CRENÇAS, PRÁTICAS, E CONTEÚDO ADAPTADO: UMA PROFESSORA DE INGLÊS-LE NA EDUCAÇÃO INFANTIL



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CRENÇAS, PRÁTICAS, E CONTEÚDO ADAPTADO: UMA PROFESSORA DE INGLÊS-LE NA EDUCAÇÃO INFANTIL RESUMO: Ana Carolina Fonseca de Souza/ Mariana Gomes Bento de Mello/ Raquel Cristina Mendes de Carvalho/ Marcia Regina Pawlas Carazzai (UNICENTRO Guarapuava) Este artigo reporta um estudo sobre crenças e práticas de uma professora de inglês-le na Educação Infantil, com foco na adaptação do conteúdo às necessidades e vivências dos alunos. Os dados foram coletados através de entrevista com a professora, observação, gravação em áudio e vídeo, e notas de campo de cinco aulas. A análise dos dados foi feita sob uma perspectiva etnográfica, buscando padrões de repetição, de acordo com o modelo de Spradley (1980). Os resultados revelam que a prática da professora parece estar relacionada com sua crença de que é necessário aproveitar todos os momentos ocorridos em sala de aula para melhor contextualizar o ensinoaprendizagem de inglês-le. PALAVRAS-CHAVES: Educação Infantil, inglês-le, crenças, práticas, conteúdo adaptado 0. Introdução Muito se discute acerca do ensino de inglês como língua estrangeira (LE), contudo nem sempre os olhares se voltam para o ensino de inglês-le na Educação Infantil. Há duas questões dentro desse Caderno Seminal Digital, Ano 14, Nº 10, V 10 (Jul/Dez 2008) ISSN 1806-9142 6

cenário: a oferta crescente de inglês-le nas escolas privadas e a especificidade de formação do profissional que a área exige. Enquanto professoras e pesquisadoras nos deparamos com o cenário acima mencionado e com as deficiências da nossa própria formação para atuar com o ensino de inglês-le na Educação Infantil. Buscamos, então, desenvolver um estudo sobre a prática e as crenças de uma professora, que nos auxiliasse a entender melhor as particularidades desse universo. Mais especificamente, nossos objetivos foram investigar as crenças dessa professora de inglês-le a respeito da adaptação do conteúdo às necessidades e vivências de seus alunos na Educação Infantil em comparação com as suas ações em sala de aula. Dividimos o presente artigo em seis seções. Na próxima seção, apresentamos uma breve revisão sobre ensino e aprendizagem de inglês na Educação Infantil. Na seção seguinte, definimos o conceito de crença usado neste estudo. Posteriormente, descrevemos os procedimentos adotados para a coleta e análise dos dados, bem como discutimos os resultados encontrados. Finalmente, apresentamos as considerações finais deste trabalho. 1. Estudos sobre ensino e aprendizagem de inglês na Educação Infantil Ainda são poucos os textos sobre o ensino de inglês-le na Educação Infantil produzidos no Brasil. Há, por exemplo, os trabalhos de Pires (2004), de Carvalho (2005) e de Rocha (2006). De acordo com Pires (2004), um professor de inglês-le na E- ducação Infantil deveria ter um conhecimento tanto lingüístico quanto pedagógico para ensinar crianças menores de seis anos. Entretanto, a autora afirma que muitas vezes os professores contratados pelas escolas particulares têm um ou outro conhecimento apenas. Dessa forma, surge uma perspectiva alarmante a de que crianças mal in- Caderno Seminal Digital, Ano 14, Nº 10, V 10 (Jul/Dez 2008) ISSN 1806-9142 7

