Pioderma gangrenoso após quadrantectomia de mama com radioterapia intraoperatória: relato de caso



Documentos relacionados
Pioderma gangrenoso após quadrantectomia de mama com radioterapia intraoperatória: relato de caso

PROF.DR.JOÃO ROBERTO ANTONIO

FORMAS FARMACÊUTICAS E APRESENTAÇÕES - ALDACTONE

Enfermagem em Oncologia e Cuidados Paliativos

Ateroembolismo renal

Oxigenoterapia Hiperbárica (OHB)

CARCINOMA MAMÁRIO COM METÁSTASE PULMONAR EM FELINO RELATO DE CASO

MORBIDADE FEBRIL PUERPERAL. Professora Marília da Glória Martins

32º Imagem da Semana: Radiografia de abdome

vulva 0,9% ovário 5,1%

HOSPITAL DE CLÍNICAS DE PORTO ALEGRE EDITAL Nº 05/2007 DE PROCESSOS SELETIVOS GABARITO APÓS RECURSOS

A situação do câncer no Brasil 1

Screening Rastreamento

CANCER DE MAMA FERNANDO CAMILO MAGIONI ENFERMEIRO DO TRABALHO

42º Congresso Bras. de Medicina Veterinária e 1º Congresso Sul-Brasileiro da ANCLIVEPA - 31/10 a 02/11 de Curitiba - PR 1

PROTOCOLO MÉDICO. Assunto: Osteomielite. Especialidade: Infectologia. Autor: Cláudio de Cerqueira Cotrim Neto e Equipe GIPEA

CÂNCER DE MAMA. O controle das mamas de seis em seis meses, com exames clínicos, é também muito importante.

30/05/2016 DISTORÇÃO ARQUITETURAL DISTORÇÃO ARQUITETURAL. DÚVIDAS DO DIA-A-DIA DISTORÇÃO ARQUITETURAL e ASSIMETRIAS Como vencer este desafio?

Radioterapia de Intensidade Modulada (IMRT) no Tratamento do. Câncer de Cabeça e Pescoço. Contexto da Medicina Baseada em Evidências

Folheto para o paciente

FARINGE. Rinofaringe. Orofaringe. Hipofaringe. Esôfago. Laringe. Traquéia

OUTUBRO ROSA REFORÇA A IMPORTÂNCIA DO DIAGNÓSTICO PRECOCE NA CURA DO CÂNCER DE MAMA

ANÁLISE COMPARATIVA DOS GRAUS HISTOLÓGICOS ENTRE TUMOR PRIMÁRIO E METÁSTASE AXILAR EM CASOS DE CÂNCER DE MAMA

RESIDÊNCIA MÉDICA 2014 PROVA OBJETIVA

A Meta-Analytic Review of Psychosocial Interventions for Substance Use Disorders

Diretrizes Assistenciais. Medicina Psicossomática e Psiquiatria

RASTREAMENTO DO CÂNCER DE MAMA

CONSELHO REGIONAL DE ENFERMAGEM DE SÃO PAULO PARECER COREN-SP GAB Nº 057 / 2011

Oncologia. Oncologia. Oncologia 16/8/2011 PRINCÍPIOS DA CIRURGIA ONCOLÓGICA EM CÃES E GATOS. Patologia. Onkos tumor. Logia estudo

Este manual tem como objetivo fornecer informações aos pacientes e seus familiares a respeito da Anemia Hemolítica Auto-Imune.

Modelo de Texto de Bula. betametasona (como 17-valerato)... 1mg (0,1% p/p) veículo: (carbopol, álcool isopropílico e água purificada q.s.p)...

XV Reunião Clínico - Radiológica Dr. RosalinoDalasen.

Redação Dr. Maurício de Freitas Lima. Edição ACS - Assessoria de Comunicação Social Maria Isabel Marques - MTB

INFECÇÃO DO TRATO URINÁRIO

Câncer. Claudia witzel

Imagem da Semana: Radiografia de tórax

Anatomia da mama Função biológica

TROMBOSE VENOSA PROFUNDA (TVP) E TROMBOEMBOLISMO PULMONAR (TEP)

FADIGA EM PACIENTES COM CÂNCER DE MAMA EM RADIOTERAPIA CONVENCIONAL.

