Educação Musical infantil em Curitiba: analisando dois modelos metodológicos em projetos de musicalização infantil



Documentos relacionados
Avaliação-Pibid-Metas

2. Objetivos 3. Método 3.1 Amostra 3.2 Coleta de dados

PLANO DE TRABALHO TÍTULO: PROJETO DE INTERVENÇÃO PEDAGÓGICA NO PROCESSO DE LEITURA E ESCRITA DAS CRIANÇAS

ÁLBUM DE FOTOGRAFIA: A PRÁTICA DO LETRAMENTO NA EDUCAÇÃO INFANTIL 59. Elaine Leal Fernandes elfleal@ig.com.br. Apresentação

ESTATÍSTICA BÁSICA NO CURSO DE TÉCNICO INTEGRADO DE SEGURANÇA DO TRABALHO

AS CONTRIBUIÇÕES DAS VÍDEO AULAS NA FORMAÇÃO DO EDUCANDO.

REGULAMENTO ESTÁGIO SUPERVISIONADO CURSO DE LICENCIATURA EM PEDAGOGIA FACULDADE DE APUCARANA FAP

JORNAL OFICIAL. Sumário REGIÃO AUTÓNOMA DA MADEIRA. Segunda-feira, 21 de julho de Série. Número 132

COMISSÃO PRÓPRIA DE AVALIAÇÃO - CPA. Relatório da Auto Avaliação Institucional 2014

Prefeitura Municipal de Santos

A RESOLUÇÃO DE PROBLEMAS NO ENSINO DAS PROPRIEDADES DE POTÊNCIAS

A PRÁTICA PEDAGÓGICA DO PROFESSOR DE PEDAGOGIA DA FESURV - UNIVERSIDADE DE RIO VERDE

O JOGO COMO INSTRUMENTO FACILITADOR NO ENSINO DA MATEMÁTICA

ESTÁGIO SUPERVISIONADO NA FORMAÇÃO INICIAL DOS GRADUANDOS DE LICENCIATURA EM MATEMÁTICA

Gabriela Zilioti, graduanda de Licenciatura e Bacharelado em Geografia na Universidade Estadual de Campinas.

COMISSÃO PRÓPRIA DE AVALIAÇÃO DA FACULDADE ARAGUAIA RELATÓRIO FINAL DE AUTO-AVALIAÇÃO DO CURSO DE CIÊNCIAS CONTÁBEISDA CPA DA FACULDADE ARAGUAIA

Indicamos inicialmente os números de cada item do questionário e, em seguida, apresentamos os dados com os comentários dos alunos.

X Encontro Nacional de Educação Matemática Educação Matemática, Cultura e Diversidade Salvador BA, 7 a 9 de Julho de 2010

PUBLICO ESCOLAR QUE VISITA OS ESPAÇOS NÃO FORMAIS DE MANAUS DURANTE A SEMANA DO MEIO AMBIENTE

Copos e trava-línguas: materiais sonoros para a composição na aula de música

O mundo lá fora oficinas de sensibilização para línguas estrangeiras

FACCAMP FACULDADE CAMPO LIMPO PAULISTA COORDENADORIA DE EXTENSÃO E PESQUISA

Revista Perspectiva. 2 Como o artigo que aqui se apresente é decorrente de uma pesquisa em andamento, foi possível trazer os

DOENÇAS VIRAIS: UM DIÁLOGO SOBRE A AIDS NO PROEJA

Relato de Grupo de Pesquisa: Pesquisa, Educação e Atuação Profissional em Turismo e Hospitalidade.

O ESTÁGIO SUPERVISIONADO COMO ESPAÇO DE CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE DOCENTE DE LICENCIANDOS EM MATEMÁTICA

PADRÕES DE QUALIDADE OUTUBRO 2000

Colégio João Paulo I Unidade Norte e Higienópolis. Projeto Mostra Científica 2014 Vida eficiente: a ciência e a tecnologia a serviço do planeta

IMPLANTANDO O ENSINO FUNDAMENTAL DE NOVE ANOS NA REDE ESTADUAL DE ENSINO

A PRÁTICA DA CRIAÇÃO E A APRECIAÇÃO MUSICAL COM ADULTOS: RELATO DE UMA EXPERIÊNCIA. Bernadete Zagonel

Estatística à Distância: uma experiência

PROJETO DE ESTÁGIO CURSO: LICENCIATURA EM PEDAGOGIA DISCIPLINA: ESTÁGIO SUPERVISIONADO NA EDUCAÇÃO INFANTIL CIRCUITO: 9 PERIODO: 5º

Gráfico 1 Jovens matriculados no ProJovem Urbano - Edição Fatia 3;

