Verónica M. Delgado: «O reintegracionismo foi quem de construir um nicho de mercado para os pequenos projetos de edição independente»

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Transcrição:

Verónica M. Delgado: «O reintegracionismo foi quem de construir um nicho de mercado para os pequenos projetos de edição independente» «Creio que devo começar um tempo de descanso, de silêncio. Acho que escreverei sempre do que me despraz, do que me dói, continuarei a denunciar as situações injustas, também do gozo, das minhas pequenas coisas, mas nem sei se continuarei a publicar» Por PGL a 8 de julho de 2015 Ode à Madison Ivy e outras coisas de meter (2014, A. C. Caldeirón) é a mais recente obra individual da escritora Verónica Martínez Delgado. Um ano antes, esta obra lograra uma menção no certame de poesia erótica Ilhas Sissargas, prémio que venceria já em 2014 junto Alberte Momám. Com uma prolífica obra às costas, tanto individual quanto coletiva, a autora anuncia nesta entrevista a necessidade de tomar um tempo «de descanso, de silêncio», para poder dar saída a projetos profissionais que estiveram «parados durante muito tempo». Nesta alargada entrevista conversámos com Martínez Delgado sobre a Ode à Madison Ivy e também acerca das chaves da sua produção poética, o encaixe do sexo na literatura atual ou a questão da língua e a censura, entre outras questões. * * * Obra individual, mas também muita obra coletiva. Com observas a participação em obras coletivas? É apenas contextual ou também é uma necessidade de pertencer a um grupo, geração? As gerações são um invento para simplificar até ao extremo o que não pode e não deve ser simples. Embora a vida humana não possa ser resumida com um recurso tão pobre, é bem certo que, durante a existência duma pessoa, os relacionamentos que se vão produzindo são muito importantes. É esse um Verónica M. Delgado Foto: A. Momám motivo das obras coletivas, deixarem pegada desses relacionamentos. Foram esses grupos de amigas e de amigos, de colegas, que propiciaram a minha participação nestas pequenas obras coletivas. Por outra parte, os grupos são importantes para aumentar a dimensão do trabalho criativo, num processo de criação coletiva. A obra individual vê-se em muitas ocasiões inserida num contexto, a recriação dum ambiente concreto enquanto se mexe com a obra parcial de outras autoras. Finalmente são pequenos testemunhos dum momento concreto, pequenas pegadas.

A tua produção literária é essencialmente poética, até quando te debruças no género narrativo. É uma escolha consciente? Deve-se ao quê? Há anos experimentei o género narrativo, entendo que como procura dum caminho próprio. Hoje, depois de anos, optei pela poesia de jeito exclusivo porque permite avançar na expressão breve e direta; não tenho paciência, e acho que tampouco capacidades, para o romance. Mesmo assim fiz e faço pequenas incursões no ensaio: crítica literária, de filmes, artística Em muitas das tuas obras há profusão de detalhes, um esforço na descrição. Quanto há de tempo passado e quanto de tempo presente? Gosto dos detalhes, eles são importantes, deve ser também a deformação profissional, estudei História da Arte e nessa disciplina as descrições e os detalhes são que fazem a diferença. Lamentavelmente, o passado e o presente misturam-se na minha obra. O que foi passado faz parte da atualidade. Sou o que sou pelo que vivi também e gosto de lembrá-lo, de denunciá-lo. Converte-se numa necessidade descrever tudo o que está muito presente nos meus livros, seja passado já, superado ou não, seja ainda presente, por uma parte como jeito de me mostrar ao mundo tal como sou, mas também para denunciar o que acontece nesta sociedade hipócrita, sobretudo no que diz respeito à mulher. A tua última obra publicada, Ode à Madison Ivy, foi apresentada primeiro ao prémio Ilhas Sissargas de poesia erótica. Um certame, aliás, único da Galiza neste género. A que achas que é devido este facto? A obra Madison foi escrita para esse prémio, que acho não tem o reconhecimento que outros têm. Isto é devido, em minha opinião, a que é muito específico e a que defende a postura de rachar as inibições e os tabus mais recalcitrantes. Para uma poesia bem comportada, como é na sua maioria a criação poética, é muito complexo falar abertamente de questões ainda em interdito. Mas também porque poucas pessoas querem ser incluídas num género como o erótico, tão fora das redes comerciais habituais. A mim colocaram-me a etiqueta de «poeta erótica» bem cedo, apenas porque descrevo o sexo e o erotismo como mais uma parte da vida, se calhar uma parte bem importante. Como definirias este tipo de poesia? Poesia pornográfica, poesia erótica, poesia socialmente Capa de Ode à Madison Ivy e outras coisas de meter crítica sob formas eróticas ou pornográficas, intimismo em estado puro? A poesia, fora doutras considerações estéticas ou formais, ou é sincera ou não é, segundo o meu critério. O primeiro a tratar deveria ser por que falar abertamente do sexo e da pornografia, ou mesmo do que é a pornografia? Também se é uma forma de expressão habitual, ou não tanto, por que não incluí-la com normalidade dentro duma descrição das relações quotidianas? Qual é o medo real? Qual é o medo real da sociedade no seu conjunto? Não gosto das etiquetas, poderia ser todo o que me perguntas em simultâneo, depende só da mirada que a olhe. No teu caso, poesia feita por mulheres, poesia feminista ou simplesmente poesia numa sociedade que discrimina polo género, pola idade, pola língua, pola cor da pele, pola ortografia, polo capital económico? Sou o que sou pelo que vivi também e gosto de lembrá-lo, de denunciá-lo

