Parecer proferido no P.º R. P. 68/2013 STJ-CC



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Parecer proferido no P.º R. P. 68/2013 STJ-CC Recorrente: Carla Maria.., Advogada Recorrida: Conservatória do Registo Predial.. Sumário: Recusa de ato de registo em oposição a recusa de retificação Qualificação dos registos dependentes (diretamente) de um processo de retificação. PARECER Relatório 1. A situação jurídica do prédio n.º../19860716, da freguesia de L..., concelho de V..., à data da apresentação dos registos cuja qualificação foi impugnada, era a seguinte: inscrição de aquisição, pela Ap... de 1996/05/27, a favor de Rui Manuel, casado com Maria Augusta..., no regime de comunhão de adquiridos; e inscrição de hipoteca voluntária, pela Ap... de 2003/12/16, a favor do Banco Bilbao Vizcaya Argentária (Portugal), S.A. 1 1.1. Encontrando-se em vigor tais inscrições, a recorrente (e apresentante) requisitou, em de. de 2013, na Conservatória do Registo Predial., três atos de registo, aos quais vieram a caber as apresentações nºs 507 a 509: a) retificação da Ap... de 1996/05/27, no sentido de que a aquisição tem a natureza de bem próprio de Rui Manuel...; b) atualização da Ap... de 1996/05/27, no sentido de que Rui Manuel... divorciou-se de Maria Augusta..., tendo posteriormente sido casado na comunhão de adquiridos com Maria Leonor, da qual também se divorciou; e c) hipoteca a favor da apresentante. 1 Nessa inscrição hipotecária está incorretamente identificado o Banco credor como sujeito titular inscrito, em lugar de ser como sujeito ativo do facto inscrito. Tal imprecisão deve-se, por certo, à transposição de tal inscrição da ficha em suporte de papel (sem essas rubricas) para a ficha em suporte informático. Mas, distinta dessa incorreção é a situação de constar na ficha em suporte de papel (que cuidamos de solicitar) que se trata de empréstimo a conceder a RUI MANUEL...e mulher MARIA LEONOR casados em comunhão de adquiridos, e isso não estar refletido na ficha em suporte informático. Não obstante não ser objeto da nossa apreciação, damos por certo que na constituição dessa hipoteca voluntária interveio conjuntamente o excônjuge de Rui Manuel, Maria Augusta.. Seja como for, urge retificar a inscrição de hipoteca para que fique de acordo com a ficha base. 1

1.2. Os três pedidos foram instruídos com uma escritura pública de compra e venda e empréstimo com hipoteca, de 12 de julho de 1996 2 ; uma escritura pública de retificação daquela escritura, de 18 de julho de 1996 3 ; uma escritura pública de hipoteca, de 3 de janeiro de 2013; e um assento de nascimento n.º... de 1958 da Conservatória do Registo Civil... 2. O registo de retificação foi recusado por ser manifesto que o facto não estava titulado nos documentos apresentados, nos termos do artigo 69.º, n.º 1, alínea b), do Código do Registo Predial (CRP). 2.1. Expendeu a recorrida, no despacho de qualificação, que quanto ao regime de bens vigora na ordem jurídica portuguesa o princípio da imutabilidade do regime de bens, pelo que, está vedado aos cônjuges alterar a composição das respetivas massas patrimoniais, e que, não tendo no ato da compra sido prestada a declaração da proveniência do dinheiro utilizado no pagamento do preço não pode essa lacuna ser suprida por qualquer outro meio de prova, nomeadamente a escritura de retificação junta ao registo, sob pena de nulidade. Concluiu no sentido de que estando a aquisição já registada nos precisos termos em que foi titulada, o registo é recusado uma vez que, não se poderá publicitar uma natureza própria do bem quando já terceiros a conhecem como pertencendo ao património comum do casal. 2.2. Fundamentou, de direito, nos artigos 68.º, 69.º, n.º 1, alínea b), e 71.º do CRP e nos artigos 1714.º, nºs 1 e 2, 1723.º, alínea c), e 294.º do Código Civil (CC). E corroborou as suas afirmações evidenciando um parecer e uma deliberação do Conselho 2 Que terá servido de título para a conversão em definitivo da inscrição provisória de aquisição lavrada a coberto da já citada Ap... de 1996/05/27. Dessa escritura pública extraímos que os então titulares inscritos da raiz do prédio a venderam ao outorgante marido, Rui Manuel..., e que os titulares inscritos do usufruto do prédio o venderam ao mesmo outorgante marido, e que o registo provisório de aquisição já se encontrava feito a seu favor pela inscrição G-2. Por sua vez, os outorgantes, RUI MANUEL...e mulher Maria Augusta., confessaram-se devedores ao Banco Espírito Santo e Comercial de Lisboa, S.A. de determinada quantia e constituíram hipoteca a favor do mesmo Banco. 3 Nessa escritura pública retificativa intervieram todos os outorgantes daquela escritura primitiva e por todos foi dito que a retificavam no sentido de ficar a constar que o prédio foi adquirido com dinheiro próprio do outorgante marido e que, portanto, é bem próprio dele; e que consequentemente o empréstimo foi apenas contraído por ele, que como titular do direito foi quem constituiu a hipoteca. 2

