Estação Vila Prudente do Metrô de São Paulo: Análise Numérica Tridimensional dos Poços de Grande Diâmetro



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Transcrição:

Estação Vila Prudente do Metrô de São Paulo: Análise Numérica Tridimensional dos Poços de Grande Diâmetro Marlísio Oliveira Cecílio Junior Figueiredo Ferraz Consultoria e Eng. de Projetos S.A., São Paulo, Brasil, marlisio@ffcep.com.br Pedro Teodoro França Figueiredo Ferraz Consultoria e Eng. de Projetos S.A., São Paulo, Brasil, franca@ffcep.com.br Marco Aurélio A. Peixoto da Silva Companhia do Metropolitano de São Paulo, São Paulo, Brasil, mapsilva@metrosp.com.br Marcelo Massaki Matsui Construtora Andrade Gutierrez S. A., São Paulo, Brasil, marcelo.matsui@agnet.com.br RESUMO: Neste trabalho são apresentados estudos realizados durante o desenvolvimento do projeto executivo da Estação Vila Prudente, da Linha 2, Verde, da Companhia do Metropolitano de São Paulo. A estação é conformada por dois poços gêmeos de grande diâmetro que se interseccionam e por dois túneis singelos. Os poços possuem aproximadamente 42m de diâmetro e 29m de profundidade, totalizando 2.500m² de área de escavação e 72.500m³ de material escavado. Os túneis possuem aproximadamente 85m² de área de escavação e 70m de comprimento. Os poços e os túneis abrigam as salas operacionais e as plataformas de embarque da estação. No presente trabalho é apresentada uma modelagem numérica tridimensional dos poços, os quais estão inseridos em um contexto geológico predominantemente do período terciário, com intercalações de sedimentos argilosos e arenosos, tendo como características marcantes a estratigrafia inclinada e a presença de matéria orgânica próxima à superfície. A seqüência construtiva dos poços contempla, em uma primeira etapa, a escavação em NATM e a instalação do revestimento primário (concreto projetado) do primeiro poço circular (Poço Sul). Ao término da execução do revestimento secundário (concreto moldado), a escavação em NATM do segundo poço circular é iniciada (Poço Norte), possibilitando a transferência de carga da estrutura provisória do segundo poço para a estrutura definitiva do primeiro poço. A mesma metodologia foi empregada para execução dos poços de acesso das estações Paulista, Oscar Freire e Higienópolis da Linha 4-Amarela. Após serem apresentados os resultados obtidos com a modelagem numérica, uma comparação é realizada com dados provenientes da instrumentação instalada em campo. PALAVRAS-CHAVE: Poço, NATM, Análise Numérica Tridimensional. 1 INTRODUÇÃO Este trabalho apresenta uma modelagem numérica tridimensional confeccionada para simular a escavação de dois poços de grande diâmetro que se interseccionam, conformando parte da Estação Vila Prudente do Metrô de São Paulo. Poços de grande diâmetro são comumente tratados como Poços NATM, por sua escavação estar fortemente baseada nos princípios básicos do NATM (New Austrian Tunneling Method). De acordo com Campanhã e França (2008) e França et al. (2009), estes princípios do NATM são a utilização do maciço circundante à escavação como parte do sistema de suporte (não somente como carregamento) e a intensa instrumentação do maciço durante o processo executivo (para aferir a metodologia construtiva e o sistema de suporte empregado). A escavação dos poços de grande diâmetro é similar à escavação de túneis NATM em muitos aspectos, dentre eles a analogia entre os métodos construtivos e a semelhança dos 1

