A TERCEIRA MARGEM DO RIO

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Transcrição:

QUESTÃO 1 A Hora de alimentar serpentes não é apenas o título de um dos contos que o compõem o livro de Marina Colasanti, mas a revelação da metáfora que pode ter gerado o livro. A opção que melhor esclarece tal metáfora é (A) a hora de alimentar serpentes, animal símbolo do pecado, da traição, que se alimenta apenas do que é vivo é, portanto, também a hora da morte. (B) a hora de alimentar serpentes é uma coleção de pequenas e grandes ironias da vida, alteradas com o objetivo de retratar o senso comum. (C) a hora de alimentar serpentes revela a desautomatização do pensamento, adicionando elementos esperados e bastante comuns às histórias que todos já ouvimos. (D) a hora de alimentar serpentes representa a unidade e coerência características do pensamento do homem contemporâneo. PORTO E o navio fantasma atracou na terceira margem do rio. A TERCEIRA MARGEM DO RIO Nosso pai era homem cumpridor, ordeiro, positivo; e sido assim desde mocinho e menino, pelo que testemunharam as diversas pessoas sensatas, quando indaguei a informação. Do que eu mesmo me alembro, ele não figurava mais estúrdio nem mais triste do que os outros, conhecidos nossos. Só quieto. Nossa mãe era quem regia, e que ralhava no diário com a gente - minha irmã, meu irmão e eu. Mas se deu que, certo dia, nosso pai mandou fazer para si uma canoa. Era a sério. Encomendou a canoa especial, de pau de vinhático, pequena, mal com a tabuinha da popa, como para caber justo o remador. Mas teve de ser toda fabricada, escolhida forte e arquejada em rijo, própria para dever durar na água por uns vinte ou trinta anos. Nossa mãe jurou muito contra a ideia. Seria que, ele, que nessas artes não vadiava, se ia propor agora para pescarias e caçadas? Nosso pai nada não dizia. Nossa casa, no tempo, ainda era mais próxima do rio, obra de nem quarto de légua: o rio por aí se estendendo grande, fundo, calado que sempre. Largo, de não se poder ver a forma da outra beira. E esquecer não posso, do dia em que a canoa ficou pronta. Sem alegria nem cuidado, nosso pai encalcou o chapéu e decidiu um adeus para a gente. Nem falou outras palavras, não pegou matula e trouxa, não fez nenhuma recomendação. Nossa mãe, a gente achou que ela ia esbravejar, mas persistiu somente alva de pálida, mascou o beiço e bramou: - "Cê vai, ocê fique, você nunca volte!" Nosso pai suspendeu a resposta. Espiou manso para mim, me acenando de vir também, por uns passos. Temi a ira de nossa mãe, mas obedeci, de vez de jeito. O rumo daquilo me animava, chega que um propósito perguntei: - "Pai, o senhor me leva junto, nessa sua canoa?" Ele só retornou o olhar em mim, e me botou a bênção, com gesto me mandando para trás. Fiz que vim, mas ainda virei, na grota do mato, para saber. Nosso pai entrou na canoa e desamarrou, pelo remar. E a canoa saiu se indo - a sombra dela por igual, feito um jacaré, comprida longa. Nosso pai não voltou. Ele não tinha ido a nenhuma parte. Só executava a invenção de se permanecer naqueles espaços do rio, de meio a meio, sempre dentro da canoa, para dela não saltar, nunca mais. [...] GUIMARÃES ROSA, João. Primeiras estórias. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2001. p. 79-80. arqueado: com forma de arco, curvado

bramar: falar colericamente, enfurecer-se encalcar: apertar, comprimir estúrdio: estranho, esquisito grota: cavidade próxima à margem de um rio matula: comida, provisões para viagem popa: parte posterior de uma embarcação rijo: rígido, duro vinhático: espécie de árvore de excelente madeira de cor amarela QUESTÃO 2 O miniconto de Marina Colasanti faz referências explícitas ao conto de Guimarães Rosa. Essa estratégia presente em diversos outros momentos do livro configura um recurso da linguagem conhecido como: (A) ironia (B) designação (C) verossimilhança (D) intertextualidade QUESTÃO 3 Segundo o Dicionário de símbolos, de Jean Chevalier e Alan Gheerbrant, "o simbolismo do rio e do fluir de suas águas é, ao mesmo tempo, o da possibilidade universal e o da fluidez das formas, o da fertilidade, da morte e da renovação." A partir dessa simbologia, tendo em vista a leitura de Hora de alimentar serpentes e o fragmento de Guimarães Rosa, é possível afirmar que o rio (A) é uma metáfora dos desejos do ser humano. (B) seria um elemento que mostra a harmonia da sua vida. (C) pode revelar a necessidade de manutenção de suas raízes. (D) representa o desprezo do ser humano pela vida. EM ALGUM PONTO Tinha os mapas. Não seria difícil encontrar o não lugar. Bastava evitar aqueles consignados nas cartas, e todos os outros, tão pequenos e insignificantes que sequer constavam delas. Em algum ponto, entre o que não existe e o que é, utopia o aguardava. Jogou a bússola ao mar, e fez-se ao largo. QUESTÃO 4 Em relação ao período: Bastava evitar aqueles consignados nas cartas, e todos os outros, tão pequenos e insignificantes que sequer constavam delas. É correto afirmar que o mesmo estabelece com o período anterior uma relação de (A) causa (B) conclusão (C) condição (D) comparação

