2º CILASCI Congresso Ibero-Latino-Americano sobre Segurança contra Incêndio Coimbra, Portugal, 29 de Maio a 1 de Junho, 2013 REAÇÃO AO FOGO DE MADEIRA ANTIGA PROTEGIDA COM TRATAMENTOS RETARDADORES DE COMBUSTÃO João Laranjeira*, MSc, Mestre em Eng.ª Civil Lisboa, Portugal Helena Cruz, PhD, Inv. Principal LNEC Lisboa, Portugal Ana Paula Ferreira Pinto, PhD, Prof. Auxiliar IST-DECivil Lisboa, Portugal Carlos Pina dos Santos, PhD, Inv. Principal LNEC Lisboa, Portugal Palavras-chave: estruturas de madeira; reação ao fogo; intumescentes; ignífugos; reabilitação. 1. INTRODUÇÃO A segurança contra incêndio é uma necessidade em todos os tipos de construção, uma vez que os efeitos devastadores de um incêndio colocam em risco vidas humanas, para além de destruírem bens patrimoniais e valores históricos. Os riscos de incêndio em edifícios podem ser elevados, nomeadamente em locais com cargas de incêndio muito significativas, como é o caso dos núcleos urbanos antigos, devido à concentração de actividades de comércio e indústria e à existência de edifícios abandonados ou sofrendo de grave falta de manutenção, que potenciam o risco de deflagração de incêndio. Para fazer face aos riscos é necessário adoptar medidas de segurança e implementar mecanismos de proteção dos edifícios contra incêndio, que visem reduzir os riscos de deflagração e propagação e, por último, que promovam a sua extinção. Quando os elementos de madeira estão presentes, o que é frequente em edifícios antigos, é necessário prevenir a ignição do material combustível e a propagação da inflamação, controlando tanto a fonte de calor como a contribuição do próprio material combustível. O tratamento químico da madeira com produtos retardadores de combustão (RC), que atrasam a evolução do incêndio, é a forma mais usual de melhorar o desempenho da madeira em termos de reação ao fogo. Embora, como é óbvio, este tipo de tratamento não altere a natureza combustível da madeira, promove um atraso da ignição, a redução da taxa de libertação de calor, e a propagação da chama em produtos desse material. A aplicação superficial de tratamentos RC em estruturas de madeira em serviço constitui frequentemente uma solução simples de implementar, dado que pode ser realizada in situ, é de rápida execução e permite recorrer a produtos incolores. Muito embora a sua aplicação seja, em geral, fácil de executar e o mercado disponibilize uma vasta oferta de produtos intumescentes e não intumescentes (ambos designados com frequência por produtos * Autor correspondente Lisboa. PORTUGAL. Telef.: +351 92 6583575. e-mail: joaopslaranjeira@ist.utl.pt
ignífugos), que tanto podem ser incorporados em sistemas de pintura (sucessivas camadas de produtos distintos) como aplicados isoladamente, a seleção do tratamento a adoptar para uma determinada situação revela-se uma tarefa difícil para o meio técnico. Os produtos intumescentes apresentam-se, geralmente, sob a forma de tintas e vernizes e dão origem à formação de película (após secagem) sobre a superfície da madeira. Estes produtos são formulados para, quando expostos a elevadas temperaturas (mas inferiores às temperaturas de combustão da madeira), expandirem de forma significativa (até cerca de 200 vezes o seu volume inicial) e darem origem à formação de uma camada resistente ao calor e termicamente isolante. A aplicação destes produtos restringe-se a zonas interiores secas do edificado devido ao facto de serem particularmente higroscópicos. As soluções à base de produtos intumescentes preveem, em geral, a aplicação de uma camada de acabamento, devendo-se assegurar que esta possui a espessura especificada pelo fabricante uma vez que são suscetíveis de abrasão e desgaste, sendo ainda igualmente importante garantir que as condições de utilização final (eventuais ações de limpeza das superfícies protegidas) não comprometem a eficiência e a durabilidade do RC aplicado. Segundo a ETAG 028 (2009) [1], aplicável aos produtos RC aplicados em obra em produtos de construção, os produtos não intumescentes englobam os tratamentos de impregnação (que penetram abaixo da superfície, depositando substâncias que conferem propriedades retardadoras de combustão), e os sistemas de camada de encapsulamento (os quais, revestem a superfície alcançando uma espessura de pelo menos 1 mm). Muito embora a proteção conferida pelos produtos não intumescentes ser, maioritariamente, conseguida por ação química, estes podem também actuar, em parte, por um processo físico (ligeira expansão da película de filme), de acordo com o fenómeno descrito nos produtos intumescentes, ainda que de forma menos significativa. O tratamento das