EFEITO DA EXPOSIÇÃO DA MADEIRA DE PUPUNHA A ÁGUA E A PRODUTOS QUÍMICOS: ANÁLISE TERMO- MECÂNICA Ana L. F. S. d Almeida 1, José R. M. d Almeida 2 * 1 Departamento de Engenharia Civil, Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ, Rio de Janeiro - RJ 2 Departamento de Ciência dos Materiais e Metalurgia, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro Rio de Janeiro - RJ dalmeida@puc-rio.br Um material semelhante à madeira, foi extraído do pseudo-caule da palmeira de pupunha (Bactris gasipaes). Esse material foi caracterizado por ensaios termo-dinâmicos mecânicos. Foram analisadas amostras longitudinais e transversais. Amostras longitudinais foram envelhecidas por imersão em água, álcool e óleo de peroba. Os resultados mostram que o material tem um comportamento não isotrópico, tendo um módulo de armazenamento maior para as amostras longitudinais. Uma recuperação do módulo de armazenamento em alta temperatura foi atribuída à remoção de compostos de baixo molecular e/ou amorfos, sem que a integridade do material seja afetada. O envelhecimento em todos os meios reduziu o módulo de armazenamento na região abaixo de Tg, mas não afetou a recuperação do módulo em alta temperatura. Palavras-chave: pupunha, análise térmica, envelhecimento, microestrutura. Effect of the exposure of pupunha wood to water and chemical products: Thermal-mechanical analysis. A wood-like material was extracted from the pseudo-stem of pupunha palm (Bactris gasipaes). This material was characterized by thermal dynamic mechanical tests. Longitudinal and transversal specimens were tested on the asreceived condition. Longitudinal specimens were also aged by immersion in water, alcohol and peroba oil. The results show that the material is not isotropic, having a storage modulus higher for the longitudinal samples. The observed high temperature recovery of the storage modulus was attributed to the loss of low molecular weight and/or amorphous compounds, without interfering with the integrity of the material. Aging at all the media reduced the storage modulus at the temperature region below Tg, but did not affect the storage modulus recovery at higher temperatures. Keywords: pupunha, thermal analysis, aging, microstructure. Introdução O emprego de materiais lignocelulósicos vem aumentando continuamente nas últimas décadas, devido às pressões da sociedade para uma maior preservação do meio ambiente e para o emprego de materiais obtidos de fontes renováveis. Assim, fibras lignocelulósicas vêm substituindo fibras de vidro em diversas aplicações não estruturais em compósitos de matriz polimérica na indústria automobilística [1]. Além do fato de serem biodegradáveis e provirem de um recurso natural renovável, essas fibras apresentam como vantagens serem neutras em relação à emissão de CO 2 [2] e terem um consumo energético para sua produção muito menor do que as fibras de vidro [3,4]. O uso de materiais lignocelulósicos estruturais, tais como o bambu, vem sendo também crescente. De fato, o bambu é usado a milênios em países asiáticos, mas só recentemente ganhou atenção nos países industrializados ocidentais. Atualmente, tem-se, ainda, procurado agregar valor também a materiais com propriedades semelhantes às de madeiras, extraídos do pseudo-caule de palmeiras, tais como do coqueiro [5]. Com esse objetivo, trabalhos de caracterização microestrutural
