Um arcabouço jurídico para a internet



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Transcrição:

Um arcabouço jurídico para a internet Oliver Fontana Sócio de Oliver Fontana e Advogados Associados O Brasil já possui uma economia digital bastante importante. Desde o começo da internet no Brasil, no início dos anos 90, os brasileiros a adotaram rapidamente em suas vidas e hoje já consomem, avidamente, produtos e serviços por meio da rede mundial de computadores. Abaixo abordaremos alguns dados que evidenciam o vertiginoso aumento da atividade digital no Brasil e o potencial de impacto do mundo on-line na economia brasileira e, consequentemente, na maneira como as empresas fazem seus negócios no Brasil. Segundo dados do IBGE, que realizou um recente estudo para medir a evolução do acesso à internet pelos brasileiros, em 2009 o número de internautas brasileiros já somou 67,9 milhões, que, comparado à população brasileira de 191,8 milhões, significa uma acessibilidade de 35,4% da nossa população. Em 2008 esse número era de 55,9 milhões e em 2005, 31,9 milhões, o que representa um incremento da ordem de 112,9% em 4 anos, ou uma média anualizada de crescimento de mais de 28% (fonte:http://www. ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/trabalhoerendimento/pnad2009/ pnad_sintese_2009.pdf). A MoIP, empresa mineira especializada em processamento de transações de comércio eletrônico, fez um levantamento sobre e-commerce no Brasil apurando dados do período compreendido entre os anos de 2001 a 2008, no tocante a número de consumidores on-line, o total do faturamento do e-commerce e ticket médio. Esse estudo evidencia a consolidação do e-commerce como realidade do comércio brasileiro, bem como o seu enorme potencial de crescimento. (fonte:http://ecommercenews.com.br/ noticias/pesquisas-noticias/evolucao- -do-e-commerce-nos-ultimos-10-anos) De acordo com a MoIP, o número de consumidores via internet saltou de 1,1 milhão no ano de 2001 para 13,2 milhões no ano de 2008, o que representa um aumento de e-consumidores acumulado no período no importe de 1.200%, o que se traduz em uma média de crescimento de e- -consumidores de 171% ao ano para o mesmo período. Como não poderia deixar de ser, o faturamento total de e-commerce no Brasil saltou de R$ 550 milhões em 2001 para R$ 8,2 bilhões em 2008, um impressionante crescimento de cerca de 1.500%. Esse crescimento representa uma média anual de incremento de faturamento da ordem de 213% ao ano. O aspecto qualitativo das compras on-line também registrou um desempenho positivo no período. Enquanto em 2001 o ticket médio das transações on-line era de R$ 205, em 2008 esse número saltou para R$ 328, um incremento acumulado de 160%, o que se traduz em uma média anual de crescimento para o período no importe de 23% ao ano. Esse estudo informa que de 2001 a 2008 não só cresceu vertiginosamente o número de e-consumidores, mas também que eles passaram a fazer compras cada vez mais vultosas via internet. Temos assim um claro sinal de que a adoção do e-commerce por consumidores brasileiros está se dando não só de forma rápida, mas também com um aumento da importância desse canal de consumo. 46 CUSTO BRASIL

Neste mesmo sentido, um levantamento sobre e-commerce feito pela Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo Fecomércio e a E-Bit, dá conta de que as compras pela internet no Brasil já têm faturamento superior ao dos shoppings da Grande São Paulo. Verificou-se que no período estudado, que compreendia de janeiro a julho de 2010, o e-commerce no Brasil faturou R$ 7,8 bilhões enquanto que os shoppings da Grande São Paulo faturaram R$7,2 bilhões no mesmo período. Ao que tudo indica, esse rápido envolvimento dos brasileiros com a internet se deve à afeição dos brasileiros com as novidades, com as novas tecnologias, e com sua adaptabilidade e criatividade na adoção de novas e melhores maneiras de viverem as suas vidas. Isto indica também um investimento significativo por parte do comércio em e-commerce, bem como uma estrutura de internet voltada ao mercado consumidor brasileiro cada vez melhor, contando hoje com eficientes ferramentas de avaliação de serviços, comparação de produtos e preços, entre outras facilidades que auxiliam os e-consumidores nas suas tomadas de decisão. Por outro lado, tudo indica que não faz parte dos fatores que incentivaram os brasileiros a adotarem a internet a existência de um arcabouço jurídico sólido e claro sobre direito digital, nem tampouco o aparelhamento de uma força policial especializada, que garantissem um seguro desfrute, por internautas e empresas on-line, do universo digital brasileiro. Isso porque, adotada inicialmente pelos jovens e outros de perfil mais arrojado, a internet seguiu ao largo do Congresso Nacional, bem como dos órgãos de