo é por definição um movimento cultural que visa ao retorno do Clássico, em outra circunstância, com outros objetivos. A nova Europa que nascia das grandes navegações, a partir de 1453, com a tomada de Constantinopla pelos turcos otomanos, era o campo propício para a volta dos grandes heróis épicos, navegadores, cujo símbolo maior eram Ulisses e Enéias. Os ideais filosóficos de busca da verdade são retomados e a verdade absoluta da Igreja Católica, de base medieval, é questionada. O cisma religioso com Martinho Lutero (1483-1546), a partir da publicação de suas teses contra a venda de indulgências, em 1517, fortalece ainda mais o Renascimento, pois o protestantismo significa perda da hegemonia da Igreja Católica. O mundo que se descortina com novas culturas leva a novas reflexões, e a própria configuração do universo se modifica com o heliocentrismo de Nicolau Copérnico (1473-1543), Galileu Galilei (1564-1642) e outros. Para o momento, nada melhor do que ter o homem como centro desse universo antropocentrismo em oposição ao teocentrismo medieval. É isso que faz o gênio de Leonardo da Vinci (1452-1519), quando imagina e desenha O Homem Vitruviano. Nada mais clássico do que o homem como medida de todas as coisas... O Neoclassicismo Como última representação do Clássico greco-latino toma força, no século XVIII, o Arcadismo ou Neoclassicismo, em plena era da racionalidade iluminista. Tratava-se de um movimento literário nascido na Itália, desde 1690, com a Arcádia Romana, e continuado em Portugal (Arcádia Lusitana, 1756), de onde chegaria ao Brasil e floresceria na Minas Gerais aurífera de 1768 em diante. O ideal do movimento era a volta ao estado natural dos tempos míticos da Idade de Ouro, tempos em que os homens desfrutavam da companhia dos deuses e não precisavam trabalhar ou acumular, pois a natureza farta e generosa se encarregava de prover todas as necessidades. Essa vida simples, em meio à natureza deleitosa, sem preocupações com o amanhã, que se perde diante da ganância do homem, tem sua origem no poema Os trabalhos e os dias, do poeta grego Hesíodo (século VIII a. C.). Constatamos, pois, que, pelo tema ou pelo nome do movimento Arcadismo, a ligação com o Clássico é inquestionável. Esse momento, porém, como um de seus nomes indica, trata de um Novo Classicismo. Não sendo o Classicismo do século XV, também não é o Clássico da Idade Antiga, mas vai buscar o alimento da sua doutrina em ambos. Podemos dizer que o Clássico greco-latino é contemporâneo de si mesmo, procurando o seu próprio mundo e seu próprio tempo. O Classicismo surge em um momento propício ao retorno do heroísmo passado por causa da expansão provocada pelas grandes navegações. Agora o Neoclassicismo prega a volta a um passado mítico, de homens moderados, em perfeito equilíbrio com a natureza acolhedora e os deuses que os criaram. Por que esta busca de um tempo mítico e idílico? Corrompidos por si mesmos, os homens brutalmente jogam-se uns contra os outros e a queda é fatal: na Idade de Ferro em que se encontram, não há mais espaço para Vergonha (Aidôs) e Justiça (Nêmesis), deusas que se retiram de seu convívio. Os homens já não vivem em harmonia consigo mesmos, muito menos com os deuses... Sem a contribuição do Clássico greco-latino, não teríamos, por exemplo a obra-prima de Tomás Antônio Gonzaga (1744-1810) Marília de Dirceu. Biografia Cláudio Manuel da Costa (Glauceste Saturnio) Depois de estudar no Brasil com os jesuítas, completou seus estudos em Coimbra, onde se formou advogado. Em Portugal, tomou contato com as renovações da cultura portuguesa compreendida por Pombal e Verney. De volta ao Brasil, Cláudio Manuel exerceu em Vila Rica a carreira de advogado e administrador. Sua carreira de escritor teve inicio com a publicação de Obras Poéticas, em 1768. Em 1789, foi acusado de envolvimento na Inconfidência Mineira. Oficialmente a história registrou a morte de Cláudio Manoel da Costa como suicídio por enforcamento. Segundo alguns, o poeta não teria revestido ao sentimento de culpa, uma vez que havia delatado, sob tortura, os participantes da conjuração.com tudo, essa versão vem sendo contestada. Até hoje, em Ouro Preto, se fala que varias igrejas badalaram os sinos quando da morte do poeta. Por tradição, a igreja nunca toca os sinos a suicidas, o que pode ser indicio de assassinato e não suicídio. A poetisa Cecília Meireles, no livro O Romanceiro da Inconfidência, também põe em dúvida a versão oficial:

