PALAVRAS-CHAVE: PRÁXIS; MÉTODO (AUTO)BIOGRÁFICO; MEMÓRIA.

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DA DISCÊNCIA INOCENTE PARA A DOCÊNCIA CONSCIENTE: UM PERCURSO FORMATIVO DO EU. Gilberliane Mayara Andrade Melo 1 RESUMO Relata um breve percurso, na tentativa de (re)invenção de minha prática pedagógica enquanto professora-formadora da faculdade de educação na Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN), espaço acadêmico no qual conclui o curso de pedagogia, e ensaiei os primeiros passos rumo a profissão docente. Pretende refletir sobre a tentativa de desenvolvimento de uma práxis pedagógica a partir do estudo do método (auto)biográfico promovido pela disciplina: Memória, formação e pesquisa (auto)biográfica do Mestrado em educação oferecido pela UERN. Constata a importância do estudo da memória como ferramenta ímpar na (re)significação da práxis pedagógica, na medida que informa, forma e desenforma. Considera que o percurso: da discência para docência tem muitos obstáculos, sendo importante analisá-los por diferentes linguagens e pontos de vista. Conclui que o entendimento da identidade profissional docente passa pelo aguçar de todos os sentidos, experimentar da vida, saborear das fantasias e retorno constante da realidade, que só é racional quando idealizada primeiro em sonho. PALAVRAS-CHAVE: PRÁXIS; MÉTODO (AUTO)BIOGRÁFICO; MEMÓRIA. 1 Graduanda de Direito da Faculdade de Ciências e Tecnologias Mater Christi e Pedagoga pela Universidade Do Estado Do Rio Grande Do Norte. Email: gilberliane_melo@yahoo.com.br 1

ERA UMA VEZ... Sempre gostei de conto de fadas, principalmente, as que minha avó materna contava, não tinha favoritas, em cada fase da vida preferia uma, ultimamente, comecei a apreciar João e o pé de feijão, admiro a coragem do menino em encarar o desconhecido ao subir naquela planta enorme sem prever o que iria encontrar, sem a certeza que poderia voltar ao ponto de partida, a perseverança em busca de um objetivo. Talvez, por nesse momento, me sentir um pouco como João, plantando nessas poucas palavras, o que tenho de melhor, de mais valioso para oferecer, e com a esperança - mesmo com muitas pessoas desacreditando - que daqui brotará um (re)começo para a realização de minhas aspirações pessoais-profissionais. Além das histórias, aprendi outra coisa com minha avó: a gostar de ensinar! Ela era professora, além de outras funções que a mulher acaba adotando no decorrer da vida, hoje aposentada, borda, cuida das plantas e de poucos animais nas proximidades da cidade do Itaú-RN. Nunca fui boa no bordado, mas desde de pequena ensaiava métodos de ensinar, lembro que na cidade onde morava: Severiano Melo, numa rua sem nome, aos 10 anos juntava alguns amiguinhos da rua, com idade menor, para ensinar a ler, trazia o giz da escola, porque a professora me dava por bom comportamento, na época fazia a 4ª série do primário (atual 5º ano do ensino fundamental I), adorava aquela brincadeira e não sabia o porque ainda, porém ela cessou quando meu pai, descobriu que estava juntando uma molecada lá em casa. Com o tempo e as proximidades do ensino médio, comecei a sentir que não conseguiria suprir meu desejos naquela cidade, onde até hoje minha família mora, e aos 15 2