Técnico 4 com doutrina sobre o tema (requalificação dos bens adquiridos, a título oneroso, pelos cônjuges na constância do casamento, quanto à sua natureza própria e comum), a saber, Proc.º n.º R.P. 174/2000 DSJ-CT e Proc.º n.º R.P. 76/2009 SJC-CT 5. 3. O registo de atualização foi igualmente recusado mas tendo por base o facto de se encontrar estritamente relacionado com o ato anterior (com a retificação primeiramente pedida) e não ser suscetível de ser feito provisório por dúvidas artigos 68.º, 69.º, n.º 2 e 71.º, todos do CRP. 4. Finalmente, a inscrição de hipoteca voluntária obteve a dupla qualificação de provisória por dúvidas (por violação do princípio do trato sucessivo artigos 34.º, n.º 4, 68.º, 70.º e 71.º, do CRP) e provisória por natureza nos termos do artigo 92.º, n.º 2, alínea d), do mesmo código. 5. O recurso hierárquico interpôs-se por meio de requerimento através do qual foram expostos os fundamentos que se dão por integralmente reproduzidos, evidenciando-se, todavia, os que se seguem: - Que por escritura pública foi constituída hipoteca voluntária unilateral sobre imóvel, propriedade exclusiva de Rui Manuel..., pois expressamente declarou o outorgante na escritura que é dono e legítimo possuidor do prédio, como ainda referiu que, no dia 18 de julho de 1996, procedeu, conjuntamente com o seu cônjuge, à retificação da escritura que ambos outorgaram em 12 de julho de 1996 e que deu origem ao registo de aquisição a seu favor e de seu cônjuge; - Que nessa escritura de retificação, por todos os intervenientes da escritura de compra e venda, incluindo os credores hipotecários, foi dito: a) Que o prédio urbano inscrito na matriz predial urbana da freguesia de L..., concelho de V..., sob o artigo 633 e devidamente identificado na dita escritura, foi adquirido com dinheiro próprio do segundo outorgante, Rui Manuel..., pelo que o mesmo imóvel é bem próprio do mesmo segundo outorgante; 4 Atualmente Conselho Consultivo, no seguimento da publicação do Decreto-Lei n.º 148/2012, de 12 de julho, que aprovou a orgânica do Instituto dos Registos e do Notariado, I.P. 5 Em http://www.irn.mj.pt/sections/irn/legislacao e http://www.irn.mj.pt/sections/irn/doutrina, estão ambos acessíveis, mas respetivamente. 3

b) Que o empréstimo [ ] é contraído, apenas, pelo mesmo segundo outorgante, com o respetivo consentimento do seu cônjuge pelo que o encargo do pagamento deste empréstimo e respetivos acessórios são da inteira e exclusiva responsabilidade do mesmo segundo outorgante; c) Que a hipoteca constituída para garantia do pagamento do referido empréstimo e demais encargos é feita também pelo mesmo segundo outorgante, também devidamente autorizado pelo seu cônjuge. - Que por força dessa retificação declarou o cônjuge mulher que tal imóvel era propriedade exclusiva do seu marido, porque adquirido com dinheiro próprio daquele e, por consequência, a dívida, a responsabilidade do cumprimento do empréstimo e o pagamento de todos os encargos resultantes da hipoteca constituída a favor do banco, tratava-se de passivo que apenas ao cônjuge marido diziam respeito; - Pelo que, no caso, o direito de terceiros ficou devidamente acautelado, pois o Banco interveio em ambas as escrituras; E acrescentou: - Que o pedido de divórcio dos retificantes da escritura de 18 de julho de 1996 deu entrada no Tribunal de Família e Menores do Porto em inícios do ano de 1996; - Que do acordo quanto à relação de bens não consta o bem imóvel adquirido em 12 de julho de 1996; - Que nos termos do artigo 1789.º, n.º 1 do CC (com a redação vigente em 1996), no que se refere às relações patrimoniais entre os cônjuges, o divórcio produz efeitos (seja qual for a sua causa) a partir da propositura da ação, pelo que a escritura de aquisição podia e devia ser objeto de retificação. 6. A recorrida executou despacho de sustentação no qual desenvolve os argumentos já esgrimidos no despacho de qualificação e conclui por manter as recusas e bem assim a provisoriedade por natureza e por dúvidas do registo de hipoteca, não sem antes concluir que: A escritura, dita de retificação, que vise alegadamente facultar aos cônjuges a prestação da declaração sobre a efetiva proveniência do dinheiro ou valores utilizados no 4