EXPRESSÃO CORPORAL: UMA REFLEXÃO PEDAGÓGICA

INTERPRETANDO A GEOMETRIA DE RODAS DE UM CARRO: UMA EXPERIÊNCIA COM MODELAGEM MATEMÁTICA

DIRETRIZES E PARÂMETROS DE AVALIAÇÃO DE PROPOSTAS DE CURSOS NOVOS DE MESTRADO PROFISSIONAL

MATERIAL E MÉTODOS RESULTADOS E DISCUSSÃO

RESOLUÇÃO Nº 22/2015

1Ò&/(2'(('8&$d 2$',67Æ1&,$1($' PROCEDIMENTOS PARA DISCIPLINAS A DISTÂNCIA MANUAL DO ALUNO

AVALIAÇÃO DIAGNÓSTICA DA ESCRITA COMO INSTRUMENTO NORTEADOR PARA O ALFABETIZAR LETRANDO NAS AÇÕES DO PIBID DE PEDAGOGIA DA UFC

2012 RELATÓRIO DE ATIVIDADES

HORTA NA EDUCAÇÃO INFANTIL: UMA PROPOSTA METODOLÓGICA

INSTITUTO FEDERAL DO PARANÁ - CAMPUS FOZ DO IGUAÇU CURSO: LICENCITURA EM FÍSICA PRÉ - PROJETO ERICA F. GONÇALVES

MELHORIA DA INFRAESTRUTURA FÍSICA ESCOLAR

TÍTULO: PERFIL SOCIOECONÔMICO DOS PROFISSIONAIS FORMANDOS DA ÁREA DE NEGÓCIOS DA FACIAP

Informações gerais Colégio Decisão

O MATERIAL DIDÁTICO PEÇAS RETANGULARES

SIGNIFICADOS ATRIBUÍDOS ÀS AÇÕES DE FORMAÇÃO CONTINUADA DA REDE MUNICIPAL DE ENSINO DO RECIFE/PE

REEXAMINADO PELO PARECER CNE/CEB Nº7/2007 MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO CONSELHO NACIONAL DE EDUCAÇÃO

FACULDADE ASTORGA FAAST REGULAMENTO ESTÁGIOS SUPERVISIONADOS LICENCIATURA EM PEDAGOGIA

9. Os ciclos de aprendizagem e a organização da prática pedagógica

TRABALHANDO A EDUCAÇÃO NUTRICIONAL NO CONTEXTO DO PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA: REFLEXÕES A PARTIR DE UMA EXPERIÊNCIA NA SAÚDE DA FAMÍLIA EM JOÃO PESSOA-PB

ISSN ÁREA TEMÁTICA: (marque uma das opções)

Informações básicas. Programa Ensino Integral

9. EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA

RECURSOS DIDÁTICOS E SUA UTILIZAÇÃO NO ENSINO DE MATEMÁTICA

PPC. Aprovação do curso e Autorização da oferta PROJETO PEDAGÓGICO DE CURSO FIC METODOLOGIA PARA O ENSINO DE MATEMÁTICA. Parte 1 (solicitante)

Fina Flor Cosméticos obtém grande melhoria nos processos e informações com suporte SAP Business One

A ARTE E A EXPRESSÃO CORPORAL NA FORMAÇÃO CONTINUADA DE PROFISSIONAIS DA EDUCAÇÃO INFANTIL 1

Fanor - Faculdade Nordeste

Projeto Pedagógico. por Anésia Gilio

SÍNDROME DE DOWN E A INCLUSÃO SOCIAL NA ESCOLA

Proposta de Curso de Especialização em Gestão e Avaliação da Educação Profissional

JOGOS ELETRÔNICOS CONTRIBUINDO NO ENSINO APRENDIZAGEM DE CONCEITOS MATEMÁTICOS NAS SÉRIES INICIAIS

ANO LETIVO 2013/2014 CRITÉRIOS GERAIS DE AVALIAÇÃO

DESCRIÇÃO DAS PRÁTICAS DE GESTÃO DA INICIATIVA

O PACTO NACIONAL PELA ALFABETIZAÇÃO NA IDADE CERTA: FORMAÇÃO DE PROFESSORES PARA UMA PRÁTICA DIDÁTICO-PEDAGÓGICA INOVADORA

ACESSIBILIDADE E FORMAÇÃO DE PROFESSORES: EXPERIÊNCIA COM UM ALUNO CEGO DO CURSO DE GEOGRAFIA, A DISTÂNCIA

Relatório de Investigação da Escola julho 2015

PROJETO PIBID JOGO DO LUDO. Palavras chave: Jogo do Ludo. Educação Infantil. Matemática na Educação Infantil.