troduzidas no contato com inglês-le podem tornar-se alunos com problemas. Tais problemas incluem erros lingüísticos graves e/ou desmotivação para o aprendizado da língua no momento em que esse passar a ser obrigatório no Ensino Fundamental e Médio (PIRES, 2004). Assim, o empenho, pesquisas e estudos dos profissionais da área podem ser comprometidos se não for dada a devida atenção a esse fato. Por outro lado, se a presença do inglês-le na Educação Infantil for proposta de forma agradável e coerente, poderá proporcionar ao aluno estar linguisticamente apto e motivado para futuros contatos com o inglês-le. Em sua pesquisa, Carvalho (2005) preocupou-se com questões concernentes a sua postura como facilitadora da aprendizagem de inglês-le de crianças de dois a quatro anos. A pesquisa da autora revelou a mudança de comportamento dos seus alunos que, no decorrer das oito aulas observadas, passaram a interagir progressivamente com a professora e com os colegas. Essa mudança ocorreu devido à forma com que a professora utilizava o seu discurso e o material, e também à própria interação entre as crianças na aula de inglês-le. Esses resultados mostram, então, como a atitude do professor de inglês-le na Educação Infantil pode promover interações e dessa forma facilitar as práticas pedagógicas. Os estudos acima mencionados tratam do ensino-aprendizagem de inglês-le na Educação Infantil. Entretanto, nenhum desses estudos buscou investigar as crenças e práticas de professores que atuam nesse contexto específico, tampouco os levantamentos realizados por Barcelos (2007) e Silva (2007), a respeito dos estudos de crenças desenvolvidos no Brasil, mencionam trabalhos sobre esse tema. Nesse sentido, o presente artigo busca dar uma contribuição para a pesquisa sobre crenças e práticas no ensino de inglês-le na Educação Infantil. Caderno Seminal Digital, Ano 14, Nº 10, V 10 (Jul/Dez 2008) ISSN 1806-9142 8

2. Definição de crenças Segundo Pajares (1992), uma das dificuldades em definir crenças é a diversidade de sentidos atribuídos ao termo. Além disso, o autor ainda argumenta que outras palavras são freqüentemente utilizadas como sinônimos de crenças, como por exemplo: percepções, valores, concepções, julgamentos e opiniões. No presente estudo, o termo crença segue a definição proposta por Johnson (1999, apud BARCELOS, 2004, p. 14) que afirma que as crenças possuem um componente cognitivo, afetivo, e comportamental que influencia o que sabemos, sentimos e fazemos. Essa definição de Johnson vai de encontro com a sugestão de Pereira (2005, p. 164) de que os professores agem em sala de aula de acordo com a abordagem que trazem implícita. Assim, podemos entender que os professores de inglês-le para crianças atuam da maneira que acreditam ser mais eficiente, muitas vezes com base na experiência e em opiniões de pessoas respeitáveis que influenciam na maneira de agir (Wenden, 1986, apud BARCELOS, 2005, p.161). Talvez essa prática se justifique pela não existência de cursos específicos a respeito de ensino e aprendizagem de LE para crianças. 3. Metodologia Coletamos os dados com uma professora, aqui chamada Cristina, que lecionava inglês-le há um ano e seis meses na turma observada. O grupo contava com 16 crianças de três a quatro anos de idade, de uma sala de aula de Educação Infantil, sendo sete meninos e nove meninas. A observação ocorreu no período de 06 de junho a 04 de julho de 2005, durante quatro aulas de inglês-le, com duração de 25 minutos cada. Os alunos, previamente autorizados pelos responsáveis, tiveram áudio e vídeo registrados durante a primeira e a últi- Caderno Seminal Digital, Ano 14, Nº 10, V 10 (Jul/Dez 2008) ISSN 1806-9142 9

ma aula, as quais foram transcritas. Além disso, uma das pesquisadoras (Carolina) tomou notas de campo em todas as aulas. Além das observações e gravações, foram coletados para análise os planos de aula da professora, bem como uma entrevista feita com Cristina, acerca de seu posicionamento em sala de aula, após o término das observações. A análise dos dados coletados foi feita sob uma perspectiva etnográfica buscando padrões de repetição, de acordo com o modelo de Spradley (1980). Essencialmente, este tipo de análise é conduzido em três estágios: (a) leitura dos dados coletados, (b) identificação de temas comuns, e (c) categorização dos dados. 4. Resultados e Discussão: o conteúdo adaptado às necessidades e vivências das crianças Para a análise dos dados coletados, enfocamos as crenças e práticas da professora em relação à adaptação do conteúdo às necessidades e vivências de seus alunos na Educação Infantil. Para a discussão, usamos trechos das transcrições das aulas, as notas de campo de Carolina e trechos da entrevista gravada com a professora. As aulas que forneceram exemplos mais significativos para análise foram as de número dois e cinco, portanto as observações subseqüentes referem-se a trechos dessas aulas. O trecho abaixo, da aula 02, de 13 de junho 2005, refere-se a um momento em que a professora não está ensinando um conteúdo novo. Cristina está simplesmente aproveitando-se de uma situação em que os alunos se dispersaram, para reforçar e dar significado real à língua: Caderno Seminal Digital, Ano 14, Nº 10, V 10 (Jul/Dez 2008) ISSN 1806-9142 10

