VIABILIDADE DA ULTRAFILTRAÇÃO PARA PRODUÇÃO DE ÁGUA PARA CONSUMO HUMANO NA ETA DE ALCANTARILHA



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Transcrição:

VIABILIDADE DA ULTRAFILTRAÇÃO PARA PRODUÇÃO DE ÁGUA PARA CONSUMO HUMANO NA ETA DE ALCANTARILHA Margarida RIBAU TEIXEIRA 1 ; Helena LUCAS 2 ; Maria João ROSA 3 1 Eng.ª do Ambiente, Assistente Convidada, UCTRA, Universidade do Algarve, Campus de Gambelas, 8000-810 Faro, +351.289.800900, ext. 7462, mribau@ualg.pt 2 Eng.ª do Ambiente, Directora de Exploração da Águas do Barlavento Algarvio, SA, R. Cruz Portugal, Ed. Águas do Barlavento Algarvio, 8300-953 Silves, +351.282.440000, abaexploracao@ip.pt 3 Eng.ª Química, Professora Auxiliar, UCTRA, Universidade do Algarve, Campus de Gambelas, 8000-810 Faro, +351.289.800900, ext. 7387, mjrosa@ualg.pt RESUMO A ultrafiltração (UF) de águas bruta, decantada e filtrada da ETA de Alcantarilha foi efectuada para avaliar, à escala laboratorial, o desempenho da UF na produção de água para consumo humano. O desempenho foi avaliado em termos de fluxo e qualidade do permeado em relação à turvação e à matéria orgânica, expressa em carbono orgânico total (COT) e substâncias húmicas (através da absorvância ao UV 254nm), principais precursores de compostos organoclorados e agentes colmatantes das membranas. Utilizou-se uma membrana plana (336 cm 2 de área útil) de polissulfona com cut-off molecular de 47 kda. Conclui-se que com águas de boa qualidade, isto é, turvação inferior a 5.6 NTU, UV 254nm inferior a 0.08 cm -1 e COT inferior a 3.7 mg/l é viável a UF directa, enquanto que para águas de pior qualidade, turvação entre 30-40 NTU, UV 254nm superior a 0.28 cm -1 e valores de COT superiores a 4.5 mg/l, os resultados apontam para o estudo da necessidade de um pré-tratamento à UF. No primeiro caso, não se registaram diferenças de desempenho com água bruta ou decantada: os efeitos da colmatação são semelhantes e quer com água decantada ou bruta, atinge-se uma taxa de recuperação de água de 90% com uma perda média de fluxo de apenas 13%. A qualidade do permeado é equivalente à da água filtrada na ETA para a turvação, mas com maiores absorvâncias ao UV 254nm, o que demonstra a necessidade de se testar membranas de menor cut-off, capazes de maiores remoções de matéria orgânica e, normalmente, menos sujeitas a problemas de colmatação. PALAVRAS CHAVE: Água para consumo humano, Matéria orgânica natural, Substâncias húmicas, Turvação, Ultrafiltração Actas do 5º Congresso da Água. APRH. Lisboa, 25 a 29 de Setembro 1

1. INTRODUÇÃO Os processos de separação por membranas, designadamente a ultrafiltração (UF), têm vindo a tornar-se, nos últimos anos, uma tecnologia cada vez mais atractiva como possível alternativa ao tratamento convencional de águas para consumo humano. Apesar das membranas de ultrafiltração terem um cut-off molecular maior relativamente a outros processos de separação por membranas, como a osmose inversa por exemplo, e desta forma menos eficientes na remoção de moléculas dissolvidas de pequenas dimensões, a ultrafiltração pode ser efectiva na remoção de partículas (bactérias, vírus e colóides) e de macromoléculas, responsáveis pela cor e turvação da água e precursores de compostos organoclorados (KIM et al., 1995). Ao nível do tratamento convencional numa Estação de Tratamento de Águas (ETA), a ultrafiltração pode substituir as etapas de pré-ozonização, coagulação/floculação/sedimentação e de filtração, promovendo a clarificação, desinfecção e polimento da corrente em tratamento, ou somente a etapa de filtração, com efeitos apenas na desinfecção