A LÍNGUA MATERNA COMO INSTRUMENTO DE INTERAÇÃO NA SALA DE AULA DE LÍNGUA ESTRANGEIRA. Ângela Cristina Rodrigues de CASTRO (UFRJ / CMRJ)



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Transcrição:

A LÍNGUA MATERNA COMO INSTRUMENTO DE INTERAÇÃO NA SALA DE AULA DE LÍNGUA ESTRANGEIRA Ângela Cristina Rodrigues de CASTRO (UFRJ / CMRJ) Abstract: This paper analyses the possibility of a learner s mother tongue being or not a facilitator in the process of teaching and learning a second language. The analysis is based on a recent theory in the field of Second Language Acquisition (SLA) which advocates that L2 and L1 acquisition are analogous processes, and on the concept of schemata proposed by Bartlet. Introdução Como professora de língua inglesa - 4 anos em curso de línguas, adepto do método audiovisual, e 3 anos em escolas de 1o. e 2o. graus, adeptas ou do método gramática-tradução ou de uma tentativa de implantação de uma abordagem comunicativa - sempre foi, para mim, dúvida constante o fato de se poder ou não usar a língua portuguesa como elemento facilitador no ensino da referida língua estrangeira. Uma vez que a bagagem cultural que o aluno traz para a sala de aula inclui a sua língua materna, parece ser interessante verificar se esse seu conhecimento prévio é elemento importante facilitador da sua aprendizagem de língua estrangeira. Fala-se de uma linguagem em uso como

possível elemento facilitador de aprendizagem de língua estrangeira, contexto no qual a interação é fator imprescindível. Aliada a tudo isso, havia ainda uma certa necessidade de avaliação de minha prática docente. Por essa razão, fiz a opção pela metodologia de pesquisa denominada pesquisa-ação. 1. Da metodologia escolhida A pesquisa-ação é uma metodologia de pesquisa que pertence à tradição interpretativista ou qualitativa de investigação. Conforme aponta Crookes (1993), ao termo pesquisa-ação subjaz o conceito de que na atividade de pesquisa tenham de estar envolvidos os professores, quando, na verdade, o que deve ser aceito é o fato de que as questões de pesquisa devem emergir dos próprios problemas e interesses do professor. Nunan (1989) cita Carr e Kemmis (1985),que, em seu livro sobre esse método de pesquisa, dizem que a pesquisa-ação uma forma de investigação auto-reflexiva empreendida por participantes de contextos sociais com o propósito de melhorar a adequação e a eqüidade de suas próprias práticas, e as situações nas quais essas práticas são conduzidas. (tradução minha) Cohen e Manion (1985), também citados por Nunan (1989), completam essa definição dizendo que a pesquisa-ação consiste de intervenções de pequena escala na prática de funcionamento do mundo real (tradução minha).

De forma semelhante, Thiollent (1994) coloca que a pesquisa-ação é um tipo de pesquisa social com base empírica que é concebida e realizada em estreita associação com uma ação ou com a resolução de um problema coletivo e no qual os pesquisadores e os participantes representativos da situação ou do problema estão envolvidos de modo cooperativo ou participativo. Contudo, ressalta também que toda pesquisa-ação é do tipo participativa, mas que tudo que é chamado de pesquisa participante não é pesquisa-ação, visto que essa, além da participação, supõe uma forma de ação planejada de caráter social, educacional, técnico ou outro, que nem sempre se encontra em propostas participantes. Porém, (...) a participação do pesquisador não qualifica a especificidade da pesquisa-ação,que consiste em organizar a investigação em torno da concepção do desenrolar e da avaliação de uma ação planejada.(...) (cf. Thiollent, p. 15) Como um método de investigação interpretativista, a pesquisa-ação: a. concentra mais o seu foco nos processos de instrução e aprendizagem do que nos produtos finais e resultados; b. tem como objetivo principal o de revelar elementos que subjazem às complexidades do ensino e da aprendizagem, e não o de obter provas de se um tal método de ensino é melhor do que outro; c. preocupa-se com a documentação e análise do que realmente acontece em sala de aula, em vez de simplesmente medir a linha de chegada da aprendizagem. Kemmis e McJaggart s (1988) ( cf. Crookes, 1993) citam quatro fases para a pesquisa-ação, a saber:

Fase I - Desenvolver um plano de ação para melhorar o que já está acontecendo. Fase II - Agir para implementar o plano. Fase III - Observar os efeitos da ação no contexto em que ocorre. Fase IV- Refletir sobre esses efeitos. Por todos os aspectos até agora expostos, professores que desejam participar ativamente do contexto social da sala de aula devem ser encorajados a desenvolver abordagens críticas e experimentais em sua própria sala de aula. 2. Da teoria que informa a investigação O campo da aquisição de segunda língua é vasto e complexo. O processo de aquisição de segunda língua não é um fenômeno uniforme e previsível. É resultado de muitos fatores inerentes ao aprendiz e ao contexto de aprendizagem ( cf. Ellis, 1985 ). Por isso, os estudos de aquisição são vitais para o ensino e aprendizagem de uma língua. As estratégias de aprendizagem variam de aprendiz para aprendiz; a velocidade e a trajetória de aquisição 1 também. Contudo, ressalta-se que não há só variações nesse processo, o que tornaria impraticável a investigação: há também o que se chama de elementos universais ou comuns. Os estudos em aquisição começaram com investigações sobre a língua materna (L1) e só posteriormente concentraram seu foco em segunda língua (L2). É verdade, porém, que as pesquisas em produção e

aquisição de língua foram massivamente conduzidas sob uma estrutura puramente lingüística, nas quais somente o produto, não os processos subjacentes, era analisado ( cf. Ringbom, 1987). Atualmente, este quadro modificou-se com a preocupação em se observar a linguagem em uso, no seu contexto de ocorrência. Nesse aspecto se insere a questão da língua materna no processo de aquisição de segunda língua. Da mesma forma, quando se fala dessa importância, momentos diferentes vêm à tona: num primeiro momento a língua materna é nociva e, num outro momento, não tem qualquer importância sobre o processo, não faz diferença. A visão que informou as décadas de 50 e 60 baseava-se no behaviorismo (estabelecimento de hábitos para a aquisição de formas) e no estruturalismo e pregava que (a) os erros eram resultados da interferência da língua materna e (b) que as dificuldades de aprendizagem deviamse às diferenças entre a língua materna e a língua-alvo - era o momento da análise contrastiva (cf. Ellis, 1985; Beebe, 1988; Richards, 1978). Houve uma versão mais suave dessa visão a qual assinalava que nem todos os erros na língua-alvo tinham origem na língua materna (cf. Ellis, 1985). No final da década de 60, a visão que passou a ser divulgada nos meios acadêmicos foi a da análise de erros, oferecida como alternativa à análise contrastiva. Seguindo um aspecto da teoria que a precedeu, a análise de erros demonstrou que a maioria dos erros não eram devidos à influência da língua materna, mas que refletiam estratégias de aprendizagem universais. Pela primeira vez foi feita uma classificação dos erros conforme sua incidência e influência no processo de aquisição.

Com as críticas feitas à análise de erros, no final da década de 60, início da década de 70, surgiu a análise de morfemas, visão informada pela teoria do inatismo ( dispositivo de aquisição de língua - LAD) de Chomsky. Foi o 1 o momento de realização de um estudo a partir de dados empíricos ( o uso do gravador passa a ser imprescindível ). Nesse momento, os erros continuam a ter um papel importante no estudo da aquisição de línguas, mas não deviam ser estudados isoladamente. A língua materna é vista como irrelevante no processo de aquisição. Essa visão baseava-se no estudo da performance lingüística total do aprendiz e não só nos seus erros (cf. Richards et alii, 1993). Fala-se, então, na ordem de aquisição dos elementos do sistema lingüístico de uma língua e na interlíngua do aprendiz. Na década de 80, o estudo volta-se para a análise da forma para a função e, posteriormente, da função para a forma, relacionando-as à interlíngua do aprendiz. Segundo essa teoria, o desenvolvimento da interlíngua é extensiva e sistematicamente influenciado por princípios discursivo- -pragmáticos, sendo ela caracterizada por aspectos do discurso face-a-face, como o conhecimento partilhado sobre o mundo e as normas de interação social. As estruturas da interlíngua do aprendiz e suas formas são entendidas como passíveis de serem utilizadas para fins comunicativos da língua materna e da língua-alvo. Atualmente, as visões teóricas sobre aquisição mantêm a posição de que a aquisição de língua materna e segunda língua são processos análogos (cf. Richards,

