Laercio Loiola Brochier Doutorando pelo Museu de Arqueologia e Etnologia, Universidade de São Paulo, São Paulo larqueo@ig.com.br



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Transcrição:

Evolução costeira e modelos morfoestratigráficos na costa sul-sudeste do Brasil: uma perspectiva geoarqueológica para as baías de Guaratuba (PR) e Babitonga (SC) Coastal Evolution and Morphostratigraphic models in south-southeastern coast of Brazil: a geoarchaeological perspective for Guaratuba (PR) and Babitonga (SC) bays. Laercio Loiola Brochier Doutorando pelo Museu de Arqueologia e Etnologia, Universidade de São Paulo, São Paulo larqueo@ig.com.br Marisa Coutinho Afonso Museu de Arqueologia e Etnologia, Universidade de São Paulo, São Paulo No histórico da interface entre pesquisas arqueológicas e estudos geocosteiros, a ocorrência de sambaquis em diferentes compartimentos da costa sempre suscitou inúmeras propostas de investigação interdisciplinar. Se por um lado, a análise da evolução costeira e paleogeográfica tem resultado em uma indispensável reconstituição dos ambientes pretéritos associados ao registro das ocupações humanas, por outro, a investigação da cronologia, distribuição espacial, conteúdo malacológico e estratigráfico, características e altitude do substrato geológico, entre outros, possibilitou a utilização de sambaquis como possíveis indicadores das oscilações do nível relativo do mar durante o Holoceno no Brasil (Bigarella, 1954; Fairbridge,1976; Martin et al., 1979, 1984, 1986; entre outros). Mais recentemente, estudos sobre os processos de formação cultural desses sítios (Figuti 1993, Afonso & DeBlasis 1994, DeBlasis et al. 1998, Gaspar 1998), vem acrescentando importantes elementos aos debates entre geólogos costeiros sobre os problemas interpretativos e possíveis restrições ao uso direto das informações geradas pelos sambaquis com o propósito de estabelecer paleoníveis marinhos e paleolinhas de costa (Angulo & Lessa, 1997, Martin et al. 1998, Lessa & Angulo, 1998, Angulo et al. 2006, Giannini, 1993). Apesar da ainda discreta participação de arqueólogos nesta discussão, tais questionamentos só vem demonstrar a necessidade de pesquisas voltadas ao entendimento das razões culturais de implantação desses sítios e seus processos de construção e/ou deposição antrópica (Afonso & DeBlasis 1994; Oliveira, 2001; Afonso, 2005; Scheel-Ybert et al, neste simpósio). Por sua vez, um aspecto ainda pouco abordado e que pode trazer novos aportes interpretativos refere-se à investigação dos processos de formação natural e de transformação pós-deposicional do registro arqueológico em escala regional (Schiffer, 1987, Waters, 1992). Esses estudos voltam-se aos processos geológicos e fatores naturais que controlariam a preservação, remobilização ou destruição de sítios arqueológicos, considerando o papel da estrutura, dinâmica e evolução dos ambientes costeiros. Tal enfoque implica em considerar como o Registro Arqueológico Regional (RAR) responderia às mudanças geomórficas decorrentes das características (número, duração, magnitude e extensão em área, etc) e sucessivos reajustamentos dos períodos de deposição, erosão e estabilização (Waters & Kuehn, 1996). Por sua vez, a compreensão desses processos, expressos na seqüência geológica da paisagem, possibilitaria a elaboração de modelos capazes de inter-relacionar as características do RAR com as variações do nível relativo do mar (n.r.m.), com o aporte e balanço sedimentar e a morfologia do substrato, que delimitariam espaços favoráveis à preservação e detecção de sítios arqueológicos subsuperficiais. Esta perspectiva de análise vem sendo testada em estudos realizados na planície costeira do litoral sul paranaense (Guaratuba) e norte catarinense (Itapoá), e pressupõe a identificação de controles geoarqueológicos (Brochier, 2001; Afonso e Brochier, 2006) subjacentes à ocorrência, preservação, cronologia e distribuição de sítios arqueológicos nas planícies costeiras adjacentes às baías de Guaratuba (PR) e Babitonga (SC). Tal proposição remete também à preeminência de uma acurada interpretação dos padrões de sítios observados na atualidade,