segurança pública, sem dúvida redutos de conservadorismo, por muitos anos. E muitos anos, em se tratando de internet, quer dizer uma eternidade. E foi assim que, hoje, já representando um enorme universo econômico, de cultura, comércio e lazer, a internet no Brasil é um gigante que ainda engatinha na esfera legal e de segurança pública. ILÍCITO CRIMINAL Quanto à esfera legal, não houve até o presente momento a normatização do que seriam condutas inaceitáveis na internet, e quais seriam as consequências para quem as cometesse. Isto não quer dizer que tudo que se faz pela internet seja permitido pela legislação atual. Sem dúvida crimes contra a honra perpetrados por meios digitais ainda são crimes contra a honra, em que pese o emprego de meios digitais para sua consecução. O mesmo serve para estelionato e outros atos ilícitos já tipificados em nossa legislação. Por outro lado, a internet é um universo bastante peculiar, que possui um funcionamento particular, e a legislação atual, mesmo em uma aplicação ao máximo extensiva, não tem meios de coibir determinadas situações obviamente inconvenientes ao funcionamento da sociedade moderna. Alguns exemplos saltam aos olhos. Todos sabem que a legislação brasileira não permite adentrar um imóvel particular sem o consentimento de seu proprietário, nem mesmo se for só para olhar. O motivo dessa normativa é óbvio. A legislação brasileira dá conta de que nossa sociedade tem a expectativa de gozar de seus imóveis particulares com segurança e privacidade, sem intrusões de terceiros não autorizados. Só o adentrar a um imóvel particular sem a autorização de seu proprietário já configura um ilícito criminal, tipificado como invasão de domicílio, mesmo que o ofensor não pratique qualquer outro ato. Obviamente, se este praticar outros ilícitos será punido pela prática dos mesmos, nos termos da legislação. Esse nível de detalhamento é importante para observarmos que a legislação brasileira foi criada sob a crença de que o adentrar sem a autorização do dono de um imóvel é algo repudiável, mesmo que sem a intenção de praticar qualquer ato adicional. Isto porque é óbvio que na privacidade de seu imóvel deve ser garantido ao seu proprietário fazer aquilo que ele desejar (obviamente dentro da lei) longe da observação de terceiros. Os direitos a intimidade e privacidade são direitos constitucionais fundamentais, de modo que é garantido no Brasil praticar em sua propriedade todo e qualquer ato de forma privativa sem os olhares, ao menos lícitos, de intrusos e bisbilhoteiros. Infeliz e reversamente, a legislação brasileira não se atém à inconveniência de alguém acessar um computador pessoal de um terceiro sem a autorização deste. A legislação brasileira não foi atualizada quanto à expectativa de privacidade dos donos de computadores, que podem e muitas vezes guardam ali fotos íntimas, agenda pessoal, criações literárias e muitas outras manifestações de sua individualidade e personalidade que podem muito bem querer manter de seu uso e consulta privados, longe de olhares e de utilizações não autorizadas. Igualmente quando alguém invade uma residência, esse alguém viola a privacidade e intimidade de seu proprietário; quando alguém invade um computador também viola a privacidade e intimidade de seu dono. Em um exemplo empresarial, se um terceiro acessar um computador sem CUSTO BRASIL 47

autorização de seu dono e lá olhar algum business plan ou segredo industrial, a privacidade de seu dono já foi violada. Evidentemente a legislação brasileira está desatualizada quanto à expectativa de privacidade dos donos e usuários de computadores. Outra discussão sobre privacidade que tem tido grande repercussão diz respeito à ferramenta Google Street View, pela qual se pode ver as ruas de várias cidades no mundo, inclusive algumas capitais brasileiras. Muito criticado em seu início, especialmente na Europa, a versão brasileira mostra imagens que bloqueiam o rosto das pessoas e placas de carro, por exemplo. Em que pese a louvável atitude do Google de omitir essas imagens, o fato a ser destacado neste momento é a completa alienação da atual legislação brasileira para a capacidade da internet de criar essas novas realidades sistematicamente. Um ponto menos visível aos usuários da internet, mas não menos importante, diz respeito ao tempo de guarda dos dados de acesso dos internautas pelos provedores de acesso à internet e produtos e serviços on-line, usualmente chamados de logs. Isso é importante pois esses dados são indispensáveis para rastrear os perpetrantes de atividades ilícitas pela internet. Hoje a legislação brasileira não prevê univocamente qual é o prazo durante o qual o histórico de logs deve ser mantido. Alguns propugnam pela aplicação extensiva do Código Civil que prevê prazo de três anos para a reparação civil. Nesse