pagamento do preço, que não prestaram no ato de compra e venda de imóveis, consubstancia desse modo uma alteração na composição concreta das massas patrimoniais, que, por violação do disposto nos art.ºs 1714º, n.ºs 1 e 1723º, n.º 1, c), e 1724º, b), do Código Civil, está ferida de nulidade. Deve, por isso, ser recusado o averbamento, pedido com base em tal escritura, que vise publicitar uma pretensa natureza própria dos prédios assim adquiridos e cuja aquisição se mostra já registada nos precisos termos em que foi titulada 6. Questões prévias Pedido de retificação 1. O primeiro pedido que surge na requisição de registo é assim o da retificação da inscrição de aquisição em vigor sobre o prédio. 1.1. Não obstante o pedido ser de retificação (cujo exame em pormenor não nos parecia ser necessário, pois o pedido não conduziria a qualquer outra interpretação 7 ) recusou-se a retificação da inscrição de aquisição de propriedade ao invés de se ter indeferido liminarmente o requerido e averbado ao respetivo registo a pendência de retificação. 1.2. Por conseguinte, como preliminar à apreciação do mérito (cuja análise pode até vir a ser prejudicada) é forçoso examinarmos se a recusa da retificação da Insc. Ap. de 1996/05/27 é uma decisão de recusa de um registo ou uma decisão de recusa de retificação, com o sentido e o alcance do n.º 2 do artigo 140.º do CRP. 1.3. Com efeito, a recusa de retificação de registos só pode ser apreciada no processo próprio regulado no Código do Registo Predial, cuja decisão é da competência do conservador, e conforme deriva da lei (artigos 127.º, n.º 2, 131.º, n.º 1, e 140.º, n.º 2, 6 São as conclusões III e IV do mencionado parecer emitido no Proc. n.º R.P 174/2000 DSJ-CT e invocado no despacho de qualificação. 7 Para HEINRICH EWALD HÖRSTER, se uma declaração é unívoca não há razão para recorrer a uma interpretação, mesmo que ela não pareça razoável ou não faça sentido para uma pessoa sensata. Uma interpretação é diferente de uma avaliação. A interpretação serve para captar o sentido, o próprio conteúdo da declaração, mas não para avaliar o conteúdo sob o aspeto da sua razoabilidade ou da sua conformidade ou não com a lei. Cf. A Parte Geral do Código Civil Português, Coimbra, 1992, 507. 5

todos do CRP) e de doutrina vertida em vários pareceres deste conselho 8, quando o conservador indefira o pedido, a sua decisão só pode ser impugnada para os tribunais comuns. Consequentemente, nesse caso, não é permitido à entidade hierárquica ad quem proferir decisão sobre pedido de retificação 9. 2. A declaração foi expressa na requisição de registo como retificação da Ap... de 1996/05/27 e, como já adiantámos, não nos parece que haja razão para valer com um sentido diverso da retificação dos registos cujo processo está previsto e regulado no Capítulo II do Título VI do Código do Registo Predial. 2.1. Pois, muito por causa do fim primordial do registo predial que, como sabemos, é o da garantia da segurança do comércio jurídico, na interpretação que se faça do que está a ser solicitado deve prevalecer o sentido objetivo do pedido, sentido esse tal como está consignado no artigo 236.º, n.º 1, do CC, isto é, o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante 10. 8 Cfr. P.º R.P 167/2005 DSJ-CT, P.º R.P 132/2008 SJC-CT, P.º R.P 165/2008 SJC-CT e P.º R.P 82/2011 SJC-CT, todos acessíveis em http://www.irn.mj.pt/sections/irn/doutrina. 9 Atente-se, contudo, que a presente impugnação hierárquica (bem como os registos cuja qualificação se impugna) é de data anterior à da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 125/2013, de 30 de agosto, que alterou o Código do Registo Predial, entre outras, quanto a essa matéria. De facto, logo no preâmbulo do diploma se enfatiza que em reforço das garantias impugnatórias dos cidadãos e das empresas, se consagra a possibilidade de impugnação, através de recurso hierárquico, das decisões proferidas no âmbito dos processos de retificação de registo, tal como já se encontra previsto em sede de retificação de registo comercial. Por isso, desde 1 de setembro de 2013, é diferente a redação do n.º 1 do artigo 131.º, admitindo que a decisão sobre o pedido de retificação possa ser impugnada mediante interposição de recurso hierárquico para o conselho diretivo do Instituto dos Registos e Notariado, I.P., ou mediante impugnação judicial para o tribunal da comarca da área da circunscrição a que pertence o serviço de registo. 