Título: Aderências intra-abdominais e pélvicas em ginecologia: fisiopatologia, etiologia,



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Transcrição:

Título: Aderências intra-abdominais e pélvicas em ginecologia: fisiopatologia, etiologia, manifestações clínicas e complicações Autores: lúri Donati Telles de Souza Francisco José Candido dos Reis Andréa Porto Pinheiro Patrícia de Almeida Silva Reis Júlio César Rosa Silva Antonio Alberto Nogueira Instituição: Setor de Endoscopia Ginecológica do Departamento de Ginecologia e Obstetrícia da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo. 1

Introdução As aderências intra-abdominais e pélvicas constituem um relevante problema clínico na prática da ginecologia. Podem levar a várias complicações, como algia pélvica, infertilidade e mesmo quadros graves como sub-oclusão ou oclusão intestinal. Além de todos os problemas clínicos que as aderências intra-abdominais e pélvicas podem causar, seu impacto econômico também não é desprezível, como ressaltado pelo estudo publicado em 1998 por Ray et al., nos Estados Unidos. Segundo este estudo, em 1994, o gasto com hospitalização para adesiólise abdomino-pélvica foi de aproximadamente 1,3 bilhão de dólares, incluindo gastos hospitalares e com a equipe cirúrgica. As aderências levam à reinternação 4,5% das pacientes submetidas à cirurgia ginecológica por laparotomia (Lower et al., 2000). Apresentam ainda um custo indireto que pode ser exemplificado pelo aumento do tempo cirúrgico em procedimentos intra-abdominais e pélvicos eletivos de pacientes com cirurgia anterior. Torna-se fundamental portanto, por vários motivos, um bom entendimento acerca desta desordem. Para uma abordagem segura e eficiente das aderências intra-abdominais e pélvicas, tanto em relação à sua prevenção quanto ao seu diagnóstico e tratamento há que se considerar vários aspectos desta alteração orgânica. Faz-se necessário um entendimento acerca de seus aspectos fisiopatológicos, fatores etiológicos, principais manifestações clínicas e complicações. Estes tópicos principais serão abordados a seguir. Fatores etiológicos das aderências Várias são as causas de aderências intra-abdominais e pélvicas. Causas inflamatórias, como infecções e endometriose são importantes, contudo as intervenções 2

cirúrgicas parecem ser responsáveis pela maioria dos casos. Pode haver a formação de aderências, por exemplo, em até 10% das pacientes submetidas a uma laparotomia. Alguns autores relataram a ocorrência de aderências intra-abdominais pós-operatórias de cirurgias ginecológicas, em 50 a 95%. A inflamação, como fator etiológico de adesogênese, tem como causas principais na mulher as infecções e a endometriose. A principal causa infecciosa é a doença inflamatória pélvica (DIP), que promove aderências em grande número de mulheres. Agentes etiológicos como gonococo, micoplasma e clamídia ocasionam a ativação de fatores inflamatórios no sentido de combater o processo infeccioso. Esta inflamação produz lesão do peritônio pélvico, cujo processo de reparação pode promover a formação de aderências. Estas aderências possuem certas características macroscópicas particulares geralmente tuboovarianas e associadas à perihepatite. Também a endometriose, bem como seu tratamento cirúrgico, pode levar à formação de aderências. O implante do tecido endometrial ectópico no peritônio dos órgãos pélvicos promove, na tentativa de deter a progressão da doença, uma reação inflamatória local capaz de produzir lesão peritoneal. O tratamento cirúrgico da endometriose que usualmente inclui eletrocauterização dos focos da doença, a adesiólise e a exérese de endometriomas pode da mesma forma promover dano tecidual, reação inflamatória e formação de aderências. Uma vez que as intervenções cirúrgicas são consideradas atualmente como a principal causa das aderências intra-abdominais e pélvicas, a via de acesso cirúrgico parece constituir um fator importante no processo adesogênico. Em humanos, a laparoscopia tem se mostrado menos adesogênica, quando comparada com a laparotomia, sem contudo prevenir completamente a formação de aderências (Garrard et al., 1999). 3

