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Transcrição:

B T P S Brazilian Transportation Planning Society Journal of Transport Literature Vol. 5, n. 4, pp. 103-118, Oct 2011 Research Directory JTL RELIT www.transport-literature.org E-ISSN 2177-1065 Ainda há diferença no serviço de bordo entre empresas aéreas brasileiras? [Is there still difference among Brazilian airlines in-flight services? ] João Luiz de Castro Fortes Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA), Brazil Submitted 17 Sep 2010; received in revised form 9 Oct 2010; accepted 20 Dec 2010 Resumo Este estudo investiga como a qualidade do serviço de bordo de empresas nacionais mudou ao longo de 10 anos através da análise dos custos em catering. Os passageiros, acostumados aos anos de glamour da aviação, se depararam ao longo dos últimos dez anos com uma perceptível deterioração dos serviços de bordo no Brasil e no mundo e, em alguns casos,com introduçãode precificação. O estudo utiliza análise de painel de dados proveniente dos anuários produzidos pela Agência Nacional de Aviação Civil. Os principais fatores que influenciam os custos desse serviço são levantados e analisados com base em características econômicas do transporte aéreo. Além disso, o estudo desenvolve um modelo econométrico com o objetivo de previsão dos custos de catering para os próximos anos. O estudo mostra forte tendência de queda nesses custos, juntamente com a convergência de valores gastos entre as companhias aéreas, especialmente dentre as empresas que se destacaram por um serviço de bordo diferenciado. Palavras-Chave: serviço de bordo; custos; econometria; painel de dados. Abstract This study investigates how Brazilian airlines quality of in-flight has changed along 10 years through an analysis of catering costs. Passengers, used to the aviation s golden years, have faced lately reduced and, in some cases, charged in-flight service. The study analyzes panel data of Yearbooks developed by Brazilian National Aviation Agency. The main factors influencing these costs are pinpointed and analyzed in light of economical characteristics of air transport scenario. Furthermore, this study shows an econometric model to forecast cost for next years. This work shows a strong tendency of decreasing of catering costs, along with convergence of spent values among the airlines, especially the ones which were known by their differentiated in-flight service. Key words: in-flight services; airline catering; costs; econometrics; panel data. * Email: jlfortes@gmail.com. Recommended Citation Fortes, J. L. (2011) Ainda há diferença no serviço de bordo entre empresas aéreas brasileiras?. Journal of Transport Literature, vol. 5, n. 4, pp. 103-118. JTL RELIT is a fully electronic, peer-reviewed, open access, international journal focused on emerging transport markets and published by BPTS - Brazilian Transport Planning Society. Website www.transport-literature.org. This paper is downloadable at www.transport-literature.org/open-access.

1 Introdução A aviação tem em seu passado um notório glamour especialmente quando se trata do assunto de catering, ou, em termos mais gerais, do serviço de bordo prestado pelas operadoras. Grandes empresas aéreas, que passaram por sérios problemas financeiros e até cessaram suas operações, eram vistas pela maioria dos passageiros, inclusive pelos de classe econômica como tendo um serviço de bordo que ultrapassava as expectativas do passageiro médio. Com um cardápio variado e requintado, as empresas eram vistas muitas vezes como restaurantes que cruzavam os céus. Com as grandes dificuldades enfrentadas pelo setor aéreo nos últimos 10 anos, o corte de custos ao se prestar o serviço aéreo tornou-se uma ideia indispensável para a empresa que queira sobreviver no mercado nos tempos modernos. No Brasil, a empresa que foi criada já com a idéia de trabalhar com baixos custos no atendimento de passageiros foi a GOL Linhas Aéreas. Desde seu início, em 2001, seu enfoque sobre o assunto se contrapunha com as práticas das grandes empresas, como por exemplo, a Varig, que é até hoje considerada por muitos como um referencial em relação a qualidade das refeições servidas a bordo. Já a outra empresa que, anos depois, tornou-se juntamente com a GOL uma das grandes empresas aéreas nacionais, a TAM sempre teve a imagem relacionada a um bom atendimento a bordo. Sua imagem ficou marcada, nos seus primórdios, pelo oferecimento do tapete vermelho tanto no embarque com desembarque dos passageiros. No entanto, com as dificuldades enfrentadas no setor, é muito comum ver notícias nos meios de comunicação com reclamações de passageiros a respeito do tema. Um passageiro ao adquirir uma passagem aérea, além da viagem que é o seviço principal em si, ele acaba adquirindo vários outros subprodutos que interferem no modo dele enxergar a empresa. Dentre eles podemos destacar os programas de milhagem que estão ficando muito comuns nas empresas aéreas, a disponibilidade de internet tanto no terminal de embarque como dentro do avião, um serviço de bordo diferenciado, um conforto maior na viagem compartivelmente a outro modal. Para o passageiro, mesmo para os passageiros de classe econômica, esses subprodutos estão intimamente ligados ao transporte aéreo. Ou seja, são 104

