Síndrome metabólica: terapêutica fatmacológica 115 SÍNDROME METABÓLICA: TERAPÊUTICA FARMACOLÓGICA M.ª Helena Ramos Serviço de Endocrinologia, Diabetes e Metabolismo, Hospital Geral de Santo António Porto A síndrome metabólica engloba um conjunto de factores de risco cardio-vasculares que necessitam de terapêutica para tentar reduzir a morbilidade e mortalidade coronária e cardio-vascular. Devido à estreita correlação entre insulino-resistência e hiperinsulinemia, devemos utilizar como terapêutica medicamentosa fármacos que aumentem ou melhorem a acção intracelular da insulina e que reduzam a hiperglicemia. Dentro destas acções, podemos dispôr de três tipos de fármacos: biguanidas (metformina) inibidores da α glicosídase (acarbose) e tiazolidinedionas (rosiglitazona e pioglitazona). Biguanidas Desta classe farmacológica, a única de que dispomos actualmente é a metformina comercializada sob as designações de: Risidon cloridrato de metformina 1gr/cp Risidon cloridrato de metformina 850 mg/cp 663 mg metformina-base Stagid embonato de metformina 700 mg/cp 280 mg metformina-base Glucophage cloridrato de metformina 500 mg/cp 390 mg de metformina base A metformina tem vários mecanismos de acção de que se destaca a diminuição da produção hepática de glicose, redução do peso corporal e do hiperinsulinismo acompanhado de diminuição do inibidor do activador do plasminogénio (PAI 1) e do fibrinogénio e ainda a redução dos triglicerídeos, colesterol total e LDL e aumento do colesterol HDL, o que se torna altamente benéfico no tratamento da dislipidemia que acompanha a insulino-resistência. No estudo DPP (Diabetes Prevention Program), a metformina mostrou reduzir em 31% o risco de progressão para diabetes tipo 2 em indivíduos previamente intolerantes à glicose.
116 Manual sobre Insulino-resistência A metformina está contra-indicada em casos de cetose, doença grave intercorrente, cirurgias, traumatismo grave, insuficiência hepática, renal, respiratória ou cardíaca. No caso de exames radiológicos com contraste, deve suspender-se 48 horas antes da sua realização por risco de acidose láctica. Os efeitos laterais são gastrointestinais como diarreia, náuseas, sabor metálico, má absorção de vitamina B12 e folatos em terapêuticas muito prolongadas e com deficiente aporte nutricional e muito raramente acidose láctica. Recomenda-se começar a terapêutica com uma dose baixa a seguir às principais refeições, que se pode aumentar progressivamente até à dose máxima de 2 a 2,5 g/dia. Inibidores da α glicosídase Actualmente só podemos dispôr da acarbose em doses de 50 e 100 mg/cp ( Glucobay 50 e Glucobay 100 ), embora exista o miglitol nas mesmas doses ( Diastabol 50 e Diastabol 100 ) e a voglibose. O seu mecanismo de acção permite atenuar as elevações da glicemia pós-prandial, diminuindo o estímulo pancreático e consequentemente o hiperinsulinismo. No estudo STOP NIDDM (Study to Prevent NIDDM), a acarbose em monoterapia na dose de 300 mg/dia reduziu o risco de progressão de alteração da tolerância à glicose para diabetes tipo 2, bem como o risco cardio-vascular, o desenvolvimento de hipertensão arterial e a espessura da íntima-média carotídea nos indivíduos com alteração da tolerância à glicose. Como efeitos laterais apontam-se essencialmente os gastrointestinais como dores abdominais, meteorismo, flatulência e por vezes diarreia. Aconselha-se começar com uma dose baixa (50 mg) no início duma refeição principal que se vai aumentando semanalmente de acordo com as necessidades terapêuticas até máximo de 300mg/d. Está contra-indicada em doentes com doença inflamatória intestinal, ulceração do cólon, obstrução intestinal, hérnias abdominais, gravidez e aleitamento.
