RISCOS, INCERTEZAS E VIOLENCIA HOMICIDA: O DESAFIO DA GOVERNANÇA DA SEGURANÇA PÚBLICA NO ENTORNO DO DISTRITO FEDERAL



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Transcrição:

RISCOS, INCERTEZAS E VIOLENCIA HOMICIDA: O DESAFIO DA GOVERNANÇA DA SEGURANÇA PÚBLICA NO ENTORNO DO DISTRITO FEDERAL 1. INTRODUÇÃO Marizângela Aparecida de Bortolo Pinto Instituto Federal de Goiás IFG Marizângela.bortolo@ifg.edu.br Marília Luíza Peluso Universidade de Brasília UnB peluso@unb.br Diante da intensidade das trocas econômicas e da efemeridade das relações cotidianas, a cidade passa a se configurar enquanto um espaço da incerteza e do risco, onde os problemas sociais e econômicos se acirram e reconfiguram o urbano como o palco de conflitos latentes. O objetivo deste ensaio é discutir os aspectos que envolvem a insegurança, o risco e a violência homicida e o desafio da governança da segurança pública no Entorno do Distrito Federal/DF. Algumas questões orientam a presente análise: quais estratégias representam um esforço de estabelecer a governança para a segurança pública no Entorno do DF? Quais processos participam da definição de uma governança com o mesmo objetivo? Parte-se do pressuposto de que o aumento e a persistência da violência homicida no Entorno resulta de uma governança deficientedas políticas públicas destinadas a contê-la. O objeto da análise, o Entorno do Distrito Federal, é uma microrregião do leste goiano, área de planejamento do Estado de Goiás que abrange 20 municípios polarizados pelo Distrito Federal e inseridos à Região Integrada de Desenvolvimento do Distrito Federal (RIDE/DF). A região destaca-se pelo dinamismo na transformação da paisagem, pelo nível de dependência econômica e dos serviços públicos da Capital Federal e pelos elevados índices de violência homicida. A fim de definir as condições para a governança na região do Entorno serão trabalhados os dados estatísticos referentes à estrutura de segurança pública, conforme apresentada pela MUNIC (2012), articulada às estatísticas oficiais e a entrevistas com gestores públicos. A análise foi encaminhada partindo dos conceitos de risco e

segurança na modernidade, proposições de Giddens (1991) e Beck (2013). As discussões que envolvem o pacto federativo e os desafios de uma governança entre os entes federativos foi sustentada com base nas indicações de Castro (2009, 2010), Ascher (1995) e Azevedo e Mares Guia (2000). Compreende-se que buscar uma governançapara as políticas públicas de segurança necessita que sejam estabelecidos pontos norteadores e interesses comuns que integrem as diversas expectativas sociais em ações unificadas. 2. RISCO, SEGURANÇA E A VIOLÊNCIA HOMICIDA NO BRASIL A cidade como um espaço de reprodução das relações sociais compreende as contradições da modernidade, tendo a insegurança e o risco como aspectos da vida cotidiana e que não necessariamente expressam um conflito objetivado. A violência urbana na atualidade representa uma ameaça que tem marcado o cotidiano das cidadese desencadeado reflexões acerca de suas causas. Nesse contexto, considera-se que a violência não possui uma única definição, podendo ser classificada de acordo com experiências individuais ou coletivas. Uma definição mais ampla apresentada pela Organização Mundial da Saúde (OMS)define a violênciacomo: [...] o uso intencional de força ou de poder físico, na forma real ou de ameaça, contra si mesmo, contra outra pessoa, ou contra um grupo ou comunidade, que resulta, ou tem grandes chances de resultar em ferimentos, morte, danos psicológicos, subdesenvolvimento ou privação(who, 2002). Dentre algumas questões que cercam a violência no Brasil podem ser elencados aspectos de uma conjuntura interna e externa ao país, como o tráfico de drogas, de pessoas e armas que são potencializados diante da fragilidade das fronteiras nacionais. Além disso, aspectos da conjuntura interna que envolvesituações de conflito criadas em espaços de desigualdade social, econômica e políticacriam condições para a reprodução desse fenômeno no cotidiano da população. De acordo comministério da Justiça,a própria fragilidade das instituições aparece como um potencializador de conflitos. Assim, não se pode apresentar apenas

