Um Estudo de Sua Origem, Desenvolvimento e Estado Atual das Organizações de Blocos de Trios do Carnaval Baiano. Autoria: Sérgio Ricardo Goes Oliveira



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Transcrição:

Um Estudo de Sua Origem, Desenvolvimento e Estado Atual das Organizações de Blocos de Trios do Carnaval Baiano. Autoria: Sérgio Ricardo Goes Oliveira Resumo Este artigo é resultado de uma pesquisa exploratória junto às organizações de bloco de trios do carnaval baiano. Através dessa pesquisa pudemos estudar a origem, o desenvolvimento e amadurecimento de organizações muito peculiares que teve origem na capital do estado da Bahia e que possui hoje atividades em todo o território nacional e também em territórios além mar. Tais organizações possuem um fator de destacada importância tanto para a economia local baiana, quanto para as questões de caráter social. Desse modo iremos delinear nas linhas que se seguem um estudo de sua origem, desenvolvimento e estado atual. Para isso foi realizado um levantamento documental e bibliográfico sobre os blocos, estratégias e comportamento do consumidor. Somado a isso foram realizadas uma série de entrevistas junto aos dirigentes e consumidores dos blocos. INTRODUÇÃO No período do carnaval de 1998, em Salvador, pudemos perceber a incrível pujança econômica que tal festa propiciava para esta cidade. Neste mesmo carnaval tivemos a oportunidade de participar da festa desfilando em um dos blocos. O slogan comercial do bloco era o metro quadrado mais bonito da avenida. Nessa experiência vivenciamos o que seria uma clara influência de grupos de referência de aspiração. Tal experiência nos chamou a atenção e começamos um levantamento informal sobre essa atividade local. Diante dessas informações e de observações de outros blocos, começamos uma sondagem dessa atividade muito difundida em Salvador. Pudemos perceber que o nível de profissionalização desses blocos, em alguns casos, era muito interessante. Algumas organizações possuem franquias em outros estados, outras possuem além dos blocos atividades ligadas ao meio artístico (produtoras e estúdios). Tal constatação nos impulsionou a um nível de sondagem mais profunda. Fizemos um pequeno levantamento bibliográfico e algumas entrevistas com profissionais do setor e com acadêmicos ligados à área mercadológica. Esse aprofundamento nos levou a duas constatações: a primeira delas de que muitas das empresas gestoras desses blocos possuíam uma orientação organizacional e mercadológica muito forte. A segunda de que tal atividade era vista por acadêmicos e profissionais do marketing com um certo desdém. A visão predominante seria de uma atividade econômica amadora, sem qualquer tipo de qualidade mercadológica. Diante dessas duas constatações, e da importância que é o carnaval de Salvador para a economia local e do contexto colocado acima, decidimos então fazer uma pesquisa descritiva dessa atividade. Sendo assim, foi feito um levantamento bibliográfico e documental. Para complementar as informações dos blocos e de suas estratégias, fizemos um levantamento, através de uma série de entrevistas abertas estruturadas com os principais executivos das organizações de maior destaque em Salvador. Fizemos entrevistas também com funcionários e comissários dos blocos. 1

Quanto ao público consumidor, precisávamos conhecer melhor como as ações dessas organizações eram percebidas por eles. Por se tratar de uma pesquisa descritiva e de cunho mercadológico optamos por fazer entrevistas de foco em grupo. A entrevista de foco em grupo é conduzida num período médio de duas horas, geralmente com grupos entre 8 e 12 pessoas e gravadas em vídeo e/ou fitas de áudio. Geralmente quando gravadas em vídeo necessitam de uma estrutura com um vidro falso, onde ficam "escondidos" observadores e o equipamento de filmagem (MATTAR,1996). Quanto ao objeto da pesquisa é importante fazer uma observação. Em relação à tipologia das organizações carnavalescas, diferentes abordagens podem ser empregadas. Entre elas a seguinte classificação, quanto à temática (blocos de índios, afros e de travestidos), quanto ao suporte musical (blocos de percussão, percussão e sopro e de trios), quanto à temática e suporte musical (afoxés) e quanto ao local e calendário do desfile (blocos alternativos e oficiais) (MIGUEZ, 1996). Alguns blocos alternativos são de propriedade ou associados a blocos oficiais, desse modo caracterizam uma alternativa de expansão de mercado. Também possuem algumas características que o diferem dos oficiais, como por exemplo, o tempo de existência, a alternância de cantores e bandas nos dias de desfile e o preço. Os blocos carnavalescos de Salvador possuem diferentes concepções e formatos. Entretanto o modelo que atualmente domina o espaço e que tem o direcionamento predominantemente comercial é o de blocos de trios, sendo esses denominados de oficiais e alternativos. Na realidade a denominação de bloco alternativo surgiu com a inclusão de um novo circuito (Barra-Ondina) e em dias diferentes ao do desfile dos oficiais (domingo, segunda e terça de carnaval). Grande parte dos blocos alternativos é extensão das organizações que possuem os blocos oficiais. Entretanto, antes de tratarmos dos blocos de trios devemos nos ater ao processo histórico de sua formação. Na realidade a história dos blocos se confunde com a própria história do carnaval baiano e brasileiro. As origens do carnaval brasileiro estão diretamente ligadas à nossa herança portuguesa, origens advindas de jogos festivos denominados de Entrudo. Tais jogos eram realizados dias antes da celebração da Quaresma (QUEIROS, 1987 apud LOIOLA e MIGUEZ, 1996). Características semelhantes dos festejos podiam ser observadas em algumas festas religiosas do Brasil colonial. Contudo, a partir da segunda metade do século XIX os festejos religiosos acabaram adquirindo um caráter mais reservado, fazendo com que os festejos carnavalescos fossem se diferenciando do Entrudo (VERGER, 1984 apud LOIOLA e MIGUEZ, 1996). Tal diferenciação acabou criando uma emergência de novos atores sociais que foram as novas organizações carnavalescas. Esses novos atores acabaram formando um corpo controlador da organização da festa, substituindo o caráter espontâneo (FRY et al. 1988:245 apud LOIOLA e MIGUEZ, 1996). Tal emergência acabou acontecendo também na Bahia, principalmente com o surgimento de sociedades carnavalescas como Fantoches da Enturpe (1883), Cruz Vermelha e Inocentes em Progresso (1900) (MENEZES, 1994 apud LOIOLA e MIGUEZ, 1996). Tais sociedades carnavalescas absorveram o estilo europeu de carnaval, realizando luxuosos bailes de fantasia. Realizavam desfiles competitivos (nas ruas) que contavam com espectadores vindos de todo o estado (FÉLIX e NERY, 1994 apud MIGUEZ, 1996). Os desfiles dessas sociedades carnavalescas sobrevivem até a década de 60, entretanto existiu entre as décadas de 20 e 40 o surgimento das pranchas e guerras de serpentina na avenida Sete de Setembro, espaço da aristocracia baiana. Tal processo levou essa mesma aristocracia de volta aos bailes de clubes (VERGER, 1984: 10 apud LOIOLA e MIGUEZ, 1996). Essa volta aos salões aconteceu quando a rua começou a ser ocupada por classes mais populares, predominantemente de origem negra. Foi o que Risério (1981 apud Loiola e 2