Orientações para Secretarias de Educação

AVALIAÇÃO DO CURSO DE EDUCAÇÃO BÁSICA

Educação musical em João Pessoa: espaços, concepções e práticas de ensino e aprendizagem da música

PRINCIPAIS DIFICULDADES ENFRENTADAS PELOS PROFESSORES DE QUÍMICA DO CEIPEV. E CONTRIBUIÇÃO DO PIBID PARA SUPERÁ-LAS.

PROJETO POLÍTICO PEDAGÓGICO: ELABORAÇÃO E UTILIZAÇÃO DE PROJETOS PEDAGÓGICOS NO PROCESSO DE ENSINO APRENDIZAGEM

Palavra chaves: Piff Geometrico. Sólidos Geométricos. Geometria Espacial..

TECNOLOGIA E FORMAÇÃO DE PROFESSORES

Título: Jurídico-Financeiro: Rompendo barreiras, atingindo o sucesso Categoria: Modelo de Gestão Temática: Financeiro

2. - Os cursos objetos deste Artigo são destinados a portadores de diploma de nível superior, devidamente reconhecido ou revalidado.

AGRUPAMENTO DE ESCOLAS DE EIXO Escola Básica Integrada de Eixo. Ano letivo 2012/2013

5 Considerações finais

PERFIL DOS PARTICIPANTES DO PROGRAMA DE CAPACITAÇÃO BOM NEGÓCIO PARANÁ NA REGIÃO SUDOESTE DO PARANÁ

ANEXO II. Regulamentação da Educação Profissional Técnica de Nível Médio Integrado. Capítulo I Da admissão

Justiça Educacional Plano de Projeto

II Congresso Nacional de Formação de Professores XII Congresso Estadual Paulista sobre Formação de Educadores

A utilização de jogos no ensino da Matemática no Ensino Médio

DICA PEDAGÓGICA EDUCAÇÃO INFANTIL

O vídeo nos processos de ensino e aprendizagem

FACULDADE ANCHIETA DE ENSINO SUPERIOR DO PARANÁ RELATÓRIO DE AUTOAVALIAÇÃO INSTITUCIONAL 1SEM2015 COMISSÃO PRÓPRIA DE AVALIAÇÃO

O PAPEL DO ENFERMEIRO EM UMA ESTRTÉGIA DE SAÚDE DA FAMÍLIA: UM RELATO DE EXPERIÊNCIA 1

ADMINISTRAÇÃO I. Família Pai, mãe, filhos. Criar condições para a perpetuação da espécie

MANUAL DO ALUNO PEDAGOGIA Salvador - Bahia

ORIENTAÇÃO PEDAGÓGICA N. 15/2014 TÓPICO DE ESTUDO: PLANO DE TRABALHO/PLANO DE AÇÃO OS SENTIDOS E AS RAZÕES! 1 INICIANDO...

PIBID: DESCOBRINDO METODOLOGIAS DE ENSINO E RECURSOS DIDÁTICOS QUE PODEM FACILITAR O ENSINO DA MATEMÁTICA

Palavras-chave: Formação continuada de professores, cinema, extensão universitária.

RELATÓRIO REALIZAÇÃO DO 3º SIMULADO DO ENADE DO CURSO DE ADMINISTRAÇÃO

NCE/15/00099 Relatório preliminar da CAE - Novo ciclo de estudos

MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO SECRETARIA DE EDUCAÇÃO PROFISSIONAL E TECNOLÓGICA INSTITUTO FEDERAL DO PARANÁ CÂMPUS CURITIBA

SECRETARIA DE ESTADO DA EDUCAÇÃO SUPERINTENDÊNCIA DA EDUCAÇÃO DIRETORIA DE ARTICULAÇÃO PEDAGÓGICA DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO BÁSICA

CÂMARA MUNICIPAL DO RIO DE JANEIRO N.º Despacho

Transcrição:

Educação Musical infantil em Curitiba: analisando dois modelos metodológicos em projetos de musicalização infantil Tiago Madalozzo Unespar-FAP PR / Alecrim Dourado Formação Musical / UFPR 1 tiago.madalozzo@unespar.edu.br Vivian Dell Agnolo Barbosa Madalozzo Alecrim Dourado Formação Musical / UFPR 1 vivian.agnolo@gmail.com Resumo: Nesta pesquisa, compara-se os modelos metodológicos de dois cursos de musicalização infantil na cidade de Curitiba, Paraná: o projeto de musicalização infantil da Universidade Federal do Paraná (2003-2010), e o curso de musicalização infantil da escola Alecrim Dourado (2010-atual). O projeto de musicalização infantil da UFPR consagrou-se como um laboratório-escola para atuação de alunos de cursos de graduação e pós-graduação em música da instituição, enquanto que o curso da escola Alecrim Dourado é fruto da participação de seus professores no curso da UFPR em anos anteriores. Desta forma, a partir da observação de planos de aula, fotografias, vídeos e demais documentos de registro das atividades nos dois contextos, organizando-se este exame sob os conceitos de estrutura, conteúdo e andamento propostos por Russell (2005), analisa-se os pontos em comum e as diferenças metodológicas entre dois cursos. Os resultados apontam para uma diferença fundamental entre o curso da UFPR e o da escola Alecrim Dourado, na medida em que aspectos como a infraestrutura dos espaços, o número de crianças e sua organização em turmas, a experiência dos professores e o contato próximo com os pais das crianças, são fatores externos que representam mudanças significativas para a autonomia e o modo de aprendizagem das crianças. Desta forma, pretende-se fornecer subsídios para um maior entendimento deste tipo de curso de formação musical em Curitiba e em nosso país de forma geral. Palavras chave: musicalização infantil; educação musical infantil; metodologias de ensino de música. Introdução: musicalização infantil em Curitiba, Paraná Há quatro cursos superiores de Licenciatura em Música na cidade de Curitiba, que funcionam nas seguintes instituições: Universidade Federal do Paraná, Pontifícia Universidade Católica do Paraná, e Universidade do Estado do Paraná recém criada 1 Este texto tem vínculo com o Grupo de pesquisa PROFCEM/CNPq.

universidade que, até o momento, reúne os cursos de licenciatura de dois campi, a Faculdade de Artes do Paraná e a Escola de Música e Belas Artes do Paraná. Nas três instituições, as práticas pedagógicas em música fazem parte dos currículos dos cursos em disciplinas de Estágio (que englobam práticas no Ensino Fundamental e no Ensino Médio de forma primordial) ou de Práticas Pedagógicas em outros contextos, tais como instituições de ensino não formal, de assistência social, ONGs etc. Desta forma, a educação musical infantil é estudada de duas formas nestas instituições: em disciplinas na maioria das vezes optativas, com foco em fundamentos pedagógicos, psicológicos e metodológicos do ensino de música para esta faixa etária, ou então nas disciplinas de prática pedagógica, no caso de o planejamento ser direcionado para a educação musical infantil. Em outras palavras, não há um direcionamento específico para a educação musical infantil em disciplinas ditas teóricas e práticas, salvo poucos casos pontuais. Por outro lado, a Secretaria de Educação de Curitiba tem investido significativamente na capacitação de professores para as atividades musicais na educação infantil, bem como em pesquisa e contínua estruturação de cadernos com objetivos de aprendizagem na linguagem musical dentro das artes (CURITIBA, 2012), e mesmo na organização de eventos anuais de estudos e mostra de trabalhos práticos em educação musical infantil. No ano de 2010, a cidade contava com quatorze escolas de música oferecendo cursos de musicalização infantil para crianças. Tais cursos eram, à época, direcionados para crianças entre os 0 e os 10 anos, em grupos ou individualmente, com metodologias diferentes no que se refere à estruturação da aula, aos encaminhamentos pedagógicos ou mesmo à divisão das crianças em turmas de acordo com sua faixa etária. Até aquele ano a comunidade contava com um curso de musicalização oferecido pela UFPR para bebês e crianças, além do curso de Formação Musical da EMBAP, que acontece até o presente. Neste trabalho, revisitamos a metodologia de ensino de música para crianças no curso de Musicalização Infantil da UFPR (descrita e analisada em detalhes em outros trabalhos, como BARBOSA; MADALOZZO, 2011; MADALOZZO; MADALOZZO, 2013), mas com novo foco: além de aspectos metodológicos das aulas, procuramos desta vez observar e analisar também certos elementos extraclasse que, a nosso ver, colaboraram com a estruturação das aulas e do curso em seu período de funcionamento, até o ano de 2010. Além