QUESTÃO 5 A propósito de Em algum ponto, pode-se afirmar que (A) fornece as coordenadas geográficas para a localização da utopia. (B) elabora uma explicação objetiva para a palavra utopia. (C) sugere que a utopia não leva a lugar algum. (D) reforça o caráter irrealizável da utopia. A TEMPO E HORA De alto a baixo nas paredes da relojoaria, relógios. E cada um marca hora diferente. Assim prefere o velho relojoeiro. Para ele que vê o mundo de duas maneiras ao mesmo tempo uma com o olho atacado pela catarata, outra com o olho agigantado pela lupa a unicidade é inviável. Das horas, escolhe a que mais lhe convém. QUESTÃO 6 O trecho destacado por travessões em Para ele que vê o mundo de duas maneiras ao mesmo tempo uma com o olho atacado pela catarata, outra com o olho agigantado pela lupa a unicidade é inviável., explicita a seguinte relação de sentido: (A) enumeração (B) generalização (C) exemplificação (D) particularização QUESTÃO 7 A vírgula usada no primeiro período do miniconto (De alto a baixo nas paredes da relojoaria, relógios.) serve para destacar a omissão de um termo que pode ser facilmente identificado. Tal omissão configura uma figura de linguagem conhecida como (A) metáfora (B) elipse (C) hipérbato (D) eufemismo NA MEDIDA Tinha só meia sombra. Nenhum espanto. Era apenas meio homem. QUESTÃO 8 O conto Na medida é estruturado a partir de frases curtas, que convidam o leitor a interagir com o texto, suprindo mentalmente lacunas deixadas, demarcadas pela

pontuação. No lugar do primeiro e do segundo pontos, mantendo a relação lógica entre os segmentos frasais, o leitor poderia inserir as seguintes conjunções: (A) embora; pois (B) porque; porém (C) no entanto; já que (D) mas; por conseguinte QUESTÃO 9 Ao usar a palavra só, no início do texto Na medida (Tinha só meia sombra.), a autora destaca, com esse procedimento: (A) A sensação de incompletude do personagem, que se confirma pelo espanto que ele sente. (B) A oposição entre só e apenas, que acionam valores semânticos distintos. (C) O contraponto de meia com inteira, que mentalmente o leitor é levado a construir. (D) A contradição entre meia sombra e meio homem, produzindo um paradoxo. POR AQUELA Apaixonou-se por aquela mulher. Por aquela, como nunca pelas outras. Juntou então suas lembranças, deixou todo o resto para trás, e mudou-se para dentro dela. QUESTÃO 10 A paixão por aquela mulher e seu efeito na vida do personagem funciona como um divisor de águas, delimitando campos diferentes da experiência. Considerando a seleção vocabular praticada no trecho, é correto afirmar que (A) ao usar outras para se referir às experiências amorosas anteriores, o narrador delimita o que está sendo vivido e o que ainda será vivido pelo personagem. (B) o vocábulo resto se reporta ao que não ficou registrado para o personagem como lembrança e que, portanto, será deixado para trás. (C) a palavra nunca indica que a paixão é totalmente nova na vida do personagem, delimitando um tempo de presença e um tempo de ausência. (D) o verbo mudou-se destaca uma ação voluntária de movimentação geográfica e afetiva do personagem do seu interior (espaço dentro) para aquela mulher (espaço fora).

