Alterações do Nh'c1 Médio Relativo do Mar e Consequências lia Morfologia Costeira



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Transcrição:

827 Alterações do Nh'c1 Médio Relativo do Mar e Consequências lia Morfologia Costeira Enisc Valenl ini Programa de Engenharia Ocdiniea - PEnO Coordenação dos Programas de Pós-graduação em Engenharia - COPPE Departamento de Hidráulica e Saneamento / Escola de Engenharia Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ CX.Po. 68.508/ Cep: 21. 945 - Rio de Janeiro - RJ Ahstract This paper is concerned wilh the trend of relalive sca levei changes and its conscqllcnccs lo the coaslal :I.OIIC. 11 presents a list of impacts related to sea levei rise from a coastal engineering point of view; including also the results ofda Silva (1992) and Neves Filho (1992), who analyzcd Lhe tidal data obser"cd in Ilha J7iscal. RIO de Janeiro RJ in terms of mean levei and Illeteorological influences, rcspeclively. Finally it is recolllmendcd an effort in order to increase the availability ofdata in lhis field. 1. Introdudo Ao longo do tempo, o nlvel médio do mar tem variado em relação aos continentes, como é constatado através de estudos geológicos. Além de causas tectônicas ou fatores decorrentes da utilização humana do solo e subsolo, variações climáticas no planeta têm sido observadas, ocasionando o derretimento de geleiras e a diminuição da densidade da água dos oceanos. Como c.onsequência final deste processo, ocorre a elevação global do nível médio do mar. A taxa de variação relativa do nível do mar porém é uma característica do local considerado. Por exemplo, no Alasca está ocorrendo uma elevação do continente da ordem de :Hl crnls<:culo devido ao derretimento de geleiras. Em contrapartida. no delta do Mississipi a consolidação do terreno causa uma elevação do nível relativo do mar da ordem de luo cm/século. No Brasil ainda não existcm medições suficientes para determinar se a posição relativa do nívc1 médio do mar tem a tendência de subida 011 de descida. como também suas variaçõcs ao longo da costa. Sob o ponto de vista de engenharia, o conhecime:mto da variação local do nível do mar é importante pdos impactos que causa sobre a região costeira, bem como porque esta variação se fará scntir ao longo da vida útil das obas costeiras e portuárias. Como exemplo, citam-se: inundação de áreas Iilor;lncas alterando o cquilíbrio ecológico da região; penetração maior e mais extensa de salinidade em estuários atingindo locais onde se faça captação de água doce; erosão costeira por ocasião de tempestades com eventuais rompimento de restingas e destruição de benfeitorias; alteração morfológica de embocaduras e canais de acesso a portos e marinas, dcvido à variação do prisma de maré ou da capacidade de transporte de sedimentos pelas ondas; necessidadc de execução de obras de drenagem e saneamento em cidades costeiras. Uma avaliação preliminar dos ímpactos causados pela elevação do nível do mar no Brasil (Muelte & Ne"cs, 1989) indicou as áreas mais críticas, levando-se em conta: características geo-morfológicas costeiras, densidade habitacional, disponibilidade de dados sobre a região, necessidade de pesquisa sobre técnicas de prolcção costeira e formas de resposta possíveis para a região. Essas questõcs estão imediatamente ligadas à engenharia costeira, cuja tarefa seria projetar obras mitigadoras ou de proteção. Contudo, tais obras só podem ser projetadas com segurança caso haja disponibilidade de dados, cojúiáveis e de longa duração. de elima de ondas, níveis do mar e morfologia costeira para cada área de interesse. Este artigo trata da relação entre as alterações verificadas ou esperadas no clima de ondas (como frequência de ress.1cas) e variaçõcs de. nível do mar, e as consequentes alterações morfológicas geradas na costa Utiliza os resultados alcançados por da Silva (1992) para a variação do nível médio do mar e Neves Filho (I ()92) para o comportamento da maré meteorológica. ambos referentes a um período de obscrvaç;10 de 22 anos no Rio de Janeiro, cujo caso é apresentado como exemplo. Incluem-se neste trabalho uma hierarquização dos parâmctros mínimos que devem ser monitorados e a defesa de inteçração de esforcros entre especilistas, cntidadl:s e