Não existe uma ideologia única na qual incluir todo o feminismo, igualmente não existe uma única mulher a escrever poesia, nem uma ideia única que inclua o pensamento de todas as mulheres. O que eu faço é poesia que fala dum contexto, dum tempo e dum lugar, em que o pensamento livre está a ser absolutamente aniquilado. Esse tempo e esse lugar em que o cristianismo pósfranquista continua a ser uma máxima inquestionável dentro da sociedade. A poesia deve fazer pequenos buracos para abrir um pouco de luz. Como mulher, o padecimento pessoal é enorme e, consequentemente, deve ser manifestado de forma contundente. Voltando sobre o livro, um aspeto recorrente é a aparente contradição entre o consumo de pornografia e a condição de feminista. Como achas que seria possível anular essa contradição aparente? O verdadeiro problema da pornografia de consumo, além de questões estéticas, é a dominação que provém duma mentalidade patriarcal. O mercado da pornografia foge da consideração que tem o cinema como arte e representa os desejos perversos de dominação que representam a uma grande maioria da sociedade, masculina e feminina. A pornografia é uma metáfora perfeita do papel que a sociedade deixa à mulher. A submissão como máxima, a humilhação, a posição subalterna que a incapacita para tomar decisões sobre a sua sexualidade, a negação para expressar de uma forma livre as suas necessidades sexuais e afetivas, para tomar a iniciativa, desejar livremente além dos impulsos do outro, para tudo. Nem tão sequer aqueles filmes pornográficos feitos por mulheres, como os que pode representar Érika Lust, puderam tomar distância do atual percurso do mercado da pornografia. Não há um plano B ainda para o porno, há caminhos secundários para a pornografia mas não gozam ainda da visibilidade que deveriam. Há modelos que mostram uma sensualidade diferente e cenas que, apesar de toda a cultura visual erótica que levamos acima, nos desafiam. A era dos orgasmos fingidos, da subjugação ao homem, da heterossexualidade imposta, etc., frente à câmara, deveria ter terminado para a maior parte do público, mas lamentavelmente não é assim. Essa é a nossa condenação e a nossa correia de transmissão e de educação sexual para as novas gerações. É importante normalizar o sexo dentro do contexto da quotidianidade, mostrando relacionamentos igualitários inseridos em situações facilmente reconhecíveis. A pornografia poderia cobrir um aspeto docente, voltando à sua conceção de arte, igual que o tem alguma poesia, ao servir como elemento de denúncia. Relacionarias o consumo de pornografia com o quê? Com a frustração mas não necessariamente sexual. Também com o cansaço, a falta de sincronia de desejo nos casais, com a solidão, etc. A classe oprimida sente a necessidade de oprimir, como expressão dum instinto básico. A sociedade, profundamente patriarcal, tem vontade de submeter à matéria de desejo, não, neste caso, como esposa, não como mãe, mas como objeto. Libera toda a sua frustração com o género tradicionalmente considerado débil. Reproduz os roles sociais também nos relacionamentos sexuais. Numa sociedade condicionada por questões inquestionáveis como a moral, o grau de frustração que pode alcançar uma pessoa é muito grande, se considerarmos a educação repressiva, em absoluto crítica e deficiente, o resultado é uma bomba de violência incontrolável. Como achas que o teu livro é ou pode ser assumido por uma sociedade dirigida pelos homens? A classe oprimida sente a necessidade de oprimir, como expressão dum instinto básico Evidentemente como um ataque aos pressupostos tão longamente assumidos. A sociedade não crítica, não só homens, tentará afastar o livro do conceito tradicionalmente assumido de poesia, em que o amor ou o desengano amoroso se mostram como quase únicas temáticas possíveis, a