- Dizem que não foi corda Nem punhal atravessado, Mas veneno que lhe deram, Na comida misturado. E que chegaram doutores, E deixaram declarado Que o morto não se matara, Mas que fora assassinado. Sua obra é a que melhor se ajustou, formalmente, aos padrões do Arcadismo europeu, mesmo ambientando de forma clara a sua paisagem no cenário mineiro. Pode-se, pois, perceber três fases bem demarcadas na produção literária de Cláudio Manuel da Costa, se se levar em conta a cronologia e, ainda, o desdobramento de uma poética e de uma ideologia: a primeira, constituída dos poemas escritos em Coimbra, bem nos moldes barrocos, e dirigidas quase sempre a figuras religiosas com que o poeta conviveu na Universidade; a segunda, constituída das Obras, onde fica patente o conflito do poeta, dividido entre duas orientações estéticas e dois tipos de apelo, o da Arcádia ideal e o da terra de origem, com sua natureza e ambiência cultural distintas; e a terceira, feita de poemas escritos em 1768 ou após, alguns deles em homenagem ao Conde de Valadares, governador recém-chegado a Minas, aí incluídas as composições de Obras poéticas, recitadas em palácio, em 1768, na posse do governador, e o drama O Parnaso obsequioso, representado em dezembro do mesmo ano, no dia do aniversário do Conde. Pode-se perceber aqui a mudança de rumos do poeta em relação a sua matéria de poesia, de que o poema Vila Rica, de publicação póstuma, daria claro testemunho: ao cantar sem reserva a fundação de Vila Rica e as origens da capitania, Cláudio dá indícios, nessa fase final, de um envolvimento mais estreito com as raízes e, concomitantemente, de uma preocupação possivelmente menos estética e mais ideológica com a fatura de seus versos. O poeta cultivou a poesia Lírica e a Épica. Na Lírica, tem destaque o tema da desilusão amorosa e da angústia do homem que se afasta do campo e vai para a cidade ( Quem deixa o trato pastoril amado/ pela ingrata civil correspondência ). A situação mais comum em seus sonetos é Glauceste, o eu Lírico pastor, lamentar-se por não ter correspondido por uma musa inspiradora, Nise. Ou, então, lastima-se por se encontrar num lugar de grande beleza natural, mas não estar acompanhado pela mulher amada. Nise é uma mulher personagem fictícia, incorpórea, presente apenas pela situação nominal. Não se manifesta na relação amorosa, não é descrita fisicamente, nem da qualquer mostra de corresponder alguém de verdade. Apenas representa o ideal da mulher amada inalcançável nítido traço de reaproveitamento do neoplatonismo renascentista. Na épica, Cláudio escreveu o poemeto Vila Rica, poema inspirado nas européias clássicas, que se trata da penetração bandeirante, de descoberta das minas. No Prólogo ao leitor que antecede os sonetos de Cláudio, lemos: Não permitiu o Céu, que alguns influxos, que devi às águas do Mondego, se prosperassem por muito tempo: e destinado a buscar a pátria, que por espaço de cinco anos havia deixado, aqui entre a grossaria dos seus gênios, que menos pudera eu fazer, que entregar-me ao ócio, e sepultar-me na ignorância! Que menos, do que abandonar as fingidas ninfas destes rios, e no centro deles adorar a preciosidade daqueles metais, que têm atraído a este clima os corações de toda a Europa! Não são estas as venturosas praias da Arcádia, onde o som das águas inspirava a harmonia dos versos. Turva e feia a corrente destes ribeiros, primeiro que arrebate as idéias de um poeta, deixa ponderar a ambiciosa fadiga de minerar a terra que lhes tem pervertido as cores. Aqui está