uma causa, mas um conjunto de fatores de ordem individual, coletiva, estrutural e institucional que juntos dão corpo o cenário da violência no Brasil (MJ, 2010, p.8). Diante dessas condições, pontua-se que os conflitos na sociedade moderna se apresentam como consequências do seu próprio desenvolvimento. Giddens (1991) em sua obra As consequências da Modernidade, destaca a questão do risco e da segurançacomo sendo inerentes à sociedade moderna. Para o autor, a questão se refere às duas faces da modernidade, que envolveria a questão da segurança versus perigo e confiança versus risco. Essas são as contradições geradas pela modernidade e que se referem à condição de segurança dada pelo consumo, que tende a reproduzir de maneira perversa um sistema produtivo marcado por processos de degradação da vida e pela emergência da problemática ambiental. Assim, as transformações na percepção de risco e segurança na modernidade refletem a contradição presente nos processos que orientam o desenvolvimento técnico-científico (Beck, 2010). Na modernidade, a dimensão subjetiva da segurança ontológica é apresentada por Giddens (1991) como um fenômeno emocional marcado por relações que envolvem a mutualidade de experiências, a rotina, a religião, laços de parentescos e a tradição. Destaca-se que todos esses aspectos são resignificados com a modernidade, criando condições para dúvidas e incertezas que se referem a experiências cotidianas nas grandes cidades. Diversas são as situações que representam risco nas cidades e que refletem o nível de confiança e medo do outro. Para Bauman (2009), a alteridade tornase um mecanismo de defesa e de orientação com relação a pessoas e condutas e, marcadas pelas incertezas, tornam-se símbolos de perigo. Assim, diversas são as situações que representam risco, tais como parar no semáforo, fazer compras, atravessar uma rua, o contato com o estranho representado por moradores de rua, o flanelinha, enfim, o outro. As transformações na perccepção do risco e da segurança na sociedade moderna também são alteradas tendo em vista os números da violência homicida 1 no Brasil. De 1 Neste estudo será considerado o que se denomina por Violência Homicida, representada pelos crimes violentos Letais Intencionais, conforme levantamento do Mapa da Violência (WAISELFISZ, 2012).

acordo com o Mapa da Violência (2012), a taxa de homicídios nos últimos 30 anoscresceu cerca de 259%, saindo de 13.910 homicídios em 1980 para 49.932 em 2010, um crescimento de 4,4% ao ano. O crescimento das taxas foi mais evidente em estados que em 2000 possuíam indicadores de violência moderada ou baixa e que em 2010 passaram a figurar como mais violentos. É o caso de Alagoas, Pará e Bahia, que de 11º, 21º e 23º lugar passam para o 1º, o 3º e o 7º posto nacional, com crescimento que triplicou ou quadruplicou (WAISELFISZ, 2012). Apesar de haver uma queda expressiva dos índices absolutos nas regiões metropolitanas durante a década de 2000, especialmente São Paulo e Rio do Janeiro, com uma redução de 80% e 57% respectivamente, as demais metrópoles tiveram uma redução lenta. Em alguns casos houve um crescimento significativo, como o registrado nas Regiões Metropolitanas de Natal, Salvador e São Luís, onde as taxas triplicaram (WAISELFISZ, 2012).Assim, mais do que uma representação simbólica, a violência homicida no Brasil configura-se como a violência objetiva que não pode ser explicada apenas por fatores econômicos e sociais, mas também passa pela desintegração política que envolve o seu combate. 3. A VIOLÊNCIA NO ENTORNO DO DISTRITO FEDERAL A formação desse conglomerado urbano diz respeito ao processo de periferização da nova Capital, potencializado pelo controle do solo pelo Governo do DF (GDF) e a consequente valorização da terra urbana dentro do quadrilátero. Assim, foi estabelecida uma lógica de proliferação de assentamentos urbanos na periferia, que posteriormente foram sendo urbanizadas. A região possui uma população estimada em cerca de 1.070.618 de habitantes, sendo a que mais cresceu no Estado de Goiás na última década, quando alguns municípios apresentaram taxas de crescimento superiores a do estado, que é de 2,3%. É o caso de Águas Lindas de Goiás, que cresceu 4,20%; Valparaíso, com 3,43% e Novo Gama, 2,48%. Os três municípios ocupam, respectivamente, o 6º, 7º e o 10º lugares no ranking estadual (SEGPLAN, 2010). Contudo, o crescimento não se refere ao aumento da natalidade e fecundidade da região, que permanece abaixo da média nacional, com