10 Sobre a prevalência objetiva do pedido tratou o Pº R.P 165/2005 DSJ-CT (consultável naquela ligação), onde foi frisado que no âmbito da qualificação do pedido de registo está sempre presente uma atividade interpretativa, que visa saber qual o sentido (objetivo) com que o pedido deve valer para efeito da decisão a proferir. De facto, foi salientado (nota 5) que A prevalência objetiva é a que melhor garante a segurança do comércio jurídico visada pelo registo (art.º 1º do C.R.P.) e a que melhor se adequa à natureza formal do pedido, sobremaneira reforçada pela existência da anotação deste, com possível conhecimento da pendência do pedido por parte dos destinatários finais, no intervalo de tempo que vai da apresentação à feitura do registo (artºs 6º, 41º, 42º e 112º, nº 2 do C.R.P. e artºs 236º e 238º do Código Civil). Quanto ao ponto da interpretação objetiva do pedido também tratou o supradito Pº R.P. 132/2008 SJC-CT. Esteve em causa um pedido de cancelamento oficioso da menção que ficou a constar ( a permanência no regime de crédito bonificado implica a impossibilidade de contrair outros empréstimos no âmbito da habitação ) do averbamento de cancelamento da inscrição hipotecária. Aí se expôs que um declaratário normal, colocado na posição de real 6

2.2. E não obsta a tal interpretação o facto de o pedido ter sido formulado na requisição de registo 11 e previamente aos outros pedidos, pois o que demanda o artigo 123.º, do CRP, nos seus nºs 1 e 2, é que no pedido de retificação sejam especificados os fundamentos e a identidade dos interessados e que o pedido seja acompanhado pelos meios de prova necessários 12. 3. O que sucedeu é que a recorrida não interpretou objetivamente o pedido, isto é, não decifrou o pedido como de forma inquestionável foi expresso 13-14. Mas, indubitavelmente, declaratário ( ) confrontado com os elementos objetivos do concreto pedido, concluirá que está a ser destinatário de um pedido de retificação do Av.1 à inscrição C-1. Sustenta HEINRICH EWALD HÖRSTER (in Ob. Cit., 509), que o sentido de que o art. 236.º, n.º 1 fala, é o sentido pretendido pelo declarante, o sentido que o declarante quis dar. Quer dizer, a interpretação parte, metodologicamente, de elementos objetivos para obter, através deles, como finalidade, o elemento subjetivo, na medida em que isto é possível. Para o efeito, ou seja, para captar o sentido que o declarante quis dar, o n.º 1 do art. 236.º estabelece como regra que o sentido da declaração negocial é aquele que seria apreendido por um declaratário normal, isto é, um declaratário medianamente instruído e diligente, colocado na posição do declaratário real, em face do comportamento do declarante. Para C. A. MOTA PINTO, o Código Civil define, no artigo 236.º, n.º 1, o tipo de sentido negocial decisivo para a interpretação nos termos da posição objetivista que assentou na chamada teoria da impressão do destinatário. Afirma ser a posição mais conveniente, por ser largamente mais favorável à facilidade, à rapidez e à segurança da vida jurídico-negocial (in Teoria Geral do Direito Civil, Coimbra, 1992, 3.ª Edição, 447). 11 Antes da alteração operada pelo DL n.º 116/2008, de 4 de julho, ao texto do artigo 123.º do CRP, constava do seu n.º 1: O requerimento inicial é apresentado pelos interessados, não tem de ser articulado, é dirigido ao conservador e especifica a causa de pedir e a identidade das pessoas nele interessadas. E mesmo com essa redação se entendeu, na deliberação do Conselho Técnico tomada no P.º R.P. 180/2003 DSJ.CT (http://www.irn.mj.pt/sections/irn/legislacao) que a requisição de registos pode constituir o requerimento inicial da retificação, conquanto o pedido de retificação aí esteja expresso, podendo mostrar-se conveniente para os interessados que os efeitos da retificação retrotraiam à data da apresentação da requisição (cfr. artigos 122.º e 126.º do Código do Registo Predial). Por maioria de razão, com a redação atual do artigo 123.º, e da sua conjugação com o artigo 66.º, n.º 1, alínea d), do mesmo código, podemos concluir que o pedido de retificação não tem que ser feito na requisição de modelo aprovado, mas que pode sê-lo. Também não impede tal interpretação (eventualmente) aduzir-se que não foi pago o emolumento correspondente ao processo de retificação, pois, como sabemos, pela retificação efetuada ao abrigo dos artigos 124.º e 125.º do CRP, são devidos os emolumentos correspondentes aos atos de registo realizados em consequência do mesmo (artigo 21.º, n.º 5.5 do RERN). Ora, a deferir-se positivamente a retificação (que é com o que conta sempre um requerente) esta enquadrar-se-ia na alínea b), do n.º 1, do artigo 125.º, citado. 12 É inquestionável que todos esses elementos constam do pedido de retificação em questão. Aliás, a questão da natureza do bem poder-se-á ter levantado em momento antecedente, i. é, aquando do registo provisório de hipoteca voluntária efetuado pela Ap... de 16/12/2003. 13 Por certo absorveu-se completamente da questão substantiva sem se aperceber que nos supracitados processos 174/2000 e 76/2009 foram pedidos, respetivamente, um averbamento à inscrição e uma alteração da inscrição. 7