formulado claramente o drama do poeta, que teve de retornar à pátria e reafinar a lira conforme a grossaria dos seus gênios. Os rios daqui, turvos e feios, não são as venturosas praias de Portugal. A atividade da mineração, então sustentáculo da economia em Minas Gerais, implicava por certo um arruinamento da paisagem. O Brasil, na condição de colônia de Portugal, adquiria para a sensibilidade aguçadíssima de Cláudio Manuel da Costa o ar de uma terra devastada, para a qual se encaminhavam levas de europeus, especialmente portugueses, com a ambição de enriquecer o mais rápido possível. Isso mais o fato de que a capitania de Minas Gerais tinha de repassar para a Metrópole a maior parte de sua riqueza na forma de impostos indicavam ser a região mero lugar de passagem, enfeado como costumam ser aqueles sítios voltados apenas para o lucro e nos quais a beleza é vista como inútil. Minas Gerais era um pouco a Serra Pelada daquele período. Se a convenção pastoril e o cenário campestre previstos na literatura culta da época pareciam, num primeiro momento, apropriados para um lugar em que, ao contrário da Inglaterra, não houvera revolução industrial, saíam ao mesmo tempo modificados na obra de Cláudio. Embora em certo sentido estivéssemos muito mais próximos da natureza do que os europeus, que já a idealizavam e a colocavam como instância a que a sensibilidade refinada deveria aspirar, nossa natureza era, por assim dizer, revirada e saqueada de uma maneira talvez mais visível, menos acobertada, do que a natureza nos países em que houvera industrialização maciça. A paisagem em Cláudio é muito mais tosca do que amena, e às vezes pode ganhar cores mortiças, como no soneto que estamos analisando. Um soneto absolutamente sombrio, no qual o tempo parece ter se congelado também, tal como o pastor Fido. A poesia de Cláudio é uma ponte entre o barroco e o árcade. Os dois estilos lhe marcaram a obra com exageração do barroco e a busca da simplicidade dos árcades. Conhecedor da técnica do verso, homem de boa biblioteca e extensa leitura, um intelectual, talvez até mentor de Tomás Antônio Gonzaga em assuntos intelectuais e jurídicos, e, sobretudo um grande poeta. Segundo o parecer de alguns críticos nacionais, os seus sonetos constituem a melhor parte da obra literária desse poeta, não obstante a fatigante uniformidade que neles se nota; singularizam-nos, em todo caso, o tom algo camoniano do estilo e a comovente nostalgia em grande parte deles encontrável. Tipos da poesia arcaica portuguesa, com alguma mescla dos defeitos dos seiscentistas, ainda assim se impõem os sonetos do nosso malogrado poeta pela boa técnica da construção do verso e pela correção da linguagem. Comentou o crítico João Ribeiro: Por eles foi o precursor de Gonzaga, que o chamava de seu mestre. Mais tarde, Garrett o fez rival de Metastásio: a Academia de Ciências de Lisboa recomenda-o como clássico. Camilo C. Branco acha-o sob muitos

aspectos superior a Bocage, outro mestre do soneto. Boutterweck, não sem exagero, considera-o o primeiro que restaurou o gosto transviado pela moda e pela decadência do seiscentismo. E se me compete opinar também aqui, digo com sinceridade que os sonetos de Cláudio em todas as literaturas latinas só têm superiores nos de Petrarca e nos de Camões. Os Sonetos Para muitos críticos, a produção mais significativa de Cláudio Manuel está de fato nessas composições, que se dividem em pelo menos três séries: 1. A primeira descreve as angústias amorosas e a morte do pastor Fido; 2. os poemas da segunda série tratam do dilema rústico-civilizado; 3. e, ligado às duas séries anteriores, aparece a terceira com o tema da tristeza da mudança das coisas em relação aos estados de sentimento, conforme as palavras de Antonio Cândido. Soneto I Para cantar de Amor tenros cuidados, Tomo entre vós, ó montes, o instrumento, Ouvi pois o meu fúnebre lamento Se é que de compaixões sois animados: Já vos vistes que aos ecos magoados Do trácio Orfeu parava o mesmo vento; Da