Síndrome metabólica: terapêutica fatmacológica 117 Tiazolidinedionas São fármacos sensibilizadores da insulina, estando o seu mecanismo de acção relacionado com o receptor gama activado de proliferação dos peroxizomas (PPAR γ) de que são agonistas. O PPAR γ é um receptor nuclear que se expressa sobretudo no tecido adiposo e em menor grau no músculo liso, fígado e outros tecidos. Actuam formando um complexo com o receptor do retinoíde X, aumentando a transcrição de vários genes sensíveis à insulina. Este mecanismo de acção induz a utilização de glicose e ácidos gordos pelo adipócito, promovendo a lipogénese. Aumentam a glicogénese e a utilização periférica da glicose, podendo ainda reduzir a produção hepática da glicose. No tecido adiposo, reduzem a lipólise e portanto os ácidos gordos livres, diminuem a secreção do TNFα (factor de necrose tumoral) e aumentam a secreção de adiponectina. Todas estas acções contribuem para a redução da resistência à insulina. Conhecem-se vários compostos químicos deste grupo tais como a troglitazona, rosiglitazona ( Avandia ), pioglitazona ( Actos ) e outros. A troglitazona foi retirada do mercado por provocar hepatotoxicidade grave. A rosiglitazona está comercializada no nosso país com a designação de Avandia nas doses de 4 e 8 mg.e é metabolizada pelo CYP2C8.A pioglitazona está comercializada com a designação de «Actos» nas doses de 15 e 30mg e é metabolizada pelo citocromo P 450 3 A 4. Embora o risco de doença hepática seja baixo, recomenda-se vigilância analítica da função hepática de dois em dois meses durante o primeiro ano de terapêutica. Quer a rosiglitazona, quer a pioglitazona, aumentam o colesterol HDL com redução dos triglicerídeos que parece ser mais marcada para a pioglitazona. Como efeitos laterais apontam-se cefaleias, dores musculares, retenção de líquidos e aumento de peso que se deve ao aumento do tecido celular subcutâneo por estimulação da diferenciação dos pré-adipócitos em adipócitos e não por aumento do tecido adiposo visceral, havendo até redução da gordura intra-hepática, tendo-se demonstrado em trabalhos recentes que a rosiglitazona melhora a esteatose hepática não alcoólica em indivíduos não diabéticos. Devido à expansão do volume plasmático, as tiazolidinedionas estão contra-indicadas em doentes com insuficiência cardíaca. Em casos graves de insulino-resistência podem associar-se as tiazolidinedionas à metformina, com muito bons resultados.
118 Manual sobre Insulino-resistência As glitazonas actuam ainda sobre vários outros factores de risco cardio-vasculares para além da hiperinsulinemia e intolerância à glicose podendo prevenir a diabetes tipo 2, tais como dislipidemia, hipertensão arterial, microalbuminúria, hiperhomocisteínemia, PAI-1, fibrinogénio, proteína C reactiva de alta sensibilidade, sendo, pois, as tiazolidinedíonas um grupo de fármacos com amplas potencialidades na terapêutica da síndrome metabólica. Terapêutica farmacológica Fármacos Mecanismo de acção Indicações Biguanidas gliconeogénese hepática resist. perif. à insulina Obesidade e Ins. resist. Glitazonas resist. perif. à insulina ác. gordos livres Ins. resist. Inibidores da α glicosídase abs. hidratos de C Hiperglicemia pós-prandial Obesidade Para além do que atrás ficou dito, podemos dispôr de fármacos com acção periférica, o Orlistat ( Xenical ) e com acção central, a sibutramina ( Reductil ). O Orlistat actua localmente, inibindo as lípases gástrica e pancreática que são enzimas envolvidas na hidrólise dos triglicerídeos, o que reduz em 30% a absorção das gorduras ingeridas. Os efeitos máximos são obtidos com 120 mg três vezes por dia, devendo a toma ser omitida se houver falha de refeição. As reacções indesejáveis derivam do seu mecanismo de acção e são gastrointestinais, podendo ser particularmente incómodas se o obeso ingerir grandes quantidades de gordura: flatulência com diarreia, urgência de defecação, esteatorreia, incontinência fecal e aumento da frequência das dejecções. O Orlistat tende a diminuir a absorção das vitaminas liposolúveis (A, D,