disso, pretende-se examinar o curso de musicalização infantil da escola Alecrim Dourado Formação Musical, que iniciou suas atividades em 2010 a partir do mesmo encaminhamento metodológico que caracterizou o curso da UFPR. Desta forma, o objetivo é observar e analisar os dois contextos a fim de verificar de que forma os fundamentos metodológicos do primeiro, que foram construídos de forma colaborativa, continuam ou não caracterizando o trabalho no segundo contexto. Justificamos a importância deste olhar a partir da ideia de que os professoresestagiários do curso da UFPR, após seu fechamento, dividiram-se e hoje coordenam cursos de musicalização infantil em diversos locais no Brasil, tais como o curso da Alecrim Dourado (Curitiba), e cursos de musicalização na UFPR-Litoral, na Universidade Federal da Paraíba, e na Universidade Federal da Bahia. Desta forma, outro objetivo é o de mapear um contexto micro (Curitiba), para um projeto de pesquisa maior, com análise de dados provenientes destas outras instituições de ensino que abrigam cursos de musicalização infantil, em um contexto macro (nacional). Observando dois cursos de musicalização infantil: o curso da UFPR e o da Alecrim Dourado A partir da estruturação do curso de Musicalização Infantil da UFPR em 2003, entende-se que houve um processo de valorização da educação musical infantil na cidade, uma vez que o curso era destinado a mais de 300 crianças da comunidade e que, desde o seu fechamento em 2010, novos cursos de musicalização foram iniciados. Desta forma, observase a seguir os traços fundamentais de cada um dos cursos a fim de se abrir pontos para análise em seguida. Para tornar viável esta observação, lançamos mão de notas em diários de classe, planos de aula, fotografias e gravações em vídeo de aulas nos dois contextos. A etapa de análise, por outro lado, será fundamentada a partir de três conceitos definidos por Russell (2005), estrutura, conteúdo e andamento, que podem ser aplicados à análise de aulas de música.

O curso de Musicalização Infantil da UFPR Iniciado em 2010, o curso foi concebido como um laboratório para prática pedagógica na educação infantil por parte dos alunos do curso de Licenciatura em Música da UFPR. A metodologia de trabalho era colaborativa, na medida em que o curso organizou-se em núcleos de professores-estagiários trabalhando em equipe segundo o sistema de peerlearning system descrito por Ilari (2010). Desta forma, a cada semestre, os professoresestagiários (alunos dos segundo, terceiro e quarto ano da Licenciatura) eram reunidos em trios com a mesma configuração: um professor mais experiente trabalhando de forma conjunta com dois menos experientes. Além disso, todos eram encorajados a trabalharem com turmas de diferentes faixas etárias, a fim de que houvesse um ambiente de aprendizado para os professores. A cada semestre, organizavam-se novas turmas de crianças, quando seus pais eram devidamente informados de que se tratava de um laboratório-escola ou seja, que os professores estavam em formação. No auge do curso, em 2010, contavam-se 24 turmas distribuídas entre três dias da semana (quartas e quintas-feiras e sábados), com até seis grupos em cada horário. Dessa forma, eram cerca de 300 crianças e 30 professores-estagiários. As turmas eram divididas em grupos com diferença de idade de cerca de 1 a 2 anos. Ou seja, havia turmas de 0 a 1 ano, 1 a 2 anos, 2 ½ a 3 ½ anos, 4 a 6 anos, 6 a 8 anos, 8 a 10 anos, Coral e Grupo Instrumental. As duas últimas eram destinadas a crianças que fizessem parte igualmente das turmas de 6 a 8 ou 8 a 10 anos: tais crianças participavam das aulas de musicalização e, após um intervalo, continuavam em atividades do Corel ou do Grupo Instrumental. O curso funcionou durante os sete anos no prédio do Departamento de Artes da UFPR, nas mesmas salas de aula utilizadas para os cursos de graduação. A cada aula, o espaço era transformado pelos professores-estagiários: nas salas, as carteiras e cadeiras eram afastadas para os cantos, e o espaço de aulas para as crianças era delimitado a partir da utilização de placas de tatames emborrachados. Cada turma, portanto, tinha as atividades desenvolvidas em um espaço de 12m², com os instrumentos e materiais pedagógicos posicionados nas mesas e carteiras nos cantos da sala.

FIGURA 1 Adaptação do espaço para aulas em uma sala no prédio da UFPR. Fonte: acervo de fotografias dos autores. De forma a possibilitar o melhor aproveitamento das relações de mediação em sala, as crianças até os 4 anos participavam das aulas com seus pais ou cuidadores, e o aprendizado se dava em função desta mediação dos colegas, dos pais/cuidadores e do trio de professores. Um ou dois pais eram convidados a se sentarem no chão com as crianças, e outros visitantes se posicionavam nas cadeiras em volta do tapete emborrachado. Já a partir dos 4 anos, de forma a se valorizar a autonomia das crianças na execução das atividades, apenas elas e os professores tinham acesso à sala de aula, e os pais/cuidadores deveriam aguardar no corredor. FIGURA 2 Exemplos de plano de aula e diário de classe no curso da UFPR. Fonte: acervo de documentos do curso da UFPR.