lira de Anfião ao doce acento Se viram os rochedos abalados Bem sei que de outros Gênios o destino, Para cingir de Apolo a verde rama, Lhes influiu na lira estro divino O canto, pois, que a minha voz derrama, Porque ao menos o entoa um Peregrino, Se faz digno entre vós também de fama O poema, um soneto forma inventada pelo poeta italiano Petrarca possui duas estrofes de quatro versos (com padrão de rima ABBA) e duas estrofes formadas por três versos (CDC, DCD respectivamente). Os versos foram compostos com dez sílabas poéticas, os chamados decassílabos que Camões utilizou para criar Os Lusíadas. Na primeira estrofe o eu-lírico valendo-se de sua lira pede que a natureza que o circunda o ouça. Era comum na Grécia antiga que os poetas, ao comporem um poema lírico, os fizessem no intuito de que os versos fossem cantados e acompanhados dum instrumento musical, a lira; eis aí o porquê do nome poema lírico. Nos versos da segunda estrofe, o clamor pela atenção é reforçado, visto que o sujeito-lírico vale-se de duas figuras míticas para convencer a natureza a ouvir o canto sobre os seus amores. Um deles é Orfeu, que desceu até o Hades (lar dos mortos) para buscar a esposa Eurídice; conta-se que ao chegar no Hades, Orfeu com sua canção conseguiu a permissão das criaturas do local para trazer a amada para o mundo dos vivos. Porém, ele não poderia olhar para trás antes de sair do Hades; ordem essa que Orfeu não obedece, sendo assim, ele não consegue trazer Eurídice à vida. Também é famosa a história de que Orfeu, por ser um poeta músico, podia atrair com sua lira animais ferozes, pássaros, árvores e rochedos. Anfion, entretanto era músico e poeta, com sua lira ergueu os muros de Tebas. Na terceira estrofe, o poeta coloca-se numa posição de humildade ao dizer que outros Gênios divindades da natureza adoradas como forças tutelares são mais capazes de tocar com mais vigor, mais beleza poética; fatores esses que os ajudam a exaltar melhor Apolo, que é o deus da luz, das artes e da beleza. Nos últimos versos, ele abandona um pouco o caráter humilde e diz que sua lira e seus versos também podem alcançar a fama. De um modo geral, sente-se que o autor concebe o Brasil sob a perspicácia de seu caráter libertador, deixando emergir o seu descontentamento com a condição colonial. O segundo soneto do livro é exemplar para mostrar a visão do poeta mineiro acerca de sua terra natal: Soneto II Leia a posteridade, ó pátrio Rio, Em meus versos teu nome celebrado; Por que vejas uma hora despertado O sono vil do esquecimento frio: Não vês nas tuas margens o sombrio, Fresco assento de um álamo copado; Não vês ninfa cantar, pastar o gado Na tarde clara do calmoso estio. Turvo banhando as pálidas areias Nas porções do riquíssimo tesouro O vasto campo da ambição recreias. Que de seus raios o planeta louro Enriquecendo o influxo em tuas veias, Quanto em chamas fecunda, brota em ouro. Os versos de natureza metalingüística que abrem o poema evidenciam a erudição do autor, uma vez que ele deixa bastante clara a sua condição de homem ilustrado. A princípio, esse recurso parece um tanto desumanizador, pois o poeta firma a sua intelectualidade numa época em que as condições coloniais eram pouco propensas para a divulgação do saber. No entanto, apesar da distância que separa o sujeito dos homens que ele descreve, a leitura integral do poema anula qualquer tipo de arrogância que poderia assinalar o autor. O poema procura focar a ligação sentimental entre o sujeito e a sua terra. A estrutura de diálogo sob qual se desenvolve o poema já é um forte índice da intimidade e do afeto que une o homem ao ambiente onde vive. Com efeito, não há mais ninguém na cena a não ser esses dois elementos, como se o mundo do sujeito esbarrasse no espaço físico. Essa intimidade também pode ser estruturalmente confirmada através do adjetivo pátrio (usado para designar o rio), já que esse termo não indica apenas a sua nacionalidade, mas também certa ligação paternal entre os indivíduos.