1978). Conforme afirma Ellis (1985), houve uma reavaliação, nos últimos anos, do papel da língua materna no processo de aquisição de segunda língua, reavaliação que se deu de duas formas: (a) novo exame da natureza da transferência lingüística ( language transfer ) e (b) reorganização da contribuição da língua materna em bases cognitivas, cuja palavra-chave é estratégia. Logo, a língua materna é um importante determinante da aquisição de uma segunda língua. É a fonte de conhecimento à qual os aprendizes se reportam, consciente ou inconscientemente, para ajudá-los no entendimento dos elementos presentes no input (i.e. língua que escuta ou recebe e a partir da qual aprende ), para que possam atuar da melhor forma possível na segunda língua. À medida que a proficiência do aprendiz na segunda língua aumenta, menos poderosa se torna a língua materna nesse processo (cf. Ellis, 1985). O embasamento teórico da Psicologia advém da teoria de esquemas proposta por Bartlet (cf. Spiro, 1980). Ele demonstrou que a compreensão não é mecanismo de reprodução, mas um processo construtivo que usa não só as informações dadas no discurso, mas também um conhecimento prévio extraído da experiência pessoal. Esse conhecimento está armazenado na mente humana não como uma sucessão de fatos e experiências desordenadas entre si, mas de maneira organizada, em estruturas cognitivas, os esquemas, que a todo momento podem ser confirmados ou negados. A investigação em foco leva em consideração toda esta teoria aqui apresentada, considerando-se também que há outros elementos que interferem nesse processo (

motivação, contexto etc.), os quais, apesar de não estarem em evidência nesse proposta de pesquisa, permeiam todo o processo. 3. Descrição do contexto e dos sujeitos da pesquisa O local escolhido para essa investigação foi um estabelecimento militar de ensino de 1 o e 2 o grau, sediado num bairro da zona norte do Rio de Janeiro, colégio onde a investigadora leciona língua inglesa. O sistema de ensino de língua inglesa nesse estabelecimento vem, desde o ano de 1994, sofrendo modificações quanto à abordagem metodológica utilizada. Essas modificações restringiram-se às três primeiras séries do 2o. segmento do 1o. grau no ano corrente. Nesse novo sistema pretende-se trabalhar com uma abordagem comunicativa no ensino de língua inglesa - diferente do que acontecia até então - a fim de que os alunos tenham a chance de serem expostos a toda uma variedade de manifestações nessa língua estrangeira, dentro e fora do contexto escolar, assim como de se tornarem proficientes não só na habilidade escrita como na oral. Atualmente há três níveis instituídos: o 1A- INTRO, designado para as turmas de 5a. série; o nível 1A, designado aos alunos iniciantes na língua, de 6 a e 7 a série e o nível 1B, designado para aqueles aprovados no nível 1A e aprovados em testes de nivelamento realizados pela instituição no início do ano letivo. No ano de 1996, será implantado o 4 o nível do sistema - o 2A - para os alunos aprovados no 1B ou aprovados em testes de nivelamento. As turmas compõem-se de, no máximo, 20 alunos. No ano corrente cada turma tem 3 aulas semanais, de 45

minutos cada, sendo 1 com uma das professoras e 2 com a outra. Semestralmente há troca de professores de turmas, ficando o aluno com as mesmas professoras somente 1 semestre. Os alunos têm avaliações escritas semestrais ( 2 por semestre) e duas avaliações orais (uma no 1 o bimestre e outra no 3 o bimestre), sendo avaliados também quanto à participação, entrega de trabalhos etc. O material utilizado é importado e pertence à série INTERCHANGE, da Cambrige University Press. Foi escolhida uma turma da 6 a série do 1 o grau do referido estabelecimento de ensino, constituída de 14 alunos, pertencente ao nível 1B, por dois fatores: a. a professora-pesquisadora ministra duas aulas semanais nesta classe, tendo a turma grande empatia pela educadora; b. a grande dificuldade de toda a turma em acompanhar as aulas de inglês, visto que diziam não entender nada, apesar de pertencerem ao nível 1B. Cabe aqui ressaltar que, para a realização desta pesquisa, foi cedido à professora-pesquisadora o 3 o tempo de aula nessa turma, uma vez que a avaliação deveria ter uma seqüência ininterrupta. 4. Descrição dos instrumentos e procedimentos Para que se pudesse realizar o que van Lier (1988) chama de triangulação múltipla, a investigadora fez uso de: a. leituras teóricas feitas para informar a realização da pesquisa; b. gravação, em áudio, das três aulas a serem analisadas;