estruturas de madeira antigas com produtos RC pode apresentar dificuldades específicas, na medida em que a presença de degradação biológica, a existência de pinturas que se pretenda manter pelo seu valor histórico ou que sejam de difícil remoção, ou o facto de as estruturas já terem sido objeto de, ou requerem, tratamentos de preservação (curativos ou preventivos) contra fungos e insectos, poderem afetar negativamente a reação ao fogo da madeira e/ou comprometer a eficácia dos tratamentos RC a aplicar [2]. As propriedades de reação ao fogo de produtos de construção são avaliadas com base num conjunto de ensaios normalizados no âmbito do sistema europeu de classificação da reação ao fogo (Euroclasses). 2. INVESTIGAÇÃO 2.1 Pressupostos e objetivos Segundo [3], em Portugal, as estruturas de cobertura correspondem provavelmente à maioria das utilizações estruturais da madeira. Em estruturas de cobertura antigas verifica-se com frequência a degradação da madeira por agentes biológicos, quer por ataque generalizado por
carunchos, quer por ataque pontual por fungos de podridão ou térmitas subterrâneas, em zonas sujeitas a humidificação, nomeadamente sob a influência dos beirados ou de pontos singulares da cobertura. Com o objetivo de reduzir a humidificação de elementos de madeira, prevenir infestações de insectos ou tratar a madeira atacada, muitas estruturas em serviço foram tratadas com produtos diversos, frequentemente de base oleosa. Independentemente da sua maior ou menor eficácia como preservadores à data da sua aplicação, a presença desses produtos pode aumentar a dificuldade de intervenções de manutenção e reabilitação, seja porque, sendo escuros, dificultam a observação da qualidade da madeira e do seu estado de conservação, seja por poderem dificultar a penetração de novo tratamento preservador que se revele necessário, seja ainda por poderem aumentar a reação ao fogo da madeira ou prejudicar o desempenho de eventuais tratamentos RC. Naturalmente que a eventual remoção de anteriores pinturas tem custos, sendo portanto necessário pesar a alternativa de as manter, selecionando para o efeito tratamentos RC que mantenham uma eficácia adequada quando aplicados sobre essas superfícies. Um outro aspeto que se pretendia esclarecer prende-se com a possível influência da degradação superficial por caruncho e da aplicação de produtos preservadores atuais, na reação ao fogo da madeira. No seguimento das considerações anteriores, no contexto da reabilitação do edificado, o objetivo deste trabalho experimental [4] foi comparar o comportamento e a eficácia de diversas pinturas com propriedades retardadoras de combustão para proteção da madeira contra o fogo, especialmente quando aplicadas sobre substratos diferentes dos ideais, isto é, sobre madeira antiga danificada por organismos biológicos (em particular, carunchos pequenos) e/ou submetida a diferentes tratamentos prévios (inseticida corrente, produto oleoso antigo). O estudo da reação ao fogo dos tratamentos RC foi efectuado com base na análise do comportamento de madeira tratada e não tratada submetidas a ensaios de reação ao fogo por exposição a um painel radiante [5]. Os tratamentos RC que revelaram melhor desempenho nesses ensaios foram submetidos a ensaios single burning item (SBI), [6]. Embora o ensaio do SBI seja mais representativo das condições de utilização final de exposição ao fogo dos elementos estruturais de madeira, a abordagem adoptada, com ensaios prévios no painel radiante, permitiu a análise de um conjunto de variáveis mais alargado tendo em consideração o número de provetes ensaiados para cada situação considerada. 2.2 Materiais O programa de ensaios teve em conta diversas condições do substrato frequentemente presentes em intervenções de reabilitação de estruturas de madeira (Quadro 1). Todos os tratamentos foram estudados quando aplicados em madeira de Pinho bravo (Pinus pinaster, Ait). Os provetes de madeira antiga atacada por caruncho utilizados para a aplicação e estudo