As aulas tinham a duração de 45 minutos para as turmas de musicalização, e de mais 1h30min para o Coral e o Grupo Instrumental. As turmas tinham uma média de 15 crianças. As atividades eram registradas em planos de aula que seguiam um modelo construído pelo próprio grupo de forma colaborativa, com Diários de Classe anexos a fim de se registrar informações relevantes após cada aula. Ao final de cada semestre, os pais/cuidadores e a comunidade tinham a oportunidade de acompanhar o aprendizado das crianças a partir da organização de uma Aula Pública de encerramento do semestre, em que cada grupo de crianças apresentava canções com que haviam trabalhado ao longo do semestre letivo. Além disso, duas vezes por semestre, havia um concerto didático para as crianças, que acontecia nos intervalos das aulas, e era conduzido pelos próprios professores. O curso de musicalização infantil da Alecrim Dourado As atividades na escola Alecrim Dourado foram iniciadas em 2010. O espaço foi constituído com uma escola particular de ensino de música para crianças, sendo um projeto de dois ex-professores-estagiários do curso da UFPR. Desta forma, o curso de musicalização infantil (enquanto serviço oferecido pela empresa) é anunciado como formação musical em espaço especializado para crianças em termos de estrutura e de preparação dos professores. Ao longo dos últimos quatro semestres, a escola atingiu uma demanda tal em que foi viável a estruturação de certos aspectos metodológicos que hoje caracterizam a proposta de formação musical. A escola conta com uma média de 130 crianças organizadas em 25 turmas. A cada semestre letivo, as crianças são divididas com uma diferença máxima de idade de 6 meses. As turmas são chamadas de 0A, 0B, 1A, 1B, e assim por diante em que A representa crianças que fazem aniversário no primeiro semestre, e B, no segundo, até os 5 ½ anos, quando todas as crianças até os 8 anos são unidas em um grupo chamado Préinstrumental. Daí em diante, oferece-se cursos de instrumento musical, conduzidos por professores licenciandos ou licenciados em música. Os seis professores condutores das atividades de musicalização são licenciados, especialistas ou mestres, com produção contínua de pesquisa em educação musical infantil, e atuação no ensino superior em instituições paranaenses e na capacitação de professores em cursos particulares ou promovidos pela Secretaria de Educação de Curitiba. Os currículos de

todos os professores são disponibilizados no website da escola, de forma que os pais conheçam a formação dos professores de seus filhos. Cada turma é conduzida por uma dupla de professores, preferencialmente constituída por um homem e uma mulher. A escola funciona em uma casa comercial que contém, além de escritório para a parte administrativa e biblioteca com cerca de 1000 títulos entre livros e CDs, uma recepção e duas salas construídas com o objetivo específico de atenderem às necessidades das crianças. O chão das salas é inteiramente revestido por tatames emborrachados, com cerca de 15m² de área, e com instrumentos musicais e demais objetos organizados em caixas e compartimentos que ficam em prateleiras durante as aulas, e ao alcance das crianças apenas nas atividades. Em uma das salas, há um pequeno anexo para instrumental Orff e demais materiais que são de acesso restrito a alguns momentos das aulas. Na recepção, há balcões com brinquedos pedagógicos direcionados à idade das crianças. FIGURA 3 Espaços de musicalização infantil na Alecrim Dourado. Fonte: acervo de fotografias dos autores. Os pais/cuidadores ficam em sala com as crianças até os 2 anos: a partir do início das atividades da turma 2A, portanto, os pais progressivamente deixam as crianças apenas com os professores em sala. De forma a possibilitar um acompanhamento das atividades desenvolvidas em sala, as duas salas de musicalização possuem um sistema de monitoramento em que as imagens são transmitidas em tempo real para um monitor na recepção das escola. Assim, os pais/cuidadores podem acompanhar cada parte da aula sem nenhuma interferência, e podem continuar a desenvolver as atividades em casa.

FIGURA 4 Modelo de plano de aula utilizado no curso da Alecrim Dourado, contendo as mesmas partes do plano da UFPR: cabeçalho, descrição dos procedimentos e rodapé com observações. Fonte: acervo dos autores. Até os 5 ½ anos, as aulas têm duração de 50 minutos, e as turmas têm entre 6 e 8 crianças. As aulas do grupo Pré-instrumental têm duração de 1h20min, com práticas vocais e instrumentais em grupo, em turmas de até 12 crianças. Além disso, em até duas vezes a cada semestre letivo, organiza-se concertos didáticos para as crianças no jardim da escola, com a apresentação de grupos musicais da cidade e de atividades do dia a dia da escola. O modelo de plano de aula utilizado na escola é uma adaptação daquele desenvolvido no curso da UFPR, com poucas modificações. Analisando os dois modelos metodológicos Em 2005, Joan Russell publicou no Brasil um artigo em que observa e analisa uma aula de música segundo três critérios por ela definidos: estrutura, conteúdo e andamento. A estrutura refere-se à organização do tempo didático caracterizando três etapas bem definidas em cada aula: início, meio e fim. A partir da aplicação desta estrutura no dia a dia da escola, o

