Revista Eletrônica Inter-Legere: Número quatro, dois anos

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Transcrição:

135 GILERLÂNDIA PINHEIRO DE ALMEIDA NUNES 78 Mestranda do PPGCS/UFRN. Resenha do livro: MARX, Karl. O 18 Brumário de Luís Bonaparte. Disponível em: http://ateus.net/ebooks/geral/marx_o_18_brumario_de_luis_bonaparte.pdf. Acesso em: 08 jul. 2008. Estas Notas Preliminares de Leitura são uma breve apresentação do livro O 18 Brumário de Luís Bonaparte, procurando fazer uma discussão acerca de alguns pontos, considerados importantes, na obra de Karl Marx, como: lutas de classes, materialismo dialético, entre outros. Dessa forma, serão priorizadas as lutas pelo poder político e econômico em que estiveram envolvidas: a nascente burguesia francesa e as diversas classes socioeconômicas existentes naquele momento histórico, que culminaram no inesperado Golpe de Estado que colocou Luis Bonaparte à frente do governo francês, numa administração ditatorial que herdou o seu nome Bonapartismo. Assim, como outros autores clássicos, Karl Marx juntamente com Friederich Engles desenvolveram um método próprio para a compreensão da sociedade. Esse consiste numa análise que leva em consideração a história, mas não somente ela. As relações materiais de produção têm um lugar central em todas as suas análises, sejam elas de cunho estrutural ou conjuntural. O método denominado de materialismo histórico dialético não teve propriamente uma obra que se prestasse a explicá-lo em seus mínimos detalhes; no entanto, sua aplicabilidade pode ser verificada claramente no livro O 18 Brumário de Luís Bonaparte 79. 78 Bolsista do CNPq e orientanda da Profa Dra. Maria Lúcia Bastos Alves. 79 Escrito entre dezembro de 1851 e março de 1852.

136 Neste, Marx trabalha toda a conjuntura social, política e econômica da França, em um determinado período histórico, que vai desde a eleição, que coloca Luís Bonaparte à frente do Estado francês, até seu Golpe de Estado (de 1848 até 1851). Embora este livro, e toda a obra de Karl Marx tenham sido estudados de maneira contundente aos longo dos anos e se encontrem muitos trabalhos escritos, a partir de suas idéias e conceitos, é sempre uma aventura relê-los. Muitas vezes significa redescobrir um fato novo, ou não tão novo assim, mas é que a relevância da compreensão da sociedade por Marx, naquele momento histórico, é imprescindível para a história da Sociologia, mesmo que esse autor não estivesse preocupado com a criação de uma nova ciência. É por isso que, reler ou escrever sobre Marx é uma forma de não deixar que seus esforços sejam relegados ao esquecimento e, mais que isso, saber que podem ser utilizados para interpretar o mundo atual, tamanha é a atualidade da maioria de seus constructos, daí terem se tornado clássicos. A feitura destas Notas foi estimulada, graças à leitura de várias obras de Marx, durante a disciplina Teorias Sociais Clássicas, na Pós-Graduação em Ciências Sociais, Mestrado e Doutorado, ministrada pelo Prof. Dr. José Willington Germano, na Universidade Federal do Rio Grande do Norte, em 2008.1, e esta, aqui privilegiada, foi apresentada em um seminário. Para isso, foram feitas algumas leituras prévias do livro, em questão e a apresentação do trabalho em aula. Após essa dedicação ao livro, a organização de um texto que pudesse facilitar o encontro de outras pessoas com a leitura marxiana se tornou uma responsabilidade clara. Então, como os caros leitores, que por ventura tiverem curiosidade em conhecer um pouco mais O 18 Brumário de Luís Bonaparte verão que este texto estará organizado de forma cronológica, tentando facilitar a compreensão de todos. Com a perfeita descrição e análise dos acontecimentos revolucionários de todo o período de 1848 até 1851, O 18 Brumário de Luis Bonaparte trata dos fatos que desencadeiam o período de ditadura do Estado Bonapartista, 80 quando Luís Bonaparte assume o poder (através de um golpe) e governa em forma de império. Os leitores deste livro terão oportunidade de conhecer tanto os episódios como os caminhos percorridos, algumas vezes, circunstancialmente, outros premeditados, mas que desembocou num único trilho: o do governo centralizado numa só pessoa. É claro que não se anunciava desde o princípio esse fim, mas quando Marx diz: Os homens fazem sua própria história, mas não a fazem como querem; não a fazem sob 80 Modelo de Estado instaurado por Luís Bonaparte na França, a partir do golpe de Estado, de 02 de dezembro de 1851. Esse modelo tomou tamanha abrangência que é possível analisar outros estados ditatoriais através dele, inclusive, na atualidade.