fenômenos de redistribuição de tensões. Em relação a obras com utilização similar, como as valas escavadas a céu aberto estroncadas ou atirantadas, os poços de grande diâmetro são mais vantajosos devido à sua simplicidade construtiva e ao seu custo altamente competitivo. Sendo um anel fechado, o revestimento do poço trabalha somente à compressão, não exigindo sistemas de suporte adicionais como estroncas ou tirantes. Os resultados obtidos com a modelagem numérica aqui apresentada serão comparados com dados provenientes da instrumentação instalada em campo. 2 DESCRIÇÃO DA OBRA 2.1 Unidades Construtivas A Estação Vila Prudente está localizada no bairro homônimo da zona leste da cidade de São Paulo, nas proximidades do cruzamento da Av. Prof. Luiz Ignácio Anhaia Mello com a Rua Itamumbuca. As unidades construtivas que conformam a estação estão apresentadas na Figura 1, sendo: dois poços de grande diâmetro que se interseccionam (Poço Norte e Poço Sul); dois túneis singelos (conectados ao Poço Norte); um poço de saída de emergência (Poço SE); e um túnel que conecta o Poço SE ao Poço Norte (Túnel SE). Os poços e os túneis abrigam as salas operacionais, as plataformas de embarque e o acesso à estação. Figura 1. Localização e unidades construtivas da Estação. Na Tabela 1 e na Tabela 2 estão apresentadas as principais características geométricas das unidades construtivas. Tabela 1. Características geométricas dos Poços. Área de Diâmetro Profund. Unidade escav. Construtiva (m²) (m) (m) Sul 1432,01 42,70 29,10 Norte 1052,92 42,70 29,10 SE 49,02 7,90 24,62 Tabela 2. Características geométricas dos Túneis. Área de Larg. Alt. Compr. Cobert. Unidade escav. Construtiva (m²) (m) (m) (m) (m) Plataforma (Via1) 85,92 10,64 9,82 69,29 20 Plataforma (Via2) 82,56 10,44 9,62 67,64 20 SE 37,49 6,96 6,67 5,60 17,10 Os estudos aqui apresentados são referentes unicamente à escavação dos dois poços (Poço Sul e Poço Norte), os quais conformam a maior parte da Estação. 2.2 Contexto Geológico-Geotécnico Regional A Estação Vila Prudente situa-se na Bacia Sedimentar de São Paulo, conformada por três litotipos distintos, associados ao Embasamento Cristalino e aos sedimentos dos períodos Terciário e Quartenário. O Embasamento Cristalino, do período Pré- Cambriano, é formado pelo Topo rochoso (R1/R2) e por solos residuais do tipo Rocha alterada (R2/R3) e Solo de alteração (S2). Os sedimentos do Terciário, naquela região, referem-se exclusivamente à formação Resende. As formações Tremembé, São Paulo e Itaquaquecetuba, as quais segundo Riccomini e Coimbra (1992) são características do Terciário da Bacia de São Paulo, não são encontradas no local em estudo. Os sedimentos da formação Resende encontrados predominantemente no local são a Areia fina e média argilosa (4Ar1), Argila siltosa pouco arenosa (4Ag1) e Argila arenosa (4Ag2). Os Depósitos Aluvionares, do período Quartenário, são conformados por argilas com presença de material orgânico, onde predomina a Argila siltosa mole (2Ag1). Estes estratos intercalados de sedimentos argilosos e arenosos estão sotopostos a uma 2

camada de aterro. A disposição dos litotipos pode ser visualizada na Figura 2, confeccionada a partir da campanha de investigação por meio de sondagens à percussão SPT. Figura 2. Perfil Geológico-Geotécnico. A Figura 3 apresenta uma simplificação do perfil geológico-geotécnico, encontrando-se em destaque a localização dos Poços Sul e Norte. At 2Ag1 4Ar1 4Ag1 4Ag2 S2 R2/R3 Figura 3. Simplificação do Perfil Geológico-Geotécnico. Observa-se que a geologia na qual se insere a Estação tem como características principais a inclinação de seus substratos e a presença de matéria orgânica em pequena profundidade. 2.3 Seqüência Construtiva Optou-se por iniciar as escavações pelo Poço Sul, por este estar localizado em um perfil com piores condições geotécnicas, além de viabilizar o planejamento da obra como um todo. A escavação seqüencial do Poço Sul e a instalação do revestimento primário em concreto projetado se comportam como um anel fechado, aumentando a segurança da obra. Paredes plásticas de Coullis foram executadas circundantes à Estação, com uma profundidade maior no Poço Sul, com o intuito de minimizar os recalques por adensamento e de aumentar a segurança durante a escavação dos Depósitos Aluvionares (solos de grande deformabilidade e baixa resistência). O coullis também teve como finalidade evitar a propagação da pluma de contaminação diagnosticada no entorno da região da estação, na direção da escavação. A Figura 4 apresenta uma foto da escavação do Poço Sul, no estágio onde aproximadamente metade da profundidade final de escavação havia sido alcançada. Ao término da primeira fase de escavação, é executada a estrutura definitiva do Poço Sul em concreto moldado, a qual é composta pelo revestimento secundário das paredes do poço, pelas vigas de travamento (em três níveis) e pela laje de fundo. A Figura 5 apresenta uma foto da execução da estrutura definitiva do Poço Sul. Entre o revestimento primário e o secundário de toda a Estação, foi utilizado o sistema de impermeabilização do tipo guarda-chuva, com manta termoplástica de PVC. A execução da obra prossegue com a escavação seqüencial do segundo poço circular (Poço Norte). Parte do revestimento primário do Poço Sul fica exposta após a escavação, sendo demolida à medida que avança a frente. Com a demolição de parte do revestimento primário do Poço Sul, a estrutura passa a trabalhar como um anel aberto, sendo garantida a estabilidade devido às estruturas das vigas de travamento e de revestimento secundário, localizadas na intersecção dos poços. Na medida em que a escavação do Poço Norte avança, sua estrutura de revestimento primário também trabalha como um anel aberto, sendo transferida a carga para a estrutura definitiva do primeiro poço (revestimento secundário e vigas de travamento). O final da escavação do segundo poço pode ser observado na foto apresentada na Figura 6, onde nota-se o início da execução das estruturas internas da Estação, na região do Poço Sul. 3

