Lipossomas em formulações dermocosméticas



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Transcrição:

Lipossomas em formulações dermocosméticas M. CHORILLI 1 G.R. LEONARDI 2 A.G. OLIVEIRA 1 M.V. SCARPA 1 1. Programa de Pós-graduação em Ciências Farmacêuticas, Faculdade de Ciencias Farmacêuticas (UNESP), Araraquara (SP). 2. Farmacêutica, docente do Curso de Farmácia da Universidade Metodista de Piracicaba (Unimep), Piracicaba (SP). Autor responsável M.V. Scarpa. E-mail: scarpamv@fcfar.unesp.br INTRODUÇÃO Os lipossomas têm sido amplamente utilizados como veículo em fórmulas dermocosméticas, em razão de que sua estrutura proporciona a encapsulação de substâncias ativas hidrofílicas e lipofílicas, visto serem constituídos por compostos anfifílicos (FENDLER, 1982; OLIVEIRA & SCARPA, 1992; OLIVEIRA, 1993; OLIVEIRA, SCARPA & LEITE, 1997). Compostos anfifílicos caracterizam-se por possuir em sua estrutura uma região polar (iônica ou não) e uma região apolar, a qual pode ser representada por uma ou mais cadeias hidrocarbônicas com mais de oito grupos metilênicos (Figura 1). Em concentração acima da concentração micelar crítica (CMC) e em presença de excesso de água, tais compostos podem formar diferentes tipos de agregados supramoleculares, como micelas, monocamadas, multicamadas, microemulsões e lipossomas (FENDLER, 1982; ISRAELACHVILI, 1991). Várias moléculas com características anfifílicas, contendo duas cadeias carbônicas, incluindo desde fosfolipídios naturais até compostos totalmente sintéticos, podem ser utilizados como elementos estruturais de lipossomas (Figura 2) e, por sua vez, o método de preparação pode ser desenhado de modo a controlar o tamanho e a morfologia dos agregados (LASIC & MARTIN, 1989). Figura 1 - Estrutura química de um composto anfifílico. Figura 2 - Estrutura química da Dimiristoilfosfatidilcolina (DMPC), anfifílico estrutural de lipossomas. Infarma, v.16, nº 7-8, 200 75

Os lipossomas são constituídos de uma ou mais bicamadas concêntricas, separadas por fases aquosas e englobando um compartimento aquoso interno (Figura 3). Esses sistemas organizam-se na presença de água, sendo que, em parte, a orientação de bicamada é determinada pela natureza dos grupos polares e das cadeias carbônicas (ISRAELACHVILI, 1991). Dessa forma, a concentração total de lipídios, o volume interno e as dimensões do lipossoma influenciam diretamente a encapsulação das substâncias, independentemente de seu grau de polaridade. O ideal é a utilização de princípios ativos em concentrações que não excedam o limite de saturação dos mesmos no compartimento aquoso (para substâncias polares) ou nas bicamadas lipídicas (para substâncias apolares) (LIMA, 1995). LIPOSSOMAS EM DERMOCOMÉTICA Figura 3 - Estrutura de lipossomas unilamelar e multilamelar. Segundo LASIC (1988), os lipossomas variam de tamanho e homogeneidade, conforme o método de preparação, podendo ser preparados por simples dispersão de um filme de anfifílico com agitação mecânica; sonicação, evaporação em fase reversa; extrusão, etc. A maioria dos fosfolipídios não formam espontaneamente SUVs, sendo necessário o fornecimento de energia ultra-sônica (sonicação). Durante a sonicação, há formação de fragmentos de membranas, os quais apresentam uma parte hidrofóbica que fica exposta ao meio aquoso polar. Quando há transferência de um meio apolar para um meio aquoso, a entropia é desfavorável. Para vencê-la, fragmentos hidrofóbicos juntam-se a outros fragmentos hidrofóbicos. A entropia desfavorável da interação da parte hidrofóbica dos fragmentos é equivalente à energia desfavorável do empacotamento. Em virtude disso, os lipossomas apresentam uma superfície de pequeno raio de curvatura. Quando a energia é equilibrada, há formação de lipossomas de menor tamanho possível (YEAGLE, 1987). De forma geral, a encapsulação e a retenção de substâncias ativas incorporadas em lipossomas dependem essencialmente da natureza e da concentração do fosfolipídio, concentração da substância, carga elétrica dos lipídios, força iônica do meio, concentração de colesterol, tamanho da estrutura e condições de obtenção dos lipossomas (PUISIEUX & BENITA, 198). A localização da