1,84 filhos por mulher. O peso das migrações na configuração do Entorno do Distrito Federal já havia sido apontada por Caiado (2005, p. 71), tendência confirmada recentemente pela Companhia de Desenvolvimento do Distrito Federal (Codeplan, 2013). O crescimento populacional acelerado das últimas décadas reflete o quão dinâmica é a paisagem urbana nesses municípios, a maioria dos quais apresenta um modelo de urbanização incompleta, decorrente da falta de serviços básicos essenciais. Os municípios mais populosos, respectivamente, Luziânia e Águas Lindas de Goiás apresentam 80,06% e 83,18% das moradias em condições semiadequadas e inadequadas, enquanto esse número no Distrito Federal não passa de 13% (IBGE, 2010).Esses municípios têm suas economias extremamente dependentes do setor de serviços e da administração pública do Estado de Goiás ou do Distrito Federal, e com exceção de Luziânia, que possui o 9º PIB do Estado, com uma importante atividade agropecuária e industrial, os demais municípios são detentores de atividade industrial e agrícola inexpressiva i. Algumas cidades do Entorno estão entre os 200 municípios mais violentos do Brasil, segundo o Mapa da Violência (WAISELFISZ, 2012). São eles: Valparaíso de Goiás, com 70,7 homicídios por 100 mil habitantes, seguida por Luziânia (64,7), Águas Lindas de Goiás (62,7), Novo Gama (49,5) Santo Antônio do Descoberto (45,9), Planaltina de Goiás (45,3), Cidade Ocidental (44,7), Formosa (44). Com base nesses indicadores Costa e Souza ii (2012), constataram que entre 2000 e 2010, houve um aumento de 59,3% nas taxas de homicídios. O destaque vai para Valparaíso, com um aumento de 168% e Águas Lindas de Goiás, com 137%. Os indicadores da violência homicida no Entorno do Distrito Federal, de maneira indireta, revelam também a dificuldade de integração dos diversos agentes públicos para a intervenção na realidade da região. Por isso, é preciso entender esse espaço de conflito para além da violência homicida, mas considerando os processos que permeiam a organização do espaço político-administrativo.

4. O ENTORNO DO DISTRITO FEDERAL E A BUSCA DE UMA GOVERNANÇA PARA A SEGURANÇA PÚBLICA: ONDE ESTÁ A DIFICULDADE? A violência urbana homicida na região do Entorno do Distrito Federal tem chamado atenção das autoridades e da sociedade civil na última década, seja pelos números e a percepção da população quanto à segurança pública, seja pela dificuldade de se estabelecer estratégias comuns de confronto a essa realidade. A região constitui-se como um espaço de conflitos socioespaciais e políticos que expressam diferentes intencionalidades. Pensar a lógica de formação dessa região é considerar os processos econômicos, políticos e socias, nos quais o território brasileiro esteve inseridona segunda metade do século XX e que de maneira decisiva o redefiniram. Pontua-se a concentração industrial ocorrida nas capitais da Região Sudeste, a nova dinâmica territorial instituída com a construção de Brasília na década de 1950 e a ampliação da fronteira agrícola durante a década de 1970como fenômenospotencializadores do crescimento eda expansão da malha urbana, fatos queprovocaram uma mudança no modelo de gestão urbana. Nesse contexto,foram institucionalizadas asregiões Metropolitanas 2 por meio da Lei Complementar nº 14 de 1973, cujo objetivo era promover o planejamento integrado e a prestação de serviços comuns nas grandes cidades brasileiras. Com a Constituição Federal de 1988 esse mecanismo foi remodelado, fato quedescentralizoua administração pública, garantindo a soberania dos municípios, além de mecanismos para a cooperação institucional, comoos conselhos e convênios entre eles. Com o propósito de viabilizar a atuação integrada entre os entes federativos nas regiões com desenvolvimento desigual, o Art. 43 da CF instituiu acriação de mecanismos para o desenvolvimento de RegiõesIntegradas (RIDEs), que representaram um esforço de integrar interesses comuns entre a União e os Estados (SUDECO, 2013). 2 Belém, Fortaleza, Recife, Salvador, Belo Horizonte, Rio de Janeiro, São Paulo, Curitiba e Porto Alegre. Por meio da Lei Complementar nº 14 de 1973, cujo objetivo é promover o planejamento integrado e a prestação de serviços comuns.