Miguez, 1996) chamou de africanização do carnaval baiano. Tal processo teve seu início na década de 40 e ganhou corpo com a fundação do afoxé Filhos de Gandhy em 1949. Surgiu em 1950 o trio elétrico, uma invenção da dupla, Adolfo Nascimento (Dodô) e Osmar Macedo. Os dois fundadores tocavam instrumentos elétricos e tempos depois se uniram a um terceiro integrante (Temístoles Aragão), formando assim o famoso trio elétrico, cujo nome, acabou sendo absorvido pela máquina sonorizada que inventaram. Em 1963 surgiu uma série de escolas de samba, como também uma série de blocos de classe média (Jacu, Internacionais e Barão). A partir de 74, com o surgimento do bloco áfro Ilê Aiyê, há o surgimento de inúmeros blocos étnicos desse mesmo tipo. Há ainda a formação de blocos de índios a partir de 1966 (Cacique do Garcia, Apaches do Tororó, Comanches, Tupis, entre outros) (MOURA, 1996). O trio elétrico ficou difundido na década de 60 principalmente pelo seu uso na propaganda, alguns deles tocavam arranjos musicais comerciais (jingles) que possuíam boa aceitação do público folião e começou a se incorporar aos blocos, até então animados por bandas de sopro e percussão. Nessa época o trio era apenas um elemento de adereço dos blocos, mas aos poucos a situação foi mudando. Em pouco tempo suas proporções foram aumentando e bandas de percussão começaram a tocar em cima dele, transformando-se assim num verdadeiro palco móvel. Até que em 1970, o grupo Novos Bárbaros, equipou o trio com caixas de som e colocou para cantar a cantora Baby Consuelo, vale registrar que até então não existia a prática de se ter um vocalista para o trio. A partir daí as inovações técnicas foram uma constante, projetos de engenharia, projetos visuais, o grau de sofisticação cresceu ano a ano. Até se transformar na atual estrutura, geralmente carretas 1 transportando o que melhor há em termos de estrutura de som, iluminação e projeto técnico-visual. Vale ressaltar que esse período foi marcado pelo que Moura (op cit) denominou de emergência de uma elite intelectual negra, como também de uma resposta organizada a nova configuração de ocupação do espaço público que surgia. Com o crescimento do carnaval e do número de pessoas na rua se criou uma corda em volta do bloco que isolava os participantes dos não participantes. O atual carnaval substituiu o anterior que era formado por espectadores, dando lugar aos participantes que agora pulam seguindo o trio elétrico. Aliado a esse contexto existiu a influência musical dos Novos Baianos, principalmente a figura de Gilberto Gil. Reforçado na década de 80 com o surgimento de ritmos e danças denominados de axé music, ou samba reggae, ou música baiana. Podemos destacar os nomes de Luis Caldas, Sarajane, entre outros cantores e bandas. Esse reforço ganhou mais força na década de 90 com o surgimento de novos cantores como Daniela Mercury e Netinho, como também novos grupos afro, como a Timbalada (MOURA, op cit). O trio foi um fator fundamental para a caracterização do bloco e vice-versa. O primeiro grande bloco de carnaval surgiu no ano de 1962, denominado de Os Internacionais, composto unicamente por homens. Mas foi em 1978 que surgiu o Camaleão, o primeiro bloco com características profissionais e que serviu de base para a formação dos que seguiram como o EVA, o Cheiro de Amor e todos os outros que surgiram ou se reestruturaram. Foi justamente o Camaleão que introduziu o conceito de vendas por comissário, uma das grandes inovações e fator de sucesso comercial para os blocos. Hoje, o carnaval de Salvador oficialmente conta com dois circuitos (vide anexo). Os desfiles de blocos aconteciam nos dias tradicionais de carnaval (domingo, segunda-feira e terça-feira) no circuito do Campo Grande Praça Castro Alves (atualmente denominado Osmar Macedo). Entretanto com o crescimento da festa foi anexado outro circuito (Barra-Ondina atualmente denominado de circuito Dodô), como também acrescentaram mais alguns dias ao festejo. O 1 Ver figura em anexo 3

