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Transcrição:

NOÇÕES GERAIS SOBRE A OIT: Normas supralegais Vinicius de Paula Rezende 1 Paulo Roberto de Oliveira Santos 2 Resumo Na etapa introdutória relata-se o surgimento do Direito Internacional do Trabalho, devido a universalidade dos direitos sociais. Após, comenta-se sobre a estrutura da Organização Internacional do Trabalho e sobre a noção e a classificação de suas convenções. Por derradeiro, analisa-se a eficácia destas normas internacionais na ordem interna brasileira, ressaltando sua aplicabilidade imediata, devido a natureza jurídica do direito fundamental do trabalho. 1. Noções preliminares: O Direito Internacional do Trabalho Os direitos fundamentais 3 sociais são concebidos como prerrogativas que asseguram a própria dignidade humana 4 e permitem às pessoas melhores condições de vida. Os mesmos constituem-se de obrigações positivas a serem promovidas pelo Poder Público e pela sociedade civil, no âmbito interno e internacional. Ademais, a própria Assembléia das Nações Unidas limitou-se a proclamá-los, haja vista que a 1 Professor da UNIPAC ARAGUARI. 2 Professor da UNIPAC ARAGUARI. 3 Os direitos fundamentais da pessoa humana são especificados em sociais, individuais, sobre a nacionalidade e políticos. 1

existência destes direitos fundamentais sociais independe de qualquer vontade, sendo intrínseco aos indivíduos. Na seara destes direitos sociais inserem-se os relativos ao trabalho. Com o fim de protegê-los, foi concebido o Direito Internacional do Trabalho (DIT) 5, pois esta referida ordem social "não é privativa de nenhum país, existe em toda parte onde haja homens que trabalhem para outros, em regime de propriedade privada dos meios de produção e em condições técnico-industriais de liberalismo econômico." (MORAIS FILHO, 1956, p. 262) 2. A Organização Internacional do Trabalho e suas convenções Esta internacionalização do direito do trabalho nasceu com a OIT 6. Porém, consolidou-se com a atual formação de blocos regionais, tendo em vista que a livre circulação de pessoas e bens também gerou a migração de trabalhadores e empresas. Deste modo, na atualidade, tornou-se imprescindível a reestruturação da relação entre o capital e o trabalhador. Os argumentos inspiradores para a criação da OIT concebem-se em humanitários (devido as condições injustas, difíceis e degradantes dos 4 Nas palavras de José Afonso da Silva, os direitos fundamentais representam uma "limitação imposta pela soberania popular aos poderes constituídos do Estado que dela dependem." (SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. 18ª ed. São Paulo: Malheiros, 2000. p. 182). 5 O presente estudo não adentra na discussão acadêmica sobre a natureza jurídica do Direito Internacional do Trabalho. Contudo, entendemos que o mesmo não constitui uma ciência autônoma, visto que seus objetivos, princípios e métodos são idênticos aos do Direito Internacional Público. 6 Após as pregações de Robert Owen e de Daniel Le Grand, esta organização foi formulada na Parte XIII do Tratado de Versailes, celebrado na Conferência da Paz em 1919. Sua primeira constituição foi elaborada nesta referida data e reformada em 1946, na 29ª reunião de sua Conferência, por meio da incorporação da Declaração da Filadélfia. 2

trabalhadores), políticos (ante o risco de conflitos sociais ameaçando a paz) e econômicos (pela necessidade de similaridade das condições de trabalho). Por conseguinte, ela é uma pessoa jurídica de direito público internacional, de caráter permanente, constituída de Estados, que assumem, soberanamente, a obrigação de observar as normas constitucionais da organização e das convenções que ratificam, integrando o sistema das Nações Unidas como uma de suas agências especializadas 7. (SUSSEKIND, Arnaldo, 1994, p. 19) Logo, a Organização Internacional do Trabalho não representa uma entidade supra estatal, visto que ela reconhece a soberania dos Estados e somente cria obrigações formais para os mesmos. O dever de seus membros se limita em apreciar a convenção adotada na Conferência deste organismo, sem a necessidade de ratificá-la. Na classificação tradicional de Rezek, quanto ao alcance e finalidade, a mencionada entidade deve ser concebida como universal 8 e de finalidade técnica específica. Estruturalmente, a OIT compõe-se da Conferência Internacional do Trabalho, a qual consiste em um órgão deliberativo supremo de todos os Estadosmembros da Organização; da Repartição Internacional do Trabalho (RIT ou BIT), a qual constitui o centro de documentação e a secretaria técnico-administrativa da 7 Embora tenha sido parte integrante da SDN, atualmente a OIT está meramente vinculada a ONU, nos termos do próprio art. 57 da Carta das Nações Unidas. 8 Vocacionada para acolher o maior número possível de Estados". (REZEK, José Francisco. Direito Internacional Público: Curso Elementar. 8ª ed. São Paulo, Saraira, 2000, p.264.) 3