Colégio Brasileiro de Cirurgia Digestiva

Câncer de Pele. Os sinais de aviso de Câncer de Pele. Lesões pré câncerigenas. Melanoma. Melanoma. Carcinoma Basocelular. PEC SOGAB Júlia Käfer

Trombólise farmacomecânica na TVP: Quando e como

Apesar de ser um tumor maligno, é uma doença curável se descoberta a tempo, o que nem sempre é possível, pois o medo do diagnóstico é muito grande,

OTOPLASTIA (CIRURGIA ESTÉTICA DAS ORELHAS)

DIAGNÓSTICO DE ENFERMAGEM EM RADIOTERAPIA

Diretrizes e Parâmetros Mínimos para Avaliação e Acompanhamento da Audição em Trabalhadores Expostos a Níveis de Pressão Sonora Elevados

Programa Sol Amigo. Diretrizes. Ilustração: Programa Sunwise Environmental Protection Agency - EPA

BRAQUITERAPIA DECABEÇA E PESCOÇO?

Neuropatia Diabética e o Pé Diabético

CIRURGIA DE RINOSSEPTOPLASTIA. Informações sobre a cirurgia

Tema: NIVOLUMABE EM ADENOCARCINOMA MUCINOSO DE PULMÃO ESTADIO IV

1 TÍTULO DO PROJETO. Ame a Vida. Previna-se. 2 QUEM PODE PARTICIPAR?

DIA MUNDIAL DO CÂNCER 08 DE ABRIL

CÂNCER DE CÓLONC ASPECTOS CIRÚRGICOS RGICOS CURSO CONTINUADO DE CIRURGIA GERAL CAPÍTULO DE SÃO PAULO COLÉGIO BRASILEIRO DE CIRURGIÕES

fundação portuguesa de cardiologia Nº. 12 Dr. João Albuquerque e Castro REVISÃO CIENTÍFICA: [CIRURGIA VASCULAR DO CENTRO HOSPITALAR LISBOA CENTRAL]

Diretrizes Assistenciais

Introdução novos casos por ano DNA microarray imuno-histoquímica (IHQ) tissue microarray (TMA) técnicas alternativas de construção de TMA

Paciente de Alto Risco

ANEXO NORMA TÉCNICA QUE REGULAMENTA A COMPETÊNCIA DA EQUIPE DE ENFERMAGEM NO CUIDADO ÀS FERIDAS

Patologia por imagem Abdome. ProfºClaudio Souza

Sumário. Prefácio... XXXI Apresentação...XXXIII

PROVA ESPECÍFICA Cargo 51

MS777: Projeto Supervisionado Estudos sobre aplicações da lógica Fuzzy em biomedicina

CAPÍTULO 2 CÂNCER DE MAMA: AVALIAÇÃO INICIAL E ACOMPANHAMENTO. Ana Flavia Damasceno Luiz Gonzaga Porto. Introdução

O que é câncer de mama?

Em que situações se deve realizar um eco- doppler arterial dos membros inferiores.

O que é câncer? Grupo de doenças que têm em comum a proliferação descontrolada de células anormais e que pode ocorrer em qualquer local do organismo.

DETECÇÃO, DIAGNÓSTICO E ESTADIAMENTO DO CÂNCER DE MAMA

Declaro não haver nenhum conflito de interesse.