substância ativa na estrutura do lipossoma depende de seu coeficiente de partição entre as fases aquosa e lipídica, sendo que a quantidade máxima da substância a ser incorporada é dependente da solubilidade total em ambas as fases e do tipo de estrutura do lipossoma (Figura ). Figura - (A) Lipossoma unilamelar contendo substâncias ativas solubilizadas na fase aquosa e na bicamada lipídica. (B) Corte transversal de lipossoma unilamelar Na área dermocosmética, os lipossomas vêm sendo utilizados, tanto para aumentar a incorporação de substâncias ativas às células, quanto como veículo para liberação controlada de princípios ativos (MAGDASSI, 1997; HAYWARD & SMITH, 1990; SUZUKI & SAKON, 1990). Eles têm sido empregados na prevenção da queda de cabelos, promoção do crescimento capilar, desaceleração do processo de envelhecimento da pele, clareamento da pigmentação cutânea e prevenção e tratamento da lipodistrofia ginóide (DI SALVO, 1996; SUZUKI & SAKON, 1990). As principais vantagens do emprego de lipossomas para a administração de agentes dermocosméticos são o fato de que podem transportar substâncias hidro e lipossolúvis; apresentam alta afinidade pelas membranas biológicas, são constituídos de anfifílicos naturais biocompatíveis e biodegradáveis, além de acentuarem a hidratação natural da pele e cabelo (CITERNESI & SCIACCHI- TANO, 1995). Devido à sua estrutura de bicamada, semelhante à estrutura das membranas celulares, eles são capazes de interagir profundamente com as células do organismo. Vários tipos de interações de lipossomas com células da corrente circulatória foram descritos, tais como transferência ou troca de lipídios, endocitose, fusão, etc. (Figura 5). Figura 5 - Possíveis mecanismos de interação dos lipossomas com células. A transferência ou troca de fosfolipídios tem um efeito especial em aplicações cosméticas, visto que os lipossomas podem alterar as propriedades da pele (rigidez, elasticidade) por fornecimento de fosfolipídios requeridos e outros componentes de membranas da pele (REDZINIAC & PERRIER, 1996). Além disso, IMBERT et al. (199) citam que os lipossomas aumentam as concentrações do princípio ativo nas camadas da pele (epiderme e derme), enquanto reduz a absorção sistêmica. Para REDZINIAC & PERRIER (1996) é provável que o uso de produtos dermocosméticos que contém lipossomas tenha efeitos positivos na aparência da pele, como aumento da hidratação cutânea. JI & JEON (1997), ao estudarem a estabilidade, eficácia e 76 Infarma, v.16, nº 7-8, 200

efeito de um creme contendo 5% de palmitato de retinil, observaram que quando o princípio ativo foi encapsulado em lipossomas, ele foi mais estável e promoveu hidratação do estrato córneo por diminuição da perda de água transepidermal. Já SICILIANO (1985) observou em estudos da encapsulação de glicerol, uréia e PCA-Na que a ligação de água ao estrato córneo desidratado foi de 110% a 20% maior com os lipossomas do que com um produto controle não encapsulado. EGBARIA & WEINER (1991) citam como principais vantagens de formulações tópicas de lipossomas: De forma semelhante às células, lipossomas podem armazenar substâncias hidrossolúveis em seu interior e substâncias lipofílicas e anfifílicas em suas membranas, onde as substâncias ativas ficam retidas para serem transferidas a outras membranas, como a pele; A maioria dos veículos convencionais não são eficazes para a administração de substâncias ativas através da pele devido a dificuldade de penetração pela camada córnea. Todavia, os lipossomas proporcionam uma penetração eficiente; A incorporação em lipossomas de substâncias ativas que penetram prontamente na pele resulta em uma diminuição de sua absorção sistêmica comparada àquela resultante da administração tópica em veículos convencionais; A deposição dos lipossomas no estrato córneo resulta em efeito reservatório substancial; Lipossomas são atóxicos, biodegradáveis e podem ser preparados em larga escala. A interação dos lipossomas com a pele ainda não está totalmente elucidada. LAUTENSCHLAGER (1990a) cita duas principais fases nesta interação. Inicialmente, os fosfolipídios ligam-se superficialmente à queratina da camada córnea, recobrindo a