A falta de estudos bem controlados em seres humanos, por limitações éticas, dificulta a obtenção de conclusões definitivas. Em modelos animais, por outro lado, mesmo sendo possível um melhor controle das variáveis, as conclusões permanecem controversas. Enquanto alguns estudos falharam em demonstrar diferença significante entre a laparoscopia e a laparotomia (Filmar et al., 1987; Marana et al., 1994), quanto à formação de aderências, outros demonstraram diferenças relevantes na adesogênese após a laparoscopia em ratos, cães, porcos e coelhos (Luciano et al., 1989). Os modelos animais mais usados são os de ratos (Filmar et al., 1987) e os de coelhos (Doody et al., 1989; Marana et al., 1994), sendo os últimos vantajosos por permitirem a utilização de instrumentos endoscópicos convencionais. Nas cirurgias endoscópicas, a duração do pneumoperitônio (Ordonez et al., 1997; Molinas & Koninckx, 2000), a pressão e o fluxo de insuflação de CO 2 (Yesidaglar & Koninckx, 2000) podem levar à hipóxia tecidual. Essa altera o metabolismo das células endoteliais e leva a consequente aumento da permeabilidade vascular e eventualmente danos vasculares definitivos. O principal mecanismo proposto para explicar a adesogênese associada à hipoxemia mesotelial, é o aumento do fator de crescimento endotelial vascular (VEGF), o qual foi detectado em aderências de mulheres através de imuno-histoquímica e em homens e mulheres através do Enzyme-Linked ImmunoSorbent Assay (ELISA) (Diamond et al., 1999). Os fatores abordados podem causar ainda diversas modificações nas moléculas de adesão, nos fatores de crescimento, na produção de interleucinas, do fator de necrose tumoral (Molinas & Koninckx, 2000), elevação do inibidor do ativador do plasminogênio (PAI-1) diminuindo o ativador do plasminogênio (t-pa), a plasmina e conseqüentemente a lise de fibrina. 4

Também a utilização de diferentes instrumentos cirúrgicos (bisturi monopolar, bipolar, laser) e de técnica cirúrgica apurada são fatores determinantes na formação de aderências nas cirurgias endoscópicas. Durante uma cirurgia abdominal convencional por via laparotômica, fatores como a utilização de fios inabsorvíveis, técnica grosseira e duração prolongada favorecem o desenvolvimento de aderências. A utilização de suturas inabsovíveis, principalmente com fios não inertes, pode levar à reação de corpo estranho (Garrard et al., 1999). A técnica grosseira pode produzir grandes quantidades de tecido desvitalizado e necrose, assim como pontos de sangramento, situações reconhecidamente adesogênicas. Por outro lado, o tempo cirúrgico prolongado parece estar relacionado com um aumento na formação de aderências possivelmente pela queda progressiva da capacidade fibrinolítica no peritônio com o decorrer da cirurgia. Aspectos fisiopatológicos das aderências intra-abdominais e pélvicas A lesão do peritônio íntegro decorrente de cirurgia ou processo inflamatório associa-se com a produção, após cerca de 3 horas, de um exudato serossanguinolento. Após doze horas são observados numerosos leucócitos polimorfonucleares (PMNs) entre traves de fibrina. Entre 24 e 36 horas após a injúria, o número de células na superfície peritoneal aumenta substancialmente, as custas principalmente de macrófagos. Após dois dias, a superfície está totalmente coberta por macrófagos, células mesenquimais primitivas e células mesoteliais. Posteriormente, há um aumento das células mesenquimais primitivas e diminuição dos macrófagos, até que no oitavo dia após lesão o defeito peritoneal encontra-se completamente coberto (Vural et al., 1999; dizerega, 1997). 5

O balanço entre a formação e degradação de fibrina na cavidade peritoneal após a ocorrência de lesão parece ser um fator determinante na formação de aderências. O mecanismo da adesogênese inicia-se através da lise incompleta da matriz de fibrina que se forma durante o processo de coagulação (Holmdahl, 1997; Montz et al., 1987). Progressivamente, esta matriz é substituída por tecido de granulação vascular contendo macrófagos, fibroblastos e células gigantes. No quinto dia após a injuria, a rede de fibrina está organizada e contém colágeno, fibroblastos, macrófagos, mastócitos e canais vasculares com células endoteliais. Entre o quinto e o décimo dia os fibroblastos alinhamse, o colágeno deposita-se e a organização aumenta. Após duas semanas, poucas células podem ser visualizadas, predominantemente fibroblastos. Entre o primeiro e o segundo mês após a injúria, as bandas de colágeno encontram-se interpostas por fibroblastos e poucos macrófagos. Aderências firmes estão muitas vezes cobertas pelo mesotélio, com vasos sangüíneos e fibras de tecido conjuntivo com elastina (Holmdahl et al., 1997). As figuras 1 e 2 representam dois estágios na formação das aderências. Enquanto na figura 1 verificamos traves de fibrina contendo colágeno, fibroblastos, macrófagos, mastócitos e canais vasculares, dando o aspecto avermelhado característico, na figura 2 notamos a presença de aderências com fibras de tecido conjuntivo e elastina, característica de processo antigo. 6