mesmo sentido é a recomendação do Comitê Gestor de Internet no Brasil, que propugna que os provedores devem passar a manter, por um prazo mínimo de três anos, os dados de conexão e comunicação realizadas por seus equipamentos (identificação do endereço IP, data e hora de início e término da conexão e origem da chamada) (Fonte: www. cg.org.br) A indústria setorial afirma veementemente que o custo de se manter logs por três anos seria proibitivo e inviabilizaria muitos negócios on-line. Coincidentemente a esse interesse, muitos sustentam que não existe normatização específica na legislação brasileira que disponha sobre prazo legal de guarda de logs, não entendendo que o Código Civil seja aplicável, por seu caráter genérico, quando prevê que o prazo para reparação civil é de três anos, não criando, então, dever legal de guarda dos logs por tal período. SEGURANÇA NA INTERNET Nesta discussão é fundamental não perder de vista que toda a criatividade fomentada pela internet depende de seu baixo custo aos usuários, e isto deve de fato ser preservado. Por outro lado, não se pode cogitar um faroeste digital em que ninguém seja punido por práticas criminosas pela total falta de guarda de logs para investigações pelas vítimas e pela polícia judiciária e ações de advogados e promotores, conforme o caso. A última versão do marco regulatório da internet no Brasil prevê um tempo de guarda dos logs de 6 meses, que, ao nosso entender é adequado para o funcionamento do universo digital brasileiro. Todavia, enquanto o marco regulatório não for promulgado em lei, não existe certeza para os brasileiros de que os logs de provedores de acesso à internet e produtos e serviços on-line estarão disponíveis para investigações, se estes forem vítima de ilícito via internet. Outro aspecto fundamental para o bom funcionamento do universo digital brasileiro diz respeito à política pública de segurança na internet. O governo, infelizmente, não tomou a iniciativa de se envolver com os provedores de acesso à internet e produtos e serviços on-line na criação de campanhas de conscientização da população que ensinem os internautas a usufruir da internet de maneira segura, seja na simples navegação pela internet, na utilização de serviços oferecidos gratuitamente, ou na aquisição de seus produtos ou serviços. Fato é que hoje existe um contingente expressivo de ações que versam sobre fraudes on-line, e uma quantidade considerável total mostra o despreparo do internauta para a utilização segura dos recursos disponíveis por meio da internet. As fraudes envolvendo e-commerce nem sempre têm sua origem na internet. A obtenção fraudulenta de dados de cartões pode acontecer em caixas eletrônicos ou em estabelecimentos comerciais, quando pessoas ligadas a essas ações ilícitas, mesmo que indiretamente, colaboram com quadrilhas especializadas em fraudes on-line. Nesse universo, a captura desses dados pode se dar de maneira low tech pela ação de um operador de caixa, e no outro extremo pode envolver a instalação, nos terminais de processamento de cartão de crédito, de softwares desenvolvidos pelos próprios criminosos, que, automaticamente, capturam esses dados concomitantemente ao processamento do cartão. Outro método de captura ilegal de dados que é cotidianamente empregado consiste no envio de e-mails com links maliciosos para a obtenção dos dados dos internautas, como senhas e outros dados sensíveis, prática esta mais conhecida como phishing. Normalmente são e-mails falsos que objetivam induzir os internautas a erro. Comumente, esses e-mails alertam seu destinatário sobre supostas necessidades de atualização de siste- 48 CUSTO BRASIL

mas on-line de segurança bancários, sobre a inclusão deste em cadastros de maus pagadores, sobre supostas pendências nos sistemas da Justiça eleitoral, sobre supostas pendências na Secretaria da Receita Federal, entre tantos outros comunicados enganosos, mas todos com o mesmo objetivo fraudulento. Esses e-mails induzem o internauta a condutas que, seja pelo acesso a links, execução de programas ou qualquer outro meio, seus dados acabam caindo nas mãos dos fraudadores. Outra metodologia de fraude que também tem ganhado grande espaço no mundo virtual é a clonagem de sites de instituições bancárias. Por esse método, o internauta pode se deparar com tentativas de fraude simplórias, com páginas mal construídas e visivelmente falsas, até a tentativas muito bem elaboradas, que requerem do internauta certo grau de sofisticação para detecção de que aquilo se trata, em realidade, de uma tentativa de fraude. Entre esses métodos bem elaborados, é importante trazer à tona a clonagem de sites oficiais e instituições financeiras de grande respaldo. Nesses casos, por meio de meios escusos, os fraudadores instalam malwares nos computadores dos internautas