e de determinação das propriedades mecânicas têm sido realizados no pseudo-caule da palmeira da pupunha (Bactris gasipaes) [6-8]. Esses trabalhos mostraram que esse material tem resistência mecânica à flexão semelhante à de madeiras nobres, como o jatobá (Hymenaea courbaril), bem como apresenta uma alta resistência à abrasão [8]. Assim sendo, recobrimento de pisos ou fabricação de móveis e divisórias são aplicações possíveis para esse material. Nessas aplicações pode-se antecipar o contato da pupunha com água e outros produtos químicos usados em limpeza de interiores. Logo, nesse trabalho, foi feita uma avaliação dos efeitos da água, álcool e óleo de peroba sobre as propriedades térmicas e mecânicas da madeira extraída do pseudo-caule da pupunha. Experimental Conforme mostrado na Figura 1, o pseudo-caule da pupunha apresenta uma estrutura fibrilar alinhada ao longo do seu comprimento [7]. Pode-se esperar que um material com essa estrutura, que é semelhante à de um compósito com fibras alinhadas unidirecionalmente, tenha propriedades não isotrópicas. Assim sendo, foram usinados corpos de prova longitudinais (L) e transversais (T) à estrutura fibrosa. As dimensões médias dos corpos de prova foram 20 mm de comprimento, 6,35 mm de largura e 2,97 mm de espessura. Figura 1 Seção transversal do pseudo-caule da pupunha, mostrando a estrutura fibrosa da parte externa, da qual pode se extrair um material semelhante a madeira [6]. Os corpos de prova foram ensaiados em um analisador termo-dinâmico mecânico (DMTA) da Perkin-Elmer, modelo DMA7, empregando-se o dispositivo de ensaio de flexão em três pontos com vão de 15 mm.. Os parâmetros de ensaio usados foram os seguintes: faixa de aquecimento de 0 a 380ºC, força estática de 1100 mn, força dinâmica de 1000 mn e taxa de aquecimento de 3ºC/min. A precisão do equipamento é de 0,01ºC. Foram ensaiados corpos de prova na condição de como recebidos (L e T) e envelhecidos (L) por imersão em água destilada, álcool gel e óleo de peroba. Embora em um emprego real o material
não deva estar em imersão em nenhum desses meios, o envelhecimento por imersão serve para acelerar o processo de absorção e o possível processo de degradação do material. O álcool gel e o óleo de peroba foram usados, como recebidos, sem qualquer purificação adicional. Nesse trabalho estão apresentados os resultados de imersão de 1 mês; tempo esse bem superior ao recomendado pela norma ANSI A208.1 para verificar o efeito do inchamento/dano causado em produtos de madeira devido à imersão em água. Resultados e Discussão A Figura 2 mostra a variação do módulo de armazenamento (E ) para os corpos de prova longitudinais (L) e transversais (T) do material como recebido. Pode-se observar a grande diferença de comportamento, o que mostra a anisotropia de propriedades, conforme podia ser previsto pelo alinhamento da estrutura fibrosa da pupunha. Os resultados mostram também que o módulo de armazenamento dos corpos de prova longitudinais é bem maior que o dos corpos de prova transversais, o que mostra o efeito reforçador da estrutura fibrosa. De fato, o efeito da direção de teste sobre o módulo de armazenamento de madeiras já havia sido observado [9]. 3.00E+009 Pupunha Longitudinal Pupunha Transversal Módulo de Armazenamento (E`) (Pa) 2.50E+009 2.00E+009 1.50E+009 1.00E+009 5.00E+008 0.00E+000 0 50 100 150 200 250 300 350 Figura 2 Comparação do módulo de armazenamento (E ) dos corpos de prova longitudinais e transversais da pupunha. Como recebido. Na Figura 2 pode-se observar ainda um efeito de recuperação elástica em altas temperaturas para os corpos de prova longitudinais. Esse comportamento não está totalmente entendido, mas é possível que retrate a perda de compostos de baixo peso molecular e/ou amorfos, tal como a hemicelulose [6]. Assim, com a perda desses compostos, uma estrutura mais rígida estaria sendo ensaiada e há um aumento da resposta elástica (E ) do material. A queda posterior em temperatura
