ESPAÇO NACIONAL E AMAZÔNIA A CONCEPÇÃO DO ESTADO BRASILEIRO



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Transcrição:

Título da pesquisa O ESTADO BRASILEIRO E O PROCESSO DE PRODUÇÃO DO ESPAÇO NO ACRE Simone Martinoli Madeira Campos ESPAÇO NACIONAL E AMAZÔNIA A CONCEPÇÃO DO ESTADO BRASILEIRO TRABALHO PROGRAMADO 2 VERSÃO PRELIMINAR DO CAPÍTULO 2 Orientador: Csaba Deák 2004

Simone Martinoli Espaço nacioonal e Amazônia 39 Introdução Como vimos no capítulo anterior, o Estado é o elemento fundamental do processo de produção do espaço nacional. Controlando os elementos de organização do espaço - cidades, fronteiras, sistemas de comunicações e transportes, estratégias militares, entre outros - o Estado controla aquilo que deve ser distribuído ou integrado, organizando o espaço nacional de acordo com os interesses dominantes. Desta maneira, o espaço produzido reflete as relações de poder e os interesses desta sociedade, o modo de produção capitalista vigente e também o modo de reprodução desta sociedade. Apoiados numa perspectiva histórica do processo de incorporação e integração do território brasileiro identificamos dois momentos específicos neste processo, momentos estes sobre os quais estruturamos este trabalho. O primeiro destes momentos, caracterizado pelos movimentos de conquista territorial e definição de fronteiras, identificamos como o momento de constituição do território nacional. Ele ocorre a partir da Independência brasileira e é concluído com a solução das últimas fronteiras durante a primeira década do século XX. O segundo desses momentos, identificado como o momento de produção do espaço nacional propriamente dito, é principalmente marcado pela crescente intervenção do Estado nos diferentes setores da economia, especialmente através da implantação de

Simone Martinoli Espaço nacioonal e Amazônia 40 planos e projetos de infra-estrutura. Este momento tem início na década de 1930, a partir da Revolução de 30, e se estende até meados da década de 1970. Vale destacar que a identificação da Revolução de 30 como o início deste segundo momento se deve ao fato de que ela representou uma ruptura com a elite agrícola dominante, a partir do que foi possível uma expansão acelerada da indústria brasileira. É verdade que o processo de produção do espaço com vistas à constituição do mercado unificado só pode ser percebido de maneira acentuada a partir da década de 1950, no entanto, isso não desqualifica as duas décadas anteriores como parte de um novo momento que culminará propriamente na produção do espaço nacional a partir da década de 50. No que diz respeito à Amazônia, pretendemos analisar os instrumentos e a forma como o Estado brasileiro relacionou a produção do espaço nacional e a Amazônia, buscando apreender seu papel dentro do processo de produção do espaço nacional e a forma como ela é concebida por parte do Estado brasileiro. A interpretação da realidade amazônica teve como ponto de partida sua condição de parte constituinte do território brasileiro, cuja incorporação territorial e organização espacial são função do Estado brasileiro, considerando inclusive as peculiaridades relacionadas à sua localização estratégica para a defesa e segurança nacionais. De maneira sintética podemos afirmar que a Amazônia tem importância no processo de produção do espaço nacional por dois motivos principais: o primeiro deles está

Simone Martinoli Espaço nacioonal e Amazônia 41 relacionado ao processo de constituição do mercado nacional e o segundo está relacionado às questões de defesa e segurança nacionais. Com relação à constituição do mercado nacional, a Amazônia era a fronteira econômica a ser expandida, uma das porções do território brasileiro que deveria ser integrada pelo processo de homogeneização do espaço nacional com vistas à expansão da formamercadoria. A Amazônia deveria ser integrada a partir de planos e projetos de infraestrutura, que deveriam implantar um sistema de circulação e uma rede de núcleos, o que permitiria a expansão do mercado nacional sobre o território amazônico. Já no que diz respeito às questões de defesa, a condição amazônica definida por sua localização estratégica em relação às fronteiras é o ponto fundamental. Limite de fronteira com sete países sul-americanos, as políticas desenhadas para a região colocavam em posição de destaque o tema da defesa nacional e a necessidade de sua ocupação territorial, inclusive considerando as concepções militares e geopolíticas. Sob este enfoque, a produção do espaço na Amazônia deveria ocorrer de forma a constituir as condições necessárias à defesa e soberania brasileiras. Desta forma, o processo de incorporação e integração da Amazônia ao território brasileiro faz parte do processo de constituição do espaço brasileiro e está diretamente relacionado aos momentos políticos e econômicos de cada período histórico que o constitui. Este processo reflete, no espaço produzido, a forma de reprodução social da sociedade brasileira e suas relações de produção e poder.

Simone Martinoli Espaço nacioonal e Amazônia 42 2.1 ILHA-BRASIL A CONSTITUIÇÃO DO TERRITÓRIO NACIONAL A Amazônia foi definitivamente incorporada à concepção de território brasileiro a partir do movimento de constituição do território nacional ocorrido durante o período do Império. Contribuiu largamente para isso o mito da Ilha-Brasil, que projetava as fronteiras do território herdado nos limites das bacias dos rios Prata e Amazonas, que deveriam ser ligados em algum lugar no interior do Brasil 1. Embora a idéia do território herdado incorporasse a Amazônia, seu território, assim como suas fronteiras, estavam longe de ter seus limites definidos ou ocupados no momento da Independência brasileira. No período anterior, do Brasil colônia, as bandeiras tinham expandido o território brasileiro, balizando o contorno da nossa atual fronteira 2, no entanto, havia imensas áreas, algumas limítrofes, indefinidas e sujeitas à conquista, ocupação e disputas, tanto na porção norte quanto na porção noroeste do vale amazônico 3. 1 Diferentes autores desenharam possíveis ligações entre as duas principais bacias de nosso território. Uma das propostas sugere a utilização de diferentes modos de transporte na interligação das bacias do Prata, Amazonas e São Francisco, em algum ponto localizado no planalto central brasileiro. Outra proposta era a de ligação através dos rios Paraguai/ Guaporé- Madeira (hoje estados de Mato Grosso e Rondônia), inclusive ligando-os por ramos ferroviários numa previsão de uma futura ligação intermodal das duas bacias. 2 MATTOS, Carlos de Meira. 1975. Brasil - geopolítica e destino. 2ª edição. Livraria José Olympio Editora. Rio de Janeiro, 1979. p. 22. 3 Também havia faixas de fronteira brasileiras indefinidas nas divisas com o Mato Grosso e na região sul.