RADIOTERAPIA HIPOFRACIONADA EM MAMA: INDICAÇÕES E RESULTADOS

CURSO DE PSICOLOGIA. Trabalho de Conclusão de Curso Resumos

TÍTULO: UTILIZAÇÃO DA MAMOGRAFIA PARA O DIAGNÓSTICO DO CÂNCER DE MAMA MASCULINO

Tipos de tumores cerebrais

Tratamento Sistêmico Clássico. Copyright AMBULATÓRIO DE PSORÍASE MARCELO ARNONE AMBULATÓRIO DE PSORÍASE HOSPITAL DAS CLÍNICAS FMUSP

IDENTIFICAÇÃO DO MEDICAMENTO DAFLON. 500mg: diosmina 450mg + hesperidina 50mg micronizada. 1000mg: diosmina 900mg + hesperidina 100mg micronizada

A influência do cuidado préoperatório. para prevenir infecções. Antonio Tadeu Fernandes (total ausência de conflito de interesses)

Úlcera venosa da perna Resumo de diretriz NHG M16 (agosto 2010)

CARCINOMA DUCTAL IN SITU GUILHERME NOVITA SERVIÇO O DE MASTOLOGIA DISCIPLINA DE GINECOLOGIA - HCFMUSP

TICOS NO TRAUMA ABDOMINAL: Quando e como?

OS EFEITOS DA FISIOTERAPIA RESPIRATÓRIA EM PACIENTES PÓS- CIRURGIA CARDÍACA

Modelagem Fuzzy para Predizer os Riscos de Recidiva e Progressão de Tumores Superficiais de Bexiga

Anexo I Conclusões científicas e fundamentos para a alteração aos termos das autorizações de introdução no mercado

PROTOCOLO DE FIXAÇÃO SEGURA HOSPITAL FÊMINA

SEXTA FEIRA 04/03/ h30 - RECONSTRUÇÃO MAMÁRIA APÓS RECIDIVA LOCAL EM CIRURGIA CONSERVADORA. Fabrício Brenelli - SP

Clomifeno Citrato. Aplicações. Possibilidade do uso de diferentes dosagens de acordo com a necessidade do paciente. Indicações

12º Imagem da Semana: Ressonância Magnética de Coluna

ENDERMOTERAPIA INSTITUTO LONG TAO

Analisar a sobrevida em cinco anos de mulheres. que foram submetidas a tratamento cirúrgico, rgico, seguida de quimioterapia adjuvante.

Duodenoscópios e os Riscos do Reprocessamento Incorreto

Linha 1: Resposta biológica nas terapias em Odontologia.

Seminário Metástases Pulmonares

4. COMO É FEITO O DIAGNÓSTICO MIELOIDE CRÔNICA (LMC)? E MONITORAMENTO DE LMC? É uma doença relativamente rara, que ocorre

Tema: Boceprevir para tratamento da hepatite viral crônica C associada a cirrose hepática

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

Autópsia-Carcinoma de Reto

PEDIATRIA. Questão 1. De acordo com o caso clínico apresentado, responda: a) O tratamento da mãe foi adequado? Justifique.

Transcrição:

Relato de Caso Pioderma gangrenoso após quadrantectomia de mama com radioterapia intraoperatória: relato de caso Pyoderma gangrenosum after quadrantectomy with intraoperative radiotherapy: a case report ALFONSO SEMPÉRTEGUI 1 * ISMAEL SANTIAGO VASQUEZ VASQUEZ 1 ANTONIO LUIZ ROCHA GESUALDI FERNANDES NETO 1 LEANDRO MENEZES LOPES DOS SANTOS 1 BRUNO CÉSAR FREITAS ALVARENGA 1 WINSTON JOSEPH UEDA 1 JOSE TADEU CAMPOS AVELAR 1 ERNANE BRONZATT 1 LILIANA MARIA DE OLIVEIRA MOSCARDINI 1 GABRIELA RAMOS ALVES 1 HENRIQUE MORAES SALVADOR SILVA 1 RESUMO Pioderma gangrenoso é uma doença inflamatória imunomediada e rara da pele, de diagnóstico extremamente desafiador. A evolução clínica é a base para o diagnóstico, cursando com lesões pustulosas superficiais, halo eritematoso doloroso, rápida progressão para ulcerações dolorosas e estéreis, sem resposta a antibióticos ou a novas intervenções cirúrgicas e, finalmente, com pronta melhora com uso de imunossupressores. O atraso no diagnóstico pode acarretar numerosas internações e terapias prolongadas, sendo que seu reconhecimento precoce, por outro lado, evita a progressão dessas ulcerações e sua morbidade. Relatou-se um caso de pioderma gangrenoso que evoluiu após cirurgia associada à radioterapia intraoperatória no tratamento conservador do câncer de mama, fazendo se uma revisão de casos relatados na literatura e suas possibilidades terapêuticas. Questiona-se, também, se a radioterapia intraoperatória estaria relacionada com algum estímulo imunomediado, o que poderia ter facilitado o desencadeamento do quadro. Descritores: Pioderma gangrenoso; Câncer de mama; Radioterapia intraoperatória. Instituição: Trabalho realizado no Hospital Mater Dei, Belo Horizonte, MG, Brasil. Artigo submetido: 6/9/2011. Artigo aceito: 28/1/2012. DOI:10.5935/2177-1235.2015RBCP0130 ABSTRACT Pyoderma gangrenosum is an immune-mediated inflammatory and rare skin disease with an extremely challenging diagnosis. The clinical evolution of the disease is the basis for the diagnosis that involves pustular superficial lesions, painful erythematous halo, rapid progression to painful and sterile ulcerations, unresponsiveness to antibiotics or new surgical interventions, and finally, ready improvement with the use of immunosuppressive drugs. Delayed diagnosis may cause numerous hospitalizations and prolonged therapy, whereas early recognition can prevent the progression of the ulcerations and their morbidities. We report a case of pyoderma gangrenosum that evolved after surgery 1 Hospital Mater Dei, Belo Horizonte, MG, Brasil. 138

Pioderma gangrenoso após quadrantectomia de mama and was associated with intraoperative radiotherapy for the conservative treatment of breast cancer. In addition, we reviewed reported cases in the literature and therapeutic options. It is conjectured that intraoperative radiotherapy might be related to some immune-mediated stimuli that could trigger the clinical condition. Keywords: Pyoderma gangrenosum; Breast cancer; Intraoperative radiotherapy. INTRODUÇÃO Este relato de caso tem, por objetivo principal, o conhecimento epidemiológico do pioderma gangrenoso (PG) após cirurgia conservadora de câncer de