Assim, foram estabelecidas possibilidades para integração e definição de uma governança entre espaços políticos diferentes, congregando os três níveis de governo em torno de temas comuns. Pensar a governança é considerar um conjunto de organizações, instituições e indivíduos que visam traçar objetivos em torno de uma demanda comum. Para Ascher (1995, p.116) o conceito de governança pressupõe o Estado não como um agente autônomo, mas inserido a uma rede de políticas públicas. Segundo Costa e Rodrigues (2008, p.3) as relações que pressupõe uma estratégia de governança não veem os agentes de maneira hierarquizada, mas com autonomia e interdependência. O Entorno do Distrito Federal está inserido na RIDE/DF 3, mas apesarde haver condições para a atuação conjunta entremunicípios, Estados e União ainda são tímidas as ações integradas. Os conflitos que permeiam a região do Entorno vão além daqueles envolvendo a sua organização territorial e social, mas atingem a esfera política no que diz respeitoàdefinição de competências para a atuação conjunta na segurança pública. As dificuldades na definição de um espaço de atuação cria um território onde o vácuo político favorece a legitimação de outros agentes e modalidades de atuação, com a configuração de territórios fluidos, onde se perpetuam espaços da violência e da degradação social. O problema do Entorno se aproxima da problemática que envolve as regiões metropolitanas no que diz respeito à efetividade do pacto federativo. Para Castro (2009, p.21) a descentralização de competências é questionada diante da falta de mecanismos legais capazes de orientar a cooperação entre as esferas federativas e garantir recursos financeiros para a execução das ações. Para a autora, não há incentivo à cooperação entre os três níveis de governo, porque não há capacidade de regulamentação interinstitucional. Assim, para Azevedo e Mares Guia (2000, p. 132),as propostas que permeiam o pacto federativo e a articulação dos entes no caso das regiões metropolitanas podem ser compreendidas como uma não política.são dadas as condições para o impasse envolvendo os entes federativos, que no contexto da RIDE/DF torna-se um desafio ainda maior, já que congrega os interesses da União, do 3 RIDE/DF criada pela Lei Complementar n.º 94, de 19 de fevereiro de 1998, e regulamentada pelo Decreto n.º 7.469, de 04 de maio de 2011.

Estado de Goiás, do Distrito Federal e dos municípios goianos que constituem o Entorno do Distrito Federal. Os apontamentos dos autoresacima citados podem ser mais bem compreendidos quando são considerados os pontos da Constituição Federal de 1988 que tratam especificamente da segurança pública. Compreende-se que ascompetências federativas foram descentralizadas entre os diferentes níveis de governos, o que não tornou a segurança pública uma competência exclusiva da União. Além disso, alguns artigos ainda carecem de regulamentação, o que tem criado um vácuo institucional, pois originam empecilhos para a atuaçãodos Entes Federados. Destacam-se o art. 23, que trata das atribuições concorrentes entre os entes, e o parágrafo sétimo, do artigo 144, que dispõe sobre as atribuições das instituições responsáveis por garantir a segurança ea ordem pública. Os pontos em questão tornam-se obstáculos que são cristalizados nos dadosdo relatório da Secretaria Nacional de Segurança Pública (SENASP),realizado em parceria com o Núcleo de Estudos sobre Violência e Segurança Pública, da Universidade de Brasília (NEVIS/UnB). Constatou-se quenos 22 estadosda federaçãoapenas em 27% das secretarias há boa ou ótima articulação com outras secretarias estaduais de segurança pública, enquanto 45% das secretariasapontaram a articulação como regular e 13% indicaram como inexistente. Quanto à cooperação entre estados e municípios, apenas em 36% dos casos a articulação é boa ou ótima, sendo que 31% das unidades da federação consultadas declararam não possuir qualquer tipo de articulação com os órgãos municipais equivalentes.um exemplo a ser considerado está em Pernambuco com o projeto denominado de Pacto Pela Vida, que se refletiu na redução significativa dos Crimes Violentos Letais e Intencionais entre os anos de 2008 e 2011, como aponta Macedo (2012, p. 101). O lançamento do Plano Nacional de Segurança Pública (PNSP), em 2003, significou um marco importante na superação do problema da articulação entre os entes federativos, porém ainda existem lacunas quanto ao papel específico de cada um deles. A implantação de um sistema único de segurança pública (SUSP) e dos Gabinetes de