Simone Martinoli Espaço nacioonal e Amazônia 43 Como um exemplo da dimensão da expansão realizada pelo movimento bandeirante, a bandeira de Raposo Tavares, a mais importante ocorrida na região amazônica, desenhou os contornos da atual fronteira norte e noroeste brasileira, ao estabelecer os fortes de São José de Macapá hoje Macapá; São Joaquim hoje Boa Vista; São José de Marabitanas no alto Rio Negro; São Gabriel no Rio Negro; Tabatinga que deu origem ao município de mesmo nome na margem do rio Solimões; e Príncipe da Beira na margem do rio Guaporé, hoje Estado de Rondônia. Mapa 1.0 Fortes fundados pelos bandeirantes *Fonte: IBGE. Cartografias, 1980.

Simone Martinoli Espaço nacioonal e Amazônia 44 No momento da Independência brasileira, quando a elite colonial se organizou em torno do Estado independente interessada na manutenção de seu modo de produção - baseado no latifúndio, no trabalho escravo e na exportação de produtos tropicais - uma das construções ideológicas erguidas com o propósito de sustentar estes interesses foi justamente a da Ilha-Brasil. Tal ideologia projetava a nação brasileira sobre um todo geográfico, quase insulado, que emanava da natureza e havia sido herdado dos portugueses. O desafio desenhado por esta ideologia era a consolidação da nação brasileira sobre este território herdado, que deveria ser integrado, estruturado e civilizado. O mito da Ilha-Brasil reflete o sentido de destino nacional construído a partir da Independência. Ele ancora o Estado brasileiro nos desígnios da natureza, sacraliza o território, delimita os seus contornos e define uma base de princípios para a política externa no âmbito sul-americano. 4 A construção deste todo territorial se deu como uma operação do governo imperial brasileiro, que construiu a concepção de tal integridade como poderosa característica brasileira. Fez parte dessa operação a centralização do governo imperial, que foi fundamental justamente na construção desta integridade territorial baseada na unidade política e num governo centralizado 5. 4 MAGNOLI, Demétrio. 1997. O corpo da pátria: imaginação geográfica e política externa no Brasil (1808-1912). Editora da Universidade Estadual Paulista. São Paulo, 1997. p.108. 5 As concepções sobre o território brasileiro também foram marcadas pelo movimento de apropriação territorial vivido nos Estados Unidos, que deu origem à expressão destino manifesto, ainda na década de 1840, se referindo à onda de pioneiros que, em busca de ouro, deslocavam a frontier para além do vale do Mississipi. Na verdade, destino manifesto era uma expressão que bem designava o nacionalismo

Simone Martinoli Espaço nacioonal e Amazônia 45 Através desta operação ficavam escamoteados não apenas os verdadeiros interesses da elite dirigente, mas também as particularidades que caracterizavam as províncias brasileiras, a estrutura fundiária brasileira e as contradições sociais e raciais da sociedade brasileira. o projeto de centralização, que então se buscou, impôs a formação de uma estrutura institucional e administrativa que abrangesse o conjunto do país. No enfrentamento das pressões inglesas pela extinção do tráfico de escravo, e mesmo na consolidação da estrutura fundiária, os interesses da classe proprietária tiveram que ser articulados em escala nacional. 6 Se a ideologia era outra, a forma de conquista territorial da Amazônia durante o período imperial não diferiu daquela ocorrida no período colonial. Ou seja, foi caracterizada pela ocupação territorial de caráter colonizador e pelo modo de produção extensivo e expatriador que caracterizava a atividade extrativista. Seu vasto território, fonte de matérias-primas cobiçadas, foi alvo de políticas que incentivavam sua ocupação territorial através de processos migratórios e do desenvolvimento de atividades econômicas, especialmente daquelas relacionadas às matérias-primas em ascensão, entre elas o cacau, a borracha e especiarias. expansionista americano, marcado pela dialética entre a border e a frontier, onde a primeira significava a fronteira política nacional e a segunda se referia à frente pioneira de colonização, o limite da zona povoada. A predestinação geográfica intrínseca ao conceito sugeria o direito à fronteira natural, ou seja, àquela fixada pela natureza, que no caso americano significava os oceanos Pacífico e Atlântico. 6 MORI, Klára Kaiser. 1996. Brasil: urbanização e fronteiras. Tese de doutorado. Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo. São Paulo, 1996. p.131-132

Simone Martinoli Espaço nacioonal e Amazônia 46 Tais políticas incentivavam principalmente os processos migratórios do nordeste, o assentamento em núcleos ao longo dos rios amazônicos, a produção extrativista de matérias-primas e a produção de alimentos para subsistência. De maneira geral, a retórica que sustentava tais políticas destacava a preocupação com sua rarefeita ocupação territorial e a necessidade de amenizar os problemas causados pela seca na região nordeste. Por outro lado, havia também a preocupação com o interesse internacional na região. A partir de meados do século XIX o governo imperial passou a perceber a estratégia sulamericana dos Estados Unidos como uma fonte de ameaça ao domínio brasileiro sobre o território amazônico. Provocavam esta preocupação os planos e projetos norteamericanos para a ocupação da Amazônia por meio de assentamento e traslado de colonos e escravos, os planos de integração da produção escoada pelos rios Mississipi e Amazonas no Golfo do México e por fim a defesa da livre navegação nos rios amazônicos. O Amazonas, nas páginas cor-de-rosa do imaginoso tenente [Tenente Mathew Maury, superintendente do Serviço Hidrográfico do Observatório Naval de Washington] transformava-se num verdadeiro Vale da Promissão, pois oferecia todos os produtos que brotavam do seio da terra, à exceção do chá. [...Além do] fato surpreendente de que os navios norte-americanos, ao saírem na foz do Amazonas, seriam logo trazidos, pelas correntes oceânicas e pelo rumo dos ventos, em direção ao sul de seu país. [...] A visão de Maury ia ainda muito além, ao provar que o Mississipi e o Amazonas tinham