para alterar o arquivo host dos mesmos. Pela alteração maliciosa desse arquivo, que é o responsável pelo direcionamento correto do acesso pretendido ao site destino, por exemplo, um site de online banking, o internauta é encaminhado, sem que perceba qualquer irregularidade no acesso, a uma página clonada da instituição bancária em que seus dados são capturados pelos fraudadores. Uma vez com os dados das vítimas em mãos, os fraudadores os utilizam para realizar compras em sites de e-commerce, pagar contas e obter recarga de celulares, representando essa última hipótese algo muito útil ao crime organizado. Por vezes os dados coletados pelos fraudadores são utilizados na confecção de cartões magnéticos clonados, que são então utilizados para compras e saques presenciais em estabelecimento comerciais e bancários. Em suma, tudo depende dos objetivos e métodos disponíveis ao fraudador. Assim, resta evidenciada a noção de que, para utilizar com segurança a internet, o internauta precisa muito mais cautela do que simplesmente manter em seu sistema um programa antivírus atualizado, já que, como evidenciado, inúmeras vezes dados sensíveis de internautas são capturados por fraudadores sem o emprego de nenhum tipo de vírus. Também merecem destaque os casos envolvendo extorsão praticadas por crackers. Recentemente, conforme noticiado nacionalmente, um determinado cracker que já havia invadido os sistemas de grandes bancos foi preso em flagrante delito, ao tentar a extorsão de outra instituição financeira sob a ameaça de alterar e destruir seus registros bancários. Nesse caso, o Poder Judiciário recusou o pedido de habeas corpus do acusado em todas as instâncias, chegando a decisão até o Supremo Tribunal Federal. É de se notar que os crimes eletrônicos têm recebido espaço e atenção em todas as instâncias do Poder Judiciário, em que pese seu funcionamento por vezes lento e errático. Diversos estados brasileiros contam com delegacias especializadas na investigação de crimes que envolvam o uso de alta tecnologia, a exemplo da 4ª Delegacia de Delitos Cometidos por Meios Eletrônicos DIG/DEIC, de São Paulo, que já atua no combate ao crime praticado por meios virtuais. Em que pese o louvável e bem- -vindo esforço das Autoridades de Segurança Pública e do Poder Judiciário em coibir os relevantes casos de delitos perpetrados por meios eletrônicos, infelizmente, não existe uma política de segurança pública capaz de coibir eficazmente os pequenos e corriqueiros delitos perpetrados por meio da internet. Considerando um volume total de e-commerce na faixa de R$ 8,2 bilhões, com um ticket médio de R$ 328 (dados de 2008, conforme informado acima), o maior perigo para o funcionamento da internet é o crime praticado por formiguinha ; em outras palavras, o que põe em risco o dia a dia da internet é um enorme número de fraudes de baixo valor, e contra isso não existe uma política de segurança pública no Brasil. Não se pretende com essa afirmação trazer descrédito às autoridades de segurança pública ou ao Poder Judiciário. É fato que no Brasil existe uma criminalidade rampante envolvendo diversos crimes graves, como tráfego de drogas, quadrilhas de crime organizado e um sem número de crimes contra a vida. Não resta dúvida, também, de que não existe no Brasil um sistema de prevenção, detecção, processamento e punição capaz de dar conta deste enorme universo de criminalidade que, infelizmente, assola nosso, sob outros aspectos, fascinante, país. DIREITO DIGITAL Nesta linha, está a cargo do setor privado brasileiro, operador desta magnífica economia crescente, tomar as medidas necessárias para coibir os fraudadores contumazes. Para isso, deve lançar mão de ferramentas de segurança, sistemas de informação e inteligência de crédito, e finalmente, dos advogados especializados em Direito Digital, que têm a CUSTO BRASIL 49

capacidade de, empregando os meios legais, identificar, processar e buscar a condenação desses criminosos. Sem este investimento do setor privado, o grande crescimento do e-commerce no Brasil se dará com um frágil tendão de Aquiles, que poderá minar a confiabilidade deste tão importante canal a ponto de minguá-lo. Um último ponto que deve fazer parte de nossa análise diz respeito à crescente consolidação que está se iniciando entre as empresas que atuam no universo digital. FUSÕES E AQUISIÇÕES Com o crescente volume de negócios do mercado on-line, os principais players do mercado estão procurando, por meio de fusões e aquisições, incrementar o tráfego e faturamento de seus websites, bem como capturar valor gerado pelas sinergias entre negócios já existentes, como, por exemplo, redução de custos administrativos, de marketing e logísticos. Outros interesses comumente identificados e que estimulam essa onda de fusões e aquisições verificada