Gestão Integrada (GGI) objetivou criar uma nova cultura para a gestão da segurança pública, tendo os municípios como o centro da estratégia do PNSP. Luziânia recebeu no mês de outubro de 2013, a implantação de um Gabinete de Gestão Integrada do Entorno, ação do governo estadual viabilizado por meio de recursos do Plano Nacional de Segurança Pública para a Cidadania (PRONASCI). A Lei nº 11.530, de 25 de outubro de 2007, estabelece que dentre os objetivos norteadores do programa se encontra a busca pela cooperação entre entes federativos para a implantação de políticas sociais. Apesar disso, verifica-se que desde 2011 as propostas de integração, além da montagem do GGI,resumem-sea convênios para a atuação da Força Nacional nos municípios do Entorno. Os resultados desse vácuo institucional podem ser identificados nas falas dos gestores públicos durante a entrevistasexploratórias realizadas. Nas entrevistasforam destacadas a falta de infraestrutura física, de pessoal e de equipamentos para as ações de rotina tanto no IML,como nadelegacia da Mulher, ambas as estruturas com alcance regional, localizadas em Luziânia.Foi destacada nasentrevistasa falta de carros para a coleta de corpos, viaturas, casas de apoio às mulheres, agentes administrativos, peritos, o que representam empecilhos para a prevenção e combate à violência, já que podem inviabilizar a conclusão de inquéritos e a identificação dos autores dos atos violentos. Quanto ao nível de integração estabelecido entre os municípios do Entorno,é reconhecida a dificuldade de articulação, visto quea maioria ainda não contempla osacordos firmados com o Estadode Goiás. Nas entrevistas foidestacado o papel da Secretaria Nacional de Segurança Pública (SENASP/MJ) que para os entrevistados não apresentou nenhum projeto efetivo diante do cenário crescente de violência no Entorno. Foi também lembrada a falta de recursos destinados pela União aos Estados e Municípios para ações de combate e prevenção à violência. A estrutura de segurança pública demonstra como não há uniformidade na oferta de equipamentos públicos entre os municípios, o que representa também as possibilidades de integração vislumbradas diante desse cenário. A pesquisa de Informações Básicas, a MUNIC/IBGE, confirma que a disposição de equipamentos de