e polimento. No primeiro caso, a UF comparada com o tratamento convencional, oferece uma série de vantagens como: (1) qualidade superior da água tratada, através da remoção de bactérias, vírus e macromoléculas; (2) sistema mais compacto; (3) fácil controle de operação e de manutenção; (4) menor utilização de químicos, em geral, e eliminação do alumínio, em particular (5) menor produção de lamas (NAKATSUKA et al., 1996). No entanto, para além destas vantagens, a aplicação económica da UF ao tratamento de águas está ainda limitada pelo declínio do fluxo verificado ao longo tempo, originando uma menor produção de água tratada, maiores consumos de energia e necessidades frequentes de limpeza das membranas com químicos. O declínio do fluxo parece estar relacionado com a composição e dimensão dos poros das membranas, e com os constituintes da água bruta, como partículas inorgânicas em suspensão, bactérias, vírus e moléculas orgânicas, nomeadamente substâncias húmicas, principais agentes colmatantes das membranas (KAITA et al., 1996; KIM et al., 1995; NAKATSUKA et al., 1996). De forma a obter um elevado fluxo estacionário no tratamento de água, é muito importante minimizar a colmatação por selecção de um adequado material para as membranas e do tipo de módulos, e optimizar as condições de operação do sistema. Por exemplo, os módulos em espiral são baratos e compactos, mas exigentes em termos de pré-tratamentos. No presente estudo pretendeu-se avaliar, à escala laboratorial, a viabilidade da UF para produção de água para consumo humano na ETA de Alcantarilha. A ETA de Alcantarilha pertence ao sistema de abastecimento de água ao Barlavento Algarvio (Águas do Barlavento Algarvio, SA) e está situada em Alcantarilha Gare, a cerca de 10 km de Silves. É abastecida por água captada na Barragem do Funcho, com variabilidade sazonal resultante das alterações climáticas verificadas na região em que se insere. A ETA tem uma capacidade de tratamento instalada de 3 m 3 /s, correspondente a três linhas de tratamento, equivalente a uma população de 615000 habitantes (estimada para o ano de 2020). O tratamento é convencional e inclui as etapas de pré-ozonização, coagulação/floculação/sedimentação, filtração e cloragem. Os ensaios foram realizados com uma membrana de UF, hidrofílica, de polissulfona, instalada num módulo plano que simula à escala laboratorial o escoamento através de módulos enrolados em espiral. Efectuaram-se ensaios com águas bruta, decantada e filtrada para avaliação da necessidade de um pré-tratamento à UF. O desempenho do processo foi avaliado em termos de declínio do fluxo e qualidade da água tratada, com o tempo de permeação e a taxa de recuperação de água. Actas do 5º Congresso da Água. APRH. Lisboa, 25 a 29 de Setembro 2

2. PARTE EXPERIMENTAL 2.1 Instalação de UF No presente trabalho foi utilizada uma instalação comercial de pratos planos, Lab-unit M10 da DSS, Danish Separation Systems (Dinamarca), cujo esquema se apresenta na Figura 1. Esta unidade opera em MF ou UF, permite testar dois tipos de membranas em simultâneo e tem uma área superficial por membrana de 336 cm 2. A configuração plana simula a hidrodinâmica dos módulos enrolados em espiral, mais utilizados à escala industrial. Regulador de velocidade Água fria Manómetros Tanque de alimentação Bomba Permutador de calor Módulo de membranas Válvula reguladora da pressão Figura 1. Esquema da instalação Os ensaios de permeação foram efectuados com membranas compósitas comerciais planas, hidrofílicas, de polissulfona (GR 40 PP), cedidas pela DSS, a 2 bar, 1.7 m/s (velocidade