próxima a 300ºC retrata o início do processo de degradação da celulose. De fato, há uma queda brusca do módulo de perda (E ) acima de 250ºC, indicando uma mudança do comportamento viscoelástico do material, Figura 3a. Na Figura 3b está mostrado o comportamento da tanδ para as amostras longitudinais e transversais. O resultado mostra a presença de duas regiões de amortecimento em altas temperaturas, que podem estar ligadas a temperatura de transição vítrea da estrutura original e a transição vítrea da estrutura final, após a volatilização dos compostos de baixo peso molecular e/ou de menor estabilidade térmica [6]. 3.00E+008 Pupunha Longitudinal Bruta Pupunha Transversal Bruta 0.35 0.30 Pupunha Longitudinal Bruta Pupunha transversal Bruta Módulo de Perda (E``) (Pa) 2.50E+008 2.00E+008 1.50E+008 1.00E+008 5.00E+007 Tan delta 0.25 0.20 0.15 0.10 0.05 0.00E+000 0 50 100 150 200 250 300 350 0.00 0 50 100 150 200 250 300 350 400 Figura 3 a) Variação do módulo de perda; b) Tanδ. Os resultados do envelhecimento sobre o módulo de armazenamento (E ) das amostras longitudinais estão mostrados na Figura 4. Pode-se ver que, para baixas temperaturas, houve uma redução de E para todos os envelhecimentos feitos. Para a água um efeito de plastificação, com a conseqüente redução do módulo elástico era esperado. O comportamento observado indica, entretanto, que tanto o álcool quanto o óleo de peroba também provocaram uma pequena redução em E. Entretanto, o comportamento qualitativo de todas as amostras foi semelhante, mostrando a recuperação elástica em alta temperatura. Assim sendo, fica evidente que essa recuperação é uma característica intrínseca a estrutura da pupunha, devendo realmente estar associada a eliminação de compostos amorfos e de baixa rigidez. Conclusões Os resultados experimentais obtidos indicam que a madeira de pupunha tem um comportamento não isotrópico, com maiores propriedades na direção longitudinal, ao longo do eixo do tronco da palmeira, e propriedades menores transversalmente ao tronco. Esse comportamento está diretamente associado à presença de uma estrutura fibrilar alinhada longitudinalmente ao tronco.
Módulo de Armazenamento (E`) (Pa) 3.00E+009 2.50E+009 2.00E+009 1.50E+009 1.00E+009 5.00E+008 0.00E+000 0 50 100 150 200 250 300 350 400 Pupunha_Água Pupunha_Peroba Pupunha_Álcool Pupunha_Bruta Figura 4 Variação de E em função do meio de envelhecimento. A variação do módulo de armazenamento com a temperatura apresenta uma recuperação em alta temperatura, que foi atribuída à remoção de compostos de baixo peso molecular e/ou materiais amorfos de baixa temperatura de degradação sem que haja, entretanto, uma degradação estrutural do material. O envelhecimento em água, álcool ou óleo de peroba causou uma redução do módulo de armazenamento, mas não afetou também a estrutura do material, conforme observado pela presença da recuperação elástica de alta temperatura. Agradecimentos Os autores agradecem ao CNPq pelo apoio financeiro. Referências Bibliográficas 1. T. G. Schuh in http://www.ienica.net/fibresseminar/schuh.pdf. (acessado em 17/05/2009). 2. A. K. Mohanty; M. Misra; L. T. Drzal J. Polym. Environ. 2002, 10, 19. 3. P. Wambua; J. Ivens; I. Verpoest Comp. Sci. Technol. 2003, 63, 1259. 4. K. John; S. V. Naidu J. Reinf. Plast. Comp. 2004, 23, 1815. 5. T. K. G. Ranasinghe in Modern Coconut Management: palm cultivation and products, J. G. Ohler, Ed.; FAO, Rome, 1999; Part IV, Cap.16. 6. A. L. F. S. d Almeida; J. R. M. d Almeida; B. Temer in Anais do 4 th International Conference on Science and Technology of Composite Materials, Rio de Janeiro, 2007, CD-Rom, 131.
7. R. S. Bacellar; J. R. M. d Almeida in Anais do 18º Congresso Brasileiro de Engenharia e Ciência dos Materiais, Porto de Galinhas PE, 2008, CD-Rom, 202. 8. R. S. Bacellar; J. R. M. d Almeida Chem. Eng. Trans., 2009, 17, 1771. 9. A. C. Backman; K. A. H. Lindberg J. Mater. Sci., 2001, 36, 3777.