criadas expectativas dos serviços no setor. Grönroos (1984) define que a qualidade de serviço é um resultado de um processo de avaliação em que o consumidor compara suas expectativas com a percepção dos serviços que ele ou ela recebe. Ou seja, uma reclamação pode ser gerada não somente pelo atendimento abaixo de padrões estabelecidos, mas também por não atingir ao que se era esperado pelo passageiro. Um caso recente de geração de padrões é o estabelecimento pela autoridade de aviação civil brasileira do SELO ANAC em que o operador da aeronave deve informar ao passageiro em que categoria o passo entre os assentos (pitch) se encaixa. A temática de corte de custos de empresas aéreas é um assunto que desde o começo de sua existência vem sendo abordado, especialmente logo após os processos de desregulação do setor. Muitas empresas divulgam as mais diversas estratégias para cortes de gastos, como criar bancos para que as pessoas possam viajar em pé e com isso aumentar a capacidade da aeronave; ou retirar os co-pilotos pois, segundo alguns executivos não seriam necessários para a operação da aeronave. Com o aumento da competitividade do transporte aéreo, a redução de custos é vital para a sobrevivência da empresa em um setor tão competitivo. Além das estratégias citadas, o que tem se tornado mais comum entre as empresas aéreas é a diminuição do serviço de bordo aliado a precificação do mesmo. No entanto, há poucos estudos empíricos que tratam da importância do serviço de bordo (An e Noh, 2009). Este trabalho tenta avaliar como varia a condição de atendimento do passageiro. Como há dificuldades em obter dados específicos em relação ao serviço de catering, a base de dados utilizada será o Anuário Estatístico desenvolvido pela Agência Nacional de Aviação Civil ANAC dos anos de 1997 a 2008, disponível abertamente ao público através de seu sítio na internet 1. A métrica para avaliação da qualidade se aterá somente aos gastos da empresa por passageiro em cada viagem. Com isso, é possível verificar como eram os gastos das grandes empresas em relação a hoje e como se deu a evolução do nível de qualidade até os dias atuais. Outras métricas, como por exemplo, levantamento da opinião dos passageiros sobre os serviços disponibilizados ou mesmo a verificação dos tipos de produtos utilizados para o serviço seriam, talvez até mais adequados para medir a qualidade mas que seriam dificilmente disponibilizados pelas empresas e também não cobririam vários anos. 1 www.anac.gov.br. 105