Simone Martinoli Espaço nacioonal e Amazônia 47 destinos comuns, pois ambos desaguavam no golfo do México (o segundo indiretamente, através do Orenoco e do Gulfstream) numa região distinguida pela importância natural, que hoje se diria geopolítica, e que Maury sonhou torná-la the cornucopia of the world 7 Na década de 1850, no momento da regulamentação da navegação à vapor nos rios amazônicos, a pressão exercida pelos interesses comerciais americanos, ingleses e franceses influenciou os termos do relacionamento entre o Império e os países amazônicos vizinhos. O governo brasileiro receou facilitar a entrada e o estabelecimento de estrangeiros em uma vasta região quase despovoada e optou pelo monopólio da navegação amazônica, concedendo-a ao Barão de Mauá 8. A fluidez da ocupação humana do ecossistema amazônico, dificultando a projeção direta de poder, e as virtualidades estratégicas da rede fluvial, capaz de abrir o interior do continente à navegação internacional, serviram para conferir densidade e dramaticidade aos contenciosos de soberania 9 A partir deste episódio a preocupação com a baixa densidade populacional amazônica, média inferior a 1 hab/km² na década de 1930, esteve presente e todas as políticas, discursos e projetos para a região. Na verdade não era apenas a baixa densidade 7 TOCANTINS, Leandro, 1961, Formação Histórica do Acre, v.1, Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1979. p. 113. 8 Com relação aos países vizinhos a opção foi o estabelecimento de acordos bilaterais de navegação. Em 1851 foi estabelecido um tratado bilateral de navegação com o Peru. Por outro lado a Bolívia decidiu abrir os portos do Madeira e Mamoré, pressionando o governo brasileiro, o que levará à disputa pelo Acre, que veremos adiante. 9 MAGNOLI, Demétrio. 1997. O corpo da pátria: imaginação geográfica e política externa no Brasil (1808-1912). Editora da Universidade Estadual Paulista. São Paulo, 1997. p.175.

Simone Martinoli Espaço nacioonal e Amazônia 48 populacional que preocupava, mas também a maneira dispersa e extensiva de ocupação do território, característica do modo de produção extrativista que foi consolidado durante os séculos XVIII e XIX. No contexto brasileiro, apesar da Independência e da retórica em defesa do território nacional, a elite colonial, agora imperial, continuou detentora do controle sobre os meios de produção, especialmente através do controle sobre o movimento de ampliação do território, e sobre as formas de apropriação da terra 10. A privação do campesinato brasileiro do acesso legal à terra, mas assegurando-se-lhe, simultaneamente, a subsistência, através do regime de favor, operava, portanto, no sentido oposto ao da formação do trabalhador livre. 11 Apesar dos esforços no sentido contrário, na segunda metade do século XIX, o trabalho assalariado no Brasil caminhava para sua generalização 12 e transformações no espaço nacional ocorriam no sentido de formação de um mercado interno, ambos necessários ao desenvolvimento da produção capitalista. No que diz respeito à Amazônia, nem o movimento de assalariamento do trabalhador chegou a alcançar de maneira importante a economia da Amazônia, nem o processo de 10 MORI, Klára Kaiser. 1996. Brasil: urbanização e fronteiras. Tese de doutorado, Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo. São Paulo, 1996. p.65. 11 MORI, Klára Kaiser. 1996. Brasil: urbanização e fronteiras. Tese de doutorado, Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo. São Paulo, 1996.p.66. 12 DEÁK (1999) sustenta esta afirmação exemplificando com a Lei da Terra e a abolição do tráfico negreiro, ambas promulgadas em 1850.

Simone Martinoli Espaço nacioonal e Amazônia 49 transformação do espaço. Durante os anos do Império, o papel da Amazônia no território nacional esteve diretamente relacionado à construção ideológica da integridade do território nacional pretendido pela elite imperial, e não aos primeiros indícios de constituição do mercado nacional. No contexto nacional, o movimento em direção à industrialização, as referidas transformações do espaço nacional no sentido da constituição de um mercado interno e o movimento de generalização do trabalho assalariado, entre outros, não agradava à elite oligárquica, que se organizou com o objetivo de reafirmar suas bases de sustentação. Desta organização resultou a Proclamação da República, que supostamente rompia com o passado, mas na verdade serviu para a manutenção do modo de produção vigente. Através da República ficaram preservados os interesses da elite agrícola produtora de café, em detrimento dos interesses do processo de industrialização. Este foi mais um momento dentre os diversos momentos do debate entre os interesses agrícolas e os interesses pela industrialização, que permearão a história da industrialização no Brasil. A transformação ocorrida a partir da foi o enfraquecimento da unidade do Estado construída durante o Império. MORI (1995) afirma que o federalismo instituído com a República teve fundamental importância no enfraquecimento do caráter unitário do Estado, evitando que a mudança do regime pudesse conduzir a um processo de unificação econômica efetiva do país, e, portanto, à eliminação dos entraves à acumulação. Na negação dos avanços havidos no processo de integração ao longo do

Simone Martinoli Espaço nacioonal e Amazônia 50 Império, o movimento carregou as marcas de um recuo político em relação à efetivação de um projeto nacional 13. Assim como enfraqueceu o caráter unitário do Estado, enfraqueceu também a ideologia que conduzia ao mito da Ilha-Brasil e à integridade territorial. No que diz respeito ao território, a defesa do território nacional e a importância de sua integridade só estiveram presentes no período da Primeira Republica devido algumas disputas territoriais em áreas de fronteiras e à presença do Barão de Rio Branco, que conduziu a diplomacia brasileira desde o governo de Rodrigues Alves até o de Afonso Pena. Rio Branco defendia a necessidade de preservar a qualquer custo uma unidade nacional que ele encarava como ainda precária 14. Sua defesa do território brasileiro se tornou ferrenha diante das disputas territoriais que ocorreram em diferentes pontos do território brasileiro - entre eles, a questão de Palmas ou das Missões, do Amapá e do Acre no período que compreende as duas últimas décadas do século XIX e a primeira década do século XX. Ele foi o responsável brasileiro pela solução destas disputas, todas elas solucionadas diplomaticamente. Território é poder, frase atribuída ao Barão, exprime o essencial da questão: o território em si pode não ser o poder mas é certamente sua base, sua condição de possibilidade. 15 13 MORI, Klára Kaiser. 1996. Brasil: urbanização e fronteiras. Tese de doutorado. Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo. São Paulo, 1996. p.134. 14 MAGNOLI, Demétrio. 1997. O corpo da pátria: imaginação geográfica e política externa no Brasil (1808-1912). Editora da Universidade Estadual Paulista. São Paulo, 1997. p.208. 15 RICUPERO, Rubens. 2000. Rio Branco: o Brasil no mundo. Editora Contraponto. Rio de Janeiro, 2000. p.28.

