Osteocondrite dissecante do joelho: estudo retrospectivo de 52 pacientes *

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OSTEOCONDRITE DISSECANTE DO JOELHO: ESTUDO RETROSPECTIVO DE 52 PACIENTES Osteocondrite dissecante do joelho: estudo retrospectivo de 52 pacientes * NILSON ROBERTO SEVERINO 1, OSMAR P.A. CAMARGO 2, TATSUO AIHARA 3, RICARDO DE P.L. CURY 4, CARLOS E.S. VAZ 5, GILBERTO GUARDIA PEREZ 5, MARCELO GORDO LANG 6 RESUMO Foram estudados 52 pacientes (57 joelhos) com osteocondrite dissecante do joelho acompanhados no período de janeiro de 1980 a junho de 1995 e discutidos os dados clínicos e radiográficos importantes no diagnóstico dessa doença. O tratamento empregado baseou-se na presença ou não de maturidade esquelética, no tipo de lesão encontrada e, no caso de fragmentos livres, no seu tamanho e viabilidade vascular. Quanto ao tipo, a lesão foi classificada como fragmento in situ fixo ao osso, fragmento in situ móvel e corpo livre. Os pacientes considerados esqueleticamente imaturos e com lesão pequena foram tratados conservadoramente; evoluíram bem clinicamente e apresentaram consolidação radiográfica em tempo médio de oito meses. Nos casos com maturidade esquelética, optou-se pelo tratamento cirúrgico. Até janeiro de 1985, as lesões foram abordadas por artrotomia, período após o qual a artroscopia foi realizada em todos os casos, o que permitiu ótima avaliação do tipo e extensão da lesão e da presença ou não de mobilidade do fragmento osteocondral. Além disso, possibilitou recuperação pós-operatória mais rápida. As lesões in situ fixas ao osso receberam múltiplas perfurações com o objetivo de se estimular sua revascularização, enquanto que as móveis ou livres na articulação, porém viáveis, foram fixadas com cavilhas ósseas ou parafusos. Os fragmentos livres pequenos ou considerados inviáveis foram retirados. Todos os pacientes * Trab. realiz. no Grupo de Afecções do Joelho do Dep. de Ortop. e Traumatol. da Santa Casa de São Paulo Pav. Fernandinho Simonsen. 1. Chefe do Grupo. 2. Professor Consultor. 3. 1º Assistente. 4. 2º Assistente. 5. Estagiário. 6. Ex-Residente do DOT. foram avaliados segundo os critérios estabelecidos por Hughston et al. (9). Obtiveram-se resultados considerados ótimos em todos os casos (cinco) submetidos ao tratamento conservador. Dos 52 joelhos tratados cirurgicamente, 36 resultados foram considerados ótimos, 11 bons e cinco ruins. SUMMARY Osteochondritis dissecans of the knee: survey of 52 cases The authors report on 57 cases of osteochondritis dissecans of the knee treated between January 1980 and July 1995 and comment on clinical data, radiology and treatment of this disease. Treatment was based on patient esqueletic maturity, osteochondral lesion viability and its extension. Patients treated by arthroscopy techniques have had the faster recovery after surgery, and it was easier to study the type and the real extension of the lesion in the femoral condyle. Three techniques were employed: osteochondral fragment fixation, multiple perforations and fragment resection, based on the fragment status and its viability. Results avaliation have followed Hughston et al. criteria. In patients treated by surgery, there were 36 very good, 11 good and five poor results. INTRODUÇÃO A osteocondrite dissecante do joelho (ODJ) é condição patológica relativamente rara (9,10) que acomete tanto pacientes adolescentes quanto adultos jovens. Grande parte da literatura recente mostra tendência a associar essas duas populações na avaliação dos resultados do tratamento da doença. Somente em torno dos últimos dez anos é que se a estudou como dois grupos separados, permitindo melhor análise da sua evolução natural e possibilitando a criação de diretrizes mais satisfatórias na abordagem terapêutica dessa afecção. Os autores procuram, através de revisão da literatura e estu- Rev Bras Ortop _ Vol. 31, Nº 4 Abril, 1996 309