máxima recomendada) e 20ºC. 2.2 Caracterização das Membranas As membranas foram compactadas a 4 bar durante 3.5 h através da permeação de água pura (< 1 µs/cm). Depois de compactadas, a permeabilidade das membranas à água pura era de 105.4 kg/(hm 2 bar). O cut-off molecular da membrana foi determinado através da permeação de polietilenoglicóis (PEG), reagente p.a., Merck, e dextrans (DT), reagente p.a., Aldrich, de peso molecular crescente (PEG 6000, 10000, 20000 e 35000 Da, e DT 40000, 70000 e 110000 Da). A rejeição aparente do soluto, f, foi definida pela seguinte expressão: em que: C b é a concentração na alimentação (mg/l), C p é a concentração no permeado (mg/l). f C C b p = (1) Cb As amostras da alimentação eram retiradas antes e após cada ensaio, sendo a média considerada, a concentração na alimentação. Actas do 5º Congresso da Água. APRH. Lisboa, 25 a 29 de Setembro 3

A curva log(f/(1-f)) versus peso molecular do soluto, interceptada pela linha de 90% de rejeição (MICHAELS, 1993; ROSA e de PINHO, 1995; MULDER, 1997), permite determinar o cut-off molecular (MWCO) da membrana de 47 kda, conforme a Figura 2. f 1 2 0.9 0.8 1.5 0.7 1 0.6 0.5 0.5 0.4 0 0.3 MWCO = 46.9 kda -0.5 0.2 0.1-1 0-1.5 0 25 50 75 100 125 log(f/(1-f)) = -1.37 + 0.051 PM (kda) PM (kda) Figura 2. Determinação do cut-off molecular da membrana GR 40 PP; representa a rejeição f e valor de log (f/(1-f)) (20ºC, 2 bar, 1.7 m/s, 0.3 g/l) log (f/(1-f)) o O tempo de estabilização em cada ensaio foi de 10 minutos. Após cada ensaio, as membranas eram lavadas com água desionizada até o fluxo da água atingir 90% do fluxo inicial medido depois da compactação. 2.3 Permeação da Água da ETA A água em estudo foi recolhida na ETA de Alcantarilha, à entrada da ETA (água bruta), após a etapa de decantação (água decantada) e após filtração (água filtrada), dependendo dos ensaios a realizar. As amostras de água eram compostas (amostradas entre as 9 h e as 15 h, de 2 em 2 h) e recolhidas semanalmente. A qualidade das águas em estudo foi caracterizada em termos dos seguintes parâmetros: ph, turvação, carbono orgânico total (COT) e substâncias húmicas, medidas através da absorvância ao UV 254 nm (NAKATSUKA et al., 1996). Foram realizados os seguintes ensaios: ensaios de colmatação (Jv versus t); ensaios de concentração (Jv e f versus Tx de recuperação). Os ensaios de colmatação consistiram na permeação de água da ETA, ao longo do tempo, com recirculação total de permeado e concentrado. Estes ensaios permitem avaliar o processo de colmatação. Os ensaios de concentração, ou seja, de recuperação de permeado, foram efectuados não recirculando o permeado ao tanque de alimentação. Quando se atingia um volume de permeado correspondente a uma taxa de recuperação, estabilizava-se o caudal de permeado, recolhia-se uma amostra da alimentação e uma do permeado, e deixava-se o ensaio prosseguir até à taxa de Actas do 5º Congresso da Água. APRH. Lisboa, 25 a 29 de Setembro 4

recuperação seguinte. O objectivo destes ensaios é simular, tão próximo quando possível, o processo de separação por membranas à escala industrial, processo contínuo a operar a uma dada taxa de recuperação de permeado. Em cada ensaio foram medidos os fluxos de permeado (Jv) e recolhidas amostras da alimentação e permeado para análise do ph, temperatura, COT, turvação e absorvância ao UV254 nm, e cálculo da rejeição f. 2.4 Materiais e Métodos Analíticos O ph foi medido a 20ºC através de um medidor de ph Crison, modelo 2001 (sistema de referência Ag/AgCl, electrólito de referência KCl 3M + Ag/Cl). O aparelho foi calibrado antes de