Simone Martinoli Espaço nacioonal e Amazônia 51 Por outro lado, neste mesmo momento, ganhou destaque o discurso sobre a posição brasileira no continente sul-americano, inspirado pelas concepções do panamericanismo 16. Esta idéia dominou a concepção de continente americano do governo republicano brasileiro e, no final do século XIX, ganhou como adepto o Barão de Rio Branco, que defendia que o Brasil deveria consolidar sua liderança sul-americana como o elo entre os Estados Unidos e a América do Sul, consolidando seu papel como pólo sul-americano. o desafio do pan-americanismo consistia em produzir uma representação ideológica viável, capaz de transfigurar a unidade puramente geológica do continente [americano] em comunhão de história e destino. 17. Foi neste contexto que finalmente se constituiu o território brasileiro, com a solução das últimas fronteiras indefinidas, já na primeira década do século XX. Marcada pelos elementos que sustentavam a ideologia republicana, entre eles o federalismo que enfraquecia a integridade territorial, pelo pan-americanismo que focava a discussão sobre o território sul-americano e pelas disputas territoriais de fronteiras que reacendiam a ideologia nacionalista em defesa do território nacional. Num sentido contrário à idéia de território brasileiro construída no momento da Independência de uma unidade territorial centralizada política e administrativamente, a 16 O pan-americanismo surgiu com a emergência da liderança americana nas Américas, sua origem está na Doutrina Monroe, numa prática ideológica, política e diplomática que estabelecia uma unidade essencial ao continente americano, separando-o do Velho Mundo. 17 MAGNOLI, Demétrio. 1997. O corpo da pátria: imaginação geográfica e política externa no Brasil (1808-1912). Editora da Universidade Estadual Paulista. São Paulo, 1997. p. 192 193.

Simone Martinoli Espaço nacioonal e Amazônia 52 concepção do território brasileiro durante a Primeira República se apresentava dispersa e descentralizada. O foco sobre o federalismo e sobre o pan-americanismo atuava exatamente no sentido contrário àquele pretendido pela ideologia da integridade do território nacional construída no momento da Independência. Durante a Primeira República não interessava à elite brasileira a idéia da integridade do território brasileiro, uma vez que esta idéia levaria justamente às condições necessárias à generalização do trabalho assalariado, à urbanização e à industrialização. A concepção de território nacional da elite dominante pautava-se pela defesa dos interesses agrícolas contra o processo de industrialização, ao qual é inerente a generalização da formamercadoria através da homogeneização do espaço, da urbanização e da expansão do trabalho assalariado, entre outros. A exceção ao referido processo de descentralização vivido durante a Primeira República foi o processo de definição das fronteiras em situação de disputa, solucionadas por Rio Branco até o final da década de 1900. Este processo, motivado por movimentos que conjugavam pressões internas e externas ao Estado brasileiro, ocorreu à revelia dos interesses da elite brasileira e foi o último passo no sentido de conquista e incorporação territorial do território brasileiro 18. Com a definição destas fronteiras ficou constituído o território brasileiro. No que diz respeito à Amazônia, o processo de definição das últimas fronteiras, durante as primeiras décadas do século XX, foi fundamental no processo de sua constituição 18 A parte deste processo que nos interessa, aquela relacionada à definição das fronteiras acreanas, será tratada no próximo capítulo. Lá será possível melhor vislumbrar a postura do governo brasileiro, e por conseqüência da elite brasileira, com relação ao território brasileiro, durante a Primeira República.

Simone Martinoli Espaço nacioonal e Amazônia 53 como parte do território brasileiro. Não apenas pela configuração de suas fronteiras territoriais, mas principalmente pelo que foi construído neste processo, ou seja, a idéia de seu pertencimento ao território brasileiro. E tudo isso se fazia, como ele [Barão de Rio Branco] mostrou com clareza e realismo, porque o problema só se podia ou pode resolver ficando brasileiros todos os territórios ocupados pelos nossos nacionais. 19 2.2 A PRODUÇÃO DO ESPAÇO NACIONAL 1930 A 1980 O território brasileiro foi finalmente constituído na primeira década do século XX, com a solução das disputas sobre as últimas fronteiras ainda indefinidas. Constituído o território brasileiro teve início o movimento de produção do espaço nacional, onde os esforços do Estado brasileiro estavam centrados na homogeneização do espaço nacional, com o objetivo de constituir o mercado interno brasileiro. Este novo momento foi caracterizado por um novo discurso sobre o território brasileiro, que agora precisava ser ocupado, organizado e integrado, o que consequentemente levaria a sua homogeneização, ainda que limitada às porções do território. 19 RICUPERO, Rubens. 2000. Rio Branco: o Brasil no mundo. Editora Contraponto. Rio de Janeiro, 2000. p.29.