AGONIA DE UM FILÓSOFO Consulto o Phtah-Hotep. Leio o obsoleto Rig-Veda. E, ante obras tais, me não consolo... O Inconsciente me assombra e eu nele rolo Com a eólica fúria do harmatã inquieto! Assisto agora à morte de um inseto...! Ah! todos os fenômenos do solo Parecem realizar de pólo a pólo O ideal de Anaximandro de Mileto! No hierático areópago* heterogêneo Das ideias, percorro como um gênio Desde a alma de Haeckel à alma cenobial!... Rasgo dos mundos o velário espesso; E em tudo, igual a Goethe, reconheço O império da substância universal! Augusto dos Anjos Harmatã Vento frio e extremamente seco que se forma sobre o Saara, e sopra na direção oeste ou sul para a costa africana. Hierático relativo às coisas sagradas ou religiosas.2.pertencente aos sacerdotes ou que tem as formas de uma tradição litúrgica. Cenobial Relativo a cenóbio (colônia de organismos unicelulares - algas ou bactérias -, de forma constante, com número definido de indivíduos, que constitui um todo funcional.) DA MESMA MATÉRIA Somos feitos da mesma matéria que as estrelas, pensou denso, repetindo a frase que havia lido no jornal. Estava à janela. Abaixo, a fila de carros fluía compacta e lenta, luzes vermelhas atrás de luzes vermelhas em ligeiro tremor, sem intervalos. Pedestres iam se juntando na calçada à espera do sinal verde, quando então atravessariam todos juntos e apressados, infiltrando-se e esquivando-se do grupo que vinha com pressa do outro lado. Na calçada um novo grupo à espera logo se formaria. E as luzes vermelhas ali, desfilando como se intermináveis. Olhou para o alto. Nenhum cintilar se via. Nuvens e a luminosidade da cidade toldavam as estrelas. Mas ele as sabia lá, claras e palpitantes, tantas, e tão distantes que o olhar mergulharia naquele sem-fim indo de uma a outra, de uma a outra, buscando as mais distantes sem jamais poder alcançá-las. Entre elas, tempo e silêncio eram uma única coisa em suspensão. Onde, pensou doído, onde foi que nos separamos? QUESTÃO 11 Entre o poema de Augusto dos Anjos, autor do pré-modernismo brasileiro, e o conto de Marina Colasanti podem ser observados elementos de aproximação e de afastamento envolvendo linguagem e temática. Tal relação está corretamente apresentada em: (A) Os textos se aproximam pelo nível de linguagem, bastante formal em ambos, e se afastam pela temática. (B) O texto de Augusto dos Anjos apresenta linguagem rebuscada, enquanto o de Colasanti se aproxima de um uso mais padrão; em ambos a temática é a mesma: o questionamento sobre a unidade entre os seres.

(C) Augusto dos Anjos usa uma linguagem coloquial, enquanto Marina Colasanti usa uma linguagem arcaica. Tematicamente, os textos não têm qualquer relação. (D) Ambos os textos abordam a existência de uma substância universal que comporia todos os seres, mas Augusto dos Anjos usa linguagem vulgar, enquanto Marina Colasanti usa linguagem coloquial. QUESTÃO 12 Em Hora de alimentar serpentes, Marina Colasanti coloca em movimento suas próprias experiências culturais, fazendo alusões a obras e artistas que influenciaram sua visão de mundo. Em No bar do Phillies, por exemplo, a autora reconstrói com palavras uma tela de Edward Hooper. NO BAR DO PHILLIES Nighthawks ( Aves da noite ). Edward Hooper. 1942 É noite adiantada, e não faz frio. Um homem sai de um edifício, caminha pela calçada, cruza uma e outra rua, e numa esquina para. Chegou ao bar, entra. O mesmo homem está agora sentado ao balcão. Não tirou o chapéu. Bebe. Veio em busca de sons e presenças, para quebrar a solidão da sua própria casa. É tarde, porém, o bar, como as ruas, está quase vazio. Assim mesmo ele fica, protegido pelas paredes de vidro como se num aquário. E, por baixo da aba do chapéu, olha. Olha o casal que divide com ele o balcão. Tomaram café, as xícaras estão vazias à sua frente. E não se falam. Encostados quase, lado a lado, o vestido dela vermelho como uma plumagem, sorvem o silêncio. Não é uma briga nem um fastio. É uma ausência. Falta a ambos o desejo de falar. E de se ouvir. O homem poderia ir embora, ninguém entra naquele bar, ninguém passa naquela rua. Mas ali são três, embora calados. E no bar, pensa o homem, não corre o perigo de estender a mão e apagar a luz. O diálogo entre a história de Marina Colasanti e a tela do artista norte-americano Edward Hooper aponta para (A) o caráter interacional e coletivo da vida nas grandes cidades. (B) a crítica ao consumismo e aos hábitos noturnos nos centros urbanos. (C) a tendência da vida moderna em compreender a solidão com algo positivo. (D) o confinamento e o isolamento impostos ao homem pela vida moderna.