regularidades estas que podem refletir tanto uma distribuição de atividades humanas quanto possíveis tendências (vieses) geradas por fatores geológicos ou por insuficiências nos métodos de levantamento. Neste sentido, um dos pontos em discussão compreende a necessidade de rever algumas das percepções amplamente adotadas em estudos arqueológicos geocosteiros, que podem carregar consigo algumas dessas tendências e insuficiências: 1 - Os sambaquis seriam os únicos indicadores pré-históricos úteis em estudos costeiros, notadamente em termos da pesquisa de paleoníveis marinhos e paleolinhas de costa. Esta asserção desconsidera o potencial de informações pertinentes a outros tipos de sítios localizados ao longo da costa brasileira, notadamente, àqueles dispostos em subsuperfície. Assim, sítios com camadas arqueológicas discretas e associados à atividades especificas, podem apresentar melhor resolução espacial e cronológica para problemáticas geocosteiras. Muitos desses registros, por estarem imersos em matriz sedimentar e pedológica, carregam em seu contexto de deposição, ecofatos e geofatos que ampliam sua capacidade informativa permitindo inferências sobre morfodinâmica costeira, processos erosivo-deposicionas, mudanças paleogeográficas e paleoclimáticas, registros de taxas de sedimentação, formação horizontes pedogenéticos, entre outros. A quase ausência de pesquisas subsuperficiais tem levado arqueólogos a desconsiderar, por exemplo, a existência de sítios líticos (de economias do tipo caçador coletor) em períodos contemporâneos às ocupações sambaquieiras mais antigas. No entanto, no litoral do Paraná, os únicos dois sítios líticos com pontas de projétil encontrados em contexto estratigráfico estão em profundidades de difícil detecção em ambientes costeiros. Um dos sítios foi encontrado por Bigarella (Bigarella, Bigarella e Jost, 1975) no sopé do Morro Escalvado, a 1,1 km do sambaqui de Matinhos. Seus vestígios incluem resíduos de lascamento e pontas líticas pedunculadas com aletas e estavam dispostos em um paleosolo exumado a cerca de 1 metro de profundidade, sob sedimentos arenosos. Chmyz et al. (2003) realizaram as primeiras intervenções arqueológicas neste sítio (denominado PR P 41 Leonel) que o datou em 2750 ± 250 A.P (LACIVID-USP). O outro sítio, PR P 31- Ribeirão (Chmyz, 1975), foi encontrado nas proximidades de Paranaguá (Alexandra), está disposto em meio a camadas arenosas, com estratificações paralelas e cruzadas, em plena barreira pleistocênica (conforme mapa geológico de Angulo, 1992). Os vestígios estavam posicionados nas porções medianas da camada 4 até a base da camada 2, entre 130 e 190cm de profundidade, juntamente com esparsos fragmentos de carvão (Chmyz et al, 2003). A base deste sítio está sobre uma camada arenosa, bem compacta, de cor marrom tendendo para o preto (piçarra?). Considerando as datas mais antigas obtidas para esses sítios líticos no leste do estado do Paraná (entre 755 e 3750 A.P, citada por Chmyz et al. 2003), a sua ocorrência nessa posição sugere uma deposição de 2 metros de sedimentos holocênicos sobre barreira pleistocênica. 2 - Os sambaquis são vistos como entidades praticamente não afetadas por processos de evolução morfodinâmica e sedimentar, estando em geral posicionados superficialmente aos substratos geológicos, e portanto, nunca inseridos ou interdigitados a camadas, fácies e sistemas deposicionais. Tal situação é facilmente constatada nos modelos clássicos de classificação dos tipos de substratos e posicionamento de sambaquis na costa sul-sudeste brasileira (Bigarella, 1954, Fairbridge, 1976), esquemas esses amplamente seguidos por arqueólogos e geológos costeiros (Martin et al., 1984; Suguio et al, 2005). Nesses modelos, os sambaquis são representados sempre acima das feições geomórficas superficiais, ou ainda, tendo por base às características atuais da linha de ação das águas (Hurt e Blasi, 1960). A percepção de depósitos arqueológicos indiferentes aos processos geológicos e pedológicos atuantes por pelo menos 5.000 anos não encontra paralelo nos sítios registrados em áreas continentais, mesmo em locais abrigados e geologicamente estáveis. Por sua vez, as inúmeras evidências de processos erosivos/abrasivos atuais, de retrabalhamento ou presença de feições submersas junto a sambaquis (Oliveira, 2000; Brochier, 2004; Calippo, 2004); da constatação da profundidade de sítios líticos e cerâmicos encontrados no litoral (Chmyz, 1975, 2002; Chmyz et al, 2003); bem como, dos estudos sobre dinâmica costeira incidentes sobre a linha de costa (ex. Angulo, 1993; Soares et al., 1997; Souza et al, 2005) indicam a necessidade de repensar tais modelos e suas implicações sobre aspectos de interpretação arqueológica e gecosteira. Tendo por referência as discussões acima e a proposta de pesquisa interdisciplinar realizada nas áreas das baías de Guaratuba (PR) e Babitonga (SC) foi elaborado um modelo diagramático indicando os principais controles geoarqueológicos favoráveis ao trapeamento sedimentar de sítios arqueológicos. Este modelo incorpora os esquemas elaborados por Bigarella (1954) e Fairbridge (1976) para sambaquis superficiais inserindo, no entanto,

