MATEMÁTICA E MÚSICA: UMA PROPOSTA DE ABORDAGEM NO ENSINO FUNDAMENTAL Fábio Alexandre Borges 1 Faculdade Estadual de Ciências e Letras de Campo Mourão - FECILCAM Universidade Estadual de Maringá - UEM/PCM João Paulo Cechella Gomes 2 Faculdade Estadual de Ciências e Letras de Campo Mourão - FECILCAM Resumo: Considerando a possibilidade da Interdisciplinaridade para o ensino de Matemática, lança-se um olhar sobre as relações já anunciadas entre Música e Matemática com o intuito de uma abordagem de atividades que, além dessa relação, explore sua potencialidade no ensino da disciplina. Relatamos nesse trabalho a realização de um minicurso com a participação de alunos das 6 as e 7 as séries do Ensino Fundamental. Usamos a analogia presente entre Frações e Figuras Rítmicas, e observamos que usando tal analogia muitos alunos que não compreendia operações simples com Frações, puderam repensar conceitos relacionados à esse conteúdo e evidenciar sua importância. Além disso, outros objetivos foram traçados, dentre eles, contribuir para uma formação dos educandos vinculada com a história e a cultura musical. Palavras-chave: Ensino de Matemática, Frações, Música e construção de instrumentos musicais. Introdução Quando ouvimos um concerto musical ou apreciamos um instrumento construído por um Luthier 3, muitos de nós não atentamos para o fato de que por trás dessas duas artes existem inúmeras relações matemáticas. Desde a antiguidade se sabe sobre o enlace harmonioso entre a matemática e a música. Contudo, com o passar do tempo, as discussões acerca das relações entre essas duas áreas foram se perdendo. Tal fato talvez se dê considerando que seus registros em quase todas as civilizações antigas eram feitos separadamente. Isso nos faz pensar que em algum momento o homem tenha começado a avaliar as relações entre a Matemática e a Música em uma perspectiva mais científica, como por exemplo: o assoprar de um osso, verificando que este produzia sons diferentes, os 1 Docente da Faculdade Estadual de Ciências e Letras de Campo Mourão FECILCAM. Doutorando do PCM/UEM (Programa de Pós-graduação em Educação para a Ciência e a Matemática. 2 Licenciado em Matemática pela FECILCAM Faculdade Estadual de Ciências e Letras de Campo Mourão. 3 Nome do ofício daqueles que constrói artesanalmente instrumentos musicais 1
quais eram proporcionais ao tamanho do osso, ou dependia da posição dos buracos. Seria essa a origem da flauta? [...] em algum momento o homem tenha começado a conjecturar relações entre a matemática e a música seja, por exemplo, através do fato de que a corda de um arco e flecha maior, mais grossa ou ainda menos tensa produza sons mais graves [...] (ABDOUNUR, 2006, p.7) Hoje, no seio das discussões acerca do Ensino de Matemática, surgem diversas possibilidades de atividades que dêem significados aos conceitos ensinados na escola. O presente relato apresenta uma experiência didática no ensino de Matemática em caráter de Estágio Supervisionado, em um estabelecimento público da cidade de Campo Mourão (PR). Trata-se de uma proposta de atividades que explorem a potencialidade pedagógica da construção, análise de instrumentos musicais, ou mesmo em composições. O objetivo principal foi fazer das relações entre a Matemática e a Música uma transposição de conhecimentos e conceitos presentes nessas duas ciências para a sala de aula, e não simplesmente apresentar algo diferente aos alunos sem qualquer objetivo pedagógico. Cabe ressaltar a escassez de trabalhos que tratem da relação Música e Matemática no âmbito pedagógico. Para a realização desta experiência, serviram de apoio teórico os trabalhos de Vaz (2006) e Ratton (2003). A proposta do minicurso: Matemática e Música. A escola disponibilizou uma sala com espaço suficiente para a realização da oficina, bem como um data-show e um computador. Os alunos convidados eram das 6 as e 7 as séries do Ensino Fundamental e estudavam no período matutino, sendo o minicurso realizado durante a tarde. Na primeira turma em que fizemos a divulgação, falamos que tratava-se de um curso relacionando música com a matemática, e quase todos os alunos (apenas 2 não levantaram a mão) prontificaram-se a participar do minicurso. Com o passar do tempo, porém, uma parte deles deixou de comparecer às atividades. 2