COBRAMSEG 2010: ENGENHARIA GEOTÉCNICA PARA O DESENVOLVIMENTO, INOVAÇÃO E SUSTENTABILIDADE. 2010 ABMS. 3 MODELAGEM NUMÉRICA TRIDIMENSIONAL 3.1 Discretização da Geometria A modelagem numérica tridimensional da escavação do Poço de ataque foi realizada com o auxílio do programa de elementos finitos Plaxis 3D Foudation. A Figura 7 apresenta a malha tridimensional de elementos finitos empregada na análise numérica. É possível observar-se um maior refinamento na região próxima aos poços e um menor próximo às fronteiras laterais e à fronteira inferior. Isto se deve à necessidade de uma discretização mais refinada nas regiões de maior alteração de tensões. A malha contou com a utilização de elementos prismáticos de 15 nós, constituídos nos planos horizontais por elementos triangulares de 6 nós de deslocamento e nos planos verticais por elementos quadrangulares de 8 nós. Cada elemento prismático conta com 6 pontos de integração, onde são calculados os valores de tensões por interpolação quadrática. A concepção da malha de elementos finitos é realizada no plano horizontal de cota 0,00m, sendo a direção vertical formada pela repetição sucessiva dos planos horizontais para diferentes cotas (extrusão no sentido vertical). As condições de contorno da malha são de deslocamentos horizontais restringidos para os limites laterais verticais (deslocamento perpendicular ao plano vertical) e de deslocamentos totalmente restringidos para o limite inferior. Apenas metade da geometria foi representada, devido à simetria ao longo do eixo longitudinal da Estação. A discretização da geometria contou com um total de 34884 elementos e 93008 nós, sendo representada por um volume de 170m de comprimento, 85m de largura e 70m de altura. O diâmetro de cada poço circular é de 42,7m e sua profundidade é igual a 29m. Figura 4. Escavação do Poço Sul. Figura 5. Execução da estrutura definitiva do Poço Sul. Figura 6. Final da escavação do Poço Norte. O término da segunda fase da obra ocorre ao ser executado o restante da estrutura definitiva do Poço Norte. Este método construtivo demonstra-se vantajoso, por permitir a execução do revestimento definitivo do primeiro poço antes do início da escavação do segundo (ou demais poços e unidades construtivas), possibilitando um ganho de segurança e velocidade de execução da obra. 4

em projetos e obras geotécnicas desta natureza. (a) perspectiva (b) vista em planta. Tabela 3. Parâmetros para o modelo constitutivo. Substrato γ E ν c' φ' K 0 (kn/m³) (MPa) (kpa) ( ) At 17 5 0,30 10 26 0,60 2Ag1 16 5 0,30 8 20 0,80 4Ar1 19 40 0,30 5 33 0,60 4Ag1 19 50 0,30 40 23 0,80 4Ag2 19 50 0,30 25 27 0,80 S2 21 150 0,30 35 30 0,80 R2/R3 25 600 0,30 200 35 1,00 Os parâmetros de deformabilidade foram determinados a partir de correlações com os valores de SPT, como sugerido por Negro Jr, Sozio e Ferreira (1992), ao retroanalisarem 24 casos históricos de escavações em sedimentos terciários e quartenários e em solos de alteração de rocha. Os parâmetros de resistência foram definidos a partir dos resultados apresentados por Massad, Pinto e Nader (1992), analisando resultados de ensaios em solos do Terciário da Bacia Sedimentar de São Paulo. 3.3 Água (c) vista lateral Figura 7. Malha de elementos finitos empregada. 3.2 Parâmetros Geotécnicos Considerados Para a representação do maciço existente no local em estudo, utilizou-se o modelo constitutivo elástico linear com plasticidade perfeita, cuja superfície de plastificação coincide com o critério de ruptura de Mohr- Coulomb. O modelo utilizado apresenta fluxo não associado, ou seja, as superfícies de plastificação e de potencial de plastificação não são coincidentes. Para todos os substratos, considerou-se nulo o ângulo de dilatância. Os demais parâmetros geotécnicos utilizados para a modelagem numérica encontram-se listados na Tabela 3. Os parâmetros apresentados foram baseados em resultados publicados na bibliografia existente sobre o tema, em dados relativos a estudos anteriores realizados em obras do Metropolitano de São Paulo e na experiência Em função da existência de um sistema de controle de águas subterrâneas, constituído por poços auxiliares de rebaixamento nas adjacências da estação, drenos de alívio de fundo e drenos radiais curtos de alívio instalados sistematicamente nas paredes dos Poços Sul e Norte, o maciço foi considerado drenado durante as escavações. Desta maneira, admitiu-se para a análise numérica a inexistência do desenvolvimento de pressão hidrostática no revestimento dos Poços. 3.4 Tensões Iniciais O campo de tensões iniciais foi determinado admitindo-se as tensões verticais como resultantes da ação da aceleração da gravidade (proporcionais ao peso específico) e as tensões horizontais nas duas direções como resultantes de K 0 (coeficiente de empuxo em repouso). 3.5 Representação da Seqüência Construtiva Todas as etapas de escavação dos poços estão representadas na modelagem numérica, totalizando 64 fases de simulação. 5