c. escritura de diários de aula feita pela professora. 5. Análise dos dados e apresentação dos resultados Segue a transcrição 2 de um trecho de uma das aulas observadas: P: What s the difference between rainy and cloudy? A2: Rainy é chuvoso and cloudy é nublado. P: Hum...(...) If we look at the sky, look there (os alunos olham para o céu através da janela) it s rainy. What...what makes it more... rainy than cloudy? AA: (em silêncio) P: Heim, gente, qual a diferença entre o tempo estar nublado e chuvoso? Por que se eu olhar para o céu agora, tá nublado, não está? Mas ao mesmo tempo posso ver que ele tá chuvoso. É melhor eu dizer que ele está chuvoso do que nublado. Por quê? Qual é a diferença entre usar uma expressão ou outra? AA: (em silêncio) P: Em qual eu tenho uma evidência maior da chuva? A: Rainy. P: Rainy. Então necessariamente o cloudy weather quer dizer que vai chover? A: Não. P:Não, o cloudy weather quer dizer que somente o sol está por trás das nuvens. Não necessariamente o tempo chuvoso. Eu posso ter o cloudy weather e não chover. Posso ter o cloudy weather no maior calor, não é? Então, rainy, a diferença é que a tendência a chover (estala os dedos) é muito mais evidente. OK?

Quanto a esse trecho da aula, é relatado no diário de aula: (...) Quando ele apresentou a dúvida, o que já não acontecia pela primeira vez, percebi que o problema ia além do uso de uma ou outra palavra, mas quanto ao significado das mesmas. Ao perguntar, em inglês, se eles sabiam a diferença entre uma ou outra palavra, percebi que se não acompanhasse seu ritmo nada conseguiria. Optei então por tirar a dúvida em português para ir logo ao ponto. Fiquei surpresa ao perceber que na verdade não sabiam qual era a diferença entre chuvoso e nublado (...). Num segundo momento, durante a correção de exercícios,: P: Now, we have here on your workbooks we have an exercise, seven, exercise seven, which says Which nouns go with which verbs? Write the nouns under the best verbs. So, we have these verbs here ( vira-se para escrevê-los no quadro) - drive, have, ride and take. Por que existe esse exercício aqui no livro? Em inglês você diz tomar um táxi, tomar um ônibus? Se eu vou tomar um táxi ali na esquina, estou atrasada, é correto eu dizer isso em português, heim? A: É...(duvidoso) P: É ou não é? AA: É! (...) A: Ah, teacher, tomar um ônibus parece beber ônibus.

(...) P: Qual é a forma correta: é soltar ou saltar do ônibus? AA: Saltar. P: Então quer dizer que quando vocês saltam do ônibus vocês contam 1, 2, 3 e saltam (a professora pula) do ônibus. AA: (Risos) P: Isso se chama apropriação do vocábulo. Então para que serve esse exercício que nós temos aqui? Em inglês isto aí fica um pouco mais marcado. Por quê? Em inglês vamos dizer andar de bicicleta e andar de carro usando verbos diferentes, com o mesmo significado. Quanto a este momento, é relatado no diário de aula: (...) Toda vez que chegava a um tipo de exercício como este a turma dava um passo atrás. Por isso, nessa aula, achei que deveria fazer uma ponte com o que conheciam para criar motivação(...). (...) O maior problema é que se sentiam desmotivados porque havia palavras que não haviam usado na lição, mas que deveriam entrar no exercício por trabalharem o mesmo campo semântico (...). (...) Não viam esse exercício como uma chance de aprender novas palavras, mas como uma série de palavras estanques, mais coisa para estudar para a VC (prova) (...). Na verdade, a relação de similaridade entre as duas línguas criou uma situação de conforto nos alunos.