objetivo é de que as crianças saibam o que se espera delas em cada etapa da aula, justamente se sentido familiares com a ordem das atividades. O conteúdo faz referência às atividades ao longo das aulas, em um princípio de variedade na unidade: ao mesmo tempo em que uma atividade deve ser ligada à outra por um tema ou conceito musical que se repete, é importante que haja variedade para se trabalhar cada conceito, para que a aula se torne instigante. Neste sentido, a aula é uma espécie de tapeçaria, em que há diferentes estratégias, mas com um senso de unidade. Por fim, o andamento diz respeito à gestão de sala de aula, ou seja, o gerenciamento da condução das atividades de forma que a transição de uma atividade a outra seja feita de forma discreta, sem se perder a motivação dos alunos (RUSSELL, 2005). A partir de agora, analisa-se as semelhanças e diferenças dos cursos da UFPR e da Alecrim Dourado a partir destes três conceitos. De forma geral, menciona-se as diferenças tomando o curso da Alecrim Dourado em comparação com o da UFPR. Estrutura Uma vez que cinco dos seis professores da Alecrim Dourado tiveram passagem pelo curso de musicalização infantil da UFPR e foram colaboradores na construção do modelo de plano de aula utilizado naquele contexto, pode-se afirmar que a estrutura das aulas é praticamente a mesma. Este senso de organização das atividades em uma sequência lógica, respeitando uma estrutura com início, meio e fim, é algo que se mostrou tão importante nas práticas com crianças no curso da UFPR que foi mantido no curso da Alecrim Dourado. Por outro lado, há duas diferenças fundamentais: a presença de um maior número de atividades musicais feitas em cada aula, e uma maior ligação entre elas (o que será debatido mais à frente). Ao analisar-se as turmas, percebe-se que o fato de as crianças estarem em número menor e serem organizadas com uma média de idade muito mais próxima (o que aparentemente são dois fatores externos, organizacionais), faz com que o trabalho musical seja mais direcionado para cada turma, e o desenvolvimento de atividades seja, por conta disso, mais dinâmico (ou seja, estes fatores externos afetam pedagogicamente a metodologia das aulas).

Conteúdo A experiência dos professores da Alecrim Dourado é um fator que implica em uma maior variedade nas aulas, em termos de repertório, organização espacial das crianças ao fazerem as atividades, ou mesmo uma maior variedade de modos do fazer musical, uma vez que há um esforço contínuo para que trabalhe atividades de criação, apreciação e execução de forma equilibrada em cada aula o que é demonstrado pela observação e análise de planos de aula. Ainda assim, não se perde a orientação: a unidade, neste caso, se dá igualmente pela especificidade de trabalho com cada faixa etária (pela divisão mais específica por idade), o que faz com que os conteúdos musicais e os tipos de atividade sejam abrangentes, mas ao mesmo tempo específicos para cada turma. Por outro lado, o fato de haver um número menor de professores condutores faz com que haja uma menor troca de materiais musicais, consequentemente, uma menor possibilidade de variedade nas aulas o que é conseguido a partir de mais estudo e aquisição de repertório. Andamento Do ponto de vista do andamento, entende-se que o ritmo das aulas é mais dinâmico, justamente por estes fatores externos: a infraestrutura mais adaptada à realidade das crianças (o que parece garantir uma maior familiaridade das crianças com o espaço das aulas), a organização de um número menor de crianças por turma e em faixas etárias mais próximas, e, principalmente, o fato de que as crianças passam a atuar de forma autônoma (sem os pais/cuidadores) mais cedo: para que as crianças se mantenham motivadas ao longo das atividades, naturalmente os professores impõem um ritmo mais acelerado para as aulas. Mesmo havendo maior autonomia das crianças, é importante levar-se em conta a presença dos pais nas aulas mesmo no caso em que não estão atuando diretamente nas atividades: o fato de haver o acompanhamento em distância (visualizando a aula no monitor), e mesmo uma maior proximidade entre professores e pais/condutores nos intervalos entre as aulas, faz com que haja uma maior percepção destes sobre o desenvolvimento musical das crianças, e cria-se um importante ambiente de confiança no trabalho realizado pelos professores.