pele com um filme lipídico, o qual reduz a perda de água transepidermal e aumenta a função barreira da pele. Todavia, a forte afinidade da queratina pelos lipossomas leva à ruptura de algumas estruturas. Numa segunda fase, os fosfolipídios monoméricos não ligados à bicamada lipídica podem ser introduzidos nas camadas mais profundas da pele, podendo ser capturados pelas membranas celulares (Esquema I). LIPOSSOMAS Superfície da pele queratina Camada córnea Epiderme 6 degradação bicamadas lipídicas, depósito adf membranas celulares Derme glândulas sebáceas membranas celulares 6 6 fosfolipídios metabólitos ESQUEMA I. Efeito dos lipossomas sobre a pele (LAUTENSCHLAGER, 1990a). Em dermatologia, os lipossomas têm sido empregados principalmente para a aplicação de antimicóticos, antiinflamatórios e retinóides, aumentando a concentração do fármaco na derme e epiderme (LAUTENSCHLAGER, 1990a). ARTMAN et al. (1990) propuseram o uso de lipossomas para promover a penetração cutânea de anticorpos monoclonais em pele de porco in vivo, os quais apresentavam peso molecular de 20 a 60 kd. Depois de 0 minutos, foi possível verificar a presença do complexo de anticorpos tanto na derme quanto na epiderme através de coloração específica (método APAAP). Todavia, o anticorpo isoladamente não penetrou a pele. Além disso, AGARWAL & KATARO (2002) observaram aumento na retenção cutânea de nitrato de miconazol, antifúngico que apresenta sério problema de penetração na pele, após incorporação do mesmo em lipossomas. A utilização de lipossomas na prevenção e tratamento da lipodistrofia ginóide, conhecida popularmente como celulite, baseia-se no fato de que a diminuição seletiva e bem sucedida dos depósitos de células de gordura, via liberação tópica, exige o carreamento do princípio ativo, para que seja obtida concentração mais elevada na área de depósito adiposo onde se procura obter a lipólise. Essa liberação pode, teoricamente, ser auxiliada pelo uso de lipossomas, visando à ação na camada da hipoderme (DI SALVO, 1996). LESSER et al. (1999) testaram a eficiência de creme com Infarma, v.16, nº 7-8, 200 77

cafeína lipossomada na modificação de tecido adiposo subcutâneo em 1 pacientes, através de medidas de fita e fotografias após um período de 2 meses. Os autores observaram que o creme com cafeína lipossomada reduziu significativamente a espessura da gordura subcutânea depois de 2 meses de utilização do produto. Para o melhor entendimento das razões palas quais ocorre maior permeação e menor absorção de substâncias encapsuladas em lipossomas, deve-se atentar para as propriedades da camada córnea, que apresenta células ricas em queratina, dispostas em uma matriz intercelular lipídica. Sendo assim, os lipossomas conseguem interagir com as interfaces lipídio-água, penetrando a camada córnea. Os lipossomas distribuem-se entre as duas fases através do contato com uma interface. A fração que se associa à fase lipídica sofre um rearranjo estrutural, formando uma monocamada lipídica orientada na interface (cabeças polares voltadas para a fase aquosa, cadeias hidrocarbônicas para a fase lipídica). A fração restante dos lipossomas permanece suspensa na fase aquosa (STRAUSS, 1989). Vários estudos têm procurado mostrar os mecanismos para aumento da penetração de substâncias ativas após aplicação tópica de princípios ativos em lipossomas. MEZEI & GULASEKHA- RAM (1982), após aplicação de lipossomas contendo acetonido de triancinolona em coelhos, sugeriram que os lipossomas passariam intactos pelas camadas superiores da epiderme até a derme, onde ficariam retidos. Todavia, tal hipótese foi muito criticada por GANESAN et al. (198), visto ser muito difícil vesículas lipídicas e grandes chegarem intactas às camadas mais profundas da pele. Já NISHIHATA (1973) apud EGBARIA & WEINER (1991) sugere que o aumento na permeabilidade da camada córnea a diclofenaco encapsulado em lipossomas pode ser devido ao efeito tensoativo dos fosfolipídios, visto que a extração dos lipídios da camada córnea poderia aumentar a permeabilidade. Ao estudar a estabilidade das substâncias ativas encapsuladas em lipossomas é interessante analisar detalhadamente a base dermocosmética, visto