anos vim para Mossoró morar na casa de uma tia, pela qual tenho muito carinho. Lembro perfeitamente, daquela primeira tarde, quando meu pai veio me deixar, não falou nada comigo durante toda uma hora de viagem (ele nunca falava), chegando lá, no meio de uma conversa, minha tia perguntou: Você vai prestar vestibular pra quê? Eu respondi que queria fazer Direito, porque achava que meu pai ia se agradar da resposta, mas ironicamente, ele disse que os advogados vivem da desgraça dos outros, e que se ele ia pagar para eu estudar fora, tinha que ser para fazer um curso que desse muito dinheiro, ele sempre sonhou que eu cursasse medicina. Naquela época, eu não sabia bem o que queria de fato, mas medicina eu tinha certeza que não era. Mais tarde, o primeiro vestibular que fiz foi pra Ciências Sociais, e enfrentei bastante os lamentos do velho, acabei trancando o curso por problemas na gravidez, casei, e os problemas cessaram, retornei ao curso, e por motivo de doença da minha mãe, tive que voltar para morar na sua cidade, acabei desistindo do curso, e fazendo outro vestibular, no qual passei para o curso de Pedagogia, campi avançado da UERN, localizado na cidade de Pau dos Ferros-RN, era mais próximo de Severiano Melo e eu podia me deslocar diariamente, não conhecia o curso, entrei pela comodidade, foi um chute certeiro. Por questões maritais retornei a Mossoró, e continuei a partir do 3º período o curso de Pedagogia no Campus Central, durante todo percurso, não tive dificuldades e comecei a perceber que sem saber havia feito a escolha certa, quem sabe o destino...em 2006 conclui o curso inquieta com a problemática da relação teoria-prática, o estágio me trouxe enormes conflitos, percebia naquele instante, que não havia receitas nem teorias que por si só dessem conta da aprendizagem, vivenciava na pele a figura da bela adormecida, não tão bela, que se acordara de um sono profundo, não pelo suave calor do afago de um príncipe, mas pela desesperança de ter perdido quatro anos de minha vida, vivendo um sonho que não valia apena sonhar. A partir daí, veio o alento, cursando a especialização em educação na modalidade formação de professores, com o projeto da monografia todo pronto, minha orientadora me 3

fez a proposta indecorosa de usar o método autobiográfico e analisar todo o percurso de minha formação inicial na perspectiva da relação teoria-prática, ela foi sincera em dizer que não tinha experiência com esse método, mas mesmo assim me encorajou a buscá-lo. Foi meu primeiro contato acadêmico com ele, e o mais importante até agora, levando em consideração que foi onde tudo começou... Hoje, professora substituta da mesma faculdade de educação onde (re)inventei o conceito de práxis, ensaiei e ensaio minha profissionalização, me angustiei e me angustio com a falta de trato teórico-prático na academia, mesmo num curso como de pedagogia que prega a aprendizagem significativa, a avaliação durante todo o processo educativo, sem preconceitos ou discriminações. Por tudo isso, e ainda pelo prazer de ensinar/aprender, de Aprender/ensinar, pela renovação geracional da profissão que começou com minha avó, e tantas discussões tentando abrir os olhos do meu pai a entender o valor da minha profissão, que não era de viver da desgraça dos outros, pretendo ao contar um pouco da minha história formativa, contribuir de alguma forma para a propagação do uso do método autobiográfico, como instrumentalizador da práxis pedagógica. A opção pela história oral decorre da especificidade do objeto, que apesar de consistir num outro desafio, não é uma novidade metodológica, pois, no Brasil, ao longo dos anos 1970, já eram introduzidas na pesquisa em educação as histórias de vida e consequentemente a valorização da pesquisa qualitativa, com resgate da importância das experiências individuais no processo de construção e desvelamentos de questões relacionadas à formação de professores. Nas palavras de Pimenta, Ghedin e Franco (2006), as ciências da educação compreenderam de modo intuitivo o significado e a importância do método biográfico, revelador não somente de um instrumento de pesquisa, mas especialmente um importante instrumento de formação. Destarte, contata-se a importância da problemática levantada, que vai além das minhas inquietações mais intrínsecas, e intenciona (re)significar as reflexões sobre aspectos essenciais do conhecimento acadêmico e da profissão docente, num exercício 4