na área dizem respeito à obtenção de novas plataformas tecnológicas para expansão em novas áreas de negócios on-line. Contudo, existe uma série de riscos nos movimentos de fusão e aquisição desses negócios aos quais não se tem dado a necessária atenção. Tais riscos são resultado da peculiaridade desses negócios, pois o seu valor se encontra, no mais das vezes, lastreado em ativos intangíveis de naturezas diversas que requerem cautela e conhecimento especializado por parte dos envolvidos nessas transações, em especial por parte dos advogados, os quais, muitas vezes, não compreendem a complexidade do tema em toda sua extensão. A primeira consideração a ser feita sobre esse tema refere-se a direitos autorais. Empresas cujos negócios se baseiam em websites têm entre seus ativos inúmeros intangíveis como desenhos, layouts, designs, entre outras criações afins. A legislação atinente a direitos autorais garante ao criador desses ativos direitos e garantias especiais. Entre outros aspectos, deve- -se entender que tais criações pertencem originalmente às pessoas que os criaram, mesmo que funcionários da empresa que será adquirida. Do ponto de vista jurídico, deve haver especial atenção por parte da empresa adquirente em verificar se há documentação hábil a comprovar que tais direitos de criação foram efetivamente transferidos dos criadores para a empresa a ser adquirida. A segunda consideração refere- -se aos softwares responsáveis pelas funcionalidades do site que será adquirido. Embora softwares estejam amparados por legislação específica, é fundamental identificar na empresa a ser adquirida documentação hábil a comprovar que os softwares responsáveis pelas funcionalidades do site são de fato de propriedade da empresa. Isto porque anteriormente à Lei do Software, que data de 1998, a questão da titularidade do software era regida precipuamente pela antiga lei de direitos autorais, que data de 1973. Desta forma, anteriormente a 1998 a propriedade dos softwares desenvolvidos era de seu criador pessoa física, e não da empresa que o empregava, mesmo quando esta relação de emprego se dava unicamente com a finalidade de desenvolver tais softwares. A terceira consideração, de caráter genérico para toda espécie de fusões e aquisições, mas que assume importância fundamental no caso de empresas on-line, refere-se aos aspectos contratuais que regulam a transação. Estes devem ser desenvolvidos com especial atenção às regras de convivência que se aplicarão às diversas equipes que compõem a nova operação. O importante é que a transição seja feita do modo mais tranquilo possível, sem turbulências. Os interesses de acionistas, diretores e gerentes, fornecedores e funcionários em geral devem ser harmonizados visando à continuidade das atividades empresariais por meio do período de transição, permitindo a reestruturação da gestão de uma maneira organizada. O arranjo contratual que leva a cabo esse tipo de operação deve ainda conter regras de contenção para inibir quaisquer desvios na fase de implantação, cuja aplicação muitas vezes se faz necessária. Além disso, softwares e redes são ativos peculiares que normalmente dependem de seus criadores. A ausência de familiaridade com a lógica por detrás do funcionamento desses ativos pode tornar bastante dificultoso, e até mesmo inviabilizar, upgrades, updates e work arounds (no caso de aparecimento de falhas), tão necessários de tempos em tempos. Por essa razão a manutenção do staff especializado, ao menos em um primeiro momento, é imprescindível. Em resumo, o universo digital está crescendo rapidamente no Brasil, transformando-se em um importante novo mercado e em um excelente canal para venda de produtos. Fruto desse fenômeno, as empresas do setor estão intensificando seus investimentos, inclusive com movimentos de fusões e aquisição de empresas concorrentes ou afins. Contudo, esse rápido crescimento associado às falhas da legislação, à falta de política de segurança pública digital, à desinformação dos usuários, à falta de conhecimento especializado sobre o tema, em especial por parte dos profissionais administrativos e de suporte envolvidos, poderá gerar um 50 CUSTO BRASIL

crescimento exponencial dos problemas e riscos do setor. Se isto ocorrer, poderá haver grandes prejuízos ao pleno desenvolvimento deste segmento caso medidas efetivas, e no mais das vezes de cunho simples, não forem adotadas. Para tanto, é imprescindível que o setor privado e o poder público tenham uma maior consciência sobre os fatores que ameaçam esse crescimento, e lancem mão, cada um dentro de sua esfera de competência e atuação, das medidas necessárias para garantir e fomentar o crescimento, no Brasil, desse importante instrumento de desenvolvimento econômico, social e cultural que é a internet. ofaa@ofaa.com.br CUSTO BRASIL 51