Simone Martinoli Espaço nacioonal e Amazônia 54 O período que identificamos como o momento em que se deu o processo de produção do espaço nacional teve início na década de 30, sob o governo de Getúlio Vargas, e se estendeu até meados da década de 70, sob o governo militar. Como já mencionamos, a identificação da Revolução de 30 como o início deste período se deve ao fato dela ter rompido com os interesses da elite agrícola dominante, caminhando no sentido de centralização do poder do Estado e de expansão da indústria brasileira. Este processo de centralização do poder do Estado trazia, em suas entrelinhas, a estruturação do aparelho estatal e de sua burocracia, que por sua vez seriam os responsáveis pela elaboração e implantação dos planos que modificavam a realidade brasileira. Vale destacar que os planos de desenvolvimento, propriamente dito, ganharam importância e destaque a partir da década de 50, no entanto, nas duas décadas anteriores, algumas das questões que seriam elementos centrais dos planos de desenvolvimento já eram temas de interesse nos discursos e em políticas isoladas, caracterizando os primeiros passos no sentido da produção do espaço nacional. Entre os temas mais destacados nos planos de desenvolvimento estava a integração nacional, que pretendia a integração de todo o território brasileiro através da implantação de infra-estrutura de comunicações e transportes. Na verdade a defesa da integração nacional se configurou como um discurso que sustentava justamente o processo de produção do espaço nacional, que pretendia a constituição do mercado interno brasileiro. A defesa da integração nacional contribuiu ainda para o destaque de elementos das

Simone Martinoli Espaço nacioonal e Amazônia 55 concepções geopolíticas, especialmente aqueles relacionados à defesa e soberania nacionais, temas que orientaram e sustentaram a elaboração de parte dos planos de desenvolvimento. No que diz respeito à Amazônia, como já mencionamos na introdução deste trabalho, ela tem importância no movimento de produção do espaço nacional por dois motivos específicos. O primeiro deles está relacionado ao processo de constituição do mercado nacional, uma vez que a Amazônia era uma das porções do território brasileiro que deveria ser integrada ao espaço nacional, expandindo assim o mercado interno brasileiro. O segundo destes motivos está relacionado às questões de defesa e segurança nacionais, uma vez que sua localização estratégica em relação às fronteiras brasileiras e as características de sua ocupação territorial colocam os temas da defesa e soberania nacionais em posição de destaque, quando não de prioridade, nas políticas para Amazônia. Por serem variadas e extensas as questões que envolvem o processo de produção do espaço nacional neste período, optamos por organizá-las segundo os temas mais relevantes para nosso estudo. Assim serão abordados: (1) os planos de desenvolvimento que desenharam a organização do espaço brasileiro no período; (2) as concepções geopolíticas que sustentaram os planos de desenvolvimento; e (3) o processo de integração da região amazônica ao espaço nacional.

Simone Martinoli Espaço nacioonal e Amazônia 56 2.2.1 Os planos de desenvolvimento e a integração nacional Com a constituição do território nacional nas primeiras décadas do século XX, o movimento que o sucede é o de produção do espaço nacional propriamente dito. A partir da década de 1930, a meta da política territorial brasileira foi a integração territorial brasileira, com o objetivo de constituir o mercado interno brasileiro, condição necessária ao processo de industrialização brasileiro que vivia uma fase de ascensão. No nível político, pode-se afirmar que a Revolução de 30 veio ao encontro da necessidade de se constituir um Estado capaz de promover a unificação do mercado nacional em face do processo de industrialização que se consolidava. 20 Neste novo momento as políticas territoriais brasileiras foram influenciadas pela política de industrialização brasileira e pelas teorias geopolíticas a cerca da defesa nacional. Foi a partir deste novo enfoque que obtiveram destaque as políticas de desenvolvimento e de integração territorial que sustentaram o processo de produção do espaço nacional no período de 1930 a 1980. A partir da década de 30 houve um processo de estruturação e burocratização do aparato estatal, inclusive através da criação de ministérios, órgãos e departamentos, que criou condições para o crescimento da intervenção do Estado na estrutura do país. 20 SCHIFFER, Sueli T. Ramos. 1999. São Paulo como pólo dominante do mercado unificado nacional. P.73-110. In: DEAK, C., SCHIFFER, S. T. R., (orgs.), O processo de urbanização no Brasil. Editora da Universidade de São Paulo. São Paulo, 1999. p.86.

Simone Martinoli Espaço nacioonal e Amazônia 57 Os planos elaborados a partir da década de diferiam das políticas anteriores devido a sua concepção integral dos elementos que compunham a realidade brasileira. Até então, respeitadas as variantes de cada momento histórico, os planos elaborados eram na verdade projetos isolados, normalmente focados sobre problemas específicos e centrados basicamente sobre o sistema de circulação. Entre estes antigos projetos está um projeto de 1852, que propunha a ligação ferroviária entre São Paulo e a fronteira mato-grossense. Sustentava esta proposta o argumento de que era necessário alcançar o Mato Grosso por uma linha estratégica que permitisse ao governo central levar mais facilmente a sua ação política e militar até as fronteiras meridionais e ocidentais do país. Ainda no século XIX, esta proposta foi retomada quando a guerra do Paraguai revelou a vulnerabilidade do trajeto fluvial platino e a inexistência de alternativa de acesso ao interior do Brasil 21. Estes primeiros projetos de interligação supunham, não apenas o acesso ao interior brasileiro, pretendiam também a extensão da planejada artéria estratégica para além dos limites do Brasil, até alcançar o Pacífico. Este objetivo era uma espécie de consenso apresentado pelo Plano Bicalho, em 1876. Depois dele, os planos Bulhões e Rebouças também previam uma ou mais ligações transcontinetais, todos eles evidenciando uma clara influência da concepção do pan-americanismo e dos exemplos americano, da Transiberiana e da trans-continental sul-americana 22. 21 Durante esta guerra as tropas que partiram de São Paulo para socorrer o Mato Grosso demoraram mais de um ano para chegar a seu destino. 22 Ainda no século XIX foi concluída a primeira ligação transcontinental sul-americana, ligando Buenos- Aires a Valparaíso, via Mendoza. Por outro lado, no Brasil, a estrada de ferro Noroeste já tinha sido

Simone Martinoli Espaço nacioonal e Amazônia 58 Mapa 2.0 Plano Bulhões 1882 *Fonte: MATTOS, C. M. Brasil - geopolítica e destino. 1975. p.46. Também centrado nas vias de comunicação, porém já em 1926, Pandiá Calógeras, propôs a vertebração do território ainda invertebrado 23 através da construção de cerca de 13.000km de ferrovias complementadas com rodovias e transportes marítimo e fluvial que abrangeria todo o território brasileiro. iniciada, mas somente em 1910 foi inaugurado o trecho Bauru-Itapura, com o encontro dos trilhos em Campo Grande. Em 1917 a ferrovia foi concluída e ligada à Sorocabana e à Paulista. (MAGNOLI, Demétrio. 1997. O corpo da pátria: imaginação geográfica e política externa no Brasil (1808-1912). Editora da Universidade Estadual Paulista. São Paulo, 1997. p.282.) 23 MATTOS, Carlos de Meira. 1975. Brasil - geopolítica e destino. Livraria José Olympio Editora. 2ª edição. Rio de Janeiro, 1979. p.51.