O trabalho faz uma análise sucinta do setor aéreo na seção trazendo a tona alguns fatos do setor. Na seção Análise de Dados, há uma avaliação preliminar dos dados presentes no Anuário Estatístico de forma que se possa criar um panorama do setor. Na seção Modelo Econométrico, há o desenvolvimento do modelo que representa os gastos de catering no setor e há um estudo da previsão dele para os próximos. O trabalho finaliza com a sumarização dos dados obtidos e ponderações sobre o setor nos próximos anos. 2 Análise do Setor Com intuito de diminuição de custos ao mínimo, surgiram várias empresas de baixo custo, ou low-cost, que entre seus atributos está a redução das despesas através da retirada de itens considerados surpéfulos para a realização da vigem aérea. Na Europa essa estratégia já é adotada mesmo por gigantes tradicionais da aviação como Lufthansa e Alitalia (Domanico, 2007). Empresas estudam cobrar pelo uso do banheiro ou mesmo utilizar bancos com espaçamento menor para que se possa aumentar o número de passageiros nas aeronaves. Mas dentre os itens que deixaram de ser teoria para serem aplicados na prática e, que mais são percebidos pelo usuário de transporte é o catering. Segundo a Associação Internacional de Transporte Aéreo (IATA), os custos de realização do catering, chegam a alcançar de 2 a 3 % do total de gastos de uma empresa aérea. As refeições aeronáuticas possuem, além de seus custos com sua fabricação e seguimento de regras e padrões da legislação aeronáutica, o custo de se serem transportados. A cada quilograma de produto destinado ao serviço de bordo, significa gasto com combustível para transportá-la sendo que, esse peso poderia ser trocado por carga paga. Com isso, cortar custos pode significar a diferença entre lucro e prejuízo para a operadora. O fato que talvez seja o mais sentido pelos passageiros é a qualidade do serviço de bordo. Embora a definição de qualidade possa, em alguns casos, entrar no campo da subjetividade, pode-se dizer que no caso de catering o que é mais sentido pelo viajante é a modificação do tipo de alimento servidos. Segundo An e Noh (2009), o passageiro tende a ser mais sensível a qualidades de serviços em que há o contato direto com ele, como é o caso serviço de bordo. Além disso, a imagem da companhia pode, para o passageiro, estar diretamente relacionada com a qualidade dos serviços de catering prestados. Muitas empresas aboliram refeições 106

generosas por simples lanches rápidos em seus vôos. Além disso, muitas passaram a vender refeições durante o vôo ao invés de oferecê-las gratuitamente. A empresa estatal Varig, em seus tempos áureos, era vista como exemplo de serviço de bordo, sendo considerada um padrão para muitos usuários do transporte aéreo naqueles dias. Entre as empresas com maneiras mais agressivas de redução de despesas, tem-se a Ryanair. Dentre todas as suas práticas de contenção de custos, temos a venda de refeições a bordo da aeronave. A Tabela 1 mostra como variam os preços praticados por empresas low-cost em algumas partes do mundo. Percebe-se que, comparativamente, as empresas brasileiras praticam preços menores do que as low-cost americana e européia. Um possível motivo por tal discrepância pode ser atrelado ao fato de custo mais baixo com produtos alimentícios no Brasil em comparação a Europa e Estados Unidos além do maior poder aquisitivo dos consumidores nesses lugares. Tabela 1. Comparação de preços praticados em serviços de bordo. (adaptado do site www.aquelapassagem.com.br) Valores em R$ 2 GOL Webjet Spirit Air Asia Ryanair Vários Estados Vários Países País em que atua Brasil Brasil Países Unidos Europeus Asiáticos Não possui Refrigerante em lata 3 9.27 2.7 3.65 (150 ml) menu Água Mineral (300 ml) 3 Não possui menu 9.27 2.7 3.65 (150 ml) 5.94 (500 ml) Cerveja 10 Não possui menu 18.45 Não vende 9.15 Sanduíche Não vende 12 Não vende 3.8 11.5 Prato 15 Não vende Não vende 4.9 Nào vende Combo (sanduíche ou prato + bebida não-alcoólica + doce) Amendoim ou Castanha de Cajú 15 18 Não vende 10.3 18.55 3 3 Não vende 2.17 4.57 Chocolate Pequeno 3 3 9.27 2.7 3.4 2 Valores de câmbio para julho de 2010: 1 USD = R$ 1,75, 1 EURO = R$ 2,28, 10 BATHS =R$ 0,54. 107