Realizaram a atividade com outra motivação: a de descobrir que palavras tinham o significado igual a de outras e em que contextos. Outra situação ocorre. Ela parece ter muita relação com a sensibilidade do professor quanto ao uso ou não da língua materna. P: Ok, now we have exercise number eight. A: Teacher (olhando para uma das paredes da sala onde estavam afixadas algumas useful expressions ), o que significa What s the meaning of...? em português? P: Exatamente o que você me pergunta agora. A6: Ah, quer dizer o que significa em português? P: OK, exercise eight. May I erase here? (apontando para o quadro de giz). Have you done exercise number eight? AA: No. Yes. P: Do you have a dictionary? A6: Teacher, what s the meaning of across and down? (olhando para as palavras cruzadas no exercício) P: (Desenha as setas indicadoras no quadro.) Across and down. Remember (...) when you are unhappy you are down ( faz sinal com o dedo para baixo ). Não dei muita atenção ao fato; tinha, contudo, em mente que (...) naquela hora não poderia parar para dar uma aula em inglês sobre o significado daquela expressão pois dispersaria a atenção de toda a turma da atividade que realizavam. Optei por lhe responder em português e voltar minha atenção para a atividade que realizava. Qual não foi

a minha surpresa quando vi que momentos logo após a mesma aluna fez uso da expressão em inglês corretamente(...). 6. Discussão dos resultados e sua significação para a área estudada Deve ficar claro que, em nenhum momento, diz-se que o uso da língua materna deva ocupar o maior tempo da aula da língua estrangeira: diz-se que, pelo menos no contexto observado, em momentos bem marcados e com funções específicas, ela parece exercer um papel positivo nesse processo de aquisição de segunda língua. Serve para ativar os esquemas cognitivos que o aprendiz já possui, tornando a aquisição menos complexa do que já é. Atuando como elemento ativador de esquemas cognitivos, como elemento motivador e de ligação com o que o aprendiz já conhece ou com qualquer outra função, a língua materna deve ser um instrumento com o qual o professor de língua estrangeira possa contar.seu uso deve ser precedido de cuidadosa análise do professor quanto à necessidade de seu aluno. Sugere-se que haja uma projeção dessa micro-análise para outros contextos de sala de aula, a fim de que outros elementos não encontrados possam vir à tona. Quanto à metodologia utilizada, parece-me adequado atestar que talvez as entrevistas com os alunos tivessem sido elementos que viessem a esclarecer muito mais sobre o que acontecia em sala de aula. Ter-se-ia um outro ponto de vista - o do aluno -, visto que o fato de

haver tão somente o ponto de vista do professor pode vir a ser considerado muito tendencioso para muitos. Da mesma forma, o uso de diários produzidos por alunos e a observação das aulas por outros professores tornaria essa investigação muito mais rica. NOTAS 1. Apesar de alguns autores fazerem ainda a distinção entre os termos aquisição e aprendizagem, os mesmos serão utilizados indistintamente nesta investigação. 2. A transcrição segue as convenções sugeridas por van Lier (1988). REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BEEBE, Leslie (ed.) Issues on Second Language Acquisition: Multiple Perspectives. New York: Newbury House - Harper and Row, 1988. CROOKES, Graham. Action Research for Second Language Teachers : Going Beyond Teacher Research. In: Applied Linguistics, v. 14, No. 2, Oxford University Press, 1993. p. 130-144. ELLIS, Rod. Understanding Second Language Acquisition. Oxford: Oxford University Press, 1985. LÜDKE, Menga e ANDRÉ, Marli E. D. A. Pesquisa em Educação: Abordagens Qualitativas. São Paulo: EPU, 1986.

NUNAN, David. Understanding Language Classrooms. USA: Prentice Hall, 1989. Research Methods in Language Learning. Cambridge:Cambridge University Press, 1992. RICHARDS, Jack C. (ed.) Understanding Second and Foreign Language Learning. Rowley, Mass: Newbury House, 1978. et alii. Dictionary of Language Teaching and Applied Linguistics. England: Longman, 1993. RINGBOM, Hakan. The Role of the First Language in Foreign Language Learning. England: Multilingual Matters Ltd., 1987. SPIRO, R. J. et alii. Theoretical Issues in Reading Comprehension. Perspectives from Cognitive Psychology, Linguistics, Artificial Intelligence and Education. Hillsdale, New Jersey: Lawrence Erlbaum, 1980. THIOLLENT, Michel. Metodologia da Pesquisa-Ação. 6 ed. São Paulo:Cortez, 1994. VAN LIER, Leo. The Classroom and the Language Learner. England: Longman, 1988.