828 administração pública, sob o ponto de vista cientifico e gerencial, sem o que nào será possin:1 vencl:r os desafios que o país enfrenta na questão ambiental. 2. ConscQuências da Elc\'açào do Nh'cl Médio do Mar na Costa As oscilaçõcs do nlvel médio do mar estão intimamente ligadas aos efeitos observados na costa gerados pela interação mar-eontinente, matéria esta de especial interesse da engenharia costeira pois se ocupa justamenll: dos processos que ocorrem nessa interface. A elevação do nível médio relativo do mar tnís consequências junto à costa das seguintes ordens: O aumento da profundidade na plataforma continental acarreta um aumento na altura das ondas qui: se propagam nessa região ou são ai geradas devido à redução do atrito com o fundo, representando finalmente maiores ondas junto à costa. A associação de um.nível médio do mar mais alto e ondas mais altas (isto é mais energéticas) junto à costa, inevitavelmente levará a: processos de transporte sólido mais intensos, acarretando acentuadas alterações morfológicas no litoral tais como acomodaçõcs do perfil e arco de praía, embocaduras, restingas, bancos de areia, vias navegáveis, e dos fundos de uma forma geral; maior ataque sobre obras costeiras tais como quebramares, molhes, guias-corrente, diques, aterros, etc.; alteração nos níveis de agitação em recintos portuários; etc.. De uma forma geral a elevação do nível do mar acarreta um aumento da amplitude de maré em estu:'jrios, lagoas costeiras e canais de maré, a não ser que efeitos geométricos particulares de cada situação compessem tal efeito. O aumento da maré em estuários representa uma maior penetraçiio da maré nl:sses corpos resultando alteraçõcs principalmente de ordem morfológica nas margens e fundos, como também de ordem biológica devido à alteração da salinidade no meio. O aumento do nível médio do mar interfere na captação de água doce para abastecimento pois aquíferos localizados em áreas de penetração de maré ou sujeitas à percolação ficariam contaminados com :'Igua salgada. Junto a embocaduras, onde as correntes de maré desempenham um importante papel na fisiografia local, a elevação do nível do mar faz aumentar o prisma de maré, o que representa maiores velocidades e portanto escoamentos com maior capacidade de transporte. Esta situação implica numa demanda maior de sedimentos os quais serão retirados das regiõcs adjacentes à foz provocando assim retração da linha de costa. A elevação do nível do mar provoca a inundação das planícies costeiras levando necessariamente a uma mudança das atividades em desenvolvimento nessas regiõcs, como agricultura por exemplo, como também a medidas de proteção para os casos de grandes concentraçõcs urbanas já instaladas, nos quais a remoção seria inviável. Além disso, com as inundaçõcs os sistemas atuais de saneamento e drenagem das cidades litorâneas teriam que ser refeitos. A questão da elevação do nível médio do mar tem preocupado a comunidade científica internacional. O Brasil participou do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC) realizado em Miami em 19~(), no qual Muehe & Neves (1989) apresentaram uma avaliação preliminar dos possiveis impactos pcr elevaçiio do nível médio do mar para a costa brasileira. Com base em l.d,acterfsticas geo-morfológicas. densidade habitacional e níveis de atividade humana, foram indicadas cineo áreas críticas: o litoral de do ESlado ú<> Pará próximo à margem Sul do delta do Amazonas; o litoral das regiõcs metropolitanas de Fortaleza, CE, e Recife, PE; o litoral do Estado do Rio de Janeiro; e a região adjacente à embocadura da Lagoa dos Patos. município de Rjo Grande, RS. As investigações estão em andamento e resultados parciais são disponíveis para a região metropolitana de Fortaleza (Valcntini & Rosman, J992), região metropolitana do Recife (Neves ct ai, 199 I) e litoral do Rio de Janeiro (Valentini & Neves, 1989; Rosman & Valentini, 1989; da Silva & Neves, 1991; Rosso et ai, 1991; Rosman & Calixto, 1991; da Silva, J992; Neves Filho, 1992). J. Disponibilidade de Dados Ao longo da costa brasileira não se tem resultados conclusivos sobre a variação do nível médio relativo do mar. Os resultados alcançados a partir da investigação das formaçõcs de cordões de praia no litoral sudeste do Brasil indicam que o nível médio do mar já esteve vários metros acima do atual (5m) por duas ou três vezes nos últimos 7 mil anos apresentando uma tendência de desciçla desde aproximadamente 2 mil anos atr{as (segundo Suguio et ai, 1985 em Neves & Muehe, 1989). Apesar disso têm sido notados processos erosivos em diversos pontos da costa, os quais podem estar associados a lima possivel tendência atual de subida do nível do lilar como também a uma deficiência no suprimento de sedimentos ou a uma reação causada por agentes antrópicos.