o processo de retificação desencadeou-se, de acordo com o princípio da instância, a requerimento da interessada, e nesse seguimento três decisões poderiam ocorrer: - De efetuar imediatamente a retificação, por estarem verificados os pressupostos da retificação pretendida (artigos 124.º, 125.º, n.º 1, a) e b), do CRP); - De configurar o pedido como manifestamente improcedente, indeferindo-o liminarmente, devendo averbar ao pedido a pendência de retificação (artigos 127.º, n.º 1, 126.º, n.º 1, e 122.º, do CRP); - De dar continuidade ao processo através da notificação dos interessados não requerentes e de produção de prova, devendo também averbar ao pedido a pendência de retificação (artigos 129.º, 130.º, 126.º, n.º 1, e 122.º, do CRP). 3.1. Proferindo decisão formal de indeferimento liminar e procedendo ao averbamento de pendência de retificação, possibilitava, unicamente, o recurso de qualquer interessado ou do Ministério Público, nos termos previstos no artigo 131.º, n.º 1, já citado, para o tribunal de 1.ª instância competente na área da circunscrição a que pertence a conservatória em que pende o processo. 3.2. Consequentemente, sendo a entidade hierárquica incompetente para apreciar a recusa de retificação (da Ap. 507 de 2013/../..), propomos a rejeição do recurso, com fundamento na al. a) do artigo 173.º do Código do Procedimento Administrativo (CPA), aplicável como direito subsidiário ao recurso hierárquico por força do artigo 147.º-B, do CRP 15. 14 Destacamos aqui o que ficou dito no parecer emitido na C. P. 13/2005 DSJ-CT, que se ocupou da retificação do registo: O critério que adotámos e que cremos corresponder à intenção do legislador, como frisámos, importa, na atuação prática das Conservatórias, o risco de tratamento desigual dos pedidos de retificação, consoante os mesmos sejam formalizados através de requerimento ou de requisição em impressos de modelo oficialmente aprovado, dada a dificuldade em destacar, numa apreciação sumária, do total das apresentações de cada dia, as requisições que consubstanciam pedidos de retificação e que, por isso, devem ter tratamento diferenciado, desde logo no que respeita à prioridade da sua apreciação pelo conservador (consequência natural de poder ser autuada como requerimento inicial correspondente à petição inicial nos processos judiciais a requisição de registo, da qual resulte inquestionavelmente expresso o pedido de retificação) [destaque nosso]. 15 Embora não aplicável in casu, mais uma vez chamamos a atenção para as alterações operadas ao CRP pelo Decreto-Lei n.º 125/2013, de 30 de agosto, que revogou o artigo 147.º-B, referido, e voltou (como era previamente às alterações operadas ao CRP pelo já citado DL 116/2008) a considerar direito subsidiário o disposto no Código de Processo Civil. 8

3.3. O presente recurso hierárquico terá apenas o efeito útil de provocar que o pedido seja considerado como requerimento inicial de retificação, cabendo à recorrida, depois desta decisão de rejeição do recurso se tornar definitiva, uma atuação conforme o disposto nos artigos 120.º e seguintes do CRP, decidindo pela primeira vez e de acordo com o referido no ponto 3 16-17. Alegação, no requerimento de recurso, da aplicabilidade, ao caso, do artigo 1789.º, n.º 1, do Código Civil 1. É sabido que na qualificação de um pedido de registo só podem ser atendidos os documentos (ou declarações principais ou complementares) que tenham sido inicialmente apresentados pelos interessados, cuja falta tenha sido suprida oficiosamente, ou agrupados em resultado de suprimento de deficiências, até ao momento em que o registo tenha que ser lavrado (artigos 68.º e 73.º, nºs 1, 2 e 3, do CRP). 2. E, em sede de processo de retificação do registo, demanda o artigo 123.º, supracitado, que o pedido seja acompanhado dos meios de prova necessários. Naturalmente, que é em face dos elementos de prova reunidos para o processo que o conservador vai definir a sua decisão de retificação imediata, indeferimento liminar ou instrução do processo. 2.1. Pois bem, só nas alegações de recurso evidenciou a recorrente que o pedido de divórcio dos titulares inscritos deu entrada no Tribunal em inícios do ano de 1996, isto é, em data anterior à data da escritura de compra e venda que originou o registo a favor do dissolvido casal, pelo que não poderia então a recorrida ponderar este elemento para a 16 Acompanhamos, quanto a este ponto, o que foi exposto no P.