Às vezes me parece que gosto dele, mas isso não é sempre. Algumas coisas em meu irmão me irritam muito. Quando ele sai, por exemplo, faz questão de
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- Diogo Sabala Azambuja
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1 Às vezes me parece que gosto dele, mas isso não é sempre. Algumas coisas em meu irmão me irritam muito. Quando ele sai, por exemplo, faz questão de sair sozinho. E me chama de pirralho, o que me dá raiva. Pensando bem, acho que nem conheço o Maurício direito. A gente nunca está junto. Principalmente agora, que ele terminou a quinta série. De manhã, fica na escola até o meiodia. À tarde, tem judô, inglês, natação e não sei mais o quê. De noite, que a gente podia conversar um pouquinho, ele faz os deveres da escola e quando termina já está na hora de dormir. Nós dormimos no mesmo quarto como se cada um morasse num país diferente. Eu, além da escola, não faço mais nada. Quer 7
2 GAMBITO.qxd 4/11/05 11:08 AM Page 8 dizer, faço minhas lições, assisto a algum programa na televisão, escovo os dentes, tomo banho, troco de roupa e como. Gosto muito de comer. E, nas férias passadas, aprendi que, apesar de tudo, gosto muito também do Maurício. Era nossa última semana de férias e eu já tinha certeza de que nunca tinha comido tanto na minha vida. Além disso, que tornava nossas férias o melhor período do ano, o Maurício passava os dias inteiros comigo. Até tarde da noite, nós dois, muito irmão um do outro, ficávamos conversando sobre as experiências vividas durante o dia ou sobre nossa vida comum, do apartamento. De
3 GAMBITO.qxd 4/11/05 11:08 AM Page 9 longe, ali na casa da vovó, deu pra ver que a vida nem era tão comum assim. Sentados num banco largo e branco de ripas de madeira, no alpendre, o Maurício apontava alguma estrela e dizia seu nome, contava uma história qualquer. Eu achava aquilo uma chatice muito grande, mas não podia perder a oportunidade de ficar perto do meu irmão. A claridade da sala invadia nossa noite por duas janelas abertas, iluminando dois trechos do alpendre. A gente estava bem longe da luz, lá onde termina a frente da casa. Eu não sabia se prestava atenção na conversa do Maurício ou nas histórias engraçadas que alguém contava na sala.
4 Meus avós e meus pais e mais um tio do interior conversavam alto e soltavam gargalhadas. De repente, o Maurício parou de olhar para cima e o que ele disse me tirou todo o interesse pelo que se passava dentro da sala. Você está vendo como o céu está estrelado? Claro. É sinal de bom tempo. Você quer pescar comigo amanhã no Rio das Pedras? Mas não é muito longe? É um pouquinho, mas eu conheço um atalho que passa por dentro da fazenda do tio Virgílio. Então eu quero, sim. Mas a gente tem de sair antes do Sol nascer. Ainda escuro? Com o céu ainda cheio de estrelas. Não faz mal. Eu quero assim mesmo. Foi uma noite difícil. A ansiedade me acordou de hora em hora. Tínhamos deixado 10
5 tudo pronto, com a ajuda de meu avô. Matula, tralha, tudo pendurado desde a véspera na parede do alpendre. Acordei com o Maurício sacudindo meus ombros. Abri os olhos, abri bem os dois, mas continuei sem enxergar coisa nenhuma, nem o Maurício. Só sabia que era ele porque ele falou qualquer coisa e eu reconheci aquela voz. Mas ainda está de noite, Maurício. Vamos logo, pirralho. Você disse que levantava. Quando ele puxou o lençol que me cobria e me chamou de pirralho, mesmo sem ver nada, eu dei um pulo da cama. Não gosto que me descubram assim de repente, sem eu estar preparado. E gosto menos ainda que me chamem de pirralho. Já vou entrar na terceira série e sei um monte de coisas que antes, quando eu era pirralho, não sabia. Precisa acender a luz? ele perguntou. Não acho minha roupa. 11
6 Eu tinha tropeçado numa cadeira e batido com o joelho no estrado duro da cama. Fala mais baixo que os outros estão dormindo. Não acho minha roupa tive de repetir, com raiva, porque não encontrava minha roupa e porque o joelho estava doendo muito. Então, de repente, o quarto apareceu todo iluminado e eu consegui ver que a porta estava do lado direito e não do esquerdo. E a minha roupa estava dobrada justamente em cima do espaldar daquela maldita cadeira que tinha se atravessado no meu caminho. O meu joelho ainda estava dormente da batida, latejando um pouco, por isso me vesti com cara de choro. Quer desistir? O Maurício usa sempre desses recursos desonestos quando quer me dobrar logo. Ele sabia que eu não ia desistir por nada do mundo. Então parei de fazer cena e até nem senti mais o joelho latejando. 12
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