segundo circuito ficou denominado de alternativo, o que levou a denominar os blocos que desfilassem nesses circuitos como blocos alternativos. São denominados de oficiais os blocos que desfilam no circuito Osmar Macedo nos dias de Domingo, Segunda-feira e Terça-feira de carnaval. Os desfiles no circuito oficial começam em torno das 12:00 horas e se estendem até o final da noite. Os blocos alternativos desfilaram no circuito Dodô em 1999 a partir da quarta-feira, entretanto devido à decisão da prefeitura municipal de Salvador e dos blocos ficou programado para o ano 2000 que os desfiles de blocos iniciarão na quinta-feira anterior ao carnaval. Isso trouxe algumas consequências como a diminuição de blocos alternativos. Alguns desses blocos alternativos iniciam seu desfile no circuito Dodô (a partir da Quintafeira) e desfilam seu último dia (Sábado) no circuito Osmar Macedo. O crescimento da quantidade de blocos e do número de integrantes 2 fez com que se tivesse um problema sério de congestionamento de trios e pessoas, estuda-se a viabilidade de se anexar um outro circuito à festa. Na realidade já existem outros circuitos, há o circuito do centro histórico que é organizado pelo Instituto do Patrimônio Artístico Cultural. Os festejos nessa localidade proíbem a utilização de trios e exalta os modos e hábitos dos festejos passados. A prefeitura em anos recentes também vem programando uma série de atrações em bairros de Salvador (McALLISTER, 1996). Os desfiles dos blocos alternativos geralmente se iniciam um pouco antes do final da tarde. Existe desfile de blocos alternativos nos dias de desfile dos oficiais, entretanto estes acontecem à noite no circuito Dodô. Depois dos desfiles dos principais blocos do circuito oficial existe uma grande concentração de pessoas nas imediações dos bairros da Barra e de 3 Ondina, devido à continuidade da festa e à grande quantidade de hotéis localizados nesta região. Alguns blocos possuem acordos com operadoras de turismo que vendem a fantasia incluída em seu pacote. Isso contribui para que alguns desses blocos possuam uma grande quantidade de turistas em sua formação. Outros blocos não possuem acordos com operadoras, mas pelo fato de possuírem blocos em outras cidades (as micaretas e carnavais fora de época) acabam atraindo muitos turistas. É caso do bloco Cheiro de Amor, segundo um de seus gerentes houve em 1999 uma participação de 42% de turistas dentro de seu bloco, sem que se fizesse uma única promoção fora da Bahia. O turismo é uma dos fatores fundamentais dos incentivos dados pelo poder público. Segundo Costa (1996) cerca de 400 mil visitantes estiveram em Salvador no carnaval de 1996, propiciando uma renda para o município de cerca de R$ 70 milhões. Exploraremos os aspectos econômicos com maior propriedade mais adiante. Entretanto como já colocamos, o circuito Osmar Macedo esgotou sua capacidade e não é mais viável comercialmente para inserção de novos blocos, uma vez que os horários disponíveis seriam pela parte da manhã. A ordem do desfile depende da antiguidade da organização e possuem horários fixados para saída, sendo que o primeiro deles inicia seu desfile às 12 horas. A profissionalização do carnaval foi acelerada pelo desenvolvimento dessas organizações juntamente com a formação de entidades representativas como a Associação de Blocos e Trios (ABT), entre outras, que juntamente com outros organismos municipais e do governo do estado discutem as regras que devem reger o funcionamento da festa. Somado a esta união vem sendo realizada uma campanha de marketing desenvolvida pelo governo 2 Normalmente os órgãos envolvidos na organização da festa fixam um limite máximo, atualmente cerca de 3000 a 3500 integrantes 3 Nos dias öficiais do carnaval, os blocos alternativos começam a desfilar no circuito Dodô à noite, horário este em que os principais blocos oficiais já desfilaram ou estão por terminar. 4

municipal e estadual para a promoção do carnaval, através de campanhas publicitárias temáticas veiculadas nacionalmente. Sendo que estas subsidiadas pelas receitas geradas pela cessão de espaços públicos para a publicidade e outras atividades comerciais. TABELA I - RELAÇÃO DOS BLOCOS, ATRAÇÕES E PREÇOS 98/99 BLOCOS DATA DE VALOR N DE ATRAÇÃO FUNDAÇÃO R$ FOLIÕES INTERNACIONAIS 1962 500 3000 ASA DE ÁGUIA CORUJAS 1963 250 2500 Ricardo Chaves MUQUIRANAS 1966 230 2000 TERRA SAMBA/ MUQUIRANAS CAMALEÃO 1978 550 3000 CHICLETE COM BANANA PAPALÉGUAS 1978 200 1500 PIMENTA NATIVA/ TERRASAMBA/ PAPLÉGUAS EVA 1980 400 2500 BANDA EVA CHEIRO DE AMOR 1980 400 2500 CHEIRO DE AMOR PINEL 1981 300 2500 ARAKETU/ JAMMIL/ PIMENTA NATIVA TRAZ-A-MASSA 1981 120 2500 MARCIA FREIRE/ CIA DO PAGODE/ BEIJO 1983 350 2500 NETINHO/ BANDA BEIJO MEL 1983 250 2500 BAMDA MEL TIETE VIP S 1983 130 2000 BANDA TIETE SIMPATIA QUASE AMOR 1985 1000 BANDA TIETE SABOR DE MEL 1985 2000 PIKE 1985 200 2500 BANDA PIKE/ BEIJO/ JHEREMIAS FRENESI 1986 150 2500 PEGA NO COMPASSO/ RAÇA PURA PINOTE 1991 150 2000 MARCIA FREIRE/ BANDA PINOTE REALCE 1991 80 2000 OS PIDÕES/ RAÇA PURA FONTES: MIGUEZ (1996) e HOMEPAGE da BAHIATURSA (Março/1999) A tabela apresentada acima foi montada com base no levantamento efetuado por Miguez (1996) e em lista de programação, disponibilizada pela Bahiatursa na internet. Vale ressaltar que alguns blocos não figuravam nas duas fontes, mas pelo grau de importância foram incluídos. Existem outros blocos com fundações mais recentes que não foram citados devido a pouca informação e representatividade. Também não foram citados os blocos áfros, de percussão e de índios. Alguns desses blocos não desfilam durante os três dias do desfile oficial, alguns dois dias, outros apenas um. Em relação à ordem de desfile existe um respeito quanto à data de fundação dos blocos, aqueles que possuem mesma data de fundação acabam revezando suas posições durante os dias do desfile. OS BLOCOS E SEU "MODUS OPERANDIS" Segundo tabela da Emtursa (Empresa Municipal de Turismo) desfilaram em cada dia do carnaval de 1999, cerca de 46 blocos de trios no circuito oficial, sendo que desse grupo, apenas cerca de 18 possuem o perfil organizacional definido e a orientação comercial. Miguez (1996) caracteriza os blocos profissionais da seguinte forma: Existem a cerca de 10 anos de existência, tendo sido fundados entre 1978 e meados dos anos 80. Desfilam com um número de foliões entre 2200 e 3000 que em sua maioria representam às classes média-alta e de uma faixa etária entre 20 e 30 anos. Atuam no mercado comercialmente e possuem receitas dos abadás, patrocínios, serviços de bar, alguns possuem blocos alternativos e negócios similares. Apresentam bandas e cantores de maiores sucessos. Atuam como produtores de bandas e atrações artísticas. 5