A propósito, é através da figura do rio que o poeta procura esboçar uma imagem do Brasil. A cena não poderia ser mais apropriada, pois o rio designa tanto um dado de base econômica (já que os minerais eram encontrados na margem dos rios), quanto um dado de ordem sentimental, uma vez que o rio transmite muito bem a idéia de serenidade almejada pelo autor. Soneto XIV Quem deixa o trato pastoril, amado, Pela ingrata, civil correspondência Ou desconhece o rosto da violência, Ou do retiro a paz não tem provado Que bem é ver nos campos, trasladado No gênio do Pastor, o da inocência! E que mal é no trato, e na aparência Ver sempre o cortesão dissimulado Ali respira Amor sinceridade; Aqui sempre a traição seu rosto encobre; Um so trata a mentira, outro a verdade. Ali não há fortuna que soçobre; Aqui quanto se observa é variedade: Oh! ventura do rico! Oh! bem do pobre! Eis aqui outro belo soneto do poeta, construído com decassílabos versos compostos por dez sílabas e com um padrão de rimas calcado na seguinte forma: ABBA, ABBA, nos quartetos (as duas primeiras estrofes que são compostas por quatro versos cada) e CDC, DCD nos dois tercetos (estrofes compostas por três versos). Na primeira estrofe o poeta já deixa claro qual é o tema de seu soneto: a tranqüilidade do campo e a corrupção da vida urbana. Sendo assim, nos primeiros versos o eu-lírico, por meio duma metáfora, o rosto da violência, sintetiza o quão desastroso pode ser deixar o campo.e, é essa a situação do sujeito-lírico, ele adverte àqueles que planejam deixar o trato pastoril que na cidade os desgostos e as desilusões são inevitáveis. Ora, percebe-se que estamos diante dum tema comum dos poetas neoclássicos (conhecidos também como arcades), que consiste basilarmente a valorização do campo, tal como fez Virgílio em Bucólicas, e no uso dos mitos greco-romanos. Assim sendo, o leitor percebe que a imagem do campo é idealizada, um local puro, inocente, onde as perturbações que acometem o viver não conseguem adentrar. Se o Amor pode respirar apenas no campo, logo pode-se dizer que ele é sufocado na cidade, devido a mentira e a hipocrisia. Por fim, é interessante pensar como em pleno século XVIII, num ambiente colonial, as questões relativas à cidade, dum certo modo, já preocupavam eu-lírico. Ainda hoje a ideia do campo ser um local perfeito persiste em nossa cidade, ainda mais se levarmos em consideração às condições, muitas vezes ruins, que as metrópoles e mesmo outras cidades menores propiciam aos seus habitantes. Soneto XIII Continuamente estou imaginando, Se esta vida, que logro, tão pesada, Há de ser sempre aflita, e magoada, Se com o tempo enfim se há de ir mudando. Em golfos de esperança flutuando Mil vezes busco a praia desejada; E a tormenta outra vez tão esperada Ao pélago infeliz me vai levando. Tenho já o meu mal tão descoberto, Que eu mesmo busco a minha desventura; Pois não pode ser mais meu desconserto. Que me pode fazer a sorte dura Se para não sentir seu golpe incerto, Tudo o que foi paixão, é já loucura! Soneto XCVIII Destes penhascos fez a natureza O berço em que nasci: oh! quem cuidara, Que entre penhas tão duras se criara Uma alma terna, um peito sem dureza! Amor, que vence os tigres, por empresa Tomou logo render-me; ele declara Contra o meu coração guerra tão rara, Que não me foi bastante a fortaleza. Por mais que eu mesmo conhecesse o dano, A que dava ocasião minha brandura, Nunca pude fugir ao cego engano: Vós, que ostentais a condição mais dura, Temei, penhas, temei; que amor tirano, Onde há mais resistência mais se apura. Repare, no soneto anterior, a angústia provocada pela constatação de que a vida é feita de sofrimento Soneto XXII Neste álamo sombrio, aonde a escura Noite produz a imagem do segredo; Em que apenas distingue o próprio medo Do feio assombro a hórrida figura; Aqui, onde não geme, nem murmura Zéfiro brando em fúnebre arvoredo, Sentado sobre o tosco de um penedo Chorava Fido a sua desventura. Às lágrimas a penha enternecida Um rio fecundou, donde manava D ânsia mortal a cópia derretida: A natureza em ambos se mudava; Abalava-se a penha comovida; Fido, estátua da dor, se congelava.