N.R. SEVERINO, O.P.A. CAMARGO, T. AIHARA, R.P.L. CURY, C.E.S. VAZ, G.G. PEREZ & M.G. LANG do de 52 pacientes tratados no Grupo de Afecções do Joelho do Departamento de Ortopedia e Traumatologia, Pavilhão Fernandinho Simonsen, na Santa Casa de São Paulo, definir fatores determinantes na abordagem terapêutica da ODJ. Além disso, avaliam a importância dos exames complementares e destacam a importância da artroscopia tanto no diagnóstico e avaliação do tamanho e viabilidade da lesão quanto na sua terapêutica. MATERIAL E MÉTODOS Os autores estudaram 52 pacientes com ODJ cinco deles apresentaram acometimento bilateral, o que totaliza 57 joelhos avaliados no período de janeiro de 1980 a junho de 1995. O tempo de seguimento variou entre sete e 72 meses, com média de 23 meses. Quanto ao sexo, 39 pacientes eram masculinos e 13 femininos. O joelho direito foi acometido 34 vezes e o esquerdo, 23. A idade média dos pacientes era de 21 anos, variando entre seis e 40 anos. A lesão situava-se no côndilo femoral medial em 43 joelhos e no lateral em 14. Utilizou-se a classificação de Aichroth (2) (fig. 1), que, de acordo com a localização da lesão, pode ser: 1º) côndilo medial: tipo I clássica (69%), quando se localiza na face lateral do côndilo medial na fossa intercondilar; tipo II clássica estendida (6%), quando compromete também parte da superfície inferior do côndilo; tipo III ínfero-central (10%) quando atinge somente a superfície inferior, na área de carga; 2º) côndilo lateral: tipo I ínfero-central (13%) e tipo II anterior (2%). No nosso estudo, encontramos no côndilo medial Fig. 1 Classificação radiográfica de Aichroth 50% de lesões classificadas como clássicas, 8% de clássicas estendidas e 29% de ínfero-centrais. No côndilo lateral, não ocorreu nenhuma lesão do tipo anterior e 13% foram do tipo ínfero-central. A avaliação inicial incluiu, além do exame clínico, radiografias nas incidências ântero-posterior e perfil em extensão bilateral dos joelhos; oito pacientes foram submetidos à tomografia computadorizada e cinco à ressonância magnética. Os pacientes jovens esqueleticamente imaturos (quatro, um deles com acometimento bilateral) foram tratados conservadoramente e acompanhados no ambulatório até que ocorresse a consolidação radiográfica da lesão, o que levou em média oito meses. Nos pacientes considerados esqueleticamente maduros ou próximos da maturidade esquelética, foi indicado o tratamento cirúrgico, que incluiu basicamente três condutas diferentes: 1) perfurações do fragmento, procurando-se com isso estimular sua revascularização; 2) fixação do fragmento; 3) ressecção do corpo livre. Os pacientes tratados até 1985 (16 joelhos) foram operados por artrotomia; a partir de então, os procedimentos passaram a ser realizados por artroscopia. As lesões in situ fixas ao osso foram submetidas a múltiplas perfurações (15 joelhos). Quando havia mobilidade e viabilidade do fragmento osteocondral (19 joe- TABELA 1 Critérios de avaliação de Hughston et al. (9) Taxa Pontuação Critérios Excelente 4 Sem limitação de atividades Sem sintomas Exame normal RX normal Bom 3 Dor leve a atividades intensas Exame normal RX mostra defeito cicatricial ou esclerose residual Razoável 2 Dor leve ou edema a atividades intensas Exame normal RX mostra achatamento condilar mas espaço articular normal Pobre 1 Dor e edema com atividade leve Perda de 20º de mobilidade 0-2,5cm de atrofia da coxa RX com irregularidade dos côndilos e estreitamento articular Falha 0 Dor e dema a mínimas atividades Perda de mobil. maior que 20º Mais de 2,5cm de atrofia da coxa 310 Rev Bras Ortop _ Vol. 31, Nº 4 Abril, 1996