extremamente difícil, uma vez que a pesquisa autobiográfica consiste num desnudar-se, diante de si mesmo e dos outros. UMA LONGA CALÇADA E A SEDE CEGA POR UMA HISTÓRIA DE VIDA, QUEM SABE A MINHA. As 08:00 hs da manhã, atravessando a faixa de pedestre, me vi no trilhar da calçada buscando uma história, um trajeto de vida. E lá estavam vários, a cada passo (ploc!), uma vitrine viva, esperando apenas um olhar: (ploc!) A senhora que vendia chinelos e tomava calmamente o café entre encostada na banqueta da vizinha, cabelos grisalhos e traços faciais que falavam por si, (ploc!) a mocinha que ouvia atenta e cabisbaixa a bronca do chefe, (ploc!) O rapaz da tatuagem que arrumava a banca dos CDs e DVDs discutindo com o companheiro (tive medo), (...20 ou 30 plocs!) e nenhuma história até então me fez parar, esperava por algo que desperta-se ainda mais minha vontade de ouvir, foram poucos metros de andança e 15 minutos de uma busca incessante, a calçada parecia longa demais porque a vida daquelas pessoas não me provocavam estranhamento, por que não?(refleti). Finalmente, parei com os plocs! e girei meu corpo para a esquerda num ângulo de 90, como que para estender meu olhar para fora da calçada, de repente, a sede que já não era mais só de conhecimento, foi agraciada com um agradável aroma de hortelã, um cheiro refrescante e ao mesmo tempo provocador, nesse momento minha curiosidade já havia sido fisgada : De onde viria esse aroma? Voltei em direção à calçada, e lá estava à primeira vista, um vendedor ambulante de medicamentos fitoterápicos, o qual a semanas anteriores já havia realizado uma pequena e rápida compra, me aproximei pensando experimentar a situação, com certeza ele não lembrava de mim, nem eu dele. Achei que não ia alcançar meu objetivo, por que me deixar levar pelo olfato? Afinal, que nível de confiabilidade teria um nariz, para me dizer que ali 5

estava uma bela história, daquelas que dar pra tirar lição? Mesmo assim, continuei a aproximação, se não desse certo, partiria para outra tentativa. Chegando mais próximo dos produtos, o censo de comércio entrou em cena, e aquele jovem Senhor (aparentemente, 45 anos), com voz baixa, perguntou o que eu procurava, pareceu tímido, mas não era. Resolvi conquistar sua confiança primeiro, antes de esclarecer a que vinha, então falei que tinha comprado um de seus produtos a alguns dias, que era muito bom, mas que naquele momento, eu precisava da ajuda dele de uma outra forma, só então, falei que eu era aluna da faculdade educação, e estava realizando um trabalho de pesquisa sobre a vida de comerciantes ambulantes, e particularmente, o aroma dos produtos que ele vendia me chamaram a atenção. Imediatamente, ele parou por alguns instantes, e pensou, depois respondeu que até poderia me ajudar, se eu voltasse às 09:30 (uma hora após aquele momento) porque tinha que arrumar a mercadoria, A partir daí achei que ele estava me dispensando, meu nariz era mesmo um intrometido sem noção, achei errado, o Sr. que já havia se apresentado, se chamava João, mudou de idéia, quando eu disse que precisava fazer logo aquela atividade, e arrumando as mercadorias foi me contando como começou sua vida de ambulante, o porquê da escolha por venda de medicamentos, as apreensões feitas pela policia local, as dificuldades e vantagens da rua, da legalidade/ilegalidade, de Deus na sua vida, das amizades que conquista com seu trabalho e principalmente da satisfação de realizá-lo com os devidos cuidados. Durante seu relato, fomos interrompidos algumas vezes, por quatro pessoas querendo verificar a pressão arterial, ele prestava esse serviço ao custo de R$1,00 além da venda dos produtos que variavam de preço. Aproveitei esses momentos para conversar com outros clientes que se aproximavam do carro, buscando perceber se eram antigos, se conheciam a aplicabilidade dos medicamentos, a relação e orientação do Sr. João com os mesmos. Houve um momento, numa dessas situações em que uma senhora procurava algum medicamento para perca de peso, ela já trazia em um papel o nome do produto, ele tentou orientá-la, ao descobrir que ela tinha problemas de gastrite, tentou convencê-la a 6