Organização, gerenciada por um Diretor Geral, eleito periodicamente pelo Conselho de Administração (CA), o qual representa o terceiro órgão da OIT com atribuições executivas de direção superior, formado por representantes dos governos, dos empregados e dos empregadores 9. Este organismo se manifesta por meio de convenções, de recomendações e resoluções. Ressalte-se que o acordo internacional, ou seja, ato jurídico celebrado entre dois sujeitos do jus gentium (Estados ou Organizações Internacionais) recebe o nome genérico de tratado, podendo ser usada outra denominação sinônima como convenção, declaração, protocolo ou outras. Mas a convenção, como acentua Hildebrando Accioly "cada vez mais, vem sendo utilizada para rotular o tratado multilateral normativo adotado por um organismo internacional de direito público." (SÜSSEKIND, 2002, p. 1490). As convenções são denominadas tratados-leis, ou tratados-normativos, em oposição aos tratados-contratos. Estes emanam de entendimentos diretos entre as partes, cujo escopo consiste na satisfação de interesses específicos dos sujeitos pactuantes. Enquanto o tratado-lei advém de discussões ocorridas na própria organização, não possui limitação quanto às partes e tem objetivos universais. A OIT, em 1998, norteando-se pelos motivos que justificaram sua concepção, declarou os Princípios e Direitos Fundamentais no Trabalho 10. Nesta procalamção, os Estados-membros reafirmaram a obrigação de respeitarem, 9 10 A existência inovadora desta diversificada representação conferiu à OIT um status de autoridade e tornou-se conhecida como tripartismo. Há 08 (oito) convenções, consideradas fundamentais, que integram esta Declaração: são as de n.º 29, 87, 98, 100, 105,111, 138 e 182. 4

promoverem e tornarem realidade os direitos fundamentais do trabalho, referentes à liberdade sindical, ao reconhecimento efetivo da negociação coletiva, à eliminação de todas as formas de trabalho forçado ou obrigatório, à erradicação eficaz do trabalho infantil e à abolição da discriminação em matéria de emprego e ocupação. Deste modo, percebe-se que a Organização Internacional do Trabalho visa assegurar um vínculo entre o progresso social e o crescimento econômico, considerando o primado do homem sobre a produção. Para esta finalidade, utilizase, em especial, de suas convenções 11, almejando êxito nesta garantia da verdadeira justiça social. 12 11 "As convenções da Organização Internacional do Trabalho (OIT) são tratados multilaterais abertos, de caráter normativo. Multilaterais, porque podem ter um número irrestrito de partes; aberto, porque podem ser ratificadas, sem limitação de prazo, por qualquer dos Estados-membros da OIT, ainda que esse Estado não integrasse a Organização quando da aprovação do tratado[...]; de caráter normativo, porque contêm normas, cujo destino é a incorporação ao direito interno dos países que manifestaram sua adesão ao respectivo tratado. (SUSSEKIND, Arnaldo. Convenções da OIT. São Paulo: LTr, 1994, p. 29.) 12 A plenitude desta obter-se-á com a integração mundial das questões trabalhistas e a adoção dos mais benéficos direitos laborais por todos os Estados. 5