Aderências e suas complicações As principais complicações decorrentes das aderências intra-abdominais e pélvicas são a obstrução intestinal, a dor pélvica crônica e a infertilidade. Dentre estas, a obstrução intestinal constitui a mais temida complicação, tratando-se de uma urgência em clínica cirúrgica. A dor pélvica crônica é um quadro ginecológico relevante, que afeta um grande número de pacientes e pode ser conseqüência das aderências por restrição dos movimentos e da distensibilidade dos órgãos pélvicos. A infertilidade, hoje também bastante comum na prática da clínica ginecológica, pode ter como fator etiológico importante à presença de aderências pélvicas (DeCherney & Mezer, 1984). O encarceramento ovariano, formando um método de barreira; a alteração da anatomia, da motilidade e da função tubária e a retroversão uterina fixa decorrentes das aderências podem ser as causas da infertilidade. As aderências são responsáveis por cerca de 37% a 40% de todos os casos de obstrução intestinal, destes 60% a 70% envolvem o intestino delgado. Há relatos de até 16 casos de obstrução intestinal por 1000 histerectomias abdominais. A investigação laparoscópica de pacientes com dor pélvica crônica evidenciou até 40% de aderências, as quais podem ser consideradas como a causa principal da dor. Apesar da limitação deste tipo de dado por não considerar a possível incidência de aderências em pacientes sem dor, o que impossibilita determinar o verdadeiro impacto das mesmas como causa da dor, não há como negar sua importância. Concluindo esta revisão, notamos que existem maneiras simples e práticas para prevenir aderências na prática cirúrgica do ginecologista e na do obstetra, tais como: evitar a utilização de fios sintéticos, ligadura em massa, grandes áreas cruentas, tempo cirúrgico prolongado, enfim aspectos grosseiros da técnica cirúrgica. A opção por procedimentos 7

minimamente invasivos, mais refinados e precisos, é, portanto, de suma importância na prevenção da adesogênese. Contudo, além disso, a progressão é difícil. Estes dados revisados reforçam ainda mais a necessidade de novos estudos envolvendo as aderências intra-abdominais e pélvicas. O impacto das aderências envolvendo tanto a paciente quanto o sistema de saúde como um todo justifica a busca incessante por formas de minimizar a ocorrência desta desagradável condição e a investigação de métodos para diagnóstico e tratamento quando não for possível evitar. 8

Referências 1. DeCherney AH, Mezer HC. The nature of tuboplasty pelvic adhesion as determined by early and late laparoscopy. Fertil Steril 1984;41:643-46. 2. Diamond MP, Yelian F, Zhang W. Vascular endothelial growth factor levels are elevated in adhesions tissue in humans. J Am Assoc Gynecol Laparosc 1999; 6,S11. 3. dizerega GS. Biochemical events in peritoneal tissue repair. Eur J Surg Suppl 1997; 577:10-6. 4. Doody KJ, Dunn RC, Buttram VCJ. Recombinant tissue plasminogen activator reduces adhesion formation in a rabbit uterine horn model. Fertil Steril 1989; 51:509-12. 5. Filmar S, Gomel V, Mccomb PF. Operative laparoscopy versus open abdominal surgery: a comparative study on post-operative adhesion formation in the rats model. Fert Steril 1987; 48:486-89. 6. Garrard CL, Clements RH, Nanney L, Davidson JM, Richards WO. Adhesion formation is reduced after laparoscopic surgery. Surg Endosc 1999; 13:10-3. 7. Holmdahl L. The role of fibrinolysis in adhesion formation. Eur J Surg Suppl 1997;577:24-31. 8. Lower AM, Hawthorn RJ, Ellis H, O'Brien F, Buchan S, Crowe AM. The impact of adhesions on hospital readmissions over ten years after 8849 open gynaecological operations: an assessment from the Surgical and Clinical Adhesions Research Study. BJOG 2000; 107:855-62. 9

9. Luciano AA, Maier DB, Koch EI. A comparative study of post-operative adhesions following laser surgery by laparoscopy versus laparotomy random in the rabbit model. Obstet Gynecol 1989; 74:911-15. 10. Marana R, Luciano AA, Muzii L. Laparoscopy versus laparotomy for ovarian conservative surgery: a randomized trial in the rabbit model. Am J Obstet Gynecol 1994; 171:861-64. 11. Molinas CR, Koninckx PR. Hypoxaemia induced by CO 2 or helium pneumoperitoneum is a co-factor in adhesion formation in rabbits. Hum Reprod 2000; 15:1758-63. 12. Montz FJ, Shimanuki T, dizerega GS. Postsurgical mesothelial re-epithelization. In: DeCherney AH, Polan ML, editors. Retrospective surgery. Chicago: Year Book Medical Publishers, 1987: 31-47. 13. Ordonez JL, Dominguez J, Evrard V. The effect of training and duration of surgery on adhesion formation in the rabbit model. Hum Reprod 1997; 12;2654-57. 14. Vural B, Cantürk NZ, Esen N. The role of neutrophils in the formation of peritoneal adhesions. Hum. Reprod. 1999; 14:49-54. 15. Yesidaglar N, Koninckx PR. Adhesion formation in intubated rabbits increases with high insuflation pressure during endoscopic surgery. Hum Reprod 2000, 15:687-91. 10

11

A parte de imagem com identificação de relação rid9 não foi encontrada no arquivo. Figura 1. Aspecto agudo da formação de aderências: verificamos traves de fibrina contendo colágeno, fibroblastos, macrófagos, mastócitos e canais vasculares, dando o aspecto avermelhado característico. 12

Figura 2. Aderências antigas: notamos a presença de fibras de tecido conjuntivo e elastina, característica de processo antigo. 13