que os fosfolipídios podem interagir com os componentes do veículo, prejudicando a estabilidade dos lipossomas. Lipossomas tem pequena utilidade em bases que contém altas concentrações de etanol, como os cosméticos que promovem crescimento capilar, porque as estruturas podem ser dissolvidas pelo álcool. Além disso, a solubilização ocorre quando lipossomas são adicionados a bases com altas concentrações de tensoativos (SUZUKI & SAKON, 1990). LAUTENSCHLAGER (1990b) e BURMEISTER et al. (1996) citam, entretanto, que surpreendentemente é possível adicionar de 10 a 20% de etanol e 5 a 10% de propilenoglicol sem alteração da estabilidade dos lipossomas. A presença de tensoativos em determinadas concentrações nos veículos comumente empregados nas formulações tópicas, por sua vez, leva à desorganização da bicamada dos lipossomas, causando sua ruptura e a formação de micelas mistas (FAD- DA et al., 1998). FADDA et al. (1998) cita quatro principais passos na interação tensoativo lipossomas, conforme aumenta a concentração do tensoativo. Inicialmente monômeros do tensoativo são incorporados na bicamada lipídica, aumentando as dimensões da vesícula; os fosfolipídios são gradualmente solubilizados levando à coexistência de lipossomas e micelas mistas; posteriormente ocorre completa solubilização dos fosfolipídios e, por fim, a presença de micelas mistas somente. BURMEISTER et al. (1996), por sua vez, aponta que a adição de 5% de lauril sulfato de sódio (LSS) em lipossomas unilamelares pode ser tolerada, sem desestabilizar os mesmos. Todavia, ao adicionar 20% de LSS em formulação ocorre desestabilização dos lipossomas. RIBOSA et al. (1992) estudaram as modificações físicoquímicas de estruturas de lipossomas por interação com tensoativos anfotéricos, catiônicos e aniônicos pela técnica de espectrofotometria de absorção, monitorando a solubilização de lipossomas através da técnica de espectroscopia de ressonância magnética nuclear (RMN) de 31 P. Os autores concluíram que a espectrofotometria de absorção é uma boa técnica para estudo de estabilidade de preparações de lipossomas, e a espectroscopia de RMN 31 P é uma excelente técnica para monitorar o processo de solubilização de lipossomas por tensoativos. Em relação à capacidade solubilizante dos tensoativos estudados, chegou-se à seguinte relação: anfotéricos > catiônicos > aniônicos, sendo que a capacidade solubilizante dos tensoativos não iônicos depende do valor do equilíbrio hidrófilo-lipófilo (EHL). Assim, lipossomas não são estáveis em veículos que contenham emulsificantes O/A ou A/O (LAUTENSCHLAGER, 1990b). Contudo, mesmo na ausência de tensoativos, a incorporação de lipossomas a determinados veículos só pode ser efetuada sob determinadas condições, especialmente empregando anfifílicos estruturais sintéticos, padronizando ph, osmolaridade e temperatura (CHARAF & HART, 1991). Segundo MAGDASSI (1997) os lipossomas em um sistema gel são estáveis por aproximadamente 2 anos, mas quando misturados com componentes de emulsões, como os óleos e tensoativos, eles são estáveis somente por meses ou semanas. Desse modo, conclui-se que a incorporação de substâncias ativas em lipossomas não é tarefa fácil, mas se respeitadas as condições ideais principalmente relacionadas à composição do veículo, tem-se sistemas estáveis que possibilitam veiculação de fármacos tanto hidro quanto lipofílicos, além de permitirem maior permeação cutânea. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS AGARWAL, R., KATARO, O.P. Preparação e avaliação in vitro de lipossomas tópicos contendo nitrato de miconazol. Pharmaceutical Technology, v.26, n.11, p.38-8, 2002. ARTMAN, C., RODING, J, GHYCZY, M. PRATZEL, H.G. Liposomes from soya phospholipids as percutaneous drug carriers: 1st communication: qualitative in vivo investigations with antobody-loaded liposomes. Arzneim-Forsh/Drug Res, v.0, n.1, p.1362-1365, 1990. BURMEISTER, F., BENNETT, S., BROOKS, G. Liposomes in cosmetic formulations. Cosm. Toil., v.111, n.9, p.9-53, 1996. CHARAF, U.K., HART, G.L. Phospholipid liposomes/surfactant interactions as predictors of skin irritation. J. 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