Aula 02 (13 de junho de 2005) 1 063 Bia: tia né que é os piá agora 064 P: o que? Boys, não! carlos assim você vai machucar o felipe+tá?++vamo mais pra lá? Vamo mais pra lá? Isso! ((agora ela está falando com todos e pede para as crianças irem para trás, e já faz o movimento do up, enquanto diz)) Up! Quando a professora é interpelada por Bia que usa um termo em português, os piá (linha 063), antes de dar a resposta, a professora substitui o termo em português, usado pela aluna, por boys (linha 064), parecendo fazer questão de reforçar o vocabulário. Observamos que esse conteúdo já havia sido trabalhado, uma vez que as crianças reconheceram o termo. As notas de Carolina também apontam essa manobra da professora, bem como indicam como ela lidou com a situação de dispersão e com o atrito entre dois alunos: Aula 02 (13 de junho de 2005) No meio do exercício as crianças se batiam durante os movimentos de up, down e turn around, ocorrendo uma rusguinha. A professora parou a atividade para atender o menino que fez com que o outro se desculpasse. O atendimento da professora foi muito rápido e eficaz, pois cessou a briga e resgatou o vocabulário e ela pode utilizar algo de Inglês, que eles já haviam estudado. 1 Neste artigo, P refere-se à professora e E refere-se à entrevistadora. Para preservar a identidade dos alunos, foram usados pseudônimos. Caderno Seminal Digital, Ano 14, Nº 10, V 10 (Jul/Dez 2008) ISSN 1806-9142 11

A colocação de Carolina corrobora o que Roth (1998) descreve sobre a sociabilidade da criança entre três e seis anos: quando é egocêntrica, subjetiva e dependente; apresenta-se tanto agressiva quanto amigável com o mesmo colega. No trecho a seguir (linhas 074 e 076), ainda na aula 02, observamos a repetição do comportamento das crianças que entram em atrito. A naturalidade da professora Cristina ao amenizar a situação é marcante. O ponto mais relevante, contudo, é a rápida mudança de uma dispersão para um momento significativo de aprendizagem de inglês-le em sala de aula. Acrescentamos que a professora consegue ao mesmo tempo acalmá-los, resolver questões de sociabilidade e inserir isso à sua área de atuação, que é o inglês-le: Aula 02 (13 de junho de 2005) 074 P: o Artur pisou na mãozinha+sem querer artur? Foi sem querer igual o Benny? então fala pra ele assim + I m sorry! 075 Artur: I m sorry 076 P: muito bem artur! tá legal mateus?++ então vamo lá! + Up! No trecho acima, a professora vale-se de um conteúdo já trabalhado, usado em uma situação real, instruindo o aluno a dizer I m sorry, da mesma forma como Benny, o personagem que ela utiliza em suas aulas, o faz. A ação de Cristina indica (linha 074) a tentativa de criar um ambiente no qual o personagem proporciona o ensino do inglês-le, e ela é apenas a intérprete. Segundo a observação de Carolina, a introdução do conteúdo por meio da lembrança dos fantoches pode indicar duas coisas: Aula 02 (13 de junho de 2005) Caderno Seminal Digital, Ano 14, Nº 10, V 10 (Jul/Dez 2008) ISSN 1806-9142 12

Conforme seja necessário, a professora Cristina resgata a figura dos personagens do material que utiliza, no caso dessa aula o Benny, um urso da idade das crianças e cujas ações são as mesmas dos alunos. Ela usou o Benny para dissolver uma discussão em que aluno estava chorando porque o outro pisou no seu pé. Eu suponho que o interesse seja o de influenciar as crianças a repetirem o comportamento do Benny, pois são amigos dele e ele é vendido pela professora como muito legal, portanto, vale a pena fazer como o Benny faz. E por outro lado o personagem vem de um lugar onde só se fala o inglês, então, a professora estimula a fala por meio do momento. A observação de Carolina nos faz pensar que além de estar u- sando o inglês-le de maneira explícita e fora do conteúdo programado, a professora contempla também a adaptação do inglês-le às vivências infantis. Sob o olhar da observadora, a ação espontânea da professora indica que a proposta que ela faz aos alunos reflete-se como uma adaptação da língua. Percebemos que a professora demonstra possuir conhecimentos pedagógicos e comportamentais no transcorrer da aula. Essa constatação foi corroborada pela professora na entrevista, conforme o trecho a seguir: P: eh... algumas brincadeiras, né, que eu faço com eles, as vezes as brincadeiras surgem, eu aproveito momento, algumas coisa que alguma crianças tenha falado, né. Então eu crio lá na hora. Eh... Às vezes a forma de ensinar o vocabulário, às vezes você programa numa seqüência e alguma criança fala alguma coisa que eu já pego Caderno Seminal Digital, Ano 14, Nº 10, V 10 (Jul/Dez 2008) ISSN 1806-9142 13