Gozam de espaço privilegiado nos espaços de desfile e são organizados em entidades representativas de seus interesses. O bloco desfila com uma corda num certo perímetro em volta de dois caminhões, um que é o trio que possui toda a estrutura de um palco físico (camarins, som, iluminação, etc) e o outro é o carro de apoio que conta com banheiros, serviço de bar, ambulatório e ainda serve como uma espécie de camarote. De acordo com nossos levantamentos e observações devemos tecer algumas considerações. A primeira delas é de que as principais atrações se apresentam nos blocos de maior valor comercial, mas que existem e que não chegam a ser minoria, blocos com valores populares. E que alguns desses blocos nos seus anos de existência já atenderam públicos de diferentes mercados, caracterizando assim um reposicionamento. Um aspecto importante que tem que ser destacado é o padrão inicial de fundação dos blocos a partir de 1978. Os blocos como o Camaleão, EVA, Cheiro de Amor, Mel, entre outros, surgiram através de turmas de jovens amigos, em sua maioria universitária, secundaristas ou recém-formados. Logo, tais blocos contavam com uma estrutura inicial com cerca de meia dúzia de sócios. Essa característica existe até hoje, entretanto novas configurações, como já citamos, acabaram surgindo como a emergência dos cantores ou bandas como proprietários ou sócios, ou ainda, o interesse de algumas empresas em possuir ou arrendar o seu próprio bloco. Aspectos Econômicos Até 1996, as organizações gestoras dos blocos de carnaval não pagavam impostos, eram consideradas empresas de sociedade civil de utilidade pública. Atualmente tal situação mudou e estão agora caracterizadas como sociedade limitada de atuação mista. Um dos principais fatores de apoio dos órgãos governamentais é o fluxo turístico gerado pelo festejo carnavalesco, seja através da ocupação dos hotéis ou pela hospedagem em casa de amigos. Segundo gerentes de hotéis locais, as taxas de ocupação chegam a variar entre 90 e 100% de ocupação. Fator esse que deve se intensificar com o crescimento da estrutura hoteleira e com o aumento expressivo do turismo nos últimos meses de 1999. TABELA II - EVOLUÇÃO DO FLUXO TURÍSTICO NA BAHIA EVOLUÇÃO DO FLUXO TURÍSTICO NA BAHIA (Em 1.000 turistas) 1991 1998 1999 (%) 91/99 (%) 98/99 Doméstico 1.810 3.262 6.435 89,8 5,3 Internacional 174 403 468 169 16,1 Total 1.984 3.665 3.903 96,7 6,5 Fonte: Gazeta da Bahia, Salvador, 29 de Dezembro de 1999, Bahiatursa Em nossas entrevistas e observações pudemos perceber que existe uma grande quantidade de foliões locais que acabam se instalando nos hotéis próximos ao desfile por questões de comodidade e segurança. Muitos dos artistas e profissionais ligados aos blocos também se hospedam nestes mesmos hotéis. Durante os dias de festejo são consumidos milhões de litros de cerveja e consumidos tantos outros produtos e serviços. A indústria de bebidas (refrigerantes e cervejas) experimenta um crescimento em torno de 20% durante o carnaval (MIGUEZ, op cit). Além dos recursos gerados, a festa é um grande empregador temporário de mão-de-obra. Tanto da estrutura municipal quanto das atividades formais e informais a geração de emprego e renda é um dos fatores que impulsionam o incentivo e apoio da realização de tão grandioso acontecimento. São os empregos gerados pela organização do carnaval, dos blocos (cerca de 800 a 1500 empregos entre cordeiros, garçons, seguranças e músicos), comércio, indústria, serviços e dos informais. Algumas atividades informais adquirem durante o carnaval caráter legal devido ao pagamento de licenças para o exercício do mercado ambulante. No ano de 1996 foram concedidos cerca de 4600 licenças para barracas, balcões, isopores, entre outros licenciamentos (LOIOLA e MIGUEZ, 1996). 6