cada utilização com padrões 7.02 e 4.00, a 20ºC. O método analítico para a determinação quantitativa de solutos foi o COT. Este foi efectuado através de um analisador de carbono da Dohrmann, modelo DC-85A, que permite determinações superiores a 4 mg/l com uma precisão de ± 2 mg/l ou ± 2%. Para a medição do COT na caracterização da água foi utilizado um analisador de carbono da marca Shimadzu, modelo 5050A, com gama 50 ppb 4000 ppm e precisão de 1%. Em ambos os analisadores, a determinação de COT é por combustão e método de análise de CO 2 por infravermelhos não dispersivos. A absorvância ao UV 254nm foi medida utilizando um espectrofotómetro na gama de UV-VIS, marca Hitachi, modelo U-1100 com comprimentos de onda entre 200 e 1100 nm e precisão fotométrica 0.2%. 3. RESULTADOS E DISCUSSÃO O Quadro 1 resume as características das águas utilizadas durante a realização dos ensaios. Quadro 1. Características das águas utilizadas nos ensaios de permeação Recolha a: Tipo de água ph (a 20ºC) Turvação (NTU) UV 254nm (cm -1 ) COT (mg/l) 02-29-00 7.02 5.63 0.08 3.0 6.79 2.35 0.02 2.7 03-27-00 6.99 1.25 0.05 3.7 6.69 1.81 0.02 3.0 04-26-00 7.81 30.35 0.28 4.5 05-02-00 7.88 40.10 0.30 4.8 7.67 2.92 0.03 3.0 Ág. Filtrada 7.78 0.12 0.02 - Foram assim consideradas duas situações distintas: uma correspondente a uma água de boa qualidade e relativa às amostras de Fevereiro, Março e início de Abril (situação A) e outra correspondente a uma água de pior qualidade, amostras de final de Abril e Maio (situação B). Actas do 5º Congresso da Água. APRH. Lisboa, 25 a 29 de Setembro 5

Na Figura 3 apresenta-se o fluxo de permeado de água bruta e de água decantada para as duas situações em estudo. a) Situação A b) Situação B 110 100 110 100 Ág. Filtrada Jv (kg/h.m^2) 90 80 Jv (kg/h.m^2) 90 80 70 70 60 0 1 2 3 4 5 6 Tempo (h) 60 0 1 2 3 4 5 6 Tempo (h) Figura 3. Fluxo de permeado em função do tempo: a) águas bruta e decantada recolhidas a 29/2/00; b) águas bruta, decantada e filtrada recolhidas a 2/5/00 (20ºC, 4 bar e 1.7 m/s) A Figura 3 a) demonstra que na situação A, o fluxo de água bruta teve um maior decréscimo no início do ensaio do que o fluxo de água decantada, vindo, no entanto, os dois fluxos a estabilizar em 99 kg/(h.m 2 ). Na situação B, a água decantada e filtrada apresentaram fluxos iguais e, depois de um decréscimo inicial, estabilizaram em 89 kg/(h.m 2 ), enquanto que a água bruta apresentou uma diminuição mais acentuada no fluxo, tendo estabilizado em 76 kg/(h.m 2 ), o que corresponde a uma perda de produtividade de 15% face à água decantada e filtrada. Na situação B verifica-se que os fluxos dos três tipos de água em estudo são inferiores aos fluxos da situação A, conforme seria de esperar, devido à alteração observada nas características da água na origem (Quadro 1). Face à situação A, na situação B a água bruta é muito mais turva e rica em substâncias húmicas e, portanto, os fenómenos de colmatação são mais severos. As alterações observadas nos fluxos de permeado da situação A face às águas decantada e filtrada da situação B, podem ser explicadas, não por diferenças de concentração em agentes colmatantes (que são semelhantes e sempre muito baixas, UV 254nm varia entre 0.02 e 0.08 cm -1 ), mas antes pelas variações observadas no ph nas amostras de água recolhidas em 29/2/00 (ph entre 6.7 e 7.0) e 2/5/00 (ph entre 7.7 e 7.9). De facto, variações do ph da água a tratar alteram a carga superficial da membrana, com efeitos no fluxo de permeado (HONG & ELIMELECH, 1997). Neste caso, e sendo a membrana em estudo de polissulfona, portanto básica (KESTING, 