137 circunstâncias de sua escolha e sim sob aquelas com que se defrontam diretamente, legadas e transmitidas pelo passado (2008, p. 2). Ele nada mais quer dizer que o traçado das circunstâncias faz o presente e, que mesmo os homens se deparando com condições de existências legadas pelo passado, ainda assim, eles são os únicos responsáveis pela transformação da sociedade e mudança de suas condições existenciais. E seja lembrado que, para Marx, o homem sozinho não e o responsável pela construção de sua história, mas as massas, ou seja, somente a conjunção de fatores leva a um desfecho histórico-social. No decorrer do livro, é evidente o valor que é dado à questão das lutas de classes. Através do antagonismo entre as diferentes classes francesas, do século XIX, pode-se compreender como se dá o processo histórico. Cada classe a seu modo se dispunha a lutar pelo poder político como forma de instaurar e consolidar o seu estilo, modo de vida. A burguesia, por seu lado, encontrava-se em meio a uma busca desesperada pelo poder político, o qual garantiria como conseqüência a expansão do poder econômico, e, para isso, faz uso de expedientes diversos e, muitas vezes, perversos. A França, numa fase de monarquia absoluta, pré-revolução de 1789, apresentava um considerável atraso econômico. As precárias condições sociais da população contrastavam com os gastos excessivos de sua Corte, tanto em luxo quanto em envolvimento em guerras como: a da Independência dos Estados Unidos (1783) e a dos Sete Anos (1756-1763). A burguesia em ascensão passa então a questionar a estrutura do Ancien Régime, pois o Estado francês não respondia mais à realidade econômica suscitada pelas nascentes forças econômicas e produtivas, que estavam em gestação naquele contexto histórico e social. Destarte, em 5 de maio de 1789, têm início os acontecimentos que vão mudar consideravelmente a história da França. A Revolução Francesa não foi um acontecimento imediato, mas um processo que se estendeu durante um longo período, no qual forças políticas emergiram daquela sociedade marcada pela insatisfação, seja a porção da população que vivia no campo em precárias condições de existência ou a porção urbana da burguesia nascente que pretendia ampliar suas fronteiras comerciais. Mas, não cabe aqui um inventário do processo revolucionário como um todo, mas apenas uma pequena introdução, para que se possa dissertar sobre o jogo político e social pelo qual passava a França no período de 1848 a 1871. Por esse motivo, a burguesia sentiu-se muito à vontade em apoiar o emergente general Napoleão Bonaparte para representar seus interesses. Bonaparte assim o fez; ao chegar ao poder apagou do cenário daquela sociedade as instituições sociais que por ventura pudessem lembrar o antigo regime e, de alguma maneira, impedir o desenvolvimento das forças