Para a simulação da escavação dos poços, optou-se pela representação das seguintes ações, todas inclusas em uma única fase de cálculo: - aumento da rigidez do revestimento do avanço de ordem i-2 ; - execução do revestimento primário do avanço de ordem i-1 ; - escavação do avanço de ordem i. O final da escavação do Poço Sul está representado na Figura 8 (a) e a escavação do Poço Norte está representada na Figura 8 (b). Ao término da escavação de cada poço, é representada a execução da estrutura definitiva, incluindo o revestimento secundário, a laje de fundo e as vigas de travamento. 4 DISCUSSÃO DOS RESULTADOS A seguir são apresentados os resultados obtidos com o modelo numérico tridimensional, sendo comparados com os dados provenientes da instrumentação instalada em campo. Na Figura 9 são apresentados os recalques superficiais obtidos para a primeira fase da obra (escavação do Poço Sul) e para a segunda fase (escavação do Poço Norte). Observa-se que o modelo representou bem a diferença de comportamento entre o Poço Sul (inserido em maciço menos competente) e o Poço Norte (inserido em maciço mais competente). Assim como verificado na obra, os recalques obtidos na análise numérica nas proximidades do Poço Sul foram significativamente maiores do que os obtidos nas proximidades do Poço Norte. a) final da escavação do Poço Sul b) escavação do Poço Norte (a) primeira fase (b) segunda fase Figura 8. Reprodução da seqüência construtiva. A escavação do Poço Norte foi representada de maneira similar à do Poço Sul, sendo acrescida a seguinte ação na fase de cálculo: - demolição do revestimento primário do Poço Sul, exposto ao ser escavado o Poço Norte, mantendo um atraso de três avanços da frente de escavação. Figura 9. Recalques superficiais (modelo numérico). A partir dos resultados da Figura 9, foram criadas as isolinhas de recalque superficial apresentadas na Figura 10. As isolinhas foram confeccionadas apenas para a primeira fase da obra, com os dados da instrumentação instalada ao redor do Poço Sul. 6

COBRAMSEG 2010: ENGENHARIA GEOTÉCNICA PARA O DESENVOLVIMENTO, INOVAÇÃO E SUSTENTABILIDADE. 2010 ABMS. 96mm. Acredita-se que o marco superficial referente a este ponto tenha sido comprometido. A Figura 12 apresenta o desenvolvimento dos deslocamentos verticais para um marco superficial e para um tassômetro, localizados na face sul da Estação, sob seu eixo de simetria. M arco Supe rficial 5 e Tassôme tro 2 Deslocamento vertical (mm) 20 10 0-10 -20-30 -40 MS5 - Instrumentação MS5 - Plaxis TS2 - Instrumentação TS2 - Plaxis -50-60 Figura 10. Isolinhas de recalques superficiais criadas a partir dos resultados do modelo numérico. -70 0 5 10 15 20 25 30 Av anço da e scav ação (núme ro) Os dados provenientes dos marcos superficiais instalados ao redor do Poço Sul, respectivos à primeira fase da obra, serviram como base para confecção das isolinhas apresentadas na Figura 11. Figura 12. Desenvolvimento dos recalques superficiais. Como é possível observar na Figura 12, a análise numérica resultou em um expressivo levantamento do maciço (da ordem de 10mm), manifestado primordialmente onde se considerou a existência de material aluvionar com baixo módulo de deformabilidade (5MPa). Esse levantamento não foi verificado em campo, onde desde o início das escavações foram verificados recalques em todo o maciço. Uma possível justificativa para a discrepância entre o comportamento simulado pela análise numérica e o verificado em obra pode estar associada à deficiência do modelo constitutivo considerado na análise (elástico-linear plásticoperfeito), exagerando ao representar as deformações do maciço em situações de descarregamento. Nas camadas geológicas abaixo do solo aluvionar, a partir do décimo avanço, é possível observar que os incrementos de recalque por avanço estimados pela análise numérica, tanto para o marco superficial quanto para o tassômetro, foram próximos aos verificados em campo. Esse aspecto é possível de ser notado pelo paralelismo entre as curvas de recalques da análise numérica e as curvas da obra, a partir do décimo avanço. A Figura 14 apresenta os deslocamentos horizontais em dois inclinômetros instalados nas proximidades do Poço Sul. Figura 11. Isolinhas de recalques superficiais, criadas a partir da instrumentação de campo. Observa-se uma boa coerência entre os recalques para o lado leste da Estação, tendo a modelagem numérica chegado a resultados com o mesmo comportamento de campo e com recalques da mesma ordem de grandeza (40mm). Entretanto, para o lado oeste, nota-se que a instrumentação indica uma perturbação de um ponto próximo ao poço, com recalques de 7