O minicurso foi dividido em três dias de 2 horas/aula cada. Descrevemos a seguir as atividades, os recursos e os procedimentos realizados durante cada dia da oficina. 1 dia Como objetivo inicial para esse dia, buscou-se definir de maneira informal música e seus elementos, conceitualizar ritmo, pulsação, bem como relacionar as figuras rítmicas com o conteúdo de frações e explanar sobre as notas musicais, além de definir sons graves a agudos. Os recursos foram: Notebook e data-show, lápis e papel, quadro e pincel, violão, relógio com cronômetro e Cd com músicas. A aula iniciou-se com um questionário, para que os alunos escrevessem suas relações com a matemática e com a música. O questionário tinha as seguintes questões: 1 - Você ou alguém da sua família tem algum contato com a música (gosta de ouvir, faz algum curso ou já fez, costuma freqüentar shows, etc)? 2 - Você gosta de matemática? Como você considera o seu aprendizado nessa disciplina? 3 - Você acha que a matemática e a música podem apresentar alguma relação? Explique. 4 - Uma vez eu ouvi uma história que falava sobre um homem chamado Pitágoras. Segundo ele, a matemática e a música possuem coisas em comum. Você acredita nessa história? A finalidade das questões foi obter informações sobre os conhecimentos prévios que eles tinham sobre a música e a relação que eles percebiam (ou não) com a matemática, para que pudéssemos compreender um pouco mais aqueles estudantes e sua convivência com os temas. Em seguida, foi proposta uma questão para que pudéssemos definir Música, bem como seus elementos. A partir dessa reflexão, definimos formalmente os elementos da Música: Melodia, Ritmo e Harmonia, dando maior atenção para os dois primeiros. A primeira atividade foi colocar uma música para os alunos e pedido para que eles contassem quantas batidas (acompanhando o andamento da música com a mão, ou o pé, por exemplo) por minuto a música possuía. A partir daí foi apresentada uma 3
partitura, e explicados alguns conceitos básicos da linguagem musical, como pauta, clave, tempo, compasso, fórmula de compasso, sendo também apresentadas aos alunos as figuras rítmicas, tentando já aí relacionar matematicamente esse tema com frações. Foram propostos alguns exercícios de soma de figuras rítmicas e de leitura rítmica. No final da aula foi falado sobre as notas musicais, sons graves e agudos, finalizando com uma atividade de descontração, igual à brincadeira do Morto e Vivo, porém com sons graves (baixo, morto) e agudos (alto, vivo). 2 dia No segundo dia procuramos relacionar o conceito de fração com figuras rítmicas, de modo que o aluno conseguisse somar frações simples, bem como entender frações equivalentes. Musicalmente, o aluno teria condições de criar ritmos musicais por meio das somas de frações, isso tudo para que ele pudesse, além de aprender as operações citadas, começar possivelmente a perceber a relação entre a Matemática e a Música. Os recursos utilizados foram: Notebook e data-show, lápis e papel, quadro e pincel, violão e o software Guitar Pro 5 4. A aula teve início com uma breve explanação sobre frações. Em seguida, foram propostos alguns exercícios simples de somas de fração e outros de fração equivalente de um modo mais tradicional. Aqui cabe ressaltar que muitos alunos tiverem dificuldades e quase todos se equivocaram nos exercícios. Logo em seguida, foi apresentada a eles uma tabela com subdivisões de um inteiro, e ao lado as Figuras Rítmicas de forma similar. Seguem abaixo as figuras e exercícios apresentados aos alunos. FRAÇÃO E RITMO 4 Software de diagramação musical que permite, além de escrever as notas musicais na pauta musical, ou pauta tablaturada, é possível ouvir tudo o que é escrito em formato MIDI. 4
1) A partir das tabelas acima calcule quanto é: a) ¼ + ¼= b) ½ + ½= c) ¼ + 1/8 +1/8= d) ½ + 1/4= e) 2/4 + 1/8= f) 3/8 + 2/16= 2) Marque as frações equivalentes: a) 2/4 e 1/2 b) 2/3 e 1/6 c) 4/8 e 1/2 d) 4/8 e 2/4 e) 3/4 e 6/8 f) 3/8 e 6/16 g)3/4 e 5/8 h) 5/8 e 10/16 3) Em um compasso 4/4 a semibreve vale 4 tempos, a partir disso responda quantas: a) Colcheias cabem em um compasso? b) Mínimas? c) Semínimas? d) Semicolcheia? 4) Você poderia colocar em um compasso 4/4 três mínimas? Por quê? 5) Nesse momento você dever ter percebido que pode combinar figuras rítmicas em um compasso. Preencha os compassos abaixo. Em seguida, apresentamos o software Guitar Pro 5, especificamente a função que escreve as notas na partitura ou tablatura e ainda permite que tudo o que é escrito possa ser reproduzido em forma de som. 5
Importante registrar também o fato de que, em pesquisas com o envolvimento direto do pesquisador junto aos sujeitos analisados em uma situação didática, ocorrem fatos que exigem do pesquisador uma nova revisão das estratégias de ação. Observou-se a necessidade de uma atenção maior para as questões puramente matemáticas, imaginadas anteriormente como de fácil assimilação pelos alunos, o que não ocorreu na realidade. Usamos as repostas do exercício cinco da atividade fração e ritmo para que pudessem escutar suas composições (no formato percussivo) com o auxílio do software Guitar Pró. Algo interessante é que quando o aluno escrevia na partitura do software, e caso estivesse faltando ou sobrando tempo, ou seja, se em um compasso 4/4 que cabe 1 semibreve, ou 2 semínima, etc., ele colocar 3 semínimas, por exemplo, aparecia o compasso em vermelho indicando que algo estava errado, o que fez com que eles dedicassem maior atenção na hora de somar as frações, pois não queriam que seus compassos ficassem vermelhos 5, motivo de risos entre os alunos. No final colocamos para tocar as criações dos alunos no programa (2 compassos cada um). Muitos saíram falando que eram compositores. Janela Principal do Guitar Pro 5 No software Guitar Pró 5, quando se escreve um compass errado ele mostra tal compasso em vermelho, indicando erro na soma das figuras rítmicas escritas. 6