138 produtivas. Foram, então, criadas todas as condições favoráveis ao novo modo de produção. O poder ficara então concentrado em mãos de uma pessoa, mas que governará para uma classe; a burguesia financeira. Entra em campo (jacobinos-bourbons) e cidade (girondinos-orléans), 81 o poder irá se revezar até que os desdobramentos históricos culminem na vitória da eleição de Luís Bonaparte (sobrinho). Durante todo este processo poderá ser observada a manipulação das classes dominantes sobre as outras, seja em regimes monárquicos ou republicanos. A classe operária, por exemplo, se coloca numa luta armada na Insurreição de Junho 82, incitada pela alta burguesia republicana que almeja o domínio e o conseqüente fim da aristocracia financeira. O proletariado não possuía uma estratégia política própria, mas sente-se vencedor de uma briga que não era verdadeiramente sua, e não atenta para as novas coligações que a sociedade francesa vai formar, às pressas, para livrar-se da presunção daquele grupo que também queria o poder político sem saber ao certo para quê. Por isso, os assim chamados insurretos são massacrados de forma brutal quando se levantam contra o que já se constituíra em Partido da Ordem 83 e reunia as maiores forças da sociedade francesa. O proletariado é varrido do cenário político e, com eles, também os republicanos democratas (pequeno-burgueses). Estes passam a ser vistos como anarquistas, socialistas ou comunistas. Essa ideologia será construída e disseminada pela classe dominante (alta burguesia republicana) que terá domínio exclusivo sobre o Estado até a eleição de Bonaparte, que, por sua vez, é visto como um acerto de contas da burguesia com tendências monárquicas. A vitória de Bonaparte representava claramente uma esperança tanto dos legitimistas quanto dos orleanistas de realizar suas pretensões de retorno à monarquia. Essas duas facções da sociedade francesa que muito tinham em discordância interna, e isso se dava de forma profunda, porque constava no próprio cerne da reprodução material de cada uma; estiveram unidas pelo interesse de destruição dos insurretos e mantiveram-se unidas, pelos seus anseios políticos, conforme reflete Marx. 81 Legitimistas (Bourbons) e Orleanistas eram duas grandes facções aristocráticas francesas que representavam respectivamente os grandes latifúndios (campo) e finanças industriais (cidade). 82 Resposta do proletariado de Paris às declarações da Assembléia Nacional sobre as reivindicações daqueles. Foi o acontecimento de maior envergadura na história das guerras civis da Europa (p 6). No entanto, o proletariado encontrou todas as grandes forças da sociedade unidas contra ele. Foi um grande massacre na história do proletariado. 83 Formado pela aristocracia financeira, a burguesia industrial, a classe média, a pequena burguesia, o exército, o lupem-proletariado (organizado em Guarda Móvel), os intelectuais de prestígio, o clero e a população rural todos unidos contra o proletariado.

139 Poder-se-ia travar uma pequena discussão sobre a própria construção social daqueles indivíduos, muitos nascidos em meio a uma harmonia simulada (através do partido da Ordem) e, portanto, feitos sujeitos numa realidade social na qual os posicionamentos políticos nem sempre condiziam com as intenções reais e profundas. Sendo assim, as antipatias entre as duas facções (Orlèans e Bourbons) estavam inscritas nos corpos daqueles que, criados e formados sobre as bases daquelas condições materiais de existência e relações correspondentes, tinham herdado de seus antepassados oposições de natureza peculiar. Ambos queriam o retorno da monarquia; no entanto, se esta fosse restaurada não poderiam as duas facções governar juntas. Uma certamente suplantaria a outra porque, na essência formadora de cada grupo, constavam diferenças importantes sobre as próprias condições de existência. Entretanto, como acaba de ser discutido, a burguesia era extremamente heterogênea e foi isso que possibilitou que Bonaparte fosse, aos poucos, através de manobras políticas, enfraquecendo o Estado representativo até destruí-lo por completo e instalar o Bonapartismo através do golpe de Estado. Os desejos internos desses grupos não somente divergiam, mas as contradições existentes, muitas vezes, os colocavam em posição de anulação recíproca de interesses. Isso acabou gerando uma grave crise que fez com que o partido não conseguisse mais representar a classe a que se propunha e terminasse por se desintegrar em seus pequenos componentes. E, essa falta de identificação fez nascer no seio da sociedade francesa o desejo por um governo forte (MARX, 2001, p. 38) que pudesse restabelecer a unidade política e não pusesse em risco a estabilidade econômica da França. Ou seja, o poder político, outrora almejado e adquirido com tanto esforço, tantas conspirações, fora perdido por incapacidade de gerir os interesses de forma coerente que agradasse Bourbons e Orlèans na defesa do capital. A burguesia se despede então do sonho do selfgovernment 84 e irá ter um novo governo centralizado. A França, portanto, parece então ter escapado do despotismo de uma classe apenas para cair sob o despotismo de um indivíduo e o que é ainda pior, sob a autoridade de um indivíduo sem autoridade (MARX, 2001, p. 53). A estada de Luís Bonaparte no governo, como imperador, assume um discurso de tentar representar grupos antagônicos, pensando talvez numa possibilidade de amortecer os impactos de uma classe sobre a outra. Bonaparte gostaria de aparecer como o benfeitor patriarcal de todas as classes. Mas não pode dar a uma classe sem tirar de outra (MARX, 2001, p.59). No entanto, era impossível que isso pudesse ser entendido como democracia. Ora, quando se tratava das diferenças internas da aristocracia apenas a separação entre campo e cidade causou tanto mal-estar. Como conseguir abranger a diversidade que era agora a sociedade francesa, depois de um longo processo de otimização da divisão social do 84 Termo em inglês que significa autogoverno.