1985), com o aumento do ph, a carga da membrana diminui, logo torna-se menos hidrofílica, o que resulta numa diminuição do fluxo de permeado (situação B). Os resultados permitem afirmar que, tal como seria de esperar, os efeitos da colmatação da membrana (com repercussão na diminuição do fluxo de permeado) são mais significativos para águas mais carregadas (água bruta, situação B), sendo necessário avaliar a melhoria do desempenho da UF com a existência de um pré-tratamento físico-químico de coagulação/floculação/sedimentação ou outro processo alternativo. Com águas de boa qualidade (situação A e águas decantada e filtrada da situação B), isto é, águas com turvação entre 0.12 5.6 NTU, UV 254nm entre 0.02 0.08 cm -1 e valores Actas do 5º Congresso da Água. APRH. Lisboa, 25 a 29 de Setembro 6

de COT inferiores a 3.7 mg/l, o efeito da colmatação das membranas é fraco e não provoca decréscimos significativos do fluxo, não sendo necessário um pré-tratamento ao processo de separação por membranas. Os ensaios de concentração das águas relativas à situação A originaram os resultados apresentados na Figura 4. Constata-se, através da Figura 4 a), que o fluxo de permeado diminuiu 5.3% para 31% de taxa de recuperação, manteve-se aproximadamente constante entre os 31 e 51% para a água bruta e os 31 e 77% para a água decantada, e voltou a diminuir 9.2% entre 51 e 90% de taxa de recuperação para a água bruta e 5.3% para 77-90% de taxa de recuperação na água decantada. Assim, com a taxa de recuperação o fluxo de permeado passou de 103.7 kg/(h.m 2 ) e 102.0 kg/(h.m 2 ), com 0% de taxa de recuperação, para 88.9 kg/(h.m 2 ) e 90.4 kg/(h.m 2 ) com 90%, respectivamente para a água bruta e água decantada. Desta forma, verifica-se que não há diferenças significativas entre o fluxo de permeado de água bruta e de água decantada e que, para águas com estas características, uma taxa de recuperação de 90% corresponde a uma perda média de produtividade de apenas 13%. a) Fluxo b) Rejeição de turvação c) Rejeição de UV 254nm 110 1.0 1.0 100 0.8 0.8 Jv (kg/h.m^2) 90 80 f (Turvação) 0.6 0.4 f (UV 254nm ) 0.6 0.4 70 0.2 0.2 60 0 20 40 60 80 100 Tx recuperação (%) 0.0 0 20 40 60 80 100 Tx recuperação (%) 0.0 0 20 40 60 80 100 Tx recuperação (%) Figura 4. a) Fluxo de permeado, e rejeição à b) turvação e c) substâncias húmicas (UV254nm), em função da taxa de recuperação das águas bruta e decantada recolhidas a 27/3/00 (20ºC, 4 bar e 1.7 m/s) Conclui-se que para águas de boa qualidade (equivalente à situação A da Figura 3), uma taxa de recuperação de 90% de permeado não corresponde a aumentos de concentrações responsáveis pela diminuição significativa do fluxo, Jv. É possível ainda observar, através das Figuras 4 b) e c), que a rejeição à turvação e substâncias húmicas diminui com a taxa de recuperação, tanto para a água bruta como para a água decantada, sendo os decréscimos mais significativos para a água decantada. A água bruta apresenta rejeições menores ao material húmico relativamente à água decantada, enquanto que as rejeições à turvação são superiores. Actas do 5º Congresso da Água. APRH. Lisboa, 25 a 29 de Setembro 7