Esse é o movimento gerado durante a festa momesca, contudo existe uma série de negócios que está dando um novo corpo a esse tipo de negócio. Existem hoje dezenas de carnavais temporões que ocupam os artistas durante todo o ano. Esses carnavais são muitas vezes organizados por empresários locais da cidade onde se realiza o evento. Entretanto muitas vezes os blocos que desfilam são franquias dos blocos de Salvador ou os artistas e demais estrutura (trios, som, palcos, etc) são contratados a empresas baianas. ANÁLISE MERCADOLÓGICA Faremos uma análise do ambiente e da estrutura desse tipo de atividade comercial. Iremos primeiramente apresentar as forças macroambientais mais importantes que interagem com este tipo de atividade comercial. Kotler e Armstrong (1999) destacam seis forças macroambientais, seriam elas: demográficas, econômicas, naturais, tecnológicas, políticas e culturais. Ambiente Demográfico e Econômico Situada no nordeste brasileiro, Salvador é uma das maiores metrópoles brasileiras possuindo uma renda per capita em 1997 de R$ 2.890 (IBGE, 1999). Segundo dados publicados na internet pelo Serviço Estatístico e de Informações da Bahia (SEI), cuja fonte da informação é atribuída ao IBGE. Existiam cerca de 2.759.392 habitantes em Salvador em 1997, segundo pesquisa realizada pelo SEI em setembro de 1999 o índice de desemprego na região metropolitana de Salvador foi de 28,6%. O estado da Bahia possui um dos litorais mais bonitos do Brasil e tem um fluxo turístico considerável. Segundo dados divulgados pela SEI foram contabilizados 339.084 hóspedes nos hotéis de Salvador no ano de 1997. Sendo que 18,13% de turistas estrangeiros e o restante de turistas nacionais. É importante destacar que o número de turistas vem flutuando ao longo dos últimos 20 anos. Desde 1994 existe um crescimento médio de 6,6% de hóspedes nacionais, contra um decréscimo médio de 20,3% de hóspedes estrangeiros. Destaque para os estados de São Paulo (31.69%), Rio (12,75%), Minas Gerais (5,70%) e Pernambuco (5,67%) como principais exportadores de turistas para o mercado baiano. As flutuações dos números de turistas são reflexos diretos da conjuntura econômica do país e do câmbio. De acordo com a situação atual (desvalorização do Real em 1999) é esperado um crescimento do número de hóspedes nacionais e estrangeiros. Essa conjuntura acaba afetando diretamente o mercado de blocos de carnaval. Uma vez que tradicionalmente a maioria de suas vendas acaba sendo para o mercado local. Entretanto pelo caráter de crescimento dos carnavais temporões e pelo aumento do fluxo turístico essa configuração esta sofrendo sérias alterações. É cada vez maior a participação de turistas nos blocos de carnavais de Salvador, alguns desses blocos já chegam a apresentar uma predominância de turistas em sua composição. Essa é uma tendência que foi destacada pelos executivos dos blocos que entrevistamos e pela impressão do público local. Os dados apresentados acima são de suma importância para a sobrevivência dos blocos. Com o crescimento da festa houve um crescimento natural de número de empresas e blocos. Entretanto com uma economia local fraca devido ao grave desemprego, o turismo se tornou uma saída cada vez mais defendida para essa crise. Tanto pelo fato de estar substituindo o consumidor local, como pelo amplo apoio dos governos estadual e municipal quanto ao incentivo da atividade turística. Esse apoio se traduz pelos incentivos fiscais à cultura e à festa propriamente (organização e publicidade), como também pelos investimentos diretos em infra-estrutura (ampliação do aeroporto, novas rodovias) e indiretos como incentivos para instalação de uma base hoteleira. Ambiente Natural A atividade do bloco de carnaval não pressiona diretamente o meio-ambiente. O que ocorre nos dias do carnaval é um aumento considerável da população da cidade que possibilita um crescimento do consumo de refeições, serviços e principalmente bebidas. Entretanto até esse 7

consumo exagerado não representa tanta agressão uma vez que as bebidas comercializadas são em latas recicláveis. Existe uma preocupação da prefeitura e outras entidades com o patrimônio histórico da cidade, pois o poder do som dos trios é muito grande. Desse modo em determinados locais os trios são proibidos de tocar e o nos demais locais existe um limite que é constantemente fiscalizado por entidades competentes. Ambiente Tecnológico O desenvolvimento tecnológico dos trios foi um fator fundamental para o desenvolvimento dessa modalidade de bloco. Pois foi através da construção desses palcos móveis que foi possível o desenvolvimento e popularização de gêneros musicais. O desenvolvimento do conceito do trio foi um fator competitivo muito forte até o começo da década de 90, uma vez que a partir dos primeiros anos dessa década os trios e seus carros de apoio atingiram dimensões que tiveram que ser limitadas devido ao espaço físico que chegava a sua capacidade máxima. A procura por inovações é uma máxima desse setor que tenta se diferenciar sempre que possível. No início os trios eram carros alegóricos que funcionavam com bocas de autofalantes e amplificadores feitos de válvulas. Na década de 70 colocaram as primeiras caixas de som transistorizadas, como também a primeira vocalista de trio, a cantora Baby Consuelo. Na década de 80 se destaca a aceleração dos incrementos técnicos de som, caixas de som retangulares banem os auto-falantes. Destaca-se neste momento o Bloco Eva que surge com um trio que foi construindo baseado em cálculo estrutural com mesa e equipamento de som importados, como também com o primeiro carro de apoio. Seguindo essa tendência os trios se sofisticaram e a estrutura técnica exigida é cada vez mais profissional. Tal exigência acaba também impulsionando a profissionalização dessas organizações individualmente, como também através de suas classes representativas. O ambiente de mudança e empreendedorismo o qual esta atividade está inserida lembra a teoria econômica Schumpeteriana (1939). O agente causador das mudanças e avanços tecnológico (técnicos e de gestão) é o empreendedor que continua buscando constantes inovações. Estas responsáveis pela quebras de paradigmas que propiciaram redução de custos, maior penetração e aumento de mercado. Podemos destacar a nova modalidade de força de vendas e a inserção do vocalista da banda no trio, entre tantas outras que vêm surgindo. Principalmente por que este espírito empreendedor continua internalizado por seus gestores que em grande parte estão no negócio desde o seu início. Ambiente Político A realização do carnaval baiano sempre contou com o incentivo e ajuda governamental, muitas vezes de maneira simbólica ou mais atuante, através da discussão da organização da festa. Entretanto o ano 1997 marca uma nova postura profissional, ou seja, é a retomada do modelo de promoção da festa, através de um tema de motivação cultural que foi a homenagem a Jorge Amado 4. Através de ações coordenadas entre os órgãos municipais, entidades representativas dos blocos e da sociedade civil foram estruturadas exigências legais que prezam pela qualidade da organização da festa. Vale destacar o início da utilização de estudos econômicos e pesquisa de opinião como instrumento de avaliação e melhoria da festividade. No ano de 1998 a homenagem foi destinada à comemoração dos 30 anos da Tropicália. No ano de 1999 a homenagem foi para a cidade de Salvador e para a comemoração de seus 450 anos de existência. Nesses três últimos anos os esforços promocionais e de organização foram muito bem direcionados para um aumento da qualidade da festa. Dentre essas ações 4 Escritor baiano reconhecido nacionalmente e internacionalmente. Entre suas obras inúmeras obras figuram entre as mais famosas Gabriela e Tieta. 8