dos tratamentos RC foram cortados de peças de madeira provenientes de asnas de uma cobertura e de um soalho antigos. Madeira antiga com ataque por caruncho Madeira nova e sã Quadro 1 Tipo de substratos estudados. Condições do substrato Painel SBI radiante Com produto oleoso na superfície CO X (1) X (1) Após remoção do produto oleoso superficial (limpa) CL X (1) X (2) Após remoção do produto oleoso e com um produto preservador em solvente orgânico (insecticida) CI X (1) - aplicado por pincelagem Sem tratamento preservador (limpa) SL X - Com tratamento preservador em solvente orgânico (insecticida) aplicado por pincelagem SI X - (1) Com madeira resultante das asnas da cobertura antiga. (2) Com madeira resultante do soalho antigo. Os provetes de madeira submetidos ao ensaio por exposição ao painel radiante possuíam as dimensões de 20 mm x 230 mm x 1050 mm (E x L x A) [5 e 7]. Os ensaios do SBI foram realizados sobre provetes constituídos por duas abas retangulares ortogonais de 20 mm x 450 mm x 1200 mm e de 20 mm x 150 mm x 1200 mm, as quais formam um diedro vertical. Os provetes representativos de substratos de madeira antiga atacada por caruncho e tratada superficialmente com produtos oleosos de base orgânica (CO) foram obtidos de peças de asnas antigas. Estes provetes incluíram as faces exteriores dos elementos de madeira da asna, que apresentavam tratamentos superficiais anteriores (produto oleoso de base orgânica). Os provetes CL e CI ensaiados no painel radiante e representativos de substratos de madeira antiga atacada por caruncho foram obtidos de peças das asnas antigas às quais se removeu uma espessura superficial de 20 mm, com o objectivo de retirar a madeira tratada no passado com produtos oleosos de base orgânica. Os provetes representativos de substratos CL que foram submetidos aos ensaios do SBI foram obtidos de peças de um soalho antigo, tendo sido ensaiada a contraface das réguas do soalho, salvaguardando-se a situação de possíveis produtos terem sido aplicados, durante a sua vida útil. Os provetes SL e SI foram produzidos com madeira nova e sã comercializada no mercado português. O teor em água da madeira das asnas da cobertura antiga era de 12,6 ± 0,5 % e de 12,4 ± 1,1 % no caso da madeira do soalho antigo, determinado de acordo com [8]. Estimou-se o teor em água da madeira nova em 12,5 %, uma vez que toda a madeira foi condicionada na mesma sala, durante um longo período de tempo. Os provetes de madeira antiga (CO, CL, CI) foram limpos com recurso a um compressor de ar e os provetes de madeira nova (SL, SI), foram sujeitos a um processo de lixagem [4].
Selecionou-se um produto preservador orgânico (inseticida) corrente, disponível no mercado, que foi aplicado com trincha nos provetes identificados por SI e CI, de acordo com as especificações do fabricante (consumo húmido de 474 g/m 2 em 3 demãos). A seleção dos produtos estudados de tratamento RC para madeira resultou de uma pesquisa de mercado, com o objetivo de garantir o estudo de um grupo de cinco produtos RC, o qual devia incluir produtos incorporados em sistemas de pintura e produtos aplicados isoladamente (Quadro 2). Atendendo ao facto de a terminologia associada aos tratamentos RC não ser uniforme, recorreu-se à ETAG 028 (2009) [1] para definir o tipo de proteção ao fogo conferida. Quadro 2 Tratamentos RC estudados e tipo de proteção ao fogo conferida. Tipo de proteção ao fogo conferida Tratamento RC Segundo o fabricante Segundo a ETAG 028 (2009)[1] P1 Impregnante ignífugo Tratamento de impregnação da superfície Produto P2 Ignífugo Tratamento de impregnação da superfície isolado P3 Intumescente Intumescente P4 Sistema de Intumescente Intumescente P5 pintura Intumescente e ignífugo Intumescente O Quadro 3 apresenta, de forma resumida, o modo de aplicação e os consumos dos produtos correspondentes à execução dos tratamentos RC estudados, bem como o solvente presente em cada um deles, e o respetivo custo por metro quadrado. Todos os produtos foram aplicados à trincha, de acordo com as indicações dos fabricantes, contabilizando-se o seu consumo através da pesagem de cada provete em balança digital (antes e durante a aplicação). Após a aplicação dos tratamentos, os provetes foram armazenados por um período mínimo de 20 dias numa sala ventilada, para garantir a adequada evaporação dos solventes. Quadro 3 Esquema de aplicação, solvente e custo/m 2 dos tratamentos RC estudados. Tratamento RC Primário Nº de demãos Consumo húmido total (g/m 2 ) Solvente Verniz RC Verniz de acabamento Total Primário Verniz RC Verniz de acabamento Total Aquoso Orgânico Custo total ( /m 2 ) P1-1 - 1-725 - 725 X - 2,6 Produto P2-2 - 2-291 - 291 X - 3,5 isolado P3-4 - 4-1072 - 1072 - X 24,9 P4 Sistema de 1 1 1 3 100 300 75 475 X X 8,5 P5 pintura 2 3 1 6 300 750 93 1143 X X 19,9 Antes dos ensaios de reação ao fogo, os provetes tratados não foram condicionados a 23 ºC e 50 % HR [7], dado que estas condições conduziriam a um teor em água da madeira muito inferior ao verificado na prática em coberturas. Por esta razão, pelo reduzido número de provetes ensaiados por cada situação em análise e pelas adaptações necessárias relativas às condições de ensaio os resultados apresentados não devem ser tomados para efeitos de classificação dos produtos ensaiados.