Considerações finais e implicações para a educação musical infantil O estudo foi conduzido a partir da observação de elementos externos às aulas, que, em um primeiro momento, parecem ter influência mais em questões organizacionais do que pedagógicas. Contudo, a partir das análises, constata-se que a apropriação da infraestrutura, a proximidade de idade, a relação mais próxima entre professores e pais/cuidadores e a autonomia das crianças são fatores que na verdade levam a mudanças fundamentais na metodologia do curso da Alecrim Dourado em comparação com o curso da UFPR. De forma geral, pode-se afirmar que o desenvolvimento musical das crianças acontece de forma mais evidente no curso da Alecrim Dourado, dado este trabalho específico orientado em cada turma, que tem impacto até mesmo em uma maior autonomia das crianças entre os 2 e 4 anos, e mesmo em constantes reformas da estrutura curricular do curso. Um exemplo relevante é o fato de que a proposta do grupo Pré-Instrumental surgiu justamente pela percepção de que as crianças a partir dos 5 ½ anos pareciam desmotivadas por uma excessiva repetição de estratégias de ensino e repertórios, uma vez que muitas cursavam a musicalização há mais de três anos; e foi a partir desta percepção que um novo curso foi formulado, de forma a corresponder às expectativas das crianças dos 5 ½ aos 8 anos. Assim, entende-se que a análise destes fatores é relevante para a educação musical infantil no nosso país em dois sentidos. Primeiramente, porque o entendimento de que um espaço mais bem adaptado e a divisão de crianças em turmas menores são aspectos fundamentais no aprendizado musical das crianças, pode alertar para a necessidade de se repensar os espaços e a organização de cursos de musicalização em outras instituições, mesmo que o sistema de trabalho envolva professores-estagiários de cursos de licenciatura: entende-se que estes aspectos estruturais modificam de forma definitiva a metodologia de ensino de música para crianças. Sugere-se, portanto, que estas considerações tenham impacto na definição de espaços nestas instituições. Além disso, estando as crianças em ambientes mais adaptados e com atividades mais motivadoras, há um contínuo interesse, e um desenvolvimento musical notável. Esta consideração é importante na medida em que o estudo destes dois modelos aponta para aspectos que se distanciam de certos modelos metodológicos ditos tradicionais de musicalização de muitas escolas especializadas, em que há o ensino individual de musicalização desde cedo, ou mesmo a divisão de turmas com faixas etárias muito amplas.

Em outras palavras, percebe-se que este trabalho especializado tem correspondido à agilidade e motivação das crianças. Por fim, aponta-se a necessidade de se estender este estudo a outros contextos (como programas de musicalização na universidades citadas), a fim de se mapear as diferenças e semelhanças entre metodologias de ensino de música para crianças ao redor do país.

Referências BARBOSA, Vivian Dell Agnolo; MADALOZZO, Tiago. Construindo um modelo de plano para aulas de musicalização infantil: a experiência do Curso de Musicalização Infantil da UFPR. In: Anais do II Seminário Brasileiro de Educação Musical Infantil. Salvador: Universidade Federal da Bahia, 2011. p. 45-56. Disponível em: <http://www.anppom.com.br/anais/anaisdoiiseminariobrasileiroeducacaomusicalinfantilev EncontroInternacionalEducacaoMusical.pdf>. Acesso em: 19 jul. 2014. CURITIBA, Prefeitura Municipal. Secretaria da Educação. Diretrizes Curriculares para a Educação Municipal de Curitiba. Educação infantil: objetivos de aprendizagem uma discussão permanente. Curitiba, 2012. Disponível em: <http://www.cidadedoconhecimento.org.br/cidadedoconhecimento/downloads/arquivos/4319/ download4319.pdf. p. 21-25>. Acesso em: 19 jul. 2014. ILARI, Beatriz S. A community of practice in music teacher training: The case of Musicalização Infantil. Research Studies in Music Education, v. 32, n. 1, jun. 2010. p. 43-60. Disponível em: <http://rsm.sagepub.com/cgi/content/abstract/32/1/43>. Acesso em: 19 jul. 2014. MADALOZZO, Tiago; MADALOZZO, Vivian. Planejamento na musicalização infantil. In: ILARI, Beatriz; BROOCK, Angelita (orgs.). Música e educação infantil. Campinas: Papirus, 2013. p.167-190. RUSSELL, Joan. Estrutura, conteúdo e andamento em uma aula de música na 1ª série do ensino fundamental: um estudo de caso sobre gestão de sala de aula. Revista da ABEM, Porto Alegre, 2005. v. 12. mar. 2005. p. 73-88. Disponível em: <http://www.abemeducacaomusical.org.br/masters/revista12/revista12_artigo10.pdf>. Acesso em: 19 jul. 2014.