destacamos a organização de variadas estruturas nos bairros da cidade, administração dos espaços e promoção de shows. Ambiente Cultural A Bahia é um estado que se destaca em termos de riqueza cultural desde os tempos da época colonial. Essa expressão cultural pode ser muito bem visualizada através da leitura da própria história do carnaval que sucintamente apresentamos no capítulo denominado histórico do carnaval baiano. Foi justamente essa riqueza cultural que produziu as diversas influências musicais que dão som aos equipamentos de trio. Entretanto existe uma discussão muito séria sobre a ocupação dos espaços públicos. Como pudemos ver no resumo histórico, os blocos de trios são organizações mais recentes do que os blocos africanizados e dos afoxés, entretanto é comum encontrar na mídia uma ampla discussão sobre divergências quanto ao espaço dos desfiles. Outro ponto presente na mídia e que tem um amplo espaço de cobertura é a questão da discriminação racial, principalmente nos períodos próximo ao carnaval. Segundo inúmeros entrevistados é um problema recorrente que acontece. Pudemos acompanhar alguns programas de televisão no período do carnaval de 1999 que apresentaram denúncias de pessoas de terem sido preteridas em sua intenção de compra por alguns blocos. A compra do bloco é feita mediante o preenchimento de uma ficha denominada: proposta de sócio. Essa ficha pode ser preenchida com um comissário, pelo correio, internet ou na sede do bloco. A denúncia de descriminação ocorre quando uma proposta é recusada, pois esta não vem acompanhada por uma justificativa. Em nossas observações nas sedes dos blocos não presenciamos nenhum tipo de menção de análise dessas propostas. As pessoas que se dirigiram à sede e que optaram pela compra no local, durante os períodos de observação, a fizeram sem nenhuma análise da ficha. Entretanto não podemos deixar de mencionar este aspecto apresentado na mídia e muito discutido pelas organizações de etnia negra locais. CICLO DE VIDA DO PRODUTO Um dos conceitos fundamentais do marketing é a análise do ciclo de vida do produto, uma vez que tal ciclo acaba influenciando a condução das estratégias e ações táticas. Com o produto bloco de trio oficial do carnaval de Salvador não é diferente. Entretanto, devido à complexidade das transformações que ocorreram durante seu ciclo de vida analisado (1978-1999), como também, as transformações da estrutura deste setor, decidimos fazer uma análise mais aprofundada em um capítulo em separado. O ciclo de vida do produto é um conceito bastante difundido para análise de negócios e é composto de cinco estágios distintos: desenvolvimento, introdução, crescimento, maturidade e declínio. Não necessariamente todos os produtos seguem esse ciclo, fracassos podem muito bem chegar ao declínio logo depois de sua introdução. O ritmo do ciclo pode muito bem diferir, dependendo do produto, alguns produtos possuem ritmos de crescimento e maturidade maiores, ou menores. Podendo ocorrer até a voltar algum estágio do ciclo, devido a um reposicionamento do produto ou marca. Podendo este ser gerado pelo rejuvenescimento ou por alguma alteração de caráter técnico (KOTLER E ARMSTRONG, 1999). O fato é que essa análise pode ser feita muito claramente com os blocos de trio do circuito oficial do carnaval de Salvador. Entretanto não poderemos deixar de analisar as extensões de produtos que acabaram surgindo, como também das novas oportunidades de negócios que as empresas gestoras dos blocos acabaram abraçando. O bloco de trio do circuito oficial do carnaval de Salvador teve sua introdução no ano de 1978. Geralmente o processo de introdução de um novo produto requer investimentos consideráveis principalmente para a promoção do produto. Entretanto, essa barreira acabou sendo transposta pelo uso da rede de comissários que conseguiram fazer a promoção boca-aboca e pelo baixo custo necessário para a estrutura até então incipiente. O que ocasionou, nos anos que se seguiram, a fundação de inúmeros outros blocos, fazendo com que o 9

desenvolvimento do produto fosse acelerado pelo lançamento de novas organizações. O crescimento do produto pode ser medido não só pela quantidade de marcas diferentes, mas pela quantidade de consumidores. O Camaleão em sua estréia tinha cerca de 800 foliões, hoje devido às limitações físicas a média de integrantes de um bloco oscila entre 2.000 e 3.500 foliões. Por questões de segurança foi limitado o número máximo de integrantes por bloco. O número de blocos de trios também respeita um limite, uma vez que o desfile começa as 12:00, sendo inviável comercialmente a operação de um bloco em um horário pela manhã. Diante dessa limitação não existe espaço para a inserção de mais blocos no circuito oficial. O que ocorre com frequência é o surgimento de novos blocos em função da vaga deixada pelo desaparecimento de outros. Dessa forma tal situação poderia ser classificado como um estado de maturidade. Entretanto nos últimos anos algumas organizações vêm sofrendo prejuízos pela queda nas vendas. Poderia ser um sinal do começo de declínio, contudo não existem dados claros que indiquem corretamente essa suspeita. Primeiramente devido à falta de confiabilidade do número de fantasias vendidas. Segundo, devido às recentes crises econômicas que poderiam ser responsáveis pela queda nas vendas (ou oscilações) e finalmente pelo fluxo maior de turistas nos blocos que poderiam configurar como uma retomada de fôlego desse setor. Uma vez que se alcançou a limitação do circuito oficial foi introduzido outro circuito, denominado de alternativo e prolongado o número de dias do carnaval, fazendo com que surgisse um novo produto que é o bloco alternativo. Oportunidade esta para outras organizações surgirem e para que empresas já estabelecidas como o Camaleão, Eva, entre outros pudesse lançar extensões de seu produto (bloco Nana Banana, Nana Pipoca, Nu outro Eva, entre outros). Por um outro lado ainda se deve destacar os blocos dos carnavais temporões em todo o Brasil que também muitas vezes representam uma extensão dos negócios. Alguns blocos do carnaval de Salvador abriram sistemas de franquias para a exploração da marca em outros estados. Esses carnavais temporões possibilitam a ocorrência de outros eventos que os promovem, fazendo com que essas organizações divulguem outros artistas até então desconhecidos pelo mercado local. TABELA III - CARNAVAIS TEMPORÕES 5 CIDADE NOME DA MICARETA MÊS DE REALIZAÇÃO Aracaju PRÉCAJU Fevereiro Belém PARÁ FOLIA Setembro Belo Horizonte CARNABELÔ Novembro Brasília CARNABEIRÃO Abril Goiânia CARNAGOIANIA Setembro João Pessoa MICARÔA Janeiro Maceió MACEIÓFEST Janeiro Natal CARNATAL Dezembro Recife RECIFOLIA Outubro São Luis MARAFOLIA Outubro São Paulo CARNASAMPA Junho Vitória VITAL Novembro FONTE: Homepages dos Blocos de carnaval Além das franquias, as empresas proprietárias dos blocos do carnaval de Salvador detêm outro tipo de receita. Muitas dessas empresas funcionam ou possuem uma produtora musical, ou seja, empresariam alguns dos artistas do axé music. As micaretas tiveram origem no interior da Bahia, pois estas cidades não podiam contar com os grandes nomes da música para animar seus carnavais. Fazendo com que organizassem carnavais posteriores à data oficial do calendário. Existem além das micaretas citadas acima inúmeras outras em cidades do interior. 10

