Brasil. 5 O Direito à Convivência Familiar e Comunitária: Os abrigos para crianças e adolescentes no



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Transcrição:

Introdução A convivência familiar e comunitária é um dos direitos fundamentais 1 garantidos pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA, 1990). A lei ainda enfatiza que: Toda criança ou adolescente tem direito a ser criado e educado no seio da sua família e, excepcionalmente, em família substituta, assegurada a convivência familiar e comunitária, em ambiente livre da presença de pessoas dependentes de substâncias entorpecentes. (Brasil, Lei 8.069 de 13 de Julho de 1990 Art.19) Contudo o que se percebe em nossa realidade é que este direito fundamental ainda tem sido violado, principalmente quando se trata de crianças e adolescentes empobrecidos e/ou com deficiência. Dados apresentados pela pesquisa Do Confinamento ao Acolhimento Institucionalização de crianças e adolescentes com deficiência: desafios e caminhos, realizada pelo CIESPI 2 mostram que 112 crianças e/ou adolescentes com deficiência encontravam-se distribuídos entre os 13 abrigos específicos 3 pesquisados no Estado do Rio de Janeiro. Para a realização desta dissertação tomaremos como base o conceito de deficiência estabelecido pela Organização Mundial de Saúde que a define como toda perda ou anormalidade de uma estrutura ou função psicológica, fisiológica ou anatômica que gere incapacidade para o desempenho de atividade, dentro do padrão considerado normal para o ser humano. 4 A deficiência divide-se em: motora, auditiva, visual, mental e múltipla (associação de duas ou mais deficiências). A presente proposta de estudo é fruto de muitas reflexões advindas de minha experiência profissional em um abrigo específico para crianças e 1 Art. 4º do Estatuto da Criança e do Adolescente. 2 Centro Internacional de Estudos e Pesquisas sobre a Infância em convênio com a PUC-Rio 3 Classificação apresentada pela Pesquisa Do Confinamento ao Acolhimento Institucionalização de crianças e adolescentes com deficiência: desafios e caminhos quando se relaciona aos abrigos voltados exclusivamente ao atendimento de crianças e adolescentes com deficiência. 4 Fonte: OMS (Organização Mundial de Saúde), 1981 Na legislação brasileira este conceito é adotado pela Coordenadoria Nacional para integração das Pessoas com Deficiência CORDE (Decreto n.3.298/99) e é referendada na Política Nacional de Saúde da Pessoa com Deficiência (Portaria n. 1.060 de 05 de Junho de 2002)

17 adolescentes com deficiência mental a partir do ano de 2007. Durante a minha vivência ali observei que havia um expressivo número de crianças e adolescentes com deficiência mental que tinham muitos dos seus direitos violados decorrente de sua deficiência, dentre eles o direito à convivência familiar e comunitária. Ao buscar nos prontuários os motivos que levaram as famílias a buscarem a institucionalização dos seus filhos, chamou-me a atenção que a grande maioria fora abrigada a partir da solicitação dos próprios familiares que alegavam não ter condições de manter um filho com deficiência dentro de seu contexto familiar, pois estes requerem uma série de cuidados específicos. Justificativa esta que vai contra o Estatuto que é bem claro quando afirma que o abrigo é uma medida que deverá ser utilizada em casos graves de violação de direitos e ainda ressalta que: Não existindo outro motivo que por si só autorize a decretação da medida, a criança ou adolescente será mantido em sua família de origem, a qual deverá obrigatoriamente ser incluída em programas oficiais de auxílio (Brasil, Lei. 8.069 de 1990 Art.101 Parágrafo Único) Busquei então analisar o perfil das famílias que buscavam o abrigamento para seus filhos com deficiência nesta instituição e percebi que a maioria pertencia aos segmentos menos abastadas da sociedade. Sendo assim, vemos mais um fator que se contrapõe à letra da lei que afirma em seu artigo 23 que a falta ou a carência de recursos materiais não constitui motivo suficiente para a perda ou suspensão do pátrio poder. (Brasil, 1990) Tal fato não se limita apenas a um município ou um Estado, ele retrata a realidade de todo o país. Na pesquisa 5 realizada em 2004 pelo IPEA, quando é apresentado o perfil das crianças e adolescentes dos 589 estabelecimentos que compõem a rede de abrigos que recebem recursos do Governo Federal, vemos que nestas instituições, cerca de 20 mil crianças e adolescentes encontram-se abrigados, sendo que desses, 2,2% encontram-se nesta situação porque os pais ou responsáveis não tinham condições de cuidar da criança ou do adolescente portador de deficiência mental (Silva, 2004). Outro fator que me tocou foi o tempo de permanência dessas crianças e adolescentes com deficiência mental na Instituição. Ao analisar seus prontuários percebi que muitos deles entraram na Instituição ainda crianças, passaram toda 5 O Direito à Convivência Familiar e Comunitária: Os abrigos para crianças e adolescentes no Brasil