2.3 Ensaios de reação ao fogo Os ensaios de reação ao fogo foram realizados no Laboratório de Ensaios de Reação ao Fogo (LERF) do LNEC e permitiram comparar o desempenho dos tratamentos RC aplicados em substratos com características diferentes de madeira de Pinho bravo (Pinus pinaster, Ait) e o risco para os utentes durante os momentos iniciais da deflagração de um incêndio. O ensaio do painel radiante [5] avalia o fluxo crítico radiante correspondente à extensão máxima da propagação da chama alcançada num provete em ensaio exposto a um fluxo radiante (11 kw/m 2 na seção mais desfavorável). A atenuação luminosa (na conduta de extração) provocada pelos fumos resultantes da combustão ao longo do tempo é também calculada neste ensaio. No ensaio do single burning item (SBI) [6] determinam-se a libertação de calor e a produção de fumo do provete de ensaio exposto à ação direta das chamas e da radiação térmica proveniente do queimador principal. No presente estudo optou-se por reduzir a potência térmica debitada pelo queimador principal de 30 para 11 kw, com o objetivo de impor uma potência média na superfície dos provetes em ensaio diretamente afetada pelo queimador principal da mesma ordem de grandeza que a registada no ensaio do painel radiante. O Quadro 4 esquematiza o conjunto de combinações do substrato/tratamento RC ensaiadas no painel radiante e no SBI, bem como a notação adoptada para cada provete de ensaio. Quadro 4 Combinação de variáveis e respetiva identificação para cada provete. Tipo de Tratamento RC substrato P0 (1) P1 P2 P3 P4 (2) P5 P0 (1) P1 P4 (3) P5 CO COP0 COP1 COP2 COP3 COP4 COP5 COP0 COP1 COP4 COP5 CL CLP0' CLP0'' - - - - - CLP0 CLP1 CLP4 CLP5 CI CIP0 CIP1 CIP2 CIP3 CIP4 CIP5 - - - - SL SLP0' SLP1 SLP2 SLP3 SLP4 SLP5 SLP0'' - - - - SI SIP0 - - - - - - - - - Ensaio do painel radiante Ensaio do SBI (1) Sem a aplicação de qualquer tratamento RC. (2) Sem aplicação do primário. (3) Com aplicação do primário. Os ensaios do painel radiante a que foi submetido o sistema de pintura P4 foram realizados em provetes sem a prévia aplicação de primário. Os resultados obtidos neste ensaio revelaram a vantagem de incluir a aplicação de um primário, o que foi efetuado nos provetes tratados com P4 submetidos aos ensaios do SBI, de acordo com as indicações do respetivo fabricante. Após a realização do ensaio do painel radiante, os provetes ensaiados foram cortados em troços de 10 cm de comprimento e, recorrendo-se ao programa informático Image Tool, determinou-se a área da seção transversal residual dos vários troços, com o objetivo de obter uma ordem de grandeza da seção carbonizada ao longo de cada provete.
