VIOLÊNCIA CONTRA CRIANÇAS: UM ESTUDO DE CASOS RELATADOS EM CONSELHOS TUTELARES DA INFÂNCIA E DA ADOLESCÊNCIA.



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Transcrição:

VIOLÊNCIA CONTRA CRIANÇAS: UM ESTUDO DE CASOS RELATADOS EM CONSELHOS TUTELARES DA INFÂNCIA E DA ADOLESCÊNCIA. Paulo de Tarso Oliveira - Uni-FACEF Introdução O trabalho discute alguns dados obtidos em um estudo mais amplo, a respeito de atendimentos feitos em Conselhos Tutelares da Infância e Adolescência de casos envolvendo violência contra crianças 1. Os estudos são feitos em Conselhos Tutelares de 5 cidades do Estado de São Paulo, abrangendo tanto a quantificação e descrição dos atendimentos, quanto à observação das concepções e opiniões de pessoas envolvidas nas tarefas de atendimento. 2 As conclusões são agrupadas em duas categorias: 1-a concepção das comunidades a respeito da existência, em seu seio, de casos de violência contra crianças, antes e depois da implantação do Conselho Tutelar; 2- a eficácia da atuação dos Conselhos na solução de problemas dessa natureza. Na presente comunicação, são apresentadas considerações parciais acerca das duas mencionadas categorias. Tem-se admitido que a proteção jurídica, juntamente com a atuação comunitária, em relação ao ser humano em suas fases iniciais de desenvolvimento são formas de assegurar a garantia de direitos humanos, preservando a integridade e a saúde mental de crianças e adolescentes. A preocupação em assegurar condições adequadas a esse desenvolvimento implica, necessariamente, na compreensão de aspectos psicossociais. O estudo dos Conselhos Tutelares da Infância e Adolescência pode, sem dúvida, contribuir para uma avaliação de seu papel na solução de problemas envolvendo crianças e adolescentes, bem como da lei enquanto instrumento de transformação da realidade social. Como pode igualmente contribuir para a

compreensão das relações entre Psicologia e Direito e, sobretudo, para ampliação das relações entre psicologia e justiça. Surgem daí algumas questões. A simples promulgação de uma lei não garante a transformação da realidade. Principalmente quando se trata de leis que vão alem de regulamentar fatos já consolidados na sociedade, introduzem inovações e propõem novos procedimentos, novos modos de agir que, por sua vez, implicam em novos modos de pensar. Por outro lado, deve-se observar que a implantação e funcionamento de órgãos dessa natureza sofrem a influência de fatores diversos: sociais, políticos, econômico-financeiros e administrativos. Os fatores de natureza cultural, especialmente costumes e valores, permeiam as atividades dessas instituições. Decorre daí a relevância, cientifica e social, de se detectar o modo como atuam esses fatores e a influência específica de cada um. O Estatuto da Criança e do Adolescente e os Conselhos Tutelares No Brasil, o modelo, historicamente engendrado, de atendimento à infância e adolescência, foi de caráter correcional-repressor e assistencialista. Conforme assinala Paulo Afonso Garrido de Paula (2002 p 11) Crianças e adolescentes, obviamente, participam de relações interpessoais. Sempre participaram. Contudo, somente recentemente suas principais vinculações com o mundo adulto foram agregadas ao universo do Direito. (...) Figuravam, em regra, como meros objetos da intervenção do mundo adulto, sendo exemplificativa a utilização da velha expressão pátrio poder, indicativa de uma gênese onde o Direito tinha como preocupação disciplinar exclusivamente as prerrogativas dos pais em relação aos filhos, suas crias. Deve-se observar também que, no âmbito penal, houve período em que o ordenamento jurídico contemplava punições para infrações praticadas por crianças e adolescentes, considerando-os capazes de suportar as repressões, inclusive físicas. Esse modelo, representado pela tutela do mundo adulto, pela proteção à sociedade em relação aos crimes praticados por crianças e adolescentes e pelo conjunto de regras supostamente tutelares, destinadas ao tratamento de