OSTEOCONDRITE DISSECANTE DO JOELHO: ESTUDO RETROSPECTIVO DE 52 PACIENTES lhos), foi feita a fixação com cavilhas ósseas (13 joelhos), retiradas da tíbia, ou com um parafuso de esponjosa de pequenos fragmentos (seis joelhos). Os fragmentos livres na articulação, quando pequenos ou sem viabilidade vascular, foram retirados (18 joelhos), porém quando tinham tamanho suficiente e boa viabilidade eram fixados em seu leito, após curetagem, quando necessária. Todos os pacientes foram avaliados segundo os critérios de Hughston et al. (9) (tabela 1). Os pacientes considerados esqueleticamente imaturos (quatro, um bilateral) foram submetidos a tratamento incruento e evoluíram uniformemente bem, tanto clínica quanto radiograficamente, apresentando consolidação radiográfica da lesão no tempo médio de oito meses. Dos pacientes submetidos ao tratamento cirúrgico, 36 apresentaram resultados ótimos, 12 bons e quatro ruins. Nos 15 casos em que foram realizadas perfurações na lesão, dez foram classificados como ótimos, quatro como bons e um, ruim, porém este último apresentava lesão meniscal associada tratada no mesmo ato cirúrgico, evoluindo com derrames articulares de repetição e dores aos esforços. Dos 18 joelhos submetidos a retirada de corpo livre, dez tiveram resultados ótimos (fragmentos pequenos fora da área de carga), seis bons e dois ruins. A fixação do fragmento osteocondral com cavilhas ósseas foi realizada em 13 casos; foram obtidos dez resultados ótimos, dois bons e um ruim, no qual houve soltura do fragmento após quatro anos da cirurgia decorrente de trauma leve; então, o corpo livre foi retirado por via artroscópica. Todos os casos fixados com parafusos (seis joelhos) de esponjosa 3,5mm foram tratados por via artroscópica e evoluíram com consolidação do fragmento em tempo médio de quatro meses; foram considerados como resultados ótimos. DISCUSSÃO A osteocondrite dissecante do joelho (ODJ) é condição patológica relativamente rara (9,10). Hughston et al. (9) encontraram incidência de 15-21 casos por 100.000 joelhos. Caracteriza-se pela separação parcial ou total de fragmento osteocondral. É a causa mais freqüente de corpo livre na articulação do joelho nos jovens. Embora existam várias teorias tentando explicar sua etiologia, as mais citadas na literatura são a traumática, a isquêmica e a predisposição genética (5). Smillie (14) acredita que há quatro tipos de ODJ e que todos estão interligados na etiologia da doença; no primeiro tipo (dez anos de idade), a lesão é anomalia de ossificação; no segundo tipo (15 anos juvenil), a lesão se deve a superposição de trauma em osso isquêmico; no terceiro tipo (adulto), Figs. 2 e 3 Aspecto radiográfico da ODJ no côndilo femoral lateral trauma produz a isquemia e a persistência desta, a lesão; no quarto tipo (fraturas osteocondrais tangenciais), somente trauma é responsável pela lesão. Apesar disso, a revisão da literatura recente sugere que ainda não há explicação clara para essa afecção. Entre os casos estudados neste trabalho, apenas 42% apresentaram história definida de trauma prévio, o que se aproxima da incidência de 46% relatada por Aichroth (4). A faixa etária mais acometida pela ODJ está entre dez e 20 anos, porém pode ocorrer acima deste período, nos adultos jovens. A idade média de nossos pacientes era de 21 anos, variando de seis a 40 anos. Clinicamente, a história costuma Rev Bras Ortop _ Vol. 31, Nº 4 Abril, 1996 311