Simone Martinoli Espaço nacioonal e Amazônia 59 No entanto, foi a partir da década de 1930 que a burocracia do Estado passou a elaborar planos de desenvolvimento econômico, obras públicas, viação e defesa nacional. Associada ao processo de estruturação do Estado brasileiro e ao crescente papel do Estado na conformação da sociedade e do espaço nacional 24, as teorias geopolíticas obtiveram espaço e destaque e marcaram fortemente os planos que se sucederam. A ascensão dos planos de desenvolvimento está diretamente relacionada ao início do processo de industrialização, especialmente concentrado em São Paulo, que levou à substituição da atividade agrícola que caracterizava a economia brasileira. A indústria em ascensão necessitava de um mercado interno constituído, que, assim como a ocupação territorial, era caracterizado pela dispersão, fragmentação e por vezes, pelo isolamento. Desta maneira, a meta de integração territorial trazia, em suas entrelinhas, o objetivo de constituição e unificação do mercado nacional, que para ser implantado fez uso de políticas e planos integrados, especialmente a partir do final da década de 30. O processo de produção do espaço durante o governo de Getúlio Vargas (1930-1945) se deu através de políticas econômicas e de investimentos em infra-estrutura e em atividades econômicas. Com o sentido de organização do território e do processo produtivo, Vargas estruturou o aparato estatal criando ministérios, órgãos e departamentos; investiu no processo de regulação da legislação trabalhista, sustentando o processo de assalariamento no país; implantou políticas de ocupação e colonização das 24 BECKER, B. K., A geografia e o resgate da geopolítica, 1988. In: Revista Brasileira de Geogafia, Ano 50, nº especial, Tomo II. FIGBE, 1988. p.110.

Simone Martinoli Espaço nacioonal e Amazônia 60 áreas menos povoadas; elaborou um plano nacional de vias. Durante seu governo, de caráter nacionalista, foram debatidos temas como a emancipação econômica, a industrialização baseada no capital nacional, a ocupação do território, as relações cidadecampo, entre outros. Em seu segundo governo (1950-1954), a relação entre o Estado e a economia ganhou novo impulso. Os esforços do governo brasileiro se concentraram na implantação de infra-estrutura, no fortalecimento da economia e no incentivo ao desenvolvimento industrial. Neste período foram criados a Companhia Siderúrgica Nacional, A USIMINAS, a Petrobras, a Eletrobrás e o BNDE, entre outros. Todos estes investimentos estavam relacionados à indústria de bens de produção, que por sua vez sustentaria o desenvolvimento dos demais ramos industriais. No final do governo de Getúlio Vargas, em 1954, aquele Brasil de 1930, rural, agrário e fragmentado politicamente tinha se alterado profundamente. Em 1954 a idéia de nação brasileira havia sido construída sobre um país que se tornava industrial, urbano e com poder centralizado. Em 1956, o Programa de Metas de Juscelino Kubitschek provocou uma nova e importante transformação na economia brasileira, privilegiando o desenvolvimento econômico principalmente através da industrialização, e impulsionando o setor privado nacional e estrangeiro. No que toca a produção do espaço, ele investiu na construção de rodovias nacionais, buscando a integração territorial do país e a articulação interregional através das vias de circulação, além da construção de Brasília que abordaremos

Simone Martinoli Espaço nacioonal e Amazônia 61 de forma mais detalhada adiante, mas que forjou o mercado interno brasileiro e representou um avanço da ocupação territorial em direção ao interior do Brasil. A partir do Programa de Metas as rodovias se tornaram importante instrumento, senão o principal, no processo de consolidação da integração do interior do Brasil. A construção de estradas rodoviárias nas décadas de 1940 e 1950 visaram impulsionar a imprescindível incorporação ao mercado nacional das demais regiões brasileiras à região Sudeste desenvolvida. Regiões aquelas que teriam importante papel como fornecedoras de mão-de-obra e consumidoras e produtos manufaturados dos centros industrializados [...] 25 Os efeitos da implantação do Programa de Metas ultrapassaram qualquer outro plano de integração já implantado. Ele foi um plano de expansão industrial brasileira dentro do subsistema capitalista, ou seja, associado ao capital externo. Dentre seus efeitos está o acelerado processo de urbanização, que elevou o índice populacional urbano de 36,2% em 1950 para 44,6% em 1960. 26 SCHIFFER (1989) destaca, no entanto, que se por um lado as diretrizes do Programa de Metas induziram o aceleramento do processo de unificação do mercado nacional com 25 SCHIFFER, Sueli T. Ramos. 1999. São Paulo como pólo dominante do mercado unificado nacional. P.73-110. In: DEAK, C., SCHIFFER, S. T. R., (orgs.), O processo de urbanização no Brasil. Editora da Universidade de São Paulo. São Paulo, 1999. p.87. 26 SCHIFFER, Sueli T. Ramos. 1999. São Paulo como pólo dominante do mercado unificado nacional. P.73-110. In: DEAK, C., SCHIFFER, S. T. R., (orgs.), O processo de urbanização no Brasil. Editora da Universidade de São Paulo. São Paulo, 1999. p.96.