mama associada à radioterapia intraoperatória, além de fazer uma revisão de casos relatados na literatura e suas possibilidades terapêuticas. O PG é uma entidade rara e extremamente desafiador para a equipe envolvida. RELATO DE CASO Paciente de 51 anos, previamente hígida, em rastreamento de rotina para câncer de mama, sem alterações no exame físico. Achado mamográfico de nódulo parcialmente definido de 1,2 cm, em quadrante superolateral à direita, e ausência de microcalcificações. No ultrassom, foi confirmado nódulo de limites irregulares, conteúdo homogêneo, 12 9 8 mm, 5 cm do mamilo e 15 mm da pele, com fluxo ao Doppler. Realizado Core Biopsy, que mostrou ser carcinoma ductal invasivo da mama, grau III Bloom-Richardson (BR). Na Ressonância Nuclear Magnética, não foram vistos outros focos da doença. Paciente foi orientada sobre possibilidades terapêuticas adequadas para seu caso, informações sobre riscos e benefícios de todas as opções cirúrgicas. Após consulta com radioterapeuta e por preencher as indicações para radioterapia intraoperatória, segundo protocolo da equipe de Mastologia do Hospital Mater Dei, a paciente optou por este tratamento. Foram programadas biópsia de linfonodo sentinela e quadrantectomia de mama com radioterapia intraoperatória à direita. A cirurgia transcorreu sem anormalidades, duração de uma hora e trinta minutos (pele a pele). Depois de confirmada negatividade para macrometástases do linfonodo sentinela axilar por imprint, a paciente foi submetida à quadrantectomia no QSL mama direita, seguida de radioterapia intraoperatória. O tempo de exposição à radioterapia foi de 4 min e 28 seg, sendo utilizado cone de 6 cm, em parênquima mamário com a profundidade de 3,5 cm, energia utilizada de 15 MeV, volume de 98,9 cm 3 e Boost de 21 Gy, com boa evolução no pós-operatório imediato. Recebeu alta hospitalar no primeiro dia pósoperatório (DPO), apenas com leve hiperemia em sítio cirúrgico e local irradiado. Com o exame anatomopatológico, diagnosticou-se carcinoma ductal invasor, grau III BR, de 1,5 cm, receptores de estrogênio e progesterona negativos, Cerb-B2 positivo. Exames da parafina e da imuno-histoquímica confirmaram linfonodo sentinela negativo para macrometástase e micrometástase. Entretanto, já no segundo DPO, iniciou com quadro de dor intensa, edema em mama direita, acometendo todo hemitórax direito até a escápula ipsilateral, sem sinais flogísticos ou qualquer outra alteração, mostrando-se afebril. Tratada com anti inflamatório, apresentando melhora parcial. No terceiro DPO, queixava-se de fadiga intensa e calafrios, mantendo-se afebril e ferida cirúrgica com bom aspecto. Optou-se por iniciar cefalexina 500 mg quatro vezes ao dia. Evoluiu com quadro febril no quarto DPO, com 38 C, taquicardia e drenagem espontânea de secreção pela ferida operatória com aspecto pardo, inodora, além de ulceração em bordas cirúrgicas, com hiperemia acometendo todo hemitórax direito (Figura 1). A paciente foi reinternada, sendo constatada apenas leucocitose (13.000 / 93% de segmentados). Foi levada ao bloco cirúrgico juntamente com cirurgião Figura 1. Aspecto da ferida operatória de quadrantectomia no 3 DPO. 139