Na realidade este é um ponto muito importante a ser destacado, pois não podemos mais analisar os blocos do carnaval baiano, sejam eles oficiais ou alternativos, como produtos isolados. O bloco agora é um produto que faz parte de um portifólio, cujas ações de caráter mercadológico influenciam no tratamento dado a cada produto. Um dos atributos do bloco de carnaval que foi responsável pela sua difusão foi o tipo de música. Diferentes ritmos musicais foram criados, desenvolvidos e consagrados na Bahia primeiramente, no nordeste em seguida e finalmente no centro-sul do país. Cantores e bandas como Daniela Mercury, Netinho, Ivete Sangalo, Chiclete com Banana, Banda EVA, Cheiro de Amor, Banda Mel, entre tantos outros grupos de axé e pagode já conseguiram alguns discos de ouro, platina e diamante por suas vendas. Lotam as casas de shows onde se apresentam, sejam elas em cidades do interior da maioria dos estados do país ou até mesmo em outros países. Tentamos fazer um levantamento das estatísticas de discos junto às gravadoras, mas estas não divulgam os números de discos vendidos. A Sony Music não forneceu nenhuma estatística de vendagem de discos do dois únicos grupos (ARAKETU e OLODUM) que estão sob seu selo, mas revelou que um deles já teria ganhado disco de platina (250.000 discos vendidos) e o outro estaria perto de conseguir o disco de ouro (100.000 discos vendidos) de seus respectivos álbuns lançados em 1999. A BMG discos não revelou nenhuma estatística ou dados sobre vendagem de discos. Apesar do extremo cuidado para a não divulgação desses dados conseguimos pela internet alguns dados sobre vendagens de discos. Dados da banda Araketu e Asa de Águia, através de suas respectivas homepages. TABELA IV - DADOS DE VENDAS DE CDS BANDA ARA KETU ANO TÍTULO UNIDADES VENDIDAS 1992 Ara Ketu Dados não existentes 1993 Ara Ketu de Peri Peri Dados não existentes 1994 Ara Ketu Bom Demais 210.000 1995 Ara Ketu Dez 450.000 1996 Ara Ketu Dividindo Alegria 300.000 1997 Ara Ketu Pra lá de Bom 200.000 1998 Ara Ketu Ao Vivo 2.000.000 1999 Ara Ketu O Povo Ao Vivo 200.000 Fonte: www.ara-bahia.com.br TABELA V - DADOS DE VENDAS DE CDS BANDA ASA DE ÁGUIA ANO TÍTULO UNIDADES VENDIDAS 1990 Qual é? Dados não existentes 1991 Com Amor Dados não existentes 1992 Se Ligue Dados não existentes 1993 Cocobambu 200.000 1994 Ao Vivo 150.000 1994 Sereia 100.000 1995 A Lenda 300.000 1996 Kriptonita Dados não existentes 1997 Ta Reclamando de que? Dados não existentes 1998 Na Veia Dados não existentes 1999 E o Mundo não Acabou Dados não existentes Fonte: www.uol.com.br/asadeaguia Toda essa extensão de negócios gerou um crescimento muito grande do mercado de bloco de trios no Brasil. Entretanto existem alguns sinais que indicam que tal negócio pôde ter entrado em declínio. O primeiro deles foi o encurtamento dos dias de desfile no carnaval baiano. O desfile dos blocos até o ano de 1999 iniciava na quarta-feira nos circuitos alternativos até a madrugada da quarta-feira de cinzas. Entretanto neste mesmo ano, os empresários deste setor decidiram conjuntamente com a prefeitura diminuir o número de dias da festa, ocasionando a redução do 11