3- Eficácia das convenções da OIT no ordenamento brasileiro A aplicabilidade direta destes tratados-normas, nos ordenamentos internos, advém de dois fatores. Ab initio, faz-se mister que os Estados-membros ratifiquem as convenções adotadas na OIT, tendo em vista que as mesmas não são leis supra-nacionais. Ante o exposto, somente por meio desta adesão, surge para o Poder Estatal a obrigação material 13 de garantir os direitos trabalhistas, previstos nestes tratados-leis. No Brasil, o Presidente da República 14 deve submeter a convenção da Organização Internacional do Trabalho ao Congresso Nacional, o qual a aprovará ou não. Após a aprovação, por decreto legislativo, o mesmo Chefe de Estado ratifica formalmente este tratado-norma, por meio do depósito do mencionado instrumento na Repartição Internacional da OIT. Em seguida, a referida autoridade expede um decreto, promulgando internamente a convenção, e a partir da publicação deste ato, inicia-se a vigência interna. Como o segundo motivo desta eficácia imediata, vislumbra-se a natureza fundamental social dos direitos do trabalho, os quais não se limitam às meras intenções programáticas da sociedade política e governamental. 13 Antes da ratificação somente há um compromisso de análise da convenções em certo prazo. "Ao ingressar na OIT e aderir a sua Constituição, o Estado contrai a obrigação formal de submeter toda convenção, no prazo máximo de dezoito meses da sua adoção, à autoridade nacional competente para sua aprovação." (SUSSEKIND, 1994, p. 33) 14 O Presidente da República, em relação a este procedimento de ratificação, exerce função de Chefe de Estado, nos termos dos art. 84, VIII da Constituição Federal, representando a própria República Federativa do Brasil. 6

Os mesmos são concebidos como valores supremos porque "garantem a democracia" (SILVA, 2003, p. 304) e "tendem a realizar a igualização de situações sociais desiguais" (SILVA, 2003, p. 305). No plano interno brasileiro, estes direitos do trabalho são, in conteste, imposições do constituinte originário ao administrador. Por regra, as normas que consubstanciam os direitos fundamentais democráticos e individuais são de eficácia contida e aplicabilidade imediata, enquanto as que definem os direitos econômicos e sociais tendem a sê-lo também na Constituição vigente, mas algumas, especialmente as que mencionam uma lei integradora, são de eficácia limitada, de princípios programáticos e de aplicabilidade indireta. (SILVA, 2000, p. 184) Deste modo, estes tratados-normativos, ratificados após sua submissão à autoridade competente, representam fontes formais do direito, devido a esta natureza jurídica de seu objeto 15. Assim, os direitos do trabalho, prescritos nas convenções da OIT, constituem direitos essenciais do Homem 16, também conhecidos como direitos humanos de segunda geração. Por conseqüência, os mesmos incorporam-se automaticamente ao ordenamento interno, caso tenha se cumprido o primeiro requisito já enumerado. 15 Com tradicional clareza Orlando Gomes ministra que Uma vez ratificada, a Convenção passa a vigorar como fonte de Direito do Trabalho, embora seja, em sua origem, de prdução internacional. (GOMES, Orlando e GOTTSCHALK, Elson. Curso de Direito do Trabalho. 18ª ed. São Paulo: Forense, 1998, p. 57) 16 A Declaração Universal dos Direitos do Homem, aprovada em 10/12/1948 pela Assembléia Geral da ONU, prevê, em seu art. XIII, que todo homem tem direito ao trabalho, à livre escolha de emprego, às condições justas e favoráveis de trabalho e à proteção contra o desemprego. 7

Desta maneira, a discussão entre monismo e dualismo 17 não interessa aos assuntos da OIT e de suas convenções. O direito do trabalho encontra-se acima destas correntes doutrinárias, visto que é universal e, consequentemente, selfexecuting, após cumprido o requisito da aquiescência interna da convenção. Considerada a unicidade de ordens ou a simples interdependência entre elas, conclui-se que a eficácia direta 18 das normas em tela, elaboradas na Organização Internacional do Trabalho, decorre da ratificação das mesmas e da natureza fundamental do próprio direito do trabalho. Quanto aos conflitos entre a Carta Magna e as convenções da OIT, ou entre estas e as lei infraconstitucionais, o texto da própria Lei Fundamental apresenta a solução. No Brasil, o Supremo Tribunal Federal se posicionou pela aplicação do critério cronológico, lex posteriori derrogat lex priori, ou, quando cabível, do critério da especialidade, nos conflitos entre as normas internas e as regras ditadas pelo direito internacional. Em verdade, os tratados, uma vez regularmente incorporados ao direito interno, situam-se, no sistema jurídico brasileiro, nos mesmos planos de validade e de autoridade em que se posicionam as leis nacionais, havendo, em conseqüência, 17 "Para a teoria monista não há independência, mas interdependência entre a ordem jurídica internacional e a nacional, [...]. Para a teoria dualista, as duas ordens jurídicas internacional e nacional- são independentes e não se comisturam". (SUSSEKIND, Arnaldo. Convenções da OIT. São Paulo: LTr, 1994, p. 35.). O monismo se distribui em três escolas: o nacionalista (devido ao primado do direito interno), o internacionalista (devido ao primado do direito internacional) e o moderado (no qual prevalece a norma posterior). 18 Todavia, as convenções, além de auto-aplicáveis (caso suas disposições não necessitem de regulamentação complementar), podem ser, excepcionalmente, de princípios (pois dependem, para sua efetiva aplicação, da adoção de lei ou outros atos regulamentares) ou promocionais (que fixam determinadas metas e estabelecem programas para as mesmas). Estas últimas modalidades não são de eficácia direta. 8