3. RESULTADOS E DISCUSSÃO 3.1 Apreciação global do desempenho dos tratamentos RC Os resultados obtidos mostraram que a aplicação dos tratamentos RC estudados reduziu significativamente a reação ao fogo da madeira, pela redução da libertação de calor (Figura 1), da propagação da chama (Figura 2) e da produção de fumo (Figura 3). Taxa de libertação de calor -HRR 30s (kw) 35 30 25 20 15 10 5 0 300 600 900 1200 1500 Tempo (s) CLP0 COP0 0 CLP1 CLP4 CLP5 COP1 COP4 COP5 Sem proteção ao fogo Com proteção ao fogo Figura 1 Ensaio do SBI - Média deslizante da taxa de libertação de calor (kw), (HRR 30s). (A média deslizante foi calculada para cada instante t contabilizando os valores registados no intervalo de tempo compreendido entre t-15 s e t+15 s) Propagação máxima da chama (mm) 800 COP0 600 400 SLP0' SLP0'' SIP0 CLP0' CLP0'' CIP0 SLP2 CIP2 CIP4 COP1 COP2 COP4 200 SLP1 SLP3 SLP4 SLP5 CIP1 CIP3 CIP5 COP3 COP5 0 Sem proteção ao fogo Com proteção ao fogo Figura 2 Ensaio do painel radiante - Propagação máxima da chama (mm). Legenda Madeira nova e sã Limpa (1) Madeira antiga com ataque por caruncho Com inseticida (1) Com produto oleoso (1) No caso de madeira antiga, procedeu-se à remoção do produto oleoso superficial.
80 60 40 20 0 CLP0 Sem proteção ao fogo Produção total de fumo - TSP 600s (m 2 ) COP0 CLP1 CLP4 CLP5 COP1 COP4 Com proteção ao fogo COP5 Legenda Madeira antiga com ataque por caruncho: com produto oleoso Limpa (com remoção do produto oleoso superficial) Figura 3 Ensaio do SBI - Produção total de fumo nos primeiros 600 s de exposição ao queimador principal (m 2 ), (TSP 600s). 3.2 Efeitos das condições do substrato A Figura 2 revela que a presença de degradação por carunchos (CLP0, CLP0 ) revelou tendência para aumentar a reação ao fogo da madeira, embora de forma pouco significativa, possivelmente devido ao aumento da superfície específica da madeira exposta à ação do fogo, quando comparado com os provetes de madeira nova e sã (SLP0, SLP0 ). A presença de tratamentos prévios de base orgânica estimulou o processo de degradação pelo fogo (CIP0, COP0 na Figura 2) e produziu maiores quantidades de fumo (COP0 na Figura 3), reduzindo a potencial eficácia dos tratamentos RC. No entanto, mesmo nestas condições de substrato, a proteção ao fogo é vantajosa. Ainda assim, os resultados sugerem que, no caso da madeira em serviço se encontrar previamente tratada com um produto oleoso, a sua remoção antes da aplicação da proteção retardadora de combustão será, em geral, preferível (Figura 3), mesmo que seja entretanto aplicado um produto inseticida (de base não oleosa) (Figura 2). 3.3 Análise comparativa do desempenho dos tratamentos RC Na Figura 2 observa-se que houve tratamentos RC que se revelaram mais sensíveis às alterações das condições do substrato, já que a eficácia de alguns produtos ou sistemas de pintura ensaiados é seriamente reduzida quando não são aplicados sobre madeira nova e limpa (P4, por exemplo). O Quadro 5 evidencia que os tratamentos RC que apresentaram melhor reação ao fogo foram aqueles que resultaram de soluções que incluíram a aplicação de primário, subcapa com propriedades RC e camada de acabamento (P5, por exemplo). Verificou-se que foram estes que conseguiram proteger a madeira da ação do fogo de forma mais independente das condições do substrato, uma vez que as várias camadas parecem ter modos diferentes de atuação.
Por outro lado, os tratamentos intumescentes, além de requererem mais tempo de mão-de-obra, parecem implicar maiores consumos húmidos, aliados a maiores custos por superfície protegida (Quadro 3). No entanto, salienta-se que um dos tratamentos de impregnação da superfície estudado (P1), com um custo de produto consumido de cerca de 1/10 do sistema de pintura P5, apresentou um bom desempenho global (Quadro 5). Quadro 5 Ranking dos tratamentos RC em função das condições do substrato. Parâmetros de ensaio (por ordem crescente de) Condições do substrato Propagação máxima da chama Produção total de fumo Libertação total de calor Madeira nova e sã P4 (1) <P1<P3<P5<P2 P4 (1) <P1<P5<P2<P3 - Remoção produto oleoso superficial - P5<P4 (2) <P1 P5<P1<P4 (2) Remoção produto oleoso P5<P3<P1<P2<P4 (1) P1<P5<P2<P3<P4 (1) superficial + inseticida - Com produto oleoso na P5<P3<P1<P4 (1) P1<P5<P4 (1) <P2<P3 <P2 P5<P1<P4 (2) superfície P5<P1<P4 (2) Madeira antiga (1) Sem aplicação do primário. (2) Com aplicação do primário. A análise do Quadro 5 permite verificar que os tratamentos que preveem a aplicação de um primário (P4, por exemplo), a sua não aplicação pode reduzir significativamente a eficácia do tratamento RC, possivelmente devido ao facto de a inexistência de primário permitir a absorção de maiores quantidades de produto pelo suporte de madeira a tratar, resultando numa camada intumescente com menor espessura. A Figura 4 indica que os tratamentos intumescentes (P3, P4, P5) apresentaram maior capacidade de proteção da madeira relativamente à perda de seção por carbonização. Assim, nas situações em que se pretende garantir um adequado isolamento térmico da madeira no interior das seções estruturais, será preferível optar por tratamentos RC com propriedades intumescentes, face aos tratamentos de impregnação da superfície (P2). Seção residual (%) 100 90 80 70 60 50 40 30 20 10 0 0 10 20 30 40 50 Posição (cm) SLP2 SLP3 SLP4 SLP5 CIP2 CIP3 CIP4 CIP5 COP2 COP3 COP4 COP5 Figura 4 Seções residuais normalizadas (em % da seção inicial) dos provetes ensaiados no painel radiante.