segurança é um ponto sensível, pois suas estruturas estão distribuídas de maneira desigual no Entorno, sendo que grande parte delas são centralizadas nos municípios de Luziânia e Formosa. Neles encontram-se as estruturas do Instituto Médico Legal (IML) para as regiões do Entorno Norte e Sul, as delegacias regionais com plantões nos finais de semana, além da única Delegacia Regional da Mulher, localizada em Luziânia. É possível identificar que apenas quatro municípios declararam possuir um planejamento municipal para a área de segurança pública e nenhum indicou a existência de um fundo municipal de segurança pública. Assim, a maioria dos municípios do Entorno ainda não participa efetivamente da gestão da segurança pública, pois não possuem conselhos municipais de segurança. Apenas Águas Lindas de Goiás, Luziânia, Formosa e Cristalina possuem um órgão de gestão municipal de segurança integrado com outras políticas. Apesar de estarem integrados à Capital do ponto de vista físico e econômico, quando se trata do problema da violência urbana e da criminalidade esses territórios apresentam-se fragmentados pela falta de políticas conjuntas e integradoras. Não há um território contínuo do ponto de vista da segurança pública, fato que contribui para a configuração de dois territórios: o político/administrativo e o da violência. 5. CONCLUSÃO O entorno do DF apresenta-se como resultado de estratégias de diversos agentes que levaram a uma territorialidade marcada pela exclusão socioespacial, desigualdade na distribuição e acesso aos serviços básicos e de renda. Asespecificidades espaciais do Entorno colocam em sobreposição as esferas de poder político, constituídas pelo território dos municípios, do estado de GO, da área de influência geoeconômica do DF e da União, o que gera uma territorialidade marcada por disjunções que vão além do aspecto político. Apesar de estarem integrados do ponto de vista físico, poisa periferia é extremamente dependente do ponto de vista econômico da Capital Federal, quando se trata do problema da violência urbana e da criminalidade, esses territórios apresentamse fragmentados pela falta de políticas integradoras. Dessa forma, a violência homicida

no Entorno deve ser analisada a partir do contexto de formação espacial e política, aspectos que juntos instauram as condições para o estabelecimento de um Território Descontínuo no que tange à atuação conjunta na segurança pública. 6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ASCHER, François. Metapolis: acerca do futuro das cidades. Lisboa: Celta, 1995. AZEVEDO,S;MARESGUIA, V. Governança Metropolitana e Reforma do Estado:O Caso de Belo Horizonte. Revista Brasileira de Estudos Urbanos e Regionais, Rio de Janeiro, Nº3, p.131-147, out, 2000. BAUMAN, Z. Confiança e Medo na Cidade. Rio de Janeiro: Zahar, 2009. BECK, Ulrich. Sociedade de Risco: rumo a uma outra modernidade. São Paulo: Ed. 34, 2010. CAIADO, M.C.S. Deslocamentos Intra-Urbanos e Estruturação Socioespacial na Metrópole Brasiliense. São Paulo Em Perspectiva, v. 19, n. 4, p. 64-77, out./dez. 2005. CASTRO, I. E. de. Escalas Federativas de decisão política no Brasil. Limites institucionais do desenvolvimento regional. In: BICALHO, Ana M. S. M. e GOMES, Paulo Cesar da C. (Orgs). Questões metodológicas e novas temáticas na pesquisa geográfica. Rio de Janeiro: Publit, 2009.. Geografia e Política: Território, escalas de ação e instituições. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2010. CODEPLAN. Dinâmica Migratória na Área Metropolitana de Brasília AMB entre 1991 e 2010. Brasília, 2013. COSTA, A. T.M. Estado, Segurança Pública e Governança:uma análise das secretarias estaduais de segurança pública. Universidade de Brasília/Secretaria Nacional de Segurança Pública, 2011. mimeo. COSTA, A.T.M e RODRIGUES, J.N. Segurança e as Redes de Políticas Públicas: Uma Análise do Programa Paz no Trânsito do Distrito Federal. In: 32º Encontro Anual da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais. Caxambu- MG, 2008. GIDDENS, A. As Consequências da Modernidade. São Paulo: Ed. Unesp, 1991. GOIÁS. Superintendência de Estatística, pesquisa e Informação. Goiás em Dados. Goiânia, 2010. 99p. IBGE.Censo Demográfico 2010. Disponível em: <www.ibge.gov.br>. Acesso em: 20 de agosto de 2012. IBGE, Informações Básicas Municipais- MUNIC. Rio de Janeiro, IBGE, 2012. MACÊDO, A de O. Polícia, quando quer, faz!. Análise da Estrutura de Governança do Pacto pela vida de Pernambuco. 142f. Dissertação (Mestrado) Universidade de Brasília, Programa de Pós-Graduação em Sociaologia, Brasília, 2012, mimeo. ORGANIZATION WORLD HEALTH ORGANIZATION. World Report on Violence and Health. Geneva, 2002. Disponível em: http://whqlibdoc.who.int/hq/2002/9241545615.pdf. Acesso: 01/05/2014.

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