patologias sociais representadas pelas crianças infratoras (GARRIDO DE PAULA, 2002, p21-22), passou a ser alvo, nos anos oitenta, de intensa crítica por parte dos movimentos que se firmaram em torno dos direitos de crianças e adolescentes. Essa movimentação, que alcançou largo espectro na sociedade, passou a ter ampla repercussão e resultou numa nova visão sobre a infância e adolescência, representada, no plano legal, pela Constituição Federal de 1988, e pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n.o. 8069), vigente a partir de 1999. Na base dessas proposições estava o reconhecimento da diferenciação, sobretudo psicológica, dos seres humanos em fase de desenvolvimento. Reconhecimento este que está bem expresso nas palavras de Jorge Trindade (2004 p 65-66):... a noção clara da etapa do desenvolvimento configura um fator muito importante que não pode ser menosprezado no estudo das mais variadas questões jurídicas, as quais devem ser analisadas à luz das especificidades próprias da etapa do desenvolvimento em que cada um se encontra. Assim, por exemplo, o Estatuto da Criança e do Adolescente pressupõe as noções de infância e adolescência, enquanto o Código Penal se alicerça na idéia da maioridade. Já o Estatuto do Idoso contempla sujeitos que se encontram em outra etapa do ciclo vital e que devem ser compreendidos pelo direito, tendo-se em vista as características que são inerentes a esse momento da vida. Com efeito, a Constituição Federal, especialmente em seu artigo 227, estabeleceu: É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. Por seu turno, a Lei n.o.8069, de 13 de junho de 1990, conhecida como Estatuto da Criança e do Adolescente (e muitas vezes simplesmente pela sigla ECA) revoga a legislação anterior (Código de Menores e Política Nacional de Bem

Estar do Menor) e vem a constituir-se como principal referencia das mudanças. De fato, o ECA representa uma conquista social e configura-se como uma legislação que reflete as aspirações de mudanças, acatadas socialmente, no enfoque das questões relativas à infância e adolescência. As características principais do ECA são representadas pelo foco nos direitos da criança e do adolescente, pela ampliação da responsabilidade da comunidade, da família e do Estado e pela afirmação do conceito de proteção integral e não apenas voltado a situações irregulares. Essa nova legislação busca também substituir a repressão por procedimentos sócio-educativos e uma ênfase no conceito de emancipação como alvo bem mais amplo do que a simples assistência. Em consonância com essas mudanças de conteúdo e métodos, o Estatuto contempla também proposições de novas formas no enfrentamento e gestão das condutas diante das questões da infância e da adolescência. Nesse sentido, propõe a descentralização, a municipalização e a participação da comunidade, não só na gestão de recursos, mas em todo o processo de atendimento, através de diversos modos de ação, incluindo os Conselhos Municipais. Instituiu o Conselho Tutelar da Infância e Adolescência e o definiu: Art. 131 O Conselho Tutelar é órgão permanente e autônomo, não jurisdicional, encarregado pela sociedade de zelar pelo cumprimento dos direitos da criança e do adolescente, definidos nesta Lei. Assim instituídos, os Conselhos Tutelares, de âmbito de ação municipal, são órgãos de atuação extrajudicial. A atuação desses colegiados, tal como formulada pela Lei, corresponde plenamente aos anseios de considerar crianças e adolescentes como sujeitos de direitos, bem como aos de pretender uma intervenção da sociedade no processo como um todo e não apenas nos aspectos disciplinares e judiciais. Conselhos Tutelares e atuação comunitária no atendimento de casos de violência contra crianças. A partir de sua criação, passam a vivenciar situações das mais diversas, que abrangem, por exemplo, a relação entre a violência e a criança, criança e trabalho, o abandono e as questões de encaminhamento educacional de crianças