Sempértegui A et al. www.rbcp.org.br plástico, sendo realizado desbridamento de tecido inviável e pele necrótica, drenagem de grande volume de líquido com aspecto pardo, cuja parte foi enviada para exame de cultura. Foi realizada biópsia de pele, enviada para análise pela patologia, além de exame de cultura. Seguiu-se com lavagem abundante da ferida e fechamento primário da mesma com dreno a vácuo. Em pós-operatório imediato, já era observada certa melhora da hiperemia local. Neste momento, nossa hipótese diagnóstica era de radionecrose, associada à infecção do sítio cirúrgico. Após avaliação da história e do quadro clínico da paciente pelo infectologista, foi modificada antibioticoterapia para ampicilina associada ao sulbactam. O exame anatomopatológico da biópsia revelou fragmento de pele, com área de ulceração e necrose tecidual, intensa reação inflamatória aguda e supurativa, atingindo subcutâneo. Cultura de pele com ausência de crescimento bacteriano, assim como na cultura de líquido, inclusive para pesquisa de Micobacterium. Com evolução estável, recebeu alta hospitalar com 48 horas de internação (segunda cirurgia), permanecendo com dreno a vácuo e antibioticoterapia. O dreno foi retirado após quatro dias, com troca diária de curativos. A ferida cirúrgica evoluiu com sofrimento tecidual crescente e progressivo, foi iniciado tratamento em câmara de oxigenoterapia hiperbárica (OHB), sendo mantida antibioticoterapia e levada novamente ao bloco cirúrgico (19 dias após a primeira cirurgia), para novo desbridamento de ferida (Figura 2). No 20.º DPO (primeira cirurgia), após discussão do quadro então atual e revisão de toda a história da paciente, foi levantada a hipótese diagnóstica de PG, tendo em vista a piora clínica progressiva e exames laboratoriais sem sinais de infecção (Figura 3). Foi convocada uma reunião com médicos das equipes de Mastologia, Cirurgia Plástica, Radioterapia, Oncologia, Infectologia e Clínica Geral, com a presença da paciente e do seu cônjuge. Iniciou-se o uso de corticoide 60 mg/dia. No 22.º DPO (primeira cirurgia), após 24 horas de corticoterapia, a paciente já apresentava melhora importante do quadro de dor e início de granulação evolutiva em ferida operatória. Foram mantidos oxigenoterapia hiperbárica e curativos diários, e foi suspenso antibiótico. No 28.º DPO (primeira cirurgia), recebeu a primeira dose de infliximabe. A OHB foi mantida até o 35.º DPO (primeira cirurgia) e o corticoide, com diminuição gradual da dose pela melhora. Iniciou-se a quimioterapia no 60.º DPO (primeira cirurgia) (adriblastina + ciclofosfamida - 4 ciclos/ seguida por taxol - 12 ciclos), apresentando boa tolerância. Ferida cirúrgica, com acompanhamento rigoroso, vem apresentando boa evolução (Figura 4). 140 Figura 2. 19 DPO - Imediatamente antes de ser submetida ao 2 desbridamento cirúrgico. Figura 3. 20º DPO Aspecto da ferida após o 2º desbridamento cirúrgico e antes do início da quimioterapia. Figura 4. 60 DPO Ferida apresentando ótima evolução após 40 dias de quimioterapia e curativos diários.