Simone Martinoli Espaço nacioonal e Amazônia 62 vistas a viabilizar a expansão da industrialização e, por outro, conduziram este processo de modo a restringi-lo, gerando uma acumulação entravada 27. Isso ocorreu, entre outros motivos, porque o incentivo à industrialização brasileira ocorrido no governo de Juscelino não significava o desenvolvimento da indústria nacional. Pelo contrário, diferentemente do modelo nacionalista de Vargas baseado no capital nacional, o desenvolvimento da indústria brasileira durante os anos J.K. foi marcado pela presença do capital internacional, o que consolidou uma economia dependente do sistema internacional. O que é essencial para a compreensão desse governo e da sua política econômica, é que se adotou, então, uma estratégia política de desenvolvimento que acabou por consolidar e expandir o capitalismo dependente; ou associado, segundo a perspectiva de cada governo da época. Assim, o que distinguiria as políticas econômicas dos governos de Getúlio Vargas (1951-1954) e Juscelino Kubitschek de Oliveira (1956-1960) seria o seguinte: teria havido uma transição (casual ou deliberada, conforme o nível em que se desenvolve a análise) de uma política destinada a criar um sistema capitalista nacional para uma política orientada para o desenvolvimento econômico dependente. 28 27 SCHIFFER, Sueli. 1989. As políticas nacionais e a transformação do espaço paulista 1955 1980. Tese de doutorado, Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo, 1989. p.30. 28 IANNI, Octavio. Estado e Planejamento Econômico no Brasil. Editora Civilização Brasileira. Rio de Janeiro, 1971. p. 149-150

Simone Martinoli Espaço nacioonal e Amazônia 63 Após um período de crise durante o governo de Goulart, quando as diretrizes políticas não chegaram a ser implantadas, o golpe militar de 1964 deu início a um novo e intenso processo de centralização das ações do Estado através do planejamento central, o que consequentemente levou a um também intenso processo de burocratização. As políticas implantadas pelo governo que se instaurou, tendo Castello Branco em seu comando, interferiram em todos os setores do sistema econômico brasileiro, no sentido de recolocação da elite brasileira no sistema capitalista, especialmente através da associação às empresas privadas estrangeiras. Com a implantação do PAEG Programa de Ação Econômica do Governo, elaborado em 1964, houve a intensificação da ação do Estado no conjunto da economia do país, a partir do que foram reformuladas as condições de reprodução da produção e da força de trabalho, atendendo às necessidades do processo capitalista. A partir da implantação do PAEG teve início o processo de modernização conservadora da atividade agrícola, organizado sobre a grande propriedade produtora de matéria-prima para exportação ou para o setor industrial. Esta modernização da atividade agrícola promoveu o processo de assalariamento do trabalhador rural e a instituição do crédito rural, que desestruturaram o tradicional processo de produção agrícola e geraram o exército de reserva de mão-de-obra rural e urbano, localizado próximo às áreas urbanas. Apesar de não ter sido implantado, o Plano Decenal de Desenvolvimento Econômico e Social (1967-1976) tem importância para nosso trabalho especialmente pelo destaque dado à integração nacional, principal objetivo da política econômico-territorial do

Simone Martinoli Espaço nacioonal e Amazônia 64 Estado brasileiro, e que seria incorporado nos próximos planos. Além da meta da integração nacional suas diretrizes priorizavam também o crescimento da indústria de base e a implantação de infra-estrutura nas áreas de energia, transportes e comunicações, com o objetivo de criação de um mercado nacional unificado através da integração das diversas regiões do país através da rede rodoviária. Seguindo basicamente a política anterior, o Programa Estratégico de Desenvolvimento, elaborado em 1968, já durante o governo de Costa e Silva (1967-1969), priorizou investimentos nas áreas de produção agrícola e infra-estrutura de transporte, energia e telecomunicações. Com relação à política industrial, assim como Castello Branco, Costa e Silva privilegiou o desenvolvimento industrial da empresa privada, nacional e multinacional. Em 1967 teve início o período conhecido como milagre econômico, marcado por um processo de acelerado crescimento econômico e de expansão industrial, que levou ao aumento da produção industrial, o crescimento do nível de emprego, o aumento das exportações, o crescimento da renda per capita, a redução da inflação e o aumento da arrecadação. No auge do período do milagre econômico, o Plano de Metas e Bases de Ação do Governo (1970-1973), elaborado no governo de Médici e centrado na manutenção do status quo, sistematizou mais de duzentos projetos prioritários que deveriam ser realizados no período de 1970-1973. Alguns destes projetos estavam diretamente relacionados à Amazônia a partir da integração nacional, da transferência de excedentes

Simone Martinoli Espaço nacioonal e Amazônia 65 populacionais, da expansão da fronteira agrícola e da modernização deste setor. Dentre os muitos programas, o PIN e PROTERRA foram desenhados especialmente com o propósito de ocupação da Amazônia 29. O I Plano Nacional de Desenvolvimento I PND, elaborado em 1971, reforçava a estratégia de expansão dos setores econômicos e as políticas territoriais. O tripé no qual estava baseado era: desenvolvimento econômico, integração nacional e justiça social. Tomava partido da dimensão continental do país e pretendia incluir regiões menos desenvolvidas no processo de desenvolvimento nacional, expandindo desta maneira a fronteira econômica e consequentemente o mercado nacional. Com relação ao sistema de circulação, caracterizado pelo sistema rodoviário, SCHIFFER (1999) afirma que a ampliação da rede nacional de rodovias era uma condicionante do processo de integração nacional que ocorrera a partir de São Paulo. Ela demonstra, a partir dos mapas a seguir, que o processo de penetração do espaço nacional ocorrido no período de 1955 1975, se deu a partir de São Paulo, com o objetivo de alargar o mercado consumidor brasileiro, que por sua vez, era condicionante do processo de desenvolvimento da produção industrial, baseada no modo de produção extensivo. Interligar o pólo industrial paulista às demais regiões visava, em primeira instância, alargar o mercado consumidor potencial dos produtos industrializados, além de propiciar a drenagem de mão-de-obra (qualificada ou não) e capitais dessas regiões para investimentos de maior 29 Os programas PIN e PROTERRA serão abordados de forma mais detalhada no item 2.2.3 deste capítulo.

Simone Martinoli Espaço nacioonal e Amazônia 66 rentabilidade nos novos empreendimentos de tecnologia avançada e produtividade superior. 30 Mapa 3.0 Principais rodovias pavimentadas - 1955 *Fonte: SCHIFFER, S. R. São Paulo como pólo dominante do mercado unificado nacional. 1999. p.92. 30 SCHIFFER, Sueli T. Ramos. 1999. São Paulo como pólo dominante do mercado unificado nacional. P.73-110. In: DEAK, C., SCHIFFER, S. T. R., (orgs.), O processo de urbanização no Brasil. Editora da Universidade de São Paulo. São Paulo, 1999. p.91

Simone Martinoli Espaço nacioonal e Amazônia 67 Mapa 4.0 Principais rodovias pavimentadas - 1964 *Fonte: SCHIFFER, S. R. São Paulo como pólo dominante do mercado unificado nacional. 1999. p.93.

Simone Martinoli Espaço nacioonal e Amazônia 68 Mapa 5.0 Principais rodovias pavimentadas - 1975 *Fonte: SCHIFFER, S. R. São Paulo como pólo dominante do mercado unificado nacional. 1999. p.105. O auge do processo de desenvolvimento que o Brasil estava vivendo aconteceu em 1973. A partir deste ano, a taxa de inflação - que viveu um processo de queda até este momento, voltou a crescer e a tendência ascendente da inflação alcançou a taxa média

Simone Martinoli Espaço nacioonal e Amazônia 69 de 60% no período de 1974 a 1981, contra 19,5% entre 1967 e 1973. Desta maneira o ano de 1973 marcou o início do processo de desaceleração do crescimento brasileiro. Apesar dos sinais de desaceleração, o II Plano Nacional de Desenvolvimento - II PND, elaborado em 1974, sob o governo Geisel, concebe o Brasil como um país em processo de desenvolvimento. A crise mundial [...]o teria atingido em meio a este processo [...]impondo uma correção de rota 31. Esta correção de rota não interferiu no objetivo de construir uma moderna economia industrial inserida no sistema capitalista internacional. A política de desenvolvimento proposta pelo II PND favorecia a acumulação desimpedida baseada na expansão do mercado interno. Este plano pretendia ajustar a economia brasileira à nova realidade mundial; consolidar uma economia moderna, criando e adaptando tecnologia; implantar nova etapa de integração nacional; e implantar uma estratégia de desenvolvimento social visando eliminar os focos de pobreza. Nele teve destaque a política dos pólos de desenvolvimento integrado e a política de desenvolvimento urbano, que deveriam consolidar alguns centros urbanos e torna-los pólos dinâmicos da economia regional, buscando minimizar as desigualdades regionais e promover a urbanização em áreas onde este processo era considerado fraco. Em outras palavras, a estratégia era expandir o mercado interno nacional. 31 CASTRO, A.B. & SOUZA, F.E.P. 1985. A economia brasileira em marcha forçada. Editora Paz e Terra. Rio de Janeiro, 1985. p.31.

Simone Martinoli Espaço nacioonal e Amazônia 70 Mapa 6.0 - Política Nacional de Desenvolvimento Urbano II PND *Fonte: BRASIL, Presidência. II Plano Nacional de Desenvolvimento. 1974. No entanto, a partir de 1976 diminui o ritmo das obras propostas pelo II PND. BRESSER (1986) chega a afirmar que este plano era inviável já a partir deste ano. Afirmação da qual CASTRO (1985) discorda, alegando que a estratégia do II PND permitiu a sustentação de uma elevada taxa de crescimento até o final da década dos 70. Além disto, por haver deslanchado transformações que se revelaram irreversíveis, sua influência projetou-se sobre o governo instalado em março de 1979 32 32 CASTRO, A.B. & SOUZA, F.E.P. 1985. A economia brasileira em marcha forçada. Editora Paz e Terra. Rio de Janeiro, 1985. p.46.

Simone Martinoli Espaço nacioonal e Amazônia 71 Fato é que, durante os últimos anos da década de 70, o crescimento da economia ainda que em processo de desaceleração, levou ao crescimento dos empréstimos realizados pelo Brasil, o que se transformou na principal restrição ao desenvolvimento econômico do país a partir de então. Apesar da crise econômica, ainda foi elaborado o III Plano Nacional de Desenvolvimento, pelo governo do presidente Figueiredo em 1980. Na prática, ele não foi implantado, encerrando o ciclo dos planos de desenvolvimento e da centralização do governo brasileiro. Na verdade, a maior importância deste plano, a partir do ponto de vista que nos interessa neste trabalho, foi o surgimento do tema do meio ambiente e das questões de preservação ambiental. Foi a partir do III PND, ainda em meados da década de 80, que ocorreram as primeiras demarcações de reservas extrativistas na Amazônia. A partir de meados da década de 80 houve um declínio absoluto dos investimentos e até mesmo a paralisação e abandono dos projetos em implantação. Houve também o processo de descentralização do Estado brasileiro. Até mesmo Golbery do Couto e Silva, defensor da centralização do Estado por quase três décadas, agora sugeria a descentralização sistemática do governo, transferindo aos Estados e municípios parte das ações até então implantadas e controladas pelo governo federal. Ao terminar, abruptamente, em 1981, o longo e intenso período de crescimento, datado de meados de 1967, a economia brasileira, com escalas e estruturas profundamente alteradas e colhendo os frutos da safra de

Simone Martinoli Espaço nacioonal e Amazônia 72 projetos integrantes da estratégia de 74 -, encontrava-se em plena mutação. Emergia, em síntese, uma nova estrutura, cujas relações com o exterior diferem enormemente do anteriormente estabelecido e explicam, no fundamental, as mudanças apontadas. 33 Se do ponto de vista das relações econômicas o período 1930-1980 foi marcado por movimentos oscilatórios provocados pelo processo de acumulação entravada no Brasil, o processo de produção do espaço refletir justamente estas oscilações. Apesar dos muitos investimentos ocorridos no período, entre eles a expansão da infra-estrutura energética, a implantação de rodovias e a criação de municípios, o processo de integração territorial e de alargamento do mercado nacional, o processo de produção do espaço nacional não envolveu o território brasileiro de maneira homogênea, refletindo justamente o processo de acumulação entravada no Brasil. SCHIFFER (1999) explica como isto ocorre da seguinte maneira: as desigualdades na distribuição espacial das atividades produtivas e da renda, mais do que heranças coloniais, fazem parte da própria acumulação capitalista além de particularmente constituírem instrumentos auxiliares para o controle do desenvolvimento das forças produtivas internas como forma de manutenção da classe dominante 34. 33 CASTRO, A.B. & SOUZA, F.E.P. 1985. A economia brasileira em marcha forçada. Editora Paz e Terra. Rio de Janeiro, 1985. p.14. 34 SCHIFFER, Sueli T. Ramos. 1999. São Paulo como pólo dominante do mercado unificado nacional. P.73-110. In: DEAK, C., SCHIFFER, S. T. R., (orgs.), O processo de urbanização no Brasil. Editora da Universidade de São Paulo. São Paulo, 1999. p.101.