º R.P. 132/2008 SJC-CT (ponto 4, p. 4), e resumido na conclusão 2 do P.º R.P. 165/2008. 17 Evidentemente que não nos podemos pronunciar sobre o mérito da questão. Mas, se quanto à hipótese do cumprimento tardio dos requisitos da sub-rogação indireta, através da feitura de escritura de retificação, já a recorrida seguiu a orientação deste Conselho formulada nos Processos nºs 174/2000 DSJ-CT e 76/2009 SJC-CT (orientação essa que acompanha M. RITA ARANHA DA GAMA LOBO XAVIER, in Limites à Autonomia Privada na Disciplina das Relações Patrimoniais entre os Cônjuges, Coimbra, 2000, 341-368), relativamente à pertinência dos efeitos patrimoniais do divórcio operarem de facto com o trânsito em julgado da sentença, mas de jure se reportarem à data da proposição da ação (1789.º, n.º 1, do CC) foi, em certa medida, dada resposta nos Processos nºs R.P. 121/98 DSJ-CT, R.P. 169/2001 DSJ-CT e 173/2001 DSJ-CT (http://www.irn.mj.pt/sections/irn/legislacao). 9

decisão que viesse a proferir, designadamente para saber se o mesmo deve ser acolhido em sede de retificação ou dar lugar à atualização da inscrição no processo normal de registo. 3. Não obstante o que vem de ser dito, cumpre apreciar a qualificação dos registos subsequentes. É o que faremos de seguida. Pronúncia Recusa da atualização da Insc. Ap... de 1996/05/27 1. É do artigo 100.º do CRP que se eduz a faculdade de as inscrições poderem ser alteradas, uma vez que naquele normativo expressamente se declara, no seu n.º 1, que a inscrição pode ser completada, atualizada ou restringida por averbamento. Mas, o n.º 2 do preceito exceciona dessa possibilidade o facto que amplie o objeto ou os direitos e os ónus ou encargos, definidos na inscrição, admitindo apenas (salvo os casos de retificação) que sejam registados mediante nova inscrição 18. 1.1. Efetivamente, se as inscrições visam definir a situação jurídica dos prédios através da identificação dos sujeitos e da definição do facto, é essencial a reflexão em cada caso concreto no sentido de averiguar se uma alteração ao estado civil do sujeito inscrito pode provocar uma modificação na titularidade do prédio, que só poderia surgir por inscrição e com base em título de transmissão capaz de produzir esse efeito jurídico. 1.2. No caso 19, ao alterarmos a inscrição de aquisição no sentido de que o sujeito ativo (que figura como casado, sob o regime da comunhão de adquiridos) é atualmente divorciado (sem qualquer outra referência ou menção), induz à interpretação de que foi alterada a titularidade do prédio. Isto porque, em face do direito substantivo (artigo 1724.º, b), do CC), dúvidas não há de que a inscrição publicitava que o bem era comum dos cônjuges, e, em face daquela alteração simplista, passaria a dar publicidade à natureza própria do bem do sujeito inscrito. 18 Portanto, a título exemplificativo, não amplia o conteúdo do direito inscrito o averbamento de atualização em que se declare que o sujeito ativo da inscrição, que constava como solteiro, casou, ainda que em comunhão geral (artigo 2.º, n.º 2, do CRP), mas já ampliaria se o estado fosse viúvo, visto que, pelo óbito do cônjuge deu-se uma transmissão sucessória, que, portanto, só por inscrição pode ser registada - J. A. MOUTEIRA GUERREIRO, Noções de Direito Registral, Coimbra, 1994, 2.ª Ed., 238, nota 4. 19 Por não ter sido deferida a retificação. 10

1.3. Ora, é manifesto que não haveria qualquer ampliação do conteúdo do direito inscrito e consequentemente nenhum impedimento na atualização pretendida se a prévia retificação (no sentido de que o bem era próprio do sujeito ativo marido) tivesse sido deferida. Do que se tratava, na verdade, era de uma atualização à inscrição com pleno cabimento no n.º 1 do artigo 100.º do CRP. 1.4. E também não surgiria obstáculo à atualização se do averbamento constasse menção expressa de que apesar da alteração do estado civil do sujeito ativo marido, não ocorreu alteração na titularidade do bem. De facto, o estado civil do titular de uma qualquer inscrição pode ser atualizado, em qualquer momento, com base na consulta ao assento referenciado no pedido ou na apresentação da correspondente certidão do assento, mas haverá que redigir tal averbamento com extremo rigor e a máxima cautela por forma a deixar claro que, não obstante a mudança de estado civil, não se processou qualquer modificação na titularidade do bem objeto da inscrição averbada 20. 