Pioderma gangrenoso após quadrantectomia de mama DISCUSSÃO O tratamento conservador do câncer de mama exige a radioterapia (RxT) complementar em toda a mama. Essa terapia tem demonstrado seu valor desde as primeiras propostas de tratamento baseadas nos princípios de Halsted. Atualmente, tem importante papel no tratamento conservador, em tumores localmente avançados e no tratamento paliativo de metástases. O tratamento preconizado para câncer de mama em estágios iniciais consiste em cirurgia conservadora seguida de radioterapia pós-operatória de toda a mama. Estudos atuais mostram que as recorrências locais após cirurgia conservadora da mama ocorrem principalmente no quadrante do tumor primário, sugerindo que a radioterapia de toda a mama pode não ser necessária. No final dos anos 1990, surgiram alguns estudos de irradiação acelerada e parcial da mama, entre os quais braquiterapia, RxT externa e RxT intraoperatória, porém com poucos estudos comparativos entre as técnicas 1. O fundamento para o uso da radioterapia parcial da mama, em vez de irradiar toda a mama, é baseado no fato de 85% de todos os tumores recorrerem próximos ao leito do tumor primário. O principal objetivo da radioterapia intraoperatória é esterilizar células malignas da área operada. A eletronterapia intraoperatória (ELIOT) do quadrante de mama é realizada após a remoção do tumor primário e pode, em princípio nos casos selecionados, substituir o curso de radiação pós-operatória atualmente utilizada após cirurgia conservadora de mama. Sendo uma nova técnica, ainda não existem dados concluídos de estudos fase III, porém apresenta-se como promissora opção de tratamento para pacientes com câncer de mama estádio inicial. O Instituto Europeu de Oncologia (Milão, Itália), primeiro centro a utilizar a ETI no câncer de mama, usou um acelerador linear móvel para oferecer o tratamento intraoperatório (ELIOT). Após avaliações, a dose aprovada foi de 21Gy, sem efeitos tóxicos importantes, 10% de reações locais leves (vermelhidão, edema, dor ou infecção) 2. Após média de follow-up de 20 meses, com 590 mulheres, a incidência de recidivas (dentro do campo de radiação) foi de 0,5%, com toxicidade aguda e efeitos cosméticos aceitáveis. Um dos principais benefícios da ETI se encontra na drástica redução do tempo total de tratamento. A Radioterapia do Hospital Mater Dei, desde 2007, vem utilizando esta técnica no tratamento do câncer de mama. Até o momento, já foram realizados 45 casos de radioterapia intraoperatória com sucesso. De acordo com o protocolo do serviço, os critérios de seleção das pacientes são: pacientes menopausadas ou perimenopausadas com idade maior ou igual a 45 anos; tamanho do tumor até 2,5 cm em exame de imagem; biópsia de linfonodo sentinela negativa para metástases na congelação intraoperatória; carcinoma ductal invasivo, tubular infiltrante ou ductal in situ, e margem livre de, no mínimo, 5 mm. Por ser um procedimento novo, ainda não se podem tirar conclusões definitivas sobre grau de toxicidade na mama e em outros órgãos. Segundo Veronessi, com um follow-up de 24 meses, a toxicidade local precoce foi de apenas 6% (fibrose leve, liponecrose, hematoma e fibrose intensa) 3. As complicações tardias, após 48 meses de follow-up, foram: necrose gordurosa, fibrose e nodulações requerendo investigação diagnóstica complementar. O PG caracteriza-se como uma doença inflamatória rara da pele, de diagnóstico extremamente desafiador. Descrito originalmente por Brocq, em 1916, sua ocorrência após procedimentos cirúrgicos, no entanto, só foi relatada por Cullen, em 1924 4. Segundo a literatura atual, sua maior incidência ocorre no sexo feminino e pode acometer todas as faixas etárias, sendo a ocorrência na mama não muito usual 5. Existem relatos da sua associação com outras patologias (principalmente doenças autoimunes) ou como séria complicação após procedimentos cirúrgicos (lesões patérgicas), evoluindo com perdas cutâneas devastadoras no pós-operatório 6. A evolução clínica é a base para um diagnóstico, cursando com lesões pustulosas superficiais, halo eritematoso doloroso, rápida progressão para ulcerações dolorosas e estéreis, sem resposta a antibióticos ou a novas intervenções cirúrgicas e, finalmente, com pronta melhora com uso de imunossupressores 7. O atraso no diagnóstico pode acarretar numerosas internações e terapias prolongadas. O reconhecimento precoce, por outro lado, evita a progressão dessas ulcerações e sua morbidade 8. Deve-se fazer diagnóstico diferencial com possíveis abscessos bacterianos (sempre excluir causas infecciosas), gangrena após trombose vascular, vasculite necrotizante, dermatites e fasceíte necrotizante. O tratamento inicial é feito com imunossupressores. Diferentes modalidades têm sido relatadas com sucesso, incluindo corticoides sistêmicos, dapsone, sulfapiridine, sulfasalazina, ciclofosfamida e, recentemente, tacrolimus tópico. A primeira linha do tratamento é feita com altas doses de metilpredinisolona (60 120 mg/dia). Se não houver melhora, a ciclosporina é dada como uma segunda opção 9. Uma outra opção de tratamento, também usada neste caso, consiste em uma droga biológica, aprovada em diversos países para tratar doenças autoimunes, conhecida como infliximabe. Essa droga é classificada como inibidor de TNF-α e tem demonstrado eficácia terapêutica nos casos de PG associado a doença inflamatória intestinal. Estudos histológicos adicionais fornecem evidência de que esse inibidor reduz a infiltração de células inflamatórias em áreas afetadas. As reações adversas, que são as causas mais comuns de interrupção do tratamento, estão relacionadas com sua infusão, tais como dispneia, urticária e cefaleia. 141