sua adolescência ali e hoje, já adultos, permaneciam sem nenhuma perspectiva de sair daquele espaço. O Estatuto é incisivo quando afirma em seu artigo 101 que o abrigo é medida provisória e excepcional, utilizável como forma de transição para a colocação em família substituta, não implicando privação de liberdade. Contudo o que temos na realidade é um espaço que foi projetado para ser um espaço de proteção se tornando em espaço de violação de direitos. Em 2008, foi apresentado o resultado da pesquisa, Do Confinamento ao Acolhimento cujos dados vieram a confirmar o que eu já observava. Esta pesquisa tinha como principais objetivos: i) a caracterização das crianças e adolescentes com deficiência institucionalizados no estado do Rio de Janeiro e ii) a compreensão das racionalidades que orientam os encaminhamentos dessa população aos abrigos. Para tanto, a equipe da pesquisa mapeou as instituições que prestavam atendimento em regime de abrigo no Estado do Rio de Janeiro. Dos 200 abrigos existentes, 155 foram pesquisados e destes 106 declararam que atendiam crianças e adolescentes com deficiência. A pesquisa dividiu este número em dois grupos caracterizados por: abrigos específicos voltados exclusivamente para o público de crianças e adolescentes com deficiência; e abrigos mistos que atendiam crianças e adolescentes com e sem deficiência. A pesquisa destaca três pontos que merecem serem ressaltados nesta dissertação: i) a falta de recurso por parte dos familiares é o que leva a maioria das crianças e dos adolescentes com deficiência aos abrigos; ii) a longa permanência destes no espaço institucional; e iii) com o tempo tem-se a fragilização se não a perda total dos vínculos familiares. Esses dados confirmam a minha constatação de que muitas crianças e adolescentes com deficiência não estão tendo o seu direito à convivência familiar e comunitária garantido. E a questão central desta pesquisa é entender o porquê dessa não garantia. Para discutir o direito à convivência familiar e comunitária de crianças e adolescentes é importante falar sobre a importância da família. Legislações como a Constituição Federal e o Estatuto da Criança e do Adolescente apontam para a importância da família na proteção e no cuidado a esse grupo. Concordamos com a abordagem da Política Nacional de Assistência Social sobre a família quando se refere a ela como: um espaço privilegiado e insubstituível de proteção e socialização primárias, provedora de cuidados aos seus membros, mas que precisa também ser cuidada e protegida. (MDS/SNAS, 2004, p.35) 18

19 O Plano Nacional de Promoção, Proteção e Defesa dos Direito de Crianças e Adolescentes à Convivência Familiar e Comunitária também ressaltou a importância da família ao afirmar que a centralidade da família no âmbito das políticas públicas se constitui em um importante mecanismo para a efetiva garantia do direito à convivência familiar e comunitária e explicita que a defesa deste direito: dependerá do desenvolvimento de ações intersetoriais amplas e coordenadas que envolvam todos os níveis de proteção social e busquem promover uma mudança não apenas nas condições de vida, mas também nas relações familiares e na cultura brasileira para o reconhecimento das crianças e adolescentes como pessoas em desenvolvimento e sujeitos de direitos. (Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome/ Secretaria Especial de Direitos Humanos, 2006, p.64) Ademais, em uma de suas diretrizes aponta para a necessidade de apoio às famílias em situações de vulnerabilidades específicas: É fundamental potencializar as competências da família para o enfrentamento de situações de suas vulnerabilidades, como por exemplo, a presença de um filho com deficiência, transtorno mental e/ou outros agravos. (Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome/ Secretaria Especial de Direitos Humanos, 2006, p. 65) Contudo, a realidade ainda se distancia das legislações e documentos acima citados. Sabemos que ter um filho com deficiência mental no contexto familiar não é fácil. Entendemos que a deficiência, seja ela qual for, traz consigo algumas peculiaridades no cuidado, demandando dos pais ou responsáveis uma dedicação muito maior do que a que se espera normalmente de pais e/ou responsáveis de crianças e adolescentes sem deficiência. A deficiência não limita apenas a criança ou o adolescente, ela acaba por limitar também pelo menos um dos membros da família que tem que se dedicar exclusivamente ao cuidado do deficiente. Melman(2006) afirma que a família também necessita de ajuda e suporte para auxiliar nas dificuldades existentes no cuidado com seus membros. Fatores econômicos, dificuldades de deslocamento entre casa e locais de atendimento, visto que estes necessitam de um cuidado especializado, fisioterapia, fonoaudiologia, neurologia, terapia ocupacional, dentre outros