1.5. Mas, em face de todo o processo registal, o que acabou de ser dito não era certamente o pretendido pela apresentante. Após a retificação da inscrição no sentido de que o bem era próprio, solicitava a apresentante que se atualizasse o estado civil do sujeito ativo para que quedasse em conformidade com a realidade constante do registo civil. Ao que se conclui que a qualificação positiva deste registo dependia diretamente do deferimento da retificação pendente 21. 1.6. Como é sabido, decorre da lei predial (artigo 126.º, n.º 3), que o registo de outros factos que venham a ser efetuados e que dependam direta ou indiretamente da retificação pendente, estão sujeitos ao regime da provisoriedade por natureza, previsto na alínea b) do n.º 2 do artigo 92.º, do CRP. Mas, só os averbamentos à inscrição previstos no artigo 101.º, n.º 1, podem ser efetuados como provisórios, com a precisão constante do n.º 3 do mesmo artigo quanto aos que podem ser feitos provisoriamente por dúvidas ou provisoriamente por natureza. Diferentemente, os averbamentos à inscrição, que visam alterar um facto registado, ou são feitos ou são recusados (artigo 69.º, n.º 2, CRP) 22. 20 Cf. Proc. R.P. 169/2001 DSJ-CT, anteriormente citado, 28. 21 Na sequência do que ficou expresso nas questões prévias devia estar averbado na ficha a pendência de retificação. 22 No dizer de MOUTEIRA GUERREIRO, ob. cit., 153-154, o averbamento visa consignar uma alteração do facto registado, pelo que, a especificidade desta figura tabular não se compadece, por sua natureza, com a 11

1.7. Desse modo, enquanto a retificação não estiver feita nos precisos termos requeridos, é de recusar o averbamento de atualização à inscrição, pois não pode ser feito como provisório. Hipoteca Voluntária provisória por dúvidas e natureza artigo 92.º, n.º 2, al. d) 1. Dada a dependência que acima assinalámos (supra n.º 1.6.), naturalmente se depreende, que o registo de hipoteca voluntária deve ser qualificado como provisório por natureza ao abrigo da alínea b) do n.º 2 do artigo 92.º, do CRP, por força do prescrito no supra referido artigo 126.º, n.º 3 23. provisoriedade. É que a modificação deu-se ou não se deu e não seria legítimo que se publicitasse que ocorreu uma alteração e, passado algum tempo, após o decurso do prazo do registo provisório, já voltasse a constar que, afinal, nada mudou. Precisamente porque isso não pode ser, porque o registo não existe para estabelecer equívocos, mas sim para ser fonte de certezas, o averbamento não pode, por sua natureza, ser lavrado provisoriamente. Também de acordo com CATARINO NUNES (Código do Registo Predial Anotado, Coimbra, 1968, 488), há atos que, pela própria natureza das coisas, e até sem necessidade de declaração legal, não são suscetíveis de provisoriedade. Refere o autor que não pode lavrar-se provisoriamente um averbamento de conversão em definitivo, não há cancelamentos provisórios e também se não pode averbar provisoriamente que o sujeito ativo de dada inscrição casou. 23 Trata-se, é bom de ver, do resultado a que chegamos pela interpretação ab initio do pedido como de retificação de registo. Assim, se tivesse sido indeferido liminarmente o pedido, estaria averbada a pendência de retificação e os registos que dependessem direta ou indiretamente da retificação pendente, ficariam sujeitos ao regime da provisoriedade por natureza, previsto na alínea b) do n.º 2 do artigo 92.º, do CRP. Significa isto que, embora o averbamento de atualização tivesse de ser recusado por, apesar de dependente da retificação, não ser possível a sua feitura como provisório, a qualificação definitiva do registo de hipoteca voluntária dependia somente e diretamente do deferimento da retificação. Por isso que não haveria que qualificá-lo, também, como provisório por dúvidas por incumprimento do princípio do trato sucessivo (artigo 34.º, n.º 4, do CRP) pois, não tinha, ainda, de se averiguar se houve ou não intervenção de todos os titulares inscritos do prédio na escritura de hipoteca voluntária. Só na sequência da decisão definitiva que indeferisse a retificação (e com o cancelamento do averbamento da pendência) caberia ao conservador a requalificação daquela inscrição de hipoteca e a ponderação do cumprimento do supra citado princípio artigos 126.º, n.º 3, in fine, e 92.º, n.º 8, do CRP. De resto, na sequência de impugnação judicial (127.º, n.º 2 e 131.º, CRP), poderia vir a ser deferida a retificação, por sentença (ou acórdão) com trânsito em julgado e nesse caso haveria de se converter em definitivo o registo de hipoteca voluntária - artigos 126.º, n.º 3, in fine, e 92.º, n.º 7, do CRP. Isto para significar que, in casu, deferindo-se a retificação no sentido de que o bem era próprio do sujeito inscrito [e, no contexto, tendo sido apresentada certidão do registo civil comprovativa das alterações ao seu estado civil e prestada declaração quanto ao regime de bens do casamento - comunhão de adquiridos (artigo 46.º, n.º 1, a) do CRP)], estava inteiramente cumprido o princípio do trato sucessivo na modalidade da continuidade das inscrições. 12