Esse é um dos cem sonetos que formam a primeira parte das Obras, publicadas em 1768, na cidade de Coimbra. A composição acima, uma das mais perfeitas do livro, pertence sem dúvida à primeira categoria. No estudo da poesia arcádica, mesmo a realizada no Brasil, é imprescindível o conhecimento de temas e formas legados pela Antiguidade. Cláudio Manuel da Costa, conquanto tivesse nascido num país descoberto havia pouco mais de 200 anos, estudara em Coimbra, onde se familiarizou com o gosto e a norma literária européia então em voga e, portanto, com os argumentos e assuntos transmitidos pela tradição antiga. Em seus sonetos, são recorrentes os temas do desterro, do carpe diem, do locus amoenus, entre outros que circulavam na poesia neoclássica portuguesa. Contudo, como esperamos mostrar, as regras, motivos e procedimentos fornecidos pela tradição européia sofrerão uma inflexão na poesia de Cláudio Manuel da Costa, que exprimiu em sua obra o conflito típico do artista brasileiro, freqüentemente dividido entre o modelo europeu e as solicitações da realidade colonial. Como aliar a experiência nacional a uma forma importada dos países centrais, onde se verifica um outro tipo de experiência histórica, constitui uma questão com a qual nossos intelectuais desde pelo menos o século XVIII têm de se haver. No poema em questão, dispõem-se elementos para um quadro que poderia ser bucólico: álamo, arvoredo, Zéfiro, pastor, natureza. No entanto eles não configuram de fato o lugar ameno (locus amoenus), a tranqüilidade idílica, como vemos na poesia pastoril do poeta latino Virgílio (70-19 a.c.) e na poesia pastoril praticada no século XVIII europeu. Por sobre tais elementos cai a sombra da melancolia do pastor Fido. Afinal, o álamo é sombrio, o arvoredo é fúnebre, e não se ouve nenhum gemido de um suave zéfiro na escura noite. O ar está parado, como que petrificado, talvez porque nele esteja sendo gestada a imagem do segredo, conforme a expressão do poeta. Mas que segredo é esse? Para tentar responder a essa pergunta, é necessário insistir na imagem do pastor melancólico. Em vez de tomar parte na confraternização com a natureza, na sociabilidade amena entre os pastores, ele aparece recuado e solitário: Sentado sobre o tosco de um penedo Chorava Fido a sua desventura. O crítico literário Sérgio Alcides considera a posição de estar sentado sobre o tosco de um penedo o avesso do estilo sub tegmini fagi, isto é, do estilo que caracteriza a posição de quem está à sombra de uma faia, recostado a uma aprazível árvore. Essa imagem se tornou modelar desde a abertura da Bucólica I, de Virgílio. Trata-se do paradigma da vida amena e natural, que comunga com a natureza e se opõe ao artificialismo da vida urbana. No entanto o pastor de Cláudio não está suavemente apoiado num tronco de faia; está sentado sobre o tosco de um penedo, isto é, sobre a superfície não lavrada, não polida de algo já por si bastante duro, bastante rústico. Além disso, ele não está em recreio, mas antes lamenta as suas desventuras e chora copiosamente. Já é possível constatar algumas dissonâncias nesse soneto em relação ao que seria a convenção da poesia arcádica européia: as imagens da escuridão e a melancolia. Esta tira o pastor do convívio harmonioso com os homens e aquelas impedem a pintura de um quadro realmente bucólico, pois este exigiria tons mais claros e suaves. Dois ideais prezados pelo Arcadismo são, portanto, contrariados nesse poeta que era dos mais disciplinados e versados nos preceitos metropolitanos: o campo como lugar de harmonia e felicidade e a visão simplificada dos homens e das relações sociais. Ora, num soneto, (...) Em que apenas distingue o próprio medo / Do feio assombro a hórrida figura(...), é justo dizer que a natureza não é espaço de serenidade, mas de imagens horripilantes. Do mesmo modo, a presença poderosa da melancolia indica precisamente o contrário de