Sempértegui A et al. www.rbcp.org.br A OHB é uma modalidade terapêutica que consiste na oferta de oxigênio puro (FiO2 = 100%) em um ambiente pressurizado, em um nível acima da pressão atmosférica. As indicações para sua utilização são: embolia ou gangrena gasosas, doença descompressiva, Síndrome de Fournier, infecções necrotizantes de partes moles, lesões por radiação, anemia aguda, isquemias traumáticas agudas, queimaduras térmicas ou elétricas, lesões refratárias, osteomielite e retalhos ou enxertos comprometidos. A OHB consiste em uma modalidade segura, apresentando poucas contraindicações. Os efeitos colaterais estão relacionados à variação de pressão e/ou toxicidade do oxigênio. Tem sido considerada no tratamento do PG, apesar de seu mecanismo de ação e sua eficácia não estarem bem estabelecidos 10. O tratamento cirúrgico do PG deve ser evitado pelo risco de agravamento. No entanto, em casos selecionados, com a doença estabilizada ou em regressão, poderá ser necessária a remoção de tecido necrótico para evitar infecção bacteriana. Diante da gravidade e da rápida evolução do caso discutido acima, e após uma pronta resposta à terapia com corticoide, fechamos o diagnóstico de pioderma gangrenoso. No tratamento do PG deste relato, foram utilizadas prednisolona 60 mg/dia, com redução gradual da dose, e infusões de infliximabe, associadas a 35 sessões de OHB. O resultado foi satisfatório. Infelizmente, o tratamento do PG continua sendo empírico pela falta de estudos controlados e randomizados. Este relato de caso tem como objetivo o conhecimento epidemiológico dessa patologia pouco frequente, além de fazer uma revisão de casos relatados na literatura e suas possibilidades terapêuticas. Cirurgiões precisam considerar o PG entre os diagnósticos diferenciais de uma complicação pós-operatória, principalmente porque o tratamento do PG, o quanto antes iniciado, evita morbidades importantes e desnecessárias, que podem levar as pacientes ao óbito, se não tratadas. Outra pergunta que fica é se a radioterapia estaria relacionada com algum estímulo imunomediado, o que poderia ter facilitado o desencadeamento do quadro. REFERÊNCIAS 1. Bernier J, Viale G, Orecchia R, Ballardini B, Richetti A, Bronz L, et al. Partial irradiation of the breast: old challenges, new solutions. Breast. 2006;15(4):466-75. http://dx.doi.org/10.1016/j. breast.2005.11.012. PMid:16439129. 2. Veronesi U, Orecchia R, Luini A, Gatti G, Intra M, Zurrida S, et al. A preliminary report of intraoperative radiotherapy (IORT) in limited-stage breast cancers that are conservatively treated. Eur J Cancer. 2001;37(17):2178-83. http://dx.doi. org/10.1016/s0959-8049(01)00285-4. PMid:11677104. 3. Veronesi U, Orecchia R, Luini A, Galimberti V, Gatti G, Intra M, et al. Full-dose intraoperative radiotherapy with electrons during breast-conserving surgery: experience with 590 cases. Ann Surg. 2005;242(1):101-6. http://dx.doi.org/10.1097/01. sla.0000167927.82353.bc. PMid:15973107. 4. Cullen TS. A progressively enlarging ulcer of the abdominal wall involving the skin and fat, following drainage of an abdominal abscess apparently of appendiceal origin. Surg Gynecol Obstet. 1924;38:579-82. 5. Mansur AT, Balaban D, Göktay F, Takmaz S. Pyoderma gangrenosum on the breast: a case presentation and review of the published work. J Dermatol. 2010;37(1):107-10. http:// dx.doi.org/10.1111/j.1346-8138.2009.00756.x. PMid:20175832. 6. Meyer TN. Pyoderma gangrenosum: a severe and ill-known complication of healing. Rev. Soc. Bras. Cir. Plást. 2006;21(2):120-4. 7. Schöfer H, Baur S. Successful treatment of postoperative pyoderma gangrenosum with cyclosporin. J Eur Acad Dermatol Venereol. 2002;16(2):148-51. http://dx.doi.org/10.1046/j.1468-3083.2002.00387.x. PMid:12046819. 8. Davis MD, Alexander JL, Prawer SE. Pyoderma gangrenosum of the breasts precipitated by breast surgery. J Am Acad Dermatol. 2006;55(2):317-20. http://dx.doi.org/10.1016/j. jaad.2006.02.066. PMid:16844520. 9. Friedman S, Marion JF, Scherl E, Rubin PH, Present DH. Intravenous cyclosporine in refractory pyoderma gangrenosum complicating inflammatory bowel disease. Inflamm Bowel Dis. 2001;7(1):1-7. http://dx.doi.org/10.1097/00054725-200102000- 00001. PMid:11233655. 10. Rodrigues MJ, Marra AR. Quando indicar a oxigenoterapia hiperbárica? Rev Assoc Med Bras. 2004;50(3):229-51. *Autor correspondente: Alfonso Sempértegui Hospital Mater Dei - Avenida Raja Gabaglia, 1000, 5 andar - Cidade Jardim - Belo Horizonte, SP, Brasil CEP 30441-070 E-mail: alfonsosempertegui@yahoo.com.br 142