829 Qualquer que seja a tendência, para comprová-la é preciso haver informações de nivel obsen'adas por tempo suficiente, da ordem de 50 anos, para se inferir sobre a possivel elevação ou não do nível médio do mar. Infelizmente no Brasil tais dados são escassos e as mais longas séries registradas s:10 as do Porto de Mucuripc em Fortaleza - CE por 48 anos (com muitas falhas), e os dados observados na llha Fiscal no Rio de Janeiro - lu por 22 anos, Os dados de Mueuripc estito sendo analisados pelo Instituto Oceanográfico da UlIiver~idadc S.10 Paulo, e os da Ilha Fiscal foram estud:ldos pelo Programa de Engenharia Uceânica da COPPE/UI'RJ. o que resultou em duas teses de mestrado: da Silva (1992) c Neves Filho (\992), cujos resull:tdo'i cst:lo llprcscntadlls neste artigo. 4. Resultados Alcancados com (I~ Dados do Ilha Fi'lclll - RJ Os dados de maré observados na llha Fiscal, RJ, foram analisados por da Silva (1992) para investigar a tendência de larga escala do comportamento do nivel médio do mar O método utilizado foi o de Pirazolli adaptado para o período disponível, pois originalmente prevê séríes mínímas de 50 anos e no caso dispunha-se de apenas 22 anos. Os resultallos estão sintetizados na Figura 1 na qual se observa liina nítida telldêw'ia de elevaçao do njvel médio anual. A tendência de longo praxo foí estimada em 1,2 cm/século. Esses mesmos dados fonim investigados por Neves Filho (1992) com uma outra ótica: a verificação dos niveis de tempestades observados no periodo. Isto significa analisar o comportamento da maré meteorlógica. ou seja o desvio do nivel observado da maré astronômica, Nesse desvio estão embutidos diversos efeitos não prevesiveis como aqueles gerados por diferenças de pressão atmosférica, ventos locais e ondas. Evidentemente se há uma tendência de longo têrmo não computada nos cálculos da maré astronômica, estes também estarão aí presentes. Na análise efetuada por Neves Filho, o enfoque principal foi a investigação sobre a possibilidade de haver uma tendência de elevação dos níveis de energia das ondas que alcançam a costa. Tal hipótese foi levantada por Carter & Draper em 1988 (em Neves Filho, 1992) a partir da verificação de um aumento na altura das ondas medidas no Mar do Norte nos últimos 25 anos. A pergunta é: seria essa uma tendência global? Para se responder, obviamente é preciso recorrer a registros de onda de longa duração, informação esta inexistente 110 Brasil. O trabalho foi feito indiretamente a partir das' observações de níveis junto à costa, e usando propriedades das ondas nessas regiões buscou-se chegar a uma conclusão. Os resultados mostram um espantoso aumento nos desvios da maré prevista para a maré observada, conforme mostrado nas figuras 2 e 3. Esses resultados especificamente indicam que foi detectada uma tendência de subida no nível médio do mar da ordem de 1,2 em/século, e uma crescente ocorrência de superleveção de nível na última década, com desvios da ordem de 30 em registrados em 40% das observações. Níveis Médios Anuais 2450-r------------------------,,2400 2350 Ê2300.5- ~ 2250 ::> ~ cc 2200 2150 2100,20501965 1968 1971 1974 1977 1980 1983 1986 Figura 1 - Variação do nível médio do mar: Ilha Fiscal, 1965 a 1986. (por da Silva, 1992)

830 Ilha Fiscal Distribuição dos desvios 30%----------------------.., 25"'-IJ--------------------- 20"-.-11----- -1lH> 0-10 10-20 20-30 30-40 40-50 50-00 >60 classes de valores (cm) IR 65-71 _ 72-78 ~ 79-86 I Figura 2 - Frequência de ocorrência de desvios da maré observada e prevista. Ilha Fiscal, RJ, de 1965 a 1986 (por Neves Filho, 1992). Ilha Fiscal Desvios positivos acima de 30 em 150%.,-.------------------------. I-e- lotais anuais I Figura 3 Frequência de desviós positivos acima e 30 em. IlhaFiscal, RJ, de 1965 a 1986 (por-neves Filho, 1992).