levar um menos agressivo e ainda mais barato, foi em vão, apesar dos produtos sugestivamente promoverem o mesmo efeito, a senhora preferiu levar o primeiro. Ele insistiu contrariamente, mas acabou vendendo o que ela queria. Diante da situação descrita, refleti um pouco sobre o produto que também vendemos nas nossas salas de aula, no semestre passado, me vi e não me enxerguei repetindo coisas que alguns dos meus professores utilizavam como recurso para quando não haviam planejado a aula, Que coisas eram essas? falarei sobre elas na dissertação, agora a provocação trata da ética, da minha ética, de como ela está ou não presente na minha prática pedagógica, de como ela foi discutida na minha formação inicial, não foi, de como ela está sendo discutida por mim, não está. Seria mais fácil, julgar e apedrejar aquele respeitável senhor, que aos olhos de muitos não passa de um ilegal, aos meus não, por vender algo que pode acarretar sérios problemas à saúde daquela senhora, e me esconder. Será que não já nos escondemos demais? A má educação também forma pessoas piores, médicos medianos, advogados sem escrúpulos, policiais e políticos corruptos, e além deles, des-profissionais da educação. O professor é fundamental, como bem retratava a frase nas camisetas dos alunos do 2º período de pedagogia - matutino - no semestre anterior: nós contribuímos para a formação de todas as pessoas, e por consequência todas as profissões. Cabe apenas analisar se esta contribuição está sendo positiva. Nesse sentido, faço justiça às palavras de Josso (2010, p.89): As pessoas em formação são progressivamente levadas a uma peregrinação que gera vários efeitos de sentido e tomadas de consciência, aquele cheiro de hortelã que me trouxe a atenção de volta a calçada, me permitiu perceber, dentro do meu percurso de formação que a ética é fundamental na profissão docente, porque pode macular vidas, e formas vívidas da prática pedagógica. Essa foi apenas uma tomada de consciência, pertinente a mim e aos meus alunos, num contexto mais amplo, a sociedade geral. O que vou fazer com ela? Vai estar na minha 7

tese, afinal sou uma simples professora em formação, que constatou com o resultado da atividade prática sugerida na disciplina: Memória, formação e pesquisa (auto)biográfica - buscar a história de vida de profissionais do comércio local - que podemos aprender com as pessoas e principalmente, com a viagem, porque o melhor da viagem ainda é a viagem 2. E nesse sentido, posso compreender que a vida pode subjetivamente ser única, mas ainda sim, ser plural no sentido da experimentação que o método (auto)biográfico pode nos proporcionar, pois, [...]oferece a tomada de consciência de que a vida e seu devir apresentam-se como um labirinto no qual as escolhas do presente tentam entrever esse futuro que vem ao nosso encontro (JOSSO,2008. p.49). E FORAM FELIZES... Essa era a parte dos contos que menos gostava! As princesas não dispunham de outras oportunidades para buscar a felicidade, porque no fim já eram felizes pra sempre. Não pretendo ter esse desfecho, muito pouco que essa (auto)biografia acabe por aqui, até porque ainda não sei se um dia vai crescer tão quanto o pé de feijão do João da história, me provocando a mesma sensação de que não saberei o que virá. Minha formação pede mais, aquela sede está cada vez mais insaciável, e por tudo isso, a única certeza que alimento é que meu nariz ainda quer experimentar muitos outros aromas. REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS FERRAROTTI, F. Sobre a autonomia do método biográfico. In: NÓVOA, A; FINGER, M. (Orgs.). O método (auto) biográfico e a formação. Lisboa: ministério da saúde, 1988. 2 Essa frase selou meu momento charneira, como diria Josso(2010), parte de um diálogo no filme o contador de histórias, que teve bastante relevância na disciplina, sua melhor interpretação é dada pela professora Ana Lúcia, foi a que mais me marcou. 8

FREIRE, P. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e terra, 1996. GONZAGA, A. M. A pesquisa em educação: um desenho metodológico centrado na abordagem qualitativa. In: PIMENTA, S. G; GHEDIN, E; FRANCO, M. A. S (Orgs.) Pesquisa em educação: Alternativas investigativas com objetos complexos. São Paulo: Loyola, 2006. JOSSO, Marie Christine. Experiências de Vida e Formação. Lisboa: Educa, 2010., In: PASSEGI, Maria da Conceição (Org.). Tendências da pesquisa (auto)biográfica. Natal:EDUFRN; São Paulo: Paulus, 2008. PIMENTA, S. G. Formação de professores: Identidade e saberes da docência. In: PIMENTA, S. G (org.). Saberes pedagógicos e atividade docente. 3 ed. São Paulo: Cortez, 2002. 9