número de blocos. A justificativa para tal ação ocorreu devido à baixa rentabilidade do número excessivo de blocos, como também pela possível saturação do evento. Um outro sinal que podemos analisar quanto a um eventual declínio do produto é a vendagem de discos relativo ao gênero musical do axé. Segundo o setor comercial da Sony Music houve uma queda acentuada do interesse do público quanto a esse gênero de música, o que levou a empresa a priorizar contratos de outros artistas de outros gêneros musicais. De uma maneira resumida podemos dizer que o produto teve uma fase de crescimento muito constante ao nível da cidade de Salvador e interior da Bahia. Esse crescimento foi acelerado pelo fluxo turístico da cidade de Salvador que aumentava e da popularização regional dos artistas. Numa terceira fase houve a popularização dos artistas a nível nacional e conseqüentemente a popularização do carnaval baiano. Finalmente até a fase atual, cujos sinais que expomos acima nos indica um possível declínio. Apesar dos sinais eles não demonstram uma real consistência para tecermos alguma afirmação quanto declínio deste negócio. O que chamamos a atenção e que discutiremos mais enfaticamente é o desenvolvimento e aumento da complexidade do negócio e de suas inter-relações que propiciaram o crescimento a nível nacional e a nova configuração dessas organizações. Com a valorização dos novos ritmos musicais baianos e de seus respectivos intérpretes, a realidade do negócio acabou se transformando. Um bom caso para ilustrar essa nova configuração é o caso da organização Cheiro de Amor. Com cerca de 20 anos de experiência empresarial, essa organização possui, além do bloco Cheiro de Amor, blocos alternativos e franquias, uma produtora musical que agencia a carreira de algumas bandas. Inclusive da banda Cheiro de Amor que por sua vez é marca de propriedade da empresa. Ainda dentro de seu leque de negócios é acionista e administra outros blocos do carnaval de Salvador (Papaléguas e Pinel). Nos anos iniciais e até mesmo nos dias de hoje, as empresas contratavam as bandas ou artistas para animar os seus foliões. Entretanto, atualmente existe uma forte tendência a se buscar uma configuração em que a atração seja de propriedade da organização ou que pelo menos a agencie. Esse é o caso do bloco EVA, do próprio Cheiro de Amor, do bloco Beijo, entre outros. A atração é um fator importante para o sucesso do bloco, entretanto este não é a única razão pela qual essas organizações investem em suas bandas com marcas próprias. É principalmente pelo fato de que a maior fonte de receita advém da realização dos shows 6 pelo país. Condição reforçada pelas receitas publicitárias e venda de discos. Desse modo, como o carnaval de Salvador é a vitrine máxima da música baiana, acaba ocorrendo que o bloco passa a ser para o artista ou para a empresa produtora que o agencia, o maior instrumento de promoção disponível. Isso não quer dizer que essas empresas não vão buscar lucratividade com a atividade do bloco. Muito pelo contrário, as organizações vislumbram no bloco ainda um bom negócio. A diferença é que ele agora representa uma unidade de negócio dentro de vários outros negócios como venda de shows, franquias de blocos, publicidade, venda de discos, etc. Um outro fator a ser destacado é que os artistas também têm um novo papel, além do aumento de seu poder de negociação. Alguns deles por conta deste poder se transformaram em sócios das empresas gestoras dos blocos, das produtoras, de outras bandas, etc. O caso mais recente que ilustra muito bem essa transformação é o da consagrada cantora Ivete Sangalo. A mesma era vocalista da banda EVA que é uma banda de propriedade do grupo EVA. Entretanto a cantora decidiu trilhar uma carreira mais independente, desvinculou-se da banda EVA, comprou um bloco alternativo, comprou um trio e fundou uma produtora para administrar a própria carreira e a de outros músicos. 6 Fator reforçado por todos os executivos entrevistados 12

CONSIDERAÇÕES FINAIS Como vimos, as organizações gestoras dos blocos de trio do carnaval baiano foram frutos do mais puro espírito empreendedor. Tais organizações conseguiram um crescimento em seu negócio devido ao próprio desenvolvimento do carnaval baiano. Carnaval esse que foi exportado para todo o restante do país como um portfólio de produtos. Sendo o bloco de carnaval de Salvador transformado em seu principal veículo promocional, dado a nova importância de produtos. Destaca-se também a nova configuração dessas organizações quanto à composição de seus sócios proprietários, quanto também a fusão de algumas empresas. Resta saber se essas organizações com sua nova configuração conseguiram reagir a uma nova realidade de mercado que está surgindo. BIBLIOGRAFIA CASE CAMALEÃO UMA HISTÓRIA TRIELETRIZANTE - TOP DE MARKETING 96. ADVB, 1996. COSTA, Luiz Afonso. Um Salto Planejado. In Bahia Análise & Dados. Salvador v.5, N.4, Março 1996. KOTLER, Philip. Adminstração de marketing: análise, planejamento, implementação e controle 4ed. São Paulo: Atlas, 1994. KOTLER, Philip e ARMSTRONG, Gary. Princípios de marketing 7ed. Rio de Janeiro: LTC, 1999. LOIOLA, Elisabete e MIGUEZ, Paulo. Tabuleiros da Festa: Pequenos Negócios & Muitos Negociantes do Carnaval Baiano. In Carnaval Baiano: negócios e oportunidades/ organizado por Tania Fischer. Brasília: Ed. SEBRAE, 1996. MATTAR, Fauze Najib. Pesquisa de Marketing - edição compacta - 1ed. - São Paulo: Atlas, 1996. McALLISTER, Mônica. Circuitos e Curtos-Circuitos: Entre a Ampliação e a Qualificação do Carnaval. In Carnaval Baiano: negócios e oportunidades/ organizado por Tania Fischer. Brasília: Ed. SEBRAE, 1996. MIGUEZ de Oliveira, Paulo César. Carnaval baiano: as tramas da alegria e a teia de negócios Salvador, 1996. (Tese de Mestrado) MOURA, Milton. O Carnaval Como Engenho de Representação Consensual da Sociedade Baiana. Caderno CRH, Salvador, n.24/25 jan/dez 1996. SCHUMPETER, Joseph A. Teoria do desenvolvimento econômico: uma investigação sobre lucros, capital, crédito, juro e ciclo econômico. 2. ed. São Paulo: Nova Cultural, 1985. TRIO-ELÉTRICO 13

O primeiro trio-elétrico ao lado de seu idealizador e inventor Osmar Macedo Área destinada às caixas acústicas. Em seu interior há banheiros e i lé d Áreas destinadas à Palco de apresentação dos artistas Atual configuração dos trios-elétricos. Uma estrutura comportando som e iluminação, puxados por um caminhão de grande porte. 14