a perspectiva de preservação de diferentes tipos de depósitos arqueológicos em subsuperficie, seja em contextos primários (preservados) ou secundários (parcialmente transportados). Procurou-se ainda, a integração dos dados estratigráficos e perfis esquemáticos, dos modelos evolutivos e morfoestratigráficos gerados até o momento para a costa sul-sudeste brasileira (ex. Martin e Suguio, 1978; Lessa et al, 2000; Lessa e Angulo, 1995; Angulo e Lessa, 1997; Souza, 2005; Souza et al, 2001, 2005). Para a zona limite aos contrafortes da Serra do Mar foram inseridas as informações sobre a ocorrência de leques aluvionares de idade holocênica (Angulo, 1992; Bessa et al, 1997) e a presença de espessos depósitos derivados das corridas de massa na planície costeira de Caraguatatuba (SP) (Fúlfaro, 1976; IPT, 2006). Modelos similares sobre potencial de preservação e descoberta de sítios encobertos por sedimentos costeiros vêm sendo considerados na literatura internacional (ex. Master and Fleming, 1983), embora grande parte deles concentre-se nas áreas atualmente submersas da plataforma continental e nas zonas de face litorânea e costa afora. O modelo conceitual mais significativo para a proposta de trapeamento de sítios, no entanto, é o apresentado por Kraft et al. (1983) e Kraft et al. (1985) para área da plataforma continental atlântica da costa de Delaware, cujo enfoque esteve na otimização dos dados sobre os locais submersos mais suscetíveis às migrações costeiras ao longo de antigos sistemas estuarinos. No modelo dos autores são apontadas cinco situações favoráveis à preservação de sítios em subsuperfície tendo por base a disposição atual de sítios similares na atual planície costeira. A possibilidade de apontar áreas de preservação e interceptação de sítios costeiros em armadilhas (traps) geomórficas e sedimentares vem sendo debatida por Brochier (2001) para determinados sistemas costeiros ou subcosteiros (áreas continentais adjacentes à costa) na baía de Guaratuba (PR). Para os sítios mais antigos, estas armadilhas poderiam situar-se em cotas inferiores a -10 metros sob a atual planície costeira, dispondo-se, sobretudo, ao longo de vales que foram profundamente dissecados durante o rebaixamento dos níveis de base no LGM e nas margens continentais de sistemas estuarinos formados por ocasião da elevação do n.r.m nos últimos 9.000 anos. Condicionantes geomórficos e morfodinâmicos específicos atuantes durante os ajustes no aporte e balanço sedimentar entre sistemas continentais e litorâneos, controlados por variações climáticas e pelas mudanças e velocidade de variação do nível relativo do mar, poderiam ter favorecido a preservação de fácies sedimentares transgressivas e regressivas, capazes de conter evidências arqueológicas. Apoio financeiro: CNPq REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Afonso, M.C. 2005. Estudos geoarqueológicos em sambaquis do litoral de Santa Catarina. In: X Congresso da Associação Brasileira de Estudos do Quaternário (Abequa), 2005, Guarapari, ES. Anais. Rio de Janeiro: Abequa. Afonso, M.C. & DeBlasis, P.A.D. 1994. Aspectos da formação de um grande sambaqui: alguns indicadores em Espinheiros II, Joinville. Rev. MAE/USP 4: 21-30. Angulo, R.J. 1992. Geologia da planície costeira do Estado do Paraná, Tese de Doutoramento, 334p., IG/USP. São Paulo. Angulo, R.J. 1993. Variações na configuração da linha de costa no Paraná nas últimas quatro décadas. Boletim Paranaense de Geociências, v.41, p.52-72. Angulo, R.J. & Lessa, G.C. 1997. The Brazilian sea-level curves: a critical review with emphasis on the curves from the Paranaguá and Cananéia regions. Mar. Geol. 140(1-2): 141-166. Angulo, R.J.; Lessa, G.C. & Souza, M.C. 2006. A critical review of mid- to late-holocene sea-level fluctuations on the eastern Brazilian coastline. Quat. Sci. Rev. 25: 486-506 Bessa, Jr. O.; Suguio, K.; Angulo, R.J. Leques aluviais quaternários do litoral paranaense. In: Cong. Assoc. Bras. Est. Quat., 6, Curitiba. Resumos Expandidos... ABEQUA, Curitiba, PR. 1997 Bigarella, J.J. 1954 Os sambaquis na evolução da paisagem litorânea sul-brasileira. Arquivos de Biologia e Tecnologia, 9:199-221. Curitiba, PR. Brochier, L.L. Diagnóstico e manejo de recursos arqueológicos em Unidades de Conservação: uma proposta para o litoral paranaense. 2004. 165f. Dissertação (Mestrado) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo. 2004.

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