20 ampliam a dificuldade no cuidado de uma criança ou adolescente com deficiência. Fatores como estes mostram que a família necessita de apoio para cumprir o papel que lhe foi atribuído pela Constituição Federal e endossado pelo Estatuto da Criança e do Adolescente. Se voltarmos nosso olhar para as famílias de baixa renda vemos todas essas dificuldades tomando proporções ainda maiores e dificultando muito mais a permanência de seus filhos dentro do espaço familiar. A família pobre é vista por muitos como incapaz de cuidar, proteger e educar seus filhos. Fato este que também se contrapõe à letra da lei que é clara ao afirmar que em casos de vulnerabilidade é dever do Estado apoiar a família para que esta tenha condições de cuidar de seus filhos. Vemos então que a condição de deficiência e de pobreza contribui para a violação do direito à convivência familiar e comunitária de crianças e adolescentes, no entanto, um fato de extrema gravidade como este não tem a visibilidade que deveria ter. Crianças e adolescentes com deficiência ainda permanecem invisíveis à sociedade e às políticas públicas. As crianças e os adolescentes com deficiência que ainda se encontram institucionalizados em abrigos ou sem cuidado e tratamentos adequados confirmam esta invisibilidade. Outro fator que ressalta essa invisibilidade é a ausência de estudos sobre a população infantil e juvenil com deficiência que se encontra nos abrigos. É importante ressaltar aqui que antes de serem deficientes ou pobres eles são crianças e adolescentes entendidos pelo Estatuto da Criança e do Adolescente como sujeitos de direitos. Esta condição deveria bastar por si só e contribuir para a defesa e garantia dos seus direitos e o fato de serem deficientes e pobres deveria somente ampliar a preocupação com a proteção deste grupo, pois possui especificidades e necessitam de proteção especial. Dentro dessa noção de que crianças e adolescentes são sujeitos de direitos, a Política de Saúde Mental afirma que: Antes e primeiro que tudo é preciso adotar como princípio as idéias de que a criança ou o adolescente a cuidar é um sujeito. O sujeito criança ou adolescente é responsável por sua demanda, seu sofrimento, seu sintoma. É, por conseguinte, um sujeito de direitos, dentre os quais se situa o direito ao cuidado. Mas a noção de sujeito implica também a de singularidade que impede que esse cuidado se exerça de forma homogênea, massiva e indiferenciada. (Ministério da Saúde, 2005, p.12)

21 Diante do exposto, é possível perceber que apesar dos novos marcos legais estabelecidos a partir do Estatuto da Criança e do Adolescente que destacam a importância da garantia do direito à convivência familiar e comunitária, bem como os avanços políticos e sociais no campo da Assistência Social e da Saúde Mental, há ainda um número considerável de crianças e adolescentes com deficiência em instituições de acolhimento. Esta dissertação tem como proposta analisar as mudanças que ocorreram desde a realização da pesquisa Do Confinamento ao Acolhimento até o ano de 2010 no que se refere à garantia do direito à convivência familiar. Duas perguntas norteiam a análise: (a) A busca pela institucionalização de crianças e adolescentes com deficiência no município do Rio de Janeiro diminuiu após a implementação das novas legislações, dos planos e dos projetos que visavam a desinstitucionalização? (b) Quais os principais motivos que ainda são encontrados para a garantia do direito à convivência familiar e comunitária? Esta dissertação foi organizada em três capítulos. O primeiro capítulo consiste em um breve relato da história das práticas de atendimento à infância pobre no Brasil, do final do século XIX até aprovação do Estatuto da Criança e do Adolescente, com foco sobre a questão da convivência familiar dessas crianças e adolescentes. Para tanto basearemos nossa análise nas pesquisas dos seguintes autores: Irene Rizzini, Irma Rizzini, Vicente de Paula Faleiros e Francisco Pillotti. Também será focalizada neste capítulo como se deu as primeiras formas de assistência à infância e à adolescência com deficiência no Brasil com base nos estudos realizados por Lília Lobo. O segundo capítulo apresenta uma discussão sobre o importante papel atribuído às famílias nas diretrizes atuais das políticas e dos planos relativos à convivência familiar. Nesta parte inclui-se também uma discussão sobre deficiência e pobreza, assim como as especificidades do cuidado realizado pelos familiares e os atendimentos necessários como um direito das crianças e dos adolescentes. O terceiro capítulo tem como foco o direito à convivência familiar e comunitária e seus desdobramentos. Isso será feito através da análise de diretrizes de políticas, planos e leis, destacando a promoção do direito nos últimos anos em âmbitos estadual e nacional através de resultados apresentados por algumas pesquisas voltadas à garantia deste direito. Apresentaremos também alguns dados

22 relevantes da pesquisa Do Confinamento ao Acolhimento, comparando-os com dados atuais colhidos para fins desta dissertação, apontando as mudanças identificadas e discutindo a situação atual do processo de institucionalização de crianças e adolescentes com deficiência no município do Rio de Janeiro.