Estes ensaios (Figura 5 a) e b)) permitiram ainda verificar que a qualidade do permeado diminui com a taxa de recuperação na água decantada, tanto em termos de turvação como de substâncias húmicas (expressas pela absorvância ao UV254nm). A água bruta apresenta menores variações na qualidade do permeado com a taxa de recuperação, mantendo-se a turvação praticamente constante e sempre na gama 0.09 0.12 NTU. a) b) 0.8 0.05 Turvação (NTU) 0.7 0.6 0.5 0.4 0.3 UV 254nm (cm -1 ) 0.04 0.03 0.02 0.2 0.1 0.0 0 20 40 60 80 100 Tx recuperação (%) 0.01 0.00 0 20 40 60 80 100 Tx recuperação (%) Figura 5. Evolução da qualidade do permeado, em termos de a) turvação e b) UV254nm, com a taxa de recuperação para as águas bruta e decantada recolhidas a 27/3/00 (20ºC, 4 bar e 1.7 m/s) Conclui-se então que, para maiores taxas de recuperação, há um aumento dos fenómenos de polarização da concentração junto da superfície da membrana, originando uma diminuição do fluxo e da rejeição aparente (Figura 4), e um aumento da concentração do permeado (Figura 5). As variações de concentração com a taxa de recuperação permitiram verificar que, para esta instalação de membranas, a hidrodinâmica é desfavorável. De facto, estudos entretanto realizados permitiram constatar que, na instalação, o regime é laminar e portanto os fenómenos de concentração da polarização assumem significado. As diferenças obtidas na qualidade da água produzida a partir de água bruta e água decantada podem ser atribuídas ao tratamento que a água decantada foi sujeita, designadamente ozonização, coagulação, floculação e decantação. Este tratamento promove a variação dos constituintes da turvação e das substâncias húmicas. No caso da turvação, estes constituintes parecem ter tamanhos semelhantes o que originou, para as duas águas, elevadas rejeições e uma boa qualidade de permeado, comparável à qualidade da água filtrada (Quadro 1). Para as substâncias húmicas, os tamanhos parecem ser diferentes consoante a água em análise. Assim, a água decantada parece ter constituintes de tamanho superior relativamente à água bruta, resultando em maiores rejeições e numa melhor qualidade de permeado para baixas taxas de recuperação. Para elevadas taxas de recuperação, as rejeições de UV254nm diminuem, devido aos fenómenos de polarização da concentração, e a qualidade do permeado também diminui. No entanto, a Actas do 5º Congresso da Água. APRH. Lisboa, 25 a 29 de Setembro 8

qualidade de água produzida por UF, relativamente ao material húmico, apresenta inferior qualidade quando comparada com a água filtrada (Quadro 1). Assim, será necessário o estudo mais aprofundado da remoção de substâncias húmicas por UF, não necessariamente através da introdução de um pré-tratamento por coagulação/floculação/ sedimentação, pelas razões já referidas e por questões económicas, mas pelo estudo de membranas com cut-off mais baixos e/ou ajuste do ph da água a tratar. Justifica-se testar membranas de menores cut-off, uma vez que as substâncias húmicas apresentam, muitas vezes, pesos moleculares inferiores a 47 kda (CHILDRESS & ELIMELECH, 1996) e cut-off moleculares mais baixos originam normalmente menores fluxos de permeado, mas os fenómenos de polarização da concentração são minimizados. Para além disto, o ph parece ter grande influência no fluxo de permeação. Para água pouco turvas, o aumento do ph parece reflectir-se em menores fluxos. No entanto, para águas mais turvas, poder-se-á encontrar o efeito contrário do ph, uma vez que, neste caso, o facto da carga da membrana diminuir (i.e., tornar-se menos positiva) para ph mais altos, atenua a interacção membrana-matéria colmatante (de natureza ácida e, portanto, negativa na gama de ph neutro-alcalino) o que resulta em fluxos mais elevados. 