aquele gancho. Por que eu trabalho muito com isso, sabe? O gancho, o que a criança falou é bem ali que eu vou, e pego o gancho... E: No interesse dela. P: É De acordo com Williams & Burden (1997), o professor deve saber aproveitar as oportunidades que surgem durante sua aula, e também o contexto social que rodeia todos aqueles que estão envolvidos na aprendizagem. Para esses autores, não há um modo certo ou errado de ensinar, e sim certas atitudes a serem tomadas em relação ao ensino. Assim, cabe ao professor saber tirar proveito das situações para extrair e criar significado a partir delas e isso não exige fórmulas. As situações acontecem e estão fora do controle do professor, pois na sala de aula muitos mundos se encontram. Na aula 04, de 04 de julho de 2005, há uma situação em que a professora entra na sala de aula levando um objeto que já era conhecido dos alunos o book mágico, vejamos o que segue: Aula 04 (04 de julho de 2005) 001 P: luisa luisa olha o que a teacher não esqueceu hoje 002 Luisa: o book mágico!! 003 P: eu não esqueci! ((conversa sobre onde Carolina irá se sentar)) ((...)) então espera aí deixa eu ver se ele tá funcionado primeiro ((professora segura o book mágico ))+ deixe eu ver se ele ta funcionando+ah! não tá colorido! Como a professora já havia ensinado a palavra book, parece que faz uso desse objeto em sala para propor uma brincadeira no Caderno Seminal Digital, Ano 14, Nº 10, V 10 (Jul/Dez 2008) ISSN 1806-9142 14

início da aula e relembrar o vocabulário já trabalhado. A proposta é de que o livro, dependendo da forma como é manuseado, mostra ora as páginas com figuras coloridas, ora com figuras em preto em branco, ora páginas totalmente em branco. As crianças parecem gostar muito dessa brincadeira e acreditar ser uma mágica que a professora faz. Apesar de não estar previsto no plano de aula, cedido por Cristina, a professora promove um momento de prática contextualizada da palavra book. Ao trazer o book mágico durante a aula 04, Cristina está novamente aproveitando-se da situação para reforçar o inglês-le. Poderíamos dizer dessa forma que a professora procura lidar com: (a) a agitação da turma quando entra na sala; (b) a cobrança de uma aluna que insistentemente exigia que a professora trouxesse o livro; e (c) a verificação de vocabulário, uma vez que essa foi a última aula do primeiro semestre de 2005. De acordo com as gravações, a ação pareceu intuitiva, refletindo a experiência de Cristina enquanto professora daqueles alunos. Isso foi confirmado na entrevista conforme o trecho a seguir: E: Tem diferença. E o book mágico? P: Ah é. E: Porque o book mágico é o que aproxima da realidade, né? Do mundo mágico da criança. P: É. A gente faz mágica com ele. E: Como é que você sente que eles reagem Qual a importância, o que te ajuda a trabalhar com o E: Tal do book mágico? P: O objetivo do book mágico é trabalhar book. Caderno Seminal Digital, Ano 14, Nº 10, V 10 (Jul/Dez 2008) ISSN 1806-9142 15