Síndrome metabólica: terapêutica fatmacológica 119 E, K) pelo que se deve prescrever um polivitamínico sobretudo em terapêuticas a longo prazo. Este deve ser tomado duas horas após a toma do Orlistat ou ao deitar. O Orlistat está contra-indicado nas síndromes de má absorção, colestase, gravidez e amamentação. Provoca também uma ligeira redução dos níveis do colesterol total e LDL, bem como a melhoria do controle glicémico (estudo Xendos) e da tensão arterial, relacionadas com a redução do peso. A Sibutramina é um fármaco inibidor da recaptação da serotonina e noradrenalina nas terminações sinápticas aumentando assim a saciedade. Não deve ser administrada a doentes com insuficiências hepática nem renal, antecedentes de doença coronária, insuficiência cardíaca congestiva, taquicardia, doença arterial oclusiva periférica, arritmias, doença cérebro-vascular, nem a hipertensos não controlados. A dose diária é de 10 mg, de manhã que poderá ser aumentada para 15 mg desde que não haja uma perda mensal de pelo menos 2 kg de peso. Recentemente está em estudo um novo fármaco de acção central, o Rimonabant, antagonista dos receptores canabinóides tipo 1, que para além de reduzir a ingestão alimentar e consequentemente o peso, diminui os triglicerídeos e o colesterol LDL, aumentando a tolerância à glicose e a sensibilidade à insulina, com aumento de produção de adiponectina pelo tecido adiposo. Dislipidemia A dislipidemia da síndrome metabólica é caracterizada essencialmente por aumento dos triglicerídeos, diminuição do colesterol HDL e LDL pequenas e densas com ou sem aumento quantitativo. Dado o alto risco cardio-vascular (CV) que esta síndrome apresenta, está indicada a terapêutica com estatinas e eventual associação com o Ezetimibe, caso não se consigam os valores de colesterol adequados com as primeiras. Como segundo objectivo terapêutico, devemos procurar normalizar os triglicerídeos e aumentar o colesterol HDL com fibratos o fenofibrato tem menos interacções farmacológicas. Se a única necessidade terapêutica consistir no aumento do colesterol HDL, resta-nos o ácido nicotínico. Cada 1gr de ácido nicotínico aumenta em 10% o colesterol HDL. Deve iniciar-se
120 Manual sobre Insulino-resistência a terapêutica com doses baixas, lentamente, para evitar os efeitos vaso reactivos faciais do ácido nicotínico e impedir o agravamento da insulino-resistência ou mesmo a deterioração do controle glicémico. Se isso acontecer, deve iniciar-se terapêutica com antidiabéticos orais. Hipertensão arterial A escolha dos anti-hipertensores na síndrome metabólica deve obedecer aos mesmos critérios utilizados para a hipertensão arterial nos diabéticos, tanto mais que nesta síndrome também existe disfunção endotelial, pelo que os inibidores da enzima de conversão e os antagonistas da angiotensina serão fármacos de primeira escolha, seguindo-se a associação destes com hidroclorotiazida, diuréticos, bloqueadores beta cardioselectivos, bloqueadores dos canais de cálcio e outros. Os objectivos terapêuticos serão obter uma TA 130/85mmHg, o que habitualmente obriga a associação terapêutica de dois ou três fármacos. De todo o exposto se deduz que a terapêutica farmacológica da síndrome metabólica deve ser profundamente abrangente de todas as suas componentes que contribuem, cada uma delas, para o risco CV que acompanha esta grave disfunção metabólica.