metáfora como potente recurso, e nunca se aceitará um livro que fala tão alto, claro e diretamente. Aliás, qualquer posicionamento que venha duma mulher vai ser catalogado sob a denominação de «feminismo radical» a que a sociedade atual nos tem tão afeitos. Aquando a tua menção no Ilhas Sissargas, o júri lembrava na sua resolução que o certame está aberto às obras redigidas em português padrão. Era assim antes da tua participação? As bases do prémio não faziam menção explícita à norma a empregar. Um vazio que deixava espaço para obras redigidas em qualquer norma. Tentei e consegui. Um pequeno sucesso que nos posteriores certames se explicite o das obras em português padrão. Há certames que não explicitam nada a respeito da normativa empregue mas que depois, na hora da verdade, resulta que aplicam uma discriminação além do texto rigoroso das bases. Padeceste-o alguma vez? Como valorizas essa situação? Quase nem me apresento a concursos, apenas a cinco ou seis em todo o meu percurso literário. A única ocasião em que pude ser vitima de tal discriminação foi apenas neste prémio Ilhas Sissargas. O júri é quem tem a liberdade de interpretar as bases, eles são pessoas com os seus preconceitos ou sem eles. Recentemente, fui júri do prémio de poesia Fiz Vergara Vilarinho, de Sárria, onde todos os membros do mesmo não tínhamos qualquer problema com a norma a utilizar pelos participantes. Casual e lamentavelmente, o livro vencedor foi trasladado para a norma regional para concorrer ao prémio, embora fora escrito na norma internacional na sua origem, tal como reconheceu a própria autora, Charo Lopes, numa entrevista para o jornal Sermos Galiza. Algumas vezes a própria autocensura leva a interpretar de forma errada as bases dos prémios e as decisões dos membros do júri. A nossa literatura pode-se permitir a renúncia propositada a uma parte da sua criatividade? A nossa literatura está a prescindir duma parte importante da sua criatividade. De facto, está a prescindir da criatividade em favor do mercado. No eido linguístico, como nos outros, a questão é: quem tem o dinheiro para consumir que é o que consome? Literariamente, o grande mercado são os centros educativos, para os quais só existe uma norma. Se além desse mercado houvesse outro importante, de textos redigidos em português, as editoras comerciais avaliariam a possibilidade de editar textos Verónica Martínez e Alberte Momán recolhem o Prémio Ilhas Sissargas 2014 Foto: www.quepasanacosta.com nessa norma. Como país colonizado, é muito mais fácil editar e vender em espanhol. Há quem se escuda na diáspora para se achegar ao mercado espanhol sem perder galeguidade, mas poucos foram os que tiveram o valor de virar cara à raiz. Do lado contrário, começam a surgir certames literários que explicitam a liberdade de escolha normativa para os autores e autoras, desfazendo assim possíveis ambiguidades É necessário chegar a esse ponto? É e constitui um grande avanço. Algumas vezes a própria auto-censura leva a interpretar de forma errada as bases dos prémios e as decisões do júri Para um mercado muito limitado, perder capacidades não serve a nenhum projeto. O reintegracionismo foi quem de construir um nicho de mercado nada desprezável para os pequenos projetos de edição independente. Começa a haver pessoas que valorizam a qualidade frente a outras considerações. Essas pessoas estão dispostas a não discriminar por questões linguísticas.

Há um mercado, muito pequeno, mas simbolicamente importante entre a Galiza e os distintos países das distintas falas da língua portuguesa. Isso para o nosso pequeno país abre uma porta muito interessante, sobretudo porque qualquer pessoa que se queira abrir caminho dentro do mundo literário deverá esquecer as fronteiras às quais pertence para dar um passo para a internacionalização. O amigo Mário J. Herrero Valeiro deu um grande passo, deixando atrás a mediocridade reacionária galega para dar-se a conhecer fora, depois de ser galardoado com o Glória de Sant Anna, prémio ao melhor livro publicado de poesia em língua portuguesa. As portas deveram ser de saída, para autores e autoras galegas que deveremos superar os pais duma Galiza que quer ser espanhola, para visitar as verdadeiras raízes da nossa língua. Não será, portanto, a Galiza quem leve fora a criação que aqui se faça, senão as autoras e os autores a exportarem as suas obras para serem editadas nos países recetores. Não teria sentido doutro jeito. Finalmente, depois de uns anos tão prolíficos quanto a publicações e presença pública, de que falará a tua escrita no futuro? Aprofundar caminhos já abertos? Abrir novos caminhos? A criação é sempre um caminho aberto. A escrita foi sempre uma necessidade, pelo qual continuarei a me expressar desse jeito, mas creio que devo começar um tempo de descanso, de silêncio. Dar saída a outros projetos profissionais que têm ficado parados durante muito tempo, demasiado já. Verónica M. Delgado Foto: A. Ferreiro Acho que escreverei sempre do que me despraz, do que me dói, continuarei a denunciar as situações injustas, também do gozo, das minhas pequenas coisas, mas nem sei se continuarei a publicar. Contudo, é difícil dizer por que percurso vai avançar a minha escrita nesta altura.