uma simplificação das relações humanas. Para a alma melancólica o burburinho humano pode trazer um terrível desconforto. Na verdade, as imagens sombrias do poema são projeções de um eu que não vê nem mesmo na natureza conforto para seus flagelos. Não estamos, portanto, diante da harmonia com a natureza e os homens tal como é estilizada em Virgílio e mesmo em tantos poetas europeus contemporâneos de Cláudio. Estamos diante de um paradoxal pastor reflexivo, pois a melancolia costuma se associar à reflexão pelo ensimesmamento continuado. Por que é paradoxal a figura de um pastor reflexivo? Ora, porque a convenção pastoril servia ao ideal de naturalidade, que pressupunha uma sociabilidade mais agradável entre os homens, e a melancolia introduz uma nota dissonante, que impede a formação dessa feliz comunidade. Os pastores de Cláudio não são muito sociáveis e afeitos ao trato com as pessoas, pois muitas vezes se afastam das brincadeiras e das festas campestres e se isolam num canto, sentando-se sobre um penedo, sobre uma pedra, e desfiando os seus infortúnios. Isso indica que as relações humanas foram perturbadas. Nessa poesia vemos um topos característico da literatura culta européia: a metamorfose. A transformação de homens em plantas, minerais e animais, e vice-versa, era um lugar-comum transmitido pela literatura greco-romana. Mas em Cláudio, assim como a figura do pastor foge um tanto às normas estabelecidas no Arcadismo, assim também a metamorfose parece adquirir uma feição singular. Vejamos as últimas estrofes do poema analisado: Às lágrimas a penha enternecida Um rio fecundou, donde manava D'ânsia mortal a cópia derretida; A natureza em ambos se mudava; Abalava-se a penha comovida; Fido, estátua da dor, se congelava. A pedra, comumente ligada à idéia de fixidez, de alicerce, daquilo que não se altera, é aqui, no entanto, abalada. Enquanto Fido chora a sua desventura e tende para a petrificação, tal é a dor que nele se desata, a rocha, comovida, tende a ganhar a mobilidade própria dos homens. Fido se congela, e o mineral se derrete. Daí o poeta dizer: A natureza em ambos se mudava. O pastor se mineraliza, e a pedra se humaniza, numa manifestação do abalo que tomou conta dos elementos da paisagem. Ocorre, portanto, metamorfose em mão dupla.

Ora, um pastor transmudado em mineral indica que o ideal arcádico de uma idade de ouro, na qual se restabeleceria a convivência pacífica entre os homens, foi deixado de lado. Pois aqui se regride a um estágio anterior ao humano, a um estágio anterior à sociabilidade. Por fim, qual será a imagem do segredo? O poema não configuraria, todo ele, essa imagem, arrematada por uma espantosa metamorfose? Não é possível, neste espaço, responder a essa questão de maneira satisfatória, pois haveria muito mais a dizer dessa magnífica composição, em que a dicção clássica por vezes é crispada por procedimentos barrocos, como o hipérbato. De todo modo, procuramos levantar ao menos alguns aspectos que nos ajudem a refletir sobre o que constitui o segredo dessa grande poesia. O Prof. Eugênio Werneck escreveu em sua Antologia Brasileira : Almeida Garret fá-lo rival de Metastásio; e Camilo Castelo Branco considera-o, sob muitos aspectos, superior a Bocage, o consagrado mestre do soneto em português. Muito embora bebesse nas fontes arcádicas, sua poesia esta cheia de paisagens brasileiras. E seu lirismo é rico de beleza, elegante e sonoro. Nize? Nize? onde estás? Aonde espera achar-te uma alma que por ti suspira, se quanto a vista se dilata e gira, tanto mais de encontrar-te desespera? Ah! se ao menos teu nome ouvir pudera entre esta aura suave, que respira! Nize, cuido que diz; mas é mentira. Nize, cuidei que ouvia; e tal não era. Grutas, troncos, penhascos da espessura, se o meu bem, se a minha alma em vós se esconde. mostrai, mostrai-me a sua formosura! Nem ao menos o eco me responde! Ah! como é certa a minha