3 Análise dos Dados Os dados utilizados na modelagem do problema foram obtidos através dos Anuários do Transporte Aéreo Vol. II, publicado anualmente pela Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC). O anuários compreendem dados de 1997 a 2008 das empresas de transporte aéreo regular no Brasil. Alguns dados tiveram de ser retirados da análise por mostrarem-se divergentes da realidade ou mesmo por estarem incompletos em algumas empresas. Durante esses anos na aviação civil, alguns fatos ocorridos devem ser trazidos à tona antes de uma análise para melhor entender possíveis oscilações dos dados. A desregulação ocorrida em 2001 na aviação civil é um importante marco regulatório do setor. Com ela, a livre adoção de preços gerou uma competição mais acirrada entre empresas. Algumas não conseguiram se sustentar e saíram enquanto que novas entraram com ideias novas ao setor. Dentre as que sucubiram pode-se destacar a Varig por apresentar um fato interessante. A Varig era conhecida por todos usuários do transporte aéreo como uma referência quando se tratava de serviço de bordo, independentemente do trecho. Já das empresas que entraram, destaca-se a GOL por adotar as idéias de empresas de baixo-custo. 108

3.1 Custos de Serviços de Bordo Primeiramente é necessário criar um índice que seja possível fazer a comparação de gastos com os serviços de catering entre as empresas. Para tal, criou-se a variável expperpax que significa o custo do serviço de bordo por passageiro em cada viagem, em R$. Gasto / pax.viagem (R$) 0 50 100 150 200 250 300 350 400 Gastos Anuais das Empresas Aéreas com Catering 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 Ano Empresas Aéreas Média Figura 1: Heterogenidade de gastos de empresas com o serviço de catering. Conforme visto na Figura 1, percebe-se que há uma grande variabilidade de gastos com catering pelas empresas aéreas. No entanto, pode-se perceber que a variabilidade do custo individual do serviço de bordo vem diminuindo. Tal diminuição pode ser fruto da mentalidade de low-cost que as empresas, especialmente a GOL, começaram a adotar. 109

Gasto/pax.viagem (R$) 0 50 100 150 200 250 300 350 400 Gasto das Empresas Aéreas por Aeronave A300 A319 A320 A321 A330 A332 A345 AT42 AT43 AT45 AT72 B732 B733 B734 B735 B737 B738 B743 B752 B753 B762 B763 B772 B773 C208 DC10 DH08 E110 E120 E145 E190 F100 FK10 FK27 FK50 L410 Aeronave MD11 Empresas Aéreas Média Figura 2: Heterogeinidade de custos por tipo de aeronave. Outro fator que causa heterogeinidade dos custos de catering por empresa aérea é o tipo de aeronave utilizada, como mostrado na Figura 2. Espera-se que aeronaves que executam rotas maiores, como por exemplo voos transcontinentais, possuam um custo maior por apresentarem um número maior de refeições por passageiro, além de possuírem classe executiva que possuem um cardápio diferenciado em relação a classe econômica. Isso pode ser visto para as aeronaves Boeing 747-300 e DC-10, que realizam voos internacionais. Além disso é curioso observar os gastos médios quase que iguais de uma aeronave Cessna 208 e um Airbus 319. Tal fato pode ser explicado com uma possível economia de escala que a Airbus 319 por possuir um tamanho maior e realizar etapas curtas e médias, como o Cessna 208. 110

Porcentagem de Custo de Catering em relação ao Custo Total (Média 1997 a 2008) ABAETÉ AIR MINAS AZUL BRASIL CENTRAL BRA GOL INTERBRASIL MEL META NORDESTE NHT OCEAN AIR PENTA PUMA AIR PASSAREDO PANTANAL RICO RIOSUL SETE SUL TABA TAM TRANSBRASIL TRIP TEAM PRESIDENTE TAF TOTAL TAVAJ CRUISER VARIG VASP WEBJET Porcentagem em relação ao custo total 0 1 2 3 4 5 6 7 Empresa Aérea Figura 3: Representatividade dos custos de catering no custo total (média). Outra análise que se desprende dos dados das empresas aéreas é relativo ao quão impactante são os custos de serviço de bordo em relação aos custos totais da empresa. Conforme mostrado na Figura 3. O gráfico representa a porcentagem média em relação aos custos totais dos anos observados, 1997 a 2008. Percebe-se que as empresas à beira da insolvência, Varig e Rio Sul, tinham em seus custos de catering representado cerca de 5 % dos valores de custos totais da