4. SUMÁRIO E RECOMENDAÇÕES Com o presente trabalho foi possível verificar que não há diferenças significativas no fluxo de permeado da água bruta e decantada da ETA de Alcantarilha quando se trata de águas de boa qualidade, isto é, águas com turvação entre 0.12 5.6 NTU, UV254nm entre 0.02 0.08 cm -1 e valores de COT inferiores a 3.7 mg/l. Para águas com estas características e com membranas de polissulfona, não há necessidade de pré-tratamento ao processo de UF, uma vez que os efeitos da colmatação da membrana não provocam decréscimos significativos no fluxo nem na qualidade do permeado, com o aumento da taxa de recuperação de permeado. Uma taxa de recuperação de 90% corresponde a uma perda média de produtividade, isto é, fluxo de apenas 13%. A qualidade do permeado é equivalente à da água filtrada na ETA em termos da turvação, enquanto que as substâncias húmicas apresentam valores mais elevados. Estes resultados apontam para a necessidade de utilizar membranas de UF de cut-off moleculares mais baixos para a remoção destes constituintes. Para águas de piores características (turvação entre 30 40 NTU, UV254nm superiores a 0.28 cm -1 e valores de COT superiores a 4.5 mg/l) há variações significativas no fluxo de permeado entre água bruta e águas decantada e filtrada, o que aponta para o estudo da necessidade de pré-tratamento à UF. Desenvolvimentos futuros centralizar-se-ão no estudo da hidrodinâmica da instalação, no efeito do ph no fluxo de permeado e colmatação da membrana, como alternativa ao pré-tratamento por coagulação/floculação/sedimentação, na utilização de membranas de cut-off moleculares mais baixos para remoção das substâncias húmicas presentes nestas águas, e avaliação económica do processo. Actas do 5º Congresso da Água. APRH. Lisboa, 25 a 29 de Setembro 9

SIMBOLOGIA Cb concentração na alimentação Cp concentração no permeado DT dextrans ETA Estação de tratamento de águas Jv fluxo de permeado f rejeição aparente MF microfiltração MWCO cut-off molecular da membrana PEG polietilenoglicóis PM peso molecular COT carbono orgânico total UF ultrafiltração AGRADECIMENTOS As autoras agradecem às Águas do Barlavento Algarvio, S.A., pelo financiamento deste trabalho no âmbito do Acordo Específico de Cooperação ABA/Ualg sobre Optimização do Sistema de Tratamento da ETA de Alcantarilha. BIBLIOGRAFIA CHILDRESS, A.E.; ELIMELECH, M. Effect of solution chemistry on the surface of polymeric reverse osmosis and nanofiltration membranes. Journal of Membrane Science 119, 1996, pp. 253-268. HONG, S.; ELIMELECH, M. Chemical and physical aspects of natural organic matter (NOM) fouling of nanofiltration membranes. Journal of Membrane Science 132, 1997, pp. 159-181. KAIYA, Y.; ITOH, Y.; FUJITA, K.; TAKIZAWA, S. Study in fouling materials in the membrane treatment process for potable water. Desalination 106, 1996, pp. 71-77. KESTING, R. E. Synthetic Polymeric Membranes. A Structural Perspective, editado por John Wiley & Sons (Irvine, California), 1985. KIM, C.-H.; HOSOMI, M.; MURAKAMI, A.; OAKADA, M. Characteristic of fouling due to clay- Actas do 5º Congresso da Água. APRH. Lisboa, 25 a 29 de Setembro 10

organic substances in potable water treatment by ultrafiltration. Water, Science and Tecnhology 34, 1995, pp. 157-164. MICHAELS, A. S. Comunicação pessoal, ICOM 93, Heidelberg, Alemanha, Setembro 1993. MULDER, M. Basic Principles of Membrane Technology, editado por Kluwer Academic Publishers (Netherlands), 1997. NAKATSUKA, S.; NAKATE I.; MIYANO, T. Drinking water treatment by using ultrafiltration hollow fiber membranes. Desalination, 106, 1996, pp. 55-61. ROSA, M. J.; de PINHO, M. N. The role of ultrafiltration and nanofiltration on the minimisation of the environmental impact of bleached pulp effluents. Journal of Membrane Science 102, 1995, pp. 155-161. Actas do 5º Congresso da Água. APRH. Lisboa, 25 a 29 de Setembro 11