desventura! Nize? Nize? onde estás? aonde? aonde? Mais um soneto desse grande poeta: Não se passa, meu bem, na noite e dia, uma hora só, que a mísera lembrança te não tenha presente na mudança que fez, para meu mal, minha alegria. Mil imagens debuxa a fantasia, com que mais me atormenta e mais me cansa: - pois se tão longe estou de uma esperança, que alívio pode dar-me esta porfia! Tirano foi comigo o fado ingrato, que crendo, em ti roubar, pouca vitória, me deixou para sempre o teu retrato: eu me alegrara da passada glória, se, quando me faltou teu doce trato, me faltara também dele a memória! A poesia de Cláudio Manuel da Costa, equilibrada entre o Barroco e a Arcádia, com muitas auras do quinhentismo, atinge um nível bastante elevado: Ai, Nize amada! se este meu tormento, se estes meus sentidíssimos gemidos lá no teu peito, lá nos teus ouvidos achar pudessem brando acolhimento; como alegre em servir-te, como atento meus votos tributara agradecidos! Por séculos de males bem sofridos trocara todo o meu contentamento. Mas se na incontrastável pedra dura do teu rigor não há correspondência. para os doces afetos de ternura; cesse de meus suspiros a veemência; que é fazer mais soberba a formosura adorar o rigor da resistência. NOTA - O soneto, dos mais musicais de Cláudio, ostenta figuras de palavras e aliterações, sábia distribuição de tônicas e versos amplamente sugestivos, como os dois últimos da segunda quadra. (Péricles Eugênio da Silva Ramos) Dele, outro expressivo soneto (XXXII): Se os poucos dias, que vivi contente, foram bastantes para o meu cuidado, que pode vir a um pobre desgraçado, que a idéia de seu mal não acrescente! Aquele mesmo bem, que me consente, talvez propício, meu tirano fado, esse mesmo me diz que o meu estado se há de mudar em outro diferente. Leve, pois, a fortuna os seus favores; eu os desprezo já; porque é loucura comprar a tanto preço as minhas dores: se quer que me não queixe a sorte escura, ou saiba ser mais firme nos rigores, ou saiba ser constante na brandura. NOTA - "O Poeta receia o próprio bem futuro, pois a lembrança deste o atormentará depois". (Péricles Eugênio da Silva Ramos)

No soneto que se segue, "o humor do poeta enegrece a natureza": Que tarde nasce o Sol, que vagaroso! Parece que se cansa de que a um triste haja dê aparecer: quanto resiste a seu raio este sítio tenebroso! Não pode ser que o giro luminoso tanto tempo detenha: se persiste acaso o meu delírio! se me assiste ainda aquele humor tão venenoso! Aquela porta ali se está cerrando; dela sai um pastor: outro assobia, e o gado para o monte vai chamando. Ora, não há mais louca fantasia! Mas quem anda, como eu, assim penando, não sabe quando é noite, ou quando é dia. Finalmente, mostramos este soneto onde "a natureza toda se abala com a morte de Nize. Tal solidariedade entre pessoas e seres, várias vezes explorada por Cláudio, assume neste soneto belos tons" Parece, ou eu me engano, que esta fonte de repente o licor deixou turvado; o céu, que estava limpo, e azulado, se vai escurecendo no horizonte: Por que não haja horror, que não aponte o agouro funestíssimo, e pesado, até de susto já não pasta o gado; nem uma voz se escuta em todo o monte. Um raio de improviso na celeste região rebentou: um branco lírio da cor das violetas se reveste; será delírio! não, não é delírio. Que é isto, pastor meu? que anúncio é este? Morreu Nize (ai de mim), tudo é martírio. Já rompe, Nise, a matutina aurora O negro manto, com que a noite escura, Sufocando do sol a face pura, Tinha escondido a chama brilhadora. Que alegre, que suave, que sonora, Aquela fontezinha aqui murmura! E nestes campos cheios de verdura Que avultado o prazer tanto melhora! Só minha alma em fatal melancolia, Por te não poder ver, Nise adorada, Não sabe inda, que coisa é alegria; E a suavidade do prazer trocada, Tanto mais aborrece a luz do dia, Quanto a sombra da noite mais lhe agrada.