140 trabalho? Onde as diferenças agora estavam cada vez mais aparentes. Ou seja, o que Bonaparte queria não passava de uma quimera de glória nacional. E o Estado francês que ele conseguiu, instituir foi marcado pelo limite do antagonismo de classes, no qual se colocavam em pontos extremos o proletariado desamparado e indefeso e a burguesia do capital na outra margem. Esse Estado, chamado de Moderno parecia pairar sobre a sociedade e escondia toda podridão de uma realidade miserável para as massas, e luxo e suntuosidade à classe dominante. Bonaparte quis aparecer como o protetor dos camponeses, mas aqueles camponeses conservadores que não apresentavam perigo, e por não possuírem um sentimento de classe e serem visivelmente desorganizados, necessitavam de um representante. Por outro lado, a outra parte dos camponeses, tidos como revolucionários, sofreram diversas represálias durante o período em que Napoleão III (auto-intitulado) esteve no poder. Muitos foram mortos em confronto direto. O fato é que o período designado de Segundo Império por Napoleão III foi um momento de multiplicação dos rapaces, mas, por outro lado, de grande florescimento da indústria nacional. O Estado forte e centralizado deu ânimo aos investidores e a prosperidade da burguesia alcançou índices jamais vistos. Isso fez nascer na sociedade francesa um sentimento de nacionalismo muito forte, denominado chauvinismo 85. Este mesmo nacionalismo unido a outros fatores sociais e políticos acabou trazendo decadência ao império Bonapartista anos mais tarde. Esses acontecimentos são tratados em outra obra do mesmo autor, intitulada de Guerra civil em França 86. O 18 Brumário de Luís Bonaparte é um livro que retrata muito bem a conjuntura social e política da França no século XX. Nele, Marx trata direta ou indiretamente de teses importantes do materialismo histórico dialético, como: teoria das lutas de classes, da revolução proletária, a doutrina do Estado e ditadura do proletariado. No entanto, o objeto central deste livro é analisar os fatores histórico-sociais (lutas de classes) que criaram circunstâncias e condições que possibilitaram a um personagem medíocre e grotesco desempenhar um papel de herói (Prefácio de Marx para a segunda edição), fazendo com que o modelo de Estado experimentado por Bonaparte tenha se tornado tão forte e sólido a ponto de servir como base de análise para outros Estados ditatoriais na atualidade. 85 O termo deriva do nome de Nicolas Chauvin, soldado do Primeiro Império Francês, que sob comando de Napoleão Bonaparte demonstrou seu enorme amor por seu país sendo ferido dez vezes em combate, mas sempre retornando aos campos de batalha. Inicialmente, o vocábulo foi usado para designar pejorativamente o patriotismo. 86 Esta obra trata dos eventos que marcaram a primeira tentativa de governo proletário com a instauração da Comuna de Paris em 1871.