831 ~. Conclusões Para um pais com cerca de 8.000 km de extenslto de litoral, onde se concentra grande parte da atividade produtiva da nação, com 20% da população com prespcctivas para 50% no próximo século (IBGE.1980). é imperativo maiores investimentos em pesquisas nessa área. A escassez de informações gera inseguranças na tomada de dccisõcs, e, corno foi citado acima, são muitas as consequências advindas de uma possível clevaç:l0 do nlvel médio do mar. O Brasil conta desde 1988 com uma leí nacional de gcrenciamento costeiro. cuja implementaçllo está a cargo dos estados litorâneos. Isto significa que tais estados passam a tcr diretrizes mfnimas para uso da costa baseadas em metodologias que contemplam as vocações naturais de cada regi:10. Entretanto essa tarefa será impossfvel de ser cumprida caso não sejam, urgentemente, instalados sistemas de observações das variáveis envolvidas nos processos pertinentes. Sob o ponto de vista da engenharia costeira, os dados mfnimos necessários são: ondas (altura, período e direção de propagação), níveis do mar (maré), e morfologia costeira (dados topo-batimétricos) com amostragem adequada às especificidades dos fenômenos envolvidos. Devido à escassez de recursos financeiros faz-se necessária a união de esforços entre especialistas de diferentes áreas do conhecimento como t<'lmbém entre as agênci<'ls e orgilos estatais ligados :i quesl;io ambiental, sem o que as lacunas hoje existentes tanto na esfera científica como na gerencial não scr:io preenchidas. Referências Bibliográficas - Muehe, D. & C.F. Neves (1989) - Potentiallmpacts of Sca Levei Rise on the Coast of Brasil - em "Changing Climate and the Coast", Rep. IPCC-oNU, Miami, EUA. - Neves, C.F, D. Muehe, G.O.M. Fialho (1991) - Coastal Mamagement and Sea Levei Rise in Recife, Brazil IX Coastal Zone Management Conference, ASCE, EUA. - Neves fo,s.c. (1992) - Variação da Maré Meteorológica no Litoral Sudeste Brasileiro, de 1965 a 11)86 - Tese de Mestrado, Programa de Engenharia Oceânica, COPPE/UHU, Rio de Janeiro. - Rosman, P.C.C. & E. Valentini (1989) - Recent Erosion' in the 'Stable' Ipanema-Leblon Beach in Rio de Janeiro - em "The Coastline ofbmzil", 00. Neves & Magoon, ASCE. USA. - Rosman, P.C.C. & R.J. Calixto (1991) - Estabilidade Hidráulico-sedimentológica de Canais de Maré: O Caso da Lagoa Rodrigo de Freitas - IX Simpósio Brasileiro de Recursos Hídricos, ABRH, Rio de Janeiro. - Rosso, T.C.A; Neves, C.F.; P.C.C. Rosman (1991) - O Estuário do Paraíba do Sul: Perspectivas em um Cenário de Variação do Nivel Médio do Mar - IX Simpósio Brasileiro de Recursos Hídricos, ABRH, Rio de Janeiro. da Silva, G.N. & C.F. Neves (1991) - O Nível Médio do Mar entre 1965 e 1986 na Ilha Fiscal, RJ - IX Simpósio Brasileiro de Recursos Hídricos, ABRH, Rio de Janeiro. da Silva, G.N. (1992) Variação de Longo Período do Nível Médio do Mar: Causas, Consequências e Metodologia de Análise - Tese de Mestrado, Programa de Engenharia Oceânica, COPPE/UFRJ, Rio de Janeiro. Valentini, E & C.F. Neves (1989) - The Coastline of Rio de Janeiro from a Coastal Engineering Point of View - em "The Coastline ofbrazil". ed. Ncves & Magoon. ASCE, USA. Valentini, E & P.C.C. Rosman (1992) - Erosão Costcira em Fortaleza - Revista Brasileira de Engenharia, Caderno Recursos Hídricos (no prelo).

SESSÃO 128 - POLUiÇÃO ATMOSFÉRICA