N.R. SEVERINO, O.P.A. CAMARGO, T. AIHARA, R.P.L. CURY, C.E.S. VAZ, G.G. PEREZ & M.G. LANG Fig. 4 Ressonância magnética da ODJ no côndilo femoral medial apresentar sintomas vagos, como dor articular difusa, aumento de volume e bloqueio articular nos pacientes com corpo livre. Da mesma forma, os achados de exame físico são inespecíficos; um dos mais freqüentes é a atrofia muscular da coxa do lado afetado, associada ou não a derrame articular, diminuição da mobilidade, corpo livre palpável e crepitações. Em nosso estudo, todos os pacientes queixaram-se de dor difusa no joelho acometido e a maioria apresentou pelo menos um episódio de derrame articular. A incidência quanto ao tipo de lesão encontrado foi semelhante à relatada pela literatura, com exceção das lesões ínfero-centrais no côndilo medial, que ocorreram com freqüência maior (29%) que a descrita (10%). O diagnóstico da ODJ pode ser confirmado através dos exames radiográficos (figs. 2 e 3), que permitem também classificar a lesão conforme idealizado por Aichroth (2) (fig. 1). Outros exames de importância citados pela literatura consultada são a tomografia computadorizada para aprimorar o estudo da forma e dimensões da lesão, e a ressonância nuclear magnética (fig. 4), que parece ser a técnica mais sensível para o diagnóstico precoce da ODJ. Contudo, esses exames não são indispensáveis para o diagnóstico e abordagem terapêutica da ODJ, pois em nosso estudo somente foi possível realizar a tomografia computadorizada em oito casos e a ressonância nuclear magnética em cinco, o que não alterou o tratamento dos pacientes. A artroscopia Figs. 5 e 6 Aspecto artroscópico de lesão no côndilo femoral medial (5). Fragmento observado macroscopicamente (6). (figs. 5 e 6) assume destaque por permitir avaliar o tipo e extensão da lesão e a mobilidade do fragmento osteocondral, tendo implicação direta na escolha da terapêutica apropriada e sua execução por via artroscópica, quando possível, podendo-se optar ainda pela artrotomia, se necessário. Seu uso permitiu menor período de internação hospitalar, com despesas finais reduzidas, além de ausência de cicatrizes extensas, menor atrofia muscular e reabilitação mais precoce no pós-operatório. A literatura mais recente enfatiza a presença ou não da maturidade esquelética do paciente para avaliação do prognóstico e orientação na escolha do tratamento adequado da ODJ. Nas crianças com surgimento precoce da doença, a superfície cartilaginosa está íntegra, tem suporte subcondral e há maior probabilidade de cicatrização com o tratamento con- 312 Rev Bras Ortop _ Vol. 31, Nº 4 Abril, 1996

OSTEOCONDRITE DISSECANTE DO JOELHO: ESTUDO RETROSPECTIVO DE 52 PACIENTES Figs. 7 e 8 ODJ no côndilo femoral medial tratada com fixação com parafuso (7). A mesma lesão, já retirado o parafuso (8). Observa-se a consolidação da lesão. servador (7). Os casos estudados que eram esqueleticamente imaturos (quatro, um bilateral) evoluíram para cura apenas com o tratamento conservador. No entanto, nem todas as lesões consolidam (1,6) e na falha do tratamento conservador ou nos pacientes próximos da maturidade esquelética a tendência atual é de se realizar o tratamento cirúrgico. A maioria dos autores concorda em que o tratamento conservador prolongado pode terminar com a deterioração do fragmento e surgimento de lesões degenerativas (11). No paciente esqueleticamente maduro, a lesão tem menor possibilidade de cicatrização com o tratamento conservador (1,4,6,8,9). A evolução dos casos avaliados neste estudo está de acordo com o demonstrado por Aichroth (3) em trabalho experimental em que os pacientes com fragmento osteocondral in situ fixo ao osso ou estabilizado com cavilhas ósseas ou parafusos apresentaram consolidação da lesão (figs. 7, 8 e 9), enquanto que os com fragmentos soltos ou inviáveis foram os que evoluíram mal tanto clínica quanto radiograficamente. A probabilidade de ocorrerem alterações degenerativas no futuro depende de vários fatores (11), como a idade do paciente no momento do diagnóstico, o tamanho e a localização da lesão. Segundo a literatura (9,11), a incidência de artrose é maior nos pacientes nos quais o diagnóstico e o tratamento foram realizados após a maturidade esquelética e com lesões extensas que comprometem a área de carga do joelho. COMENTÁRIOS Fig. 9 Radioscopia mostrando a fixação do fragmento osteocondral por parafuso de esponjosa de pequenos fragmentos A osteocondrite dissecante do joelho tem muitas opções de tratamento e resultados variáveis. Os estudos comparativos entre as diversas formas de tratamento divergem muito em relação à idade, estado da lesão e métodos de avaliação. Os casos seguidos e a revisão da literatura recente ressaltam a existência de dois fatores de grande importância na abordagem terapêutica da ODJ: a maturidade esquelética do paciente e a mobilidade do fragmento osteocondral. Os pacientes esqueleticamente imaturos costumam evoluir bem apenas com o tratamento conservador, enquanto que nos jovens próximos da maturidade esquelética e nos adultos indica-se o exame artroscópico para se avaliar a mobilidade da lesão. Se esta é fixa ao osso (fragmento in situ fixo), realizam-se perfurações na lesão com o objetivo de estimular sua revascularização. Porém, se existe mobilidade (fragmento in situ móvel), deve-se proceder à fixação por método de preferência do cirurgião. Salientamos no trabalho que todos os pacientes em que se fez a fixação do fragmento com parafuso de esponjosa de 3,5mm, por via artroscópica, apesar do pequeno número de casos (seis), evoluíram com sua consolidação. Os corpos livres foram retirados da articulação, sob visão artroscópica. REFERÊNCIAS 1. Aglietti, P., Buzzi, R., Bassi, P.B. & Fioriti, M.: Arthroscopic drilling in juvenile osteochondritis dissecans of the medial femoral condyle. Arthroscopy 10: 286-291, 1994. 2. Aichroth, P.M.: Osteochondritis dissecans of the knee: a clinical survey. J Bone Joint Surg [Br] 53: 440, 1971. Rev Bras Ortop _ Vol. 31, Nº 4 Abril, 1996 313

N.R. SEVERINO, O.P.A. CAMARGO, T. AIHARA, R.P.L. CURY, C.E.S. VAZ, G.G. PEREZ & M.G. LANG 3. Aichroth, P.M.: Osteochondral fractures and their relationship to osteochondritis dissecans of the knee: an experimental study in animals. J Bone Joint Surg [Br] 53: 448, 1971. 4. Aichroth, P.M.: Osteochondritis dissecans, in Insall, J.N., Windsor, R.E., Scott, W.N., Kelly, M.A. & Aglietti, P.: Surgery of the knee, Churchill Livingstone, 1993. Cap. 11, p. 225-246. 5. Amatuzzi, M.M. & Padilha, O.S.: Osteocondrite dissecante do joelho. Rev Bras Ortop 13: 45-47, 1978. 6. Anderson, A.F., Lipscomb, A.B. & Coulam, C.: Antegrade curettement, bone grafting and pinning of osteochondritis dissecans in the skeletally mature knee. Am J Sports Med 18: 254, 1990. 7. Edelstein, J.M.: Osteochondritis dissecans with spontaneous resolution. J Bone Joint Surg [Br] 36: 343, 1954. 8. Federico, D.J., Lynch, J.K. & Jokl, P.: Osteochondritis dissecans of the knee: a historical review of etiology and treatment. Arthroscopy 6: 190, 1990. 9. Hughston, J.C., Hengenroeder, P.T. & Courtenay, B.G.: Osteochondritis dissecans of the femoral condyles. J Bone Joint Surg [Am] 66: 1340, 1984. 10. Lindén, B.: The incidence of osteochondritis dissecans in the condyles of the femur. Acta Orthop Scand 47: 664, 1976. 11. Lindén, B.: Osteochondritis dissecans of the femoral condyles: a longterm follow-up study. J Bone Joint Surg [Am] 59: 769, 1977. 12. Macedo, M.G., Garcia, R. & Camargo, O.P.A.: Considerações sobre osteocondrite dissecante do joelho. Rev Bras Ortop 19: 57-65, 1984. 13. Paget, J.: On the production of some of the loose bodies in joints. St Bartholomews Hosp Rep 6: 1, 1870. 14. Smillie, I.S.: Osteochondritis dissecans Loose bodies in joints: aetiology, pathology, treatment, Livingstone, Edinburgh, 1960. 314 Rev Bras Ortop _ Vol. 31, Nº 4 Abril, 1996