4. CONCLUSÃO As conclusões apresentadas são válidas para as condições de ensaio preconizadas e para os tratamentos ensaiados, devendo haver cautela na sua extrapolação. Em todo o caso, salienta-se a consistência dos resultados obtidos respeitantes à influência dos diversos parâmetros analisados, observado tanto no ensaio do painel radiante como no do SBI, para as situações ensaiadas em ambos (presença do produto oleoso na superfície e proteção com os tratamentos P1 e P5); bem como pelo ranking dos tratamentos RC ensaiados, semelhante nos dois ensaios de reação ao fogo. Os resultados obtidos confirmam a necessidade de proceder ao prévio levantamento das condições em que se encontram as peças de madeira de estruturas antigas antes de as proteger face à ação do fogo com tratamentos RC. No âmbito deste levantamento deverão ponderar-se as eventuais vantagens de remover tratamentos por pintura existentes ou a necessidade de realizar testes de compatibilidade/eficácia de diferentes tratamentos RC em face das condições em que se encontrem as peças de madeira a tratar. Ressalta do estudo realizado que a seleção do tratamento RC e do seu processo de aplicação deve ter em atenção as condições prévias do substrato. Na realidade, a eficácia de alguns dos tratamentos ensaiados foi seriamente reduzida quando foram aplicados sobre madeira que não se encontrava sã e limpa. Outros revelaram-se menos sensíveis às condições prévias do substrato, podendo estes últimos constituírem-se alternativa interessante quando a manutenção das superfícies antigas e/ou a necessidade de tratamento preservador da madeira são incontornáveis. Parece também ser prudente optar, tanto quanto possível, por tratamentos RC constituídos por várias camadas, em que cada uma apresenta um modo de atuação específico. REFERÊNCIAS [1] EUROPEAN ORGANISATION FOR TECHNICAL APPROVALS (EOTA) - Guideline for european technical approval of fire retardant products, Brussels: EOTA, 2009, ETAG 028. [2] Cruz H., Pina dos Santos C. A. Proteção ao Fogo de Estruturas de Madeira, Construção Magazine, nº. 51, 2012, p. 36-37. [3] Cruz, H. - Inspecção e Monitorização de Estruturas de Madeira, Seminário - Coberturas em Madeira, Guimarães, 2012, p. 43-54. [4] Laranjeira, J.P.S. - Reacção ao Fogo de Madeira Antiga Protegida com Revestimentos Retardadores de Combustão, Dissertação para a obtenção do Grau de Mestre em Engenharia Civil, Instituto Superior Técnico, Lisboa, 2012, 128 p. [5] COMITÉ EUROPÉEN DE NORMALISATION (CEN) - Reaction to fire tests for floorings - Part 1: Determination of the burning behaviour using a radiant heat source (ISO 9239-1:2010), Brussels: CEN, 2010, EN ISO 9239-1. [6] CEN - Reaction to fire tests for building products - Building products excluding floorings exposed to the thermal attack by a single burning item, Brussels: CEN, 2010, EN 13823. [7] CEN - Reaction to fire tests for building products - Conditioning procedures and general rules for selection of substrates, Brussels: CEN, 2010, EN 13238. [8] IPQ - Madeiras - Determinação do teor em água, Lisboa: IPQ, 1973, NP 614.