Profundidade (m) Inclinômetros I2 e I3 Deslocamento perpendicular ao poço (mm) -25-20 -15-10 -5 0 5 10 15 20 25 30 35 40 45 50 0 5 10 15 20 boa representatividade da metodologia construtiva e da mudança de comportamento entre distintas camadas de material onde o poço está inserido). Por fim, é possível afirmar que, apesar de algumas deficiências, o modelo numérico tridimensional conseguiu representar satisfatoriamente a geologia assimétrica onde o poço foi construído, com as direções principais do estado inicial de tensões do maciço não coincidentes com as direções vertical e horizontal. 25 30 35 40 I2 - Instrumentação I2 - Plaxis I3 - Instrumentação I3 - Plaxis Figura 13. Deslocamentos horizontais ao final da segunda fase da obra (escavação do Poço Norte). Como é possível observar na Figura 13, a instrumentação indicou valores expressivos de deslocamentos junto à superfície. Os elevados valores e o comportamento antagônico dos deslocamentos verificados nos 5m iniciais dos inclinômetros sugerem que a movimentação de equipamentos junto à borda do poço teve grande influência na região da instrumentação instalada em maciço aluvionar. A partir de 5m de profundidade, apesar das deformações obtidas com as análises numéricas serem significativamente maiores do que as observadas em campo, é possível notar uma adequada proximidade entre a previsão do comportamento dos deslocamentos previstos pelos cálculos com os verificados em campo; ou seja, apesar da ordem de grandeza dos deslocamentos ser diferente, as formas das curvas são similares. Isto pode estar associado com uma inadequação dos parâmetros utilizados (os resultados sugerem que módulos de deformabilidade mais elevados poderiam representar melhor o comportamento do maciço) ou com a deficiência do modelo constitutivo em representar trajetórias de descarregamento (as deformações no modelo foram exageradas comprometendo a ordem de grandeza dos resultados, mas preservando uma AGRADECIMENTOS Os autores agradecem à Companhia do Metropolitano de São Paulo pela oportunidade e autorização para publicação dos resultados obtidos, à Figueiredo Ferraz, à CJC Engenharia e Projeto e à construtora Andrade Gutierrez. REFERÊNCIAS Campanhã, C.A. e França, P.T. (2008) Poços de Grande Diâmetro, 2º Congresso Brasileiro de Túneis e Estruturas Subterrâneas, São Paulo, 20 p. França, P.T. ; Campanhã, C.A. ; Andrade, J.C. (2009) Large-Diameter Shafts, World Tunnel Congress, ITA- AITES, Budapest, Hungary, 24 p. Massad, F. ; Pinto, C.S. ; Nader, J.J. (1992) Resistência e Deformabilidade, In: Negro Jr et al., Solos da Cidade de São Paulo, São Paulo: ABMS, Capítulo 5, p.141-180. Negro Jr, A. ; Sozio, L.E. ; Ferreira, A.A. (1992) Túneis, In: Negro Jr et al., Solos da Cidade de São Paulo, São Paulo: ABMS, Capítulo 13, p.297-328. Riccomini, C. e Coimbra, A.M. (1992) Geologia da Bacia Sedimentar, In: Negro Jr et al., Solos da Cidade de São Paulo, São Paulo: ABMS, Capítulo 2, p.37-94. 8