E: Trabalhar o quê? P: Book! Além disso, durante a entrevista a professora revela que sua intenção é realmente chamar a atenção de seus alunos para o inglês- LE. Na resposta a seguir, a professora descreve sua experiência com o book mágico que se deu no ano de 2004, quando os alunos estavam em sua primeira exposição ao inglês-le. A resposta sugere que a professora acredita que a sua aula deve se destacar oferecendo um diferencial, ser divertida por si só, e os materiais devem ser instigantes, como mostra o seguinte trecho da entrevista: P: Então o objetivo do book é... todo o vocabulário novo que eu vou trabalhar com eles, eu sempre levo alguma coisa que chame muita atenção. (...) E quando eu fui trabalhar book, ano passado, como as crianças não têm o book, quem tem é a professora. Eu tenho que levar... não pode ser um book qualquer como aqueles de historinha que eles têm lá na sala. Não pode, tem que ser um book diferente né, pra realmente ficar comunicativo por que a aula de Inglês tem que ficar diferente. E aí quando eu encontrei o book mágico eu levei aquele book. Com base nesse trecho da entrevista, também podemos dizer que, ao levar o book mágico para a sala de aula, Cristina parece fazê-lo com base na crença de que é preciso criar um contexto em que o termo book possa ser usado naturalmente pelas crianças. Segundo Brown (2001), a linguagem utilizada pela criança está relacionada ao aqui e agora, assim ela é capaz de perceber quando a linguagem não é autêntica ou está descontextualizada, deixando de ser Caderno Seminal Digital, Ano 14, Nº 10, V 10 (Jul/Dez 2008) ISSN 1806-9142 16

significativa para a realidade infantil. Em suas aulas, Cristina demonstrou ter conhecimento dessa característica da criança, pois levava em conta as capacidades e interesses do aqui e agora de seus alunos. 5. Considerações finais A proposta da pesquisa descrita neste artigo foi investigar as crenças de uma professora de inglês-le a respeito da adaptação do conteúdo às necessidades e vivências de seus alunos na Educação Infantil, e compará-las às ações praticadas em sala de aula. Ao confrontar os dados da entrevista com os das aulas foi possível identificar a relação existente entre as crenças e práticas da professora investigada. Em seu trabalho, Cristina demonstrou preocupar-se em ensinar os conteúdos de maneira contextualizada, e também de forma adequada às características infantis, procurando dar sentido ao uso do inglês-le durante suas aulas. Um exemplo disso foi o momento em que a professora transformou um objeto comum à turma, o livro, em um elemento especial, mágico. De maneira geral, a prática da professora pareceu estar relacionada com sua crença de que é necessário aproveitar todos os momentos ocorridos em sala de aula para melhor contextualizar o ensino e a aprendizagem de inglês-le. Ademais, de acordo com Brown (2001), dar aulas de inglês-le para crianças não é tarefa fácil, requer estudo, dedicação, bom senso e competências lingüística e pedagógica, características que podem ser apontadas na professora Cristina. Como limitação da pesquisa aqui apresentada, pode-se apontar o fato de que apenas uma professora foi investigada, portanto, não é possível generalizar os resultados. Ainda assim, este estudo pode servir como um ponto de partida para outros trabalhos que enfoquem Caderno Seminal Digital, Ano 14, Nº 10, V 10 (Jul/Dez 2008) ISSN 1806-9142 17

a relação entre crenças e práticas do professor de inglês-le na Educação Infantil. Referências Bibliográficas: BARCELOS, A. M. F. Crenças sobre ensino e aprendizagem de línguas: reflexões de uma década de pesquisa no Brasil. In: ALVAREZ, M. L. O. ; SILVA, K. A. (Orgs.) Lingüística Aplicada: múltiplos olhares. Campinas: Pontes. 2007, p. 27-69. BROWN, H. D. Teaching by principles: an interactive approach to language pedagogy. 2. ed. Nova York: Longman, 2001. CARVALHO, R. C. M. de. A teacher s discourse in EFL classes for very young learners: investigating mood choices and register. 2005. 120f. Dissertação (Mestrado em Letras Inglês e Literatura Correspondente). Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis. PIRES, S. S. Ensino de inglês na educação infantil. In: SARMENTO, S.; MILLER, V. O ensino de Inglês como lingual estrangeira: estudos e reflexões. Porto Alegre: APIRS, 2004, p. 19-42. ROTH, G. Teaching very young children: pre-school and early primary. Londres: Richmond Publishing, 1998. SILVA, K. A. da. Crenças sobre o ensino e aprendizagem de línguas na Lingüística Aplicada: um panorama histórico dos estudos realizados no contexto brasileiro. Linguagem & Ensino, v.10, n.1, p. 235-271, 2007. SPRADLEY, J. P. Participant observation. Orlando: Harcourt Brace Jovanovich College Publishers, 1980. WILLIAMS, M.; BURDEN, R. L. Psychology for language teachers. Cambridge: Cambridge University Press, 1997. Caderno Seminal Digital, Ano 14, Nº 10, V 10 (Jul/Dez 2008) ISSN 1806-9142 18