3 dia O terceiro e último encontro mostrou que os alunos estavam entusiasmados com as composições rítmicas da aula anterior. Tentamos nesse dia simular a experiência de Pitágoras, mas, ao invés do monocórdio, fazê-la por meio de tubos de mangueira, tipo Flauta Pã, visando explorar frações e relacionando com sons/intervalos musicais. Como recursos, dispomos de: Notebook e data-show, lápis e papel, quadro e pincel, violão, mangueira e tampinhas de plástico para tampar uma das extremidades da mangueira, tesoura e fita adesiva. A aula teve início com uma breve explanação sobre intervalos e consonâncias musicais. Com o violão, foram tocados alguns intervalos consonantes e outros muito dissonantes, sendo que a maioria conseguiu dizer quais intervalos eram agradáveis, e quando ouviam os dissonantes eles faziam uma cara feia. Na sequência, com um tubo de mangueira de 24 cm, começamos a cortar outros tubos com medidas, por exemplo, 1/2, 2/3 e 3/4. Isso fez com que víssemos o cálculo de um número inteiro multiplicado por uma fração. Alguns não lembravam, então achamos interessante voltar para esse tema. Por segurança, nós mesmos cortamos a mangueira com as medidas por eles dadas. Em seguida, assopramos o tubo original com o outro pela metade. Ao perguntarmos se o som combinava com o primeiro, os alunos unânimes responderam que sim. De maneira análoga, fizemos com os outros dois tubos e obtivemos respostas afirmativas para a pergunta inicial, demonstrando assim que consonâncias musicais têm relações com razões de pequenos números inteiros, experiência esta feita por Pitágoras no século VI a.c. Algumas considerações. Devido às inúmeras tecnologias e a vasta quantidade de informações, relacionar a matemática e a música, hoje em dia, não é algo tão difícil. Explorar essas relações didaticamente é que se torna o maior desafio. E ainda, explorar de forma com que o aluno consiga aprender matemática por meio dessas propostas. Logo, se estudarmos as relações entre a matemática e a música no contexto pedagógico-matemático, que é o objetivo desse trabalho, ajudando o aluno a aprender, por exemplo, frações e relacionando-as com figuras rítmicas, estaremos cumprindo 7
aquilo que foi proposto inicialmente, ou seja, estudar tais relações com o objetivo do aluno aprender matemática. Com o desenvolvimento das atividades na oficina, foi possível trabalhar com as relações entre a matemática e a música, e, assim, verificar que essas relações não apenas existem, mas podem ser úteis para a aprendizagem da matemática, seja por meio de analogias, seja como instrumento motivador, ou outra abordagem. Além disso, a matemática sendo abordada dessa nova maneira faz com que os alunos percam um pouco do preconceito em relação a essa disciplina, vendo a importância da matemática em algo que faz parte constantemente de suas vidas, como a música. A analogia feita entre frações e figuras rítmicas é apenas um dos temas em que podemos relacionar a matemática com a música. Durante a pesquisa para a realização desse trabalho, foi possível contemplar outros conteúdos matemáticos, em diversos níveis escolares, relacionando-se com a música, servindo assim de sugestão para futuros trabalhos na área. Podemos citar: 1. Razões X Consonância musical. 2. Senóide X Som. 3. Logaritmos X Temperamento. 4. Série de Fourier X Série harmônica. Finalizando, como podemos observar, a matemática está presente desde a gênese da música: o som, passando pela teoria musical, pelas construções e aprimoramento dos instrumentos musicais, pelos meios de gravação e reprodução de música, até chegarmos atualmente na era da música digital. Como auxílio nas nossas reflexões, segue abaixo a fala de um dos participantes do minicurso, ao final das atividades. 8
Referências ABDOUNUR, Oscar João. Matemática e Música: pensamento analógico na construção de significados. São Paulo: Escrituras Editora, 2006. RATTON, Miguel. Música e Matemática: A Relação Harmoniosa entre Sons e Números. Disponível em <http://www.tvebrasil.com.br/salto/cronograma2003/ame/ametxt5.htm> Acessado em 10/08/2009. VAZ, L.J.L.da Rocha. Música e Matemática: Novas tecnologias do ensino em uma experiência interdisciplinar. 2006. Dissertação (Mestrado em Ensino de Ciências e Matemática) Cefet RJ. Rio de Janeiro. 2006. 9