entre estas e os atos de direito internacional público, mera relação de paridade normativa, sem qualquer primazia hierárquica. Entretanto, faz-se mister ressaltar que a OIT promove a unificação dos direitos do trabalho. Embora esta entidade não seja superestatal, suas convenções, espontaneamente ratificadas, declaram direitos universalizados, os quais se sobrepõe as prescrições legais internas. Em relação a estes tratados-leis específicos, ocorre uma prevalência dos direitos, por eles assegurados, ante os direitos trabalhistas regulados no sistema jurídico interior de quaisquer Estados, inclusive o Brasil. Neste sentido, não se justifica a alegação segundo a qual as convenções ratificadas pelo Brasil não podem versar sobre matéria, reservada constitucionalmente à lei complementar, sob pena de perda da eficácia automática das mesmas. O direito do trabalho, regulado nos tratados-leis da OIT, se incorporam imediatamente após a sua ratificação e devido sua natureza fundamental social. Neste sentido, a modalidade da norma interna, que deve garantir o citado bem jurídico, constitui mera formalidade, mesmo que prevista na Lei Maior. O relevante, como enfatizado, situa-se na ratificação do tratado-norma da OIT e na própria essência do direito laboral. Em últimas considerações, salienta-se que, no Brasil e na maioria dos Estados democráticos, um direito fundamental proclamado, inclusive por ato internacional, torna-se cláusula pétrea, não podendo ser excluído do ordenamento, nos termos do 2º do art. 5º combinado com o art. 60, 4º, IV da nossa Constituição Cidadã. 9

Deste modo, uma convenção ratificada que assegure direito fundamental social do trabalho não pode ser denunciada, salvo se promulgada outra Carta Federal. Entendimento contrário, desvaloriza as magnas prerrogativas sociais atribuídas aos cidadãos. 10

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS DOLINGER, Jacob. Direito Internacional Privado. 5ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 1997. FILHO MORAIS, Evaristo. Introdução ao Direito do Trabalho. 3ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1956, v. 2. GOMES, Orlando e GOTTSCHALK, Elson. Curso de Direito do Trabalho. 18ª ed. São Paulo: Forense, 1998. JÚNIOR CRETELLA, José. Comentários a Constituição 1988. 2ªed. Rio de Janeiro: Forense, 1994, v. 2. NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de Direito do Trabalho. 17ª ed. São Paulo: Saraiva, 2001. REZEK, José Francisco. Direito Internacional Público: Curso Elementar. 8ª ed. São Paulo, Saraira, 2002. SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 5ª ed. São Paulo: Malheiros, 2000.. As garantias econômicas, políticas e jurídicas da eficácia dos direitos sociais in.: Revista da Academia Brasileira de Direito Constitucional. 2003, v. 3. SUSSEKIND, Arnaldo. et al. Instituições de Direito do Trabalho. 20ª ed. São Paulo: LTr, 2002, v.2.. As normas internacionais em face da Constituição in.: Arion Sayão Romita (Coord.). Curso de Direito do Trabalho: Estudos em homenagem ao prof. Amauri Mascaro do Nascimento.. São Paulo: LTr, 1991, v. 2.. Convenções da OIT. São Paulo: LTr, 1999.. Direito Internacional do Trabalho. 2ª ed. São Paulo, LTr, 2000. VALLADÃO, Haroldo. Direito Internacional Privado. Rio de Janeiro: Feitas Bastos, 1967, v.1. 11