De todo o exposto propomos: a) quanto à ap. 507, a rejeição do recurso com o efeito útil referido no ponto 3.3. das Questões Prévias ; b) a improcedência do recurso quanto à ap. 508; e c) a procedência parcial do recurso no que respeita à inscrição de hipoteca voluntária, devendo ser requalificada para provisória por natureza nos termos da alínea b) do n.º 2 do artigo 92.º do CRP ou convertida, caso se decida pelo deferimento da retificação, após o disposto em a). E enunciámos as seguintes Conclusões I Antes da alteração operada pelo Decreto-Lei n.º 125/2013, de 30 de agosto, ao Código do Registo Predial, decorria do disposto nos artigos 140.º, n.º 2, 127.º, n.º 2 e 131.º, do CRP, que não era permitido à entidade hierárquica ad quem proferir decisão sobre pedido de retificação. II Contudo, a impugnação hierárquica, com enquadramento legal anterior à referida alteração legislativa, não deixa de ter o efeito útil de permitir situar a pretensão da requerente no processo especial de retificação de registo previsto nos artigos 120.º e seguintes do CRP, com vinculação do conservador a tomar a Também, pelas razões expostas e tendo sempre presente o caso concreto, parece-nos que o registo de hipoteca voluntária não deveria ser provisório por natureza nos termos da alínea d) do n.º 2 do artigo 92.º. Tem-se entendido que a norma em apreço tem uma relação causal [como a da alínea b)] com as noções de dependência e incompatibilidade. Como se disse no P.º n.º R.P. 58/2008 SJC-CT, o nosso Código admite que sejam efetuadas definitivamente inscrições na pendência de recurso hierárquico ou impugnação judicial (ou enquanto não decorrer o prazo para a sua interposição) contra a recusa de registo, desde que tais inscrições não sejam dependentes nem incompatíveis com o ato recusado. Ora, em face da qualificação da recorrida (recusa da retificação e recusa da atualização) parece-nos compreensível essa classificação. Diferentemente, averbada a pendência de retificação e recusada a atualização, é importante averiguar se a inscrição de hipoteca voluntária constitui uma inscrição dependente e/ou incompatível com a atualização da inscrição. Expendendo: como já dissemos, a feitura definitiva da hipoteca voluntária depende diretamente do deferimento da retificação, mas não depende da feitura da atualização da inscrição nos moldes em que foi pretendida, isto é, como pressuposto de que a retificação já estaria deferida e se trataria (mesmo) da atualização do estado civil do sujeito ativo (único proprietário do prédio). Dizendo de outro modo, se a retificação fosse logo deferida e em seguida fosse peticionado o registo de hipoteca voluntária, esta lograria obter ingresso definitivo. Mais, em qualquer caso, se a inscrição refere que o bem é próprio do sujeito, casado, sob o regime da comunhão de adquiridos, e este surge sozinho a hipotecar o prédio, como divorciado, o ato pode ingressar no registo. Mas, se assim o pretender, pode o sujeito atualizar previamente a inscrição para vir dizer que é divorciado. Porque a prévia retificação é que se propõe modificar a natureza do bem, não há, neste caso, qualquer dependência direta (ou indireta) entre a feitura do averbamento de atualização e o registo de hipoteca voluntária. 13

decisão em falta, seja ela de indeferimento liminar ou de abertura de instrução de processo averbando a pendência de retificação ou seja de deferimento imediato 24. III O registo de atualização à inscrição que dependa diretamente do deferimento imediato de retificação pendente deve ser recusado, pois, pela sua natureza, não pode ser efetuado como provisório (artigo 69.º, n.º 2, do CRP). IV Diversamente, o registo de hipoteca voluntária que dependa diretamente do deferimento de retificação pendente deve ser efetuado como provisório por natureza (artigo 92.º, n.º 2, alínea b), do CRP), em face do disposto no artigo 126.º, n.º 3, do CRP. Parecer aprovado em sessão do Conselho Consultivo de 17 de outubro de 2013. Blandina Maria da Silva Soares, relatora, Luís Manuel Nunes Martins, Isabel Ferreira Quelhas Geraldes, António Manuel Fernandes Lopes, Maria Madalena Rodrigues Teixeira. Este parecer foi homologado pelo Exmo. Senhor Presidente do Conselho Diretivo em 24.10.2013. 24 Esta conclusão é a firmada no supracitado P.º R.P 165/2008 SJC-CT. 14