e jovens, a delinqüência juvenil, as repercussões da separação dos pais, as questões de pátrio-poder e guarda de filhos etc. Como se percebe, a legislação instituiu o Conselho Tutelar como forma não jurisdicional. A atuação desses colegiados, tal como formulada pela Lei, corresponde plenamente aos anseios de considerar crianças e adolescentes como sujeitos de direitos, bem como aos de pretender uma intervenção da sociedade no processo como um todo e não apenas nos aspectos disciplinares e judiciais. Sua atuação pode repercutir intensamente no espectro social e psicológico. O estudo dos Conselhos Tutelares pode, sem dúvida, contribuir para uma avaliação de seu papel na solução de problemas da infância e adolescência e da lei enquanto instrumento de transformação da realidade social. Como pode igualmente contribuir para a compreensão das relações entre Psicologia e Direito e, sobretudo, para ampliação das relações entre psicologia e justiça e da consolidação de direitos humanos. O presente trabalho discute alguns dados obtidos em um estudo mais amplo, a respeito de atendimentos feitos em Conselhos Tutelares da Infância e Adolescência de casos envolvendo violência contra crianças. Os estudos são feitos em Conselhos Tutelares de 5 cidades do Estado de São Paulo, abrangendo tanto a quantificação e descrição dos atendimentos, quanto à observação das concepções e opiniões de pessoas envolvidas nas tarefas de atendimento. Tais estudos ainda estão em andamento e, portanto, os recortes aqui considerados não têm caráter de interpretação definitiva. Reiteramos que são parcelas de um todo maior de investigação em andamento. As categorias de análise: concepção comunitária da violência contra crianças e eficácia dos Conselhos Tutelares. Especificamente, para o presente trabalho, são consideradas as categorias seguintes: 1-a concepção das comunidades a respeito da existência, em seu seio, de casos de violência contra crianças, antes e depois da implantação do Conselho Tutelar; 2- a eficácia da atuação dos Conselhos na solução de problemas dessa natureza. Na primeira categoria, observa-se uma lenta, porém gradual, ampliação da consciência de que existam problemas de violência contra crianças nas respectivas comunidades. Antes da implantação dos Conselhos Tutelares, notava-

se uma resistência forte em admitir a existência de tais problemas. Tornou-se comum a concepção do tipo: aqui não temos disso, que é coisa de cidade grande. Com a implantação dos Conselhos Tutelares, esse tipo de concepção tende a diminuir, embora permaneça existindo em grande parte das pessoas. A existência do Conselho Tutelar, quer pelo fato de ser constituído por cidadãos comuns da comunidade e não pelas autoridades, quer pelo fato de intermediar recursos comunitários, faz com que circulem mais informações a respeito da existência desses casos, dificultando, cada vez mais, a atitude de negação. Quanto à segunda categoria, pode-se considerar que o simples fato de os Conselhos Tutelares, a partir do momento em que passam a existir, gerarem mais informação na comunidade a respeito da existência de problemas de violência contra crianças, já se pode contabilizar isso como crédito de sua eficácia. No entanto, uma perspectiva aponta na direção de dificuldades em alcançar eficácia mais plena. De fato, a atuação dos Conselhos tem sido predominantemente de encaminhamentos dos casos a autoridades ou a eventuais recursos comunitários. De outro lado, têm-se observado tanto um aumento considerável de casos de violência contra crianças chegados aos Conselhos, como igualmente vários casos de reincidência. Apenas para exemplificar, em um só dos Conselhos Tutelares pesquisados, em uma cidade de pequeno porte, somente no mês de janeiro de 2006, foram atendidos 9 (nove) casos de maus tratos de crianças em casa, três deles com espancamento; 1(um) caso de adolescente espancada e 8 (oito) casos de brigas de casal, com uso de álcool e drogas, envolvendo crianças. Considerações finais. Os Conselhos, até agora, tem atuado predominantemente como despachantes, ou apenas como intermediários. Reconhece-se, é claro, que os Conselhos não tem função judicial nem poderes para criar os equipamentos sociais adequados à solução desse tipo de problemas. No entanto, uma de suas atuações possíveis seria o desenvolvimento de esforços e ações para a criação, na comunidade, das condições e recursos necessários ao enfrentamento com êxito de tais problemas. Tal como foram concebidos no Estatuto da Criança e do

Adolescente, devem ter como principal missão a canalização e a integração dos esforços das famílias, das autoridades e da comunidade. Enquanto isso não se efetiva, parece fatal o aumento dos casos e as reincidências, postergando a efetivação de direitos e prolongando o sofrimento e a proliferação de condições nocivas à saúde mental. REFERÊNCIAS BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, de 1988. 33 ed. São Paulo: Saraiva, 2004. BRASIL. Lei Federal n.º 8.069, de 13 de junho de 1990. PAULA, Paulo A.G. Direito da criança e adolescente e tutela jurisdicional diferenciada. São Paulo: RT, 2002. TRINDADE, Jorge. Manual de psicologia jurídica para operadores do direito. Porto Alegre: Livraria do Advogado Ed., 2004. 1 A duração prevista do estudo é trienal (2006-2008), com dados coletados a cada ano. 2 A coleta de dados conta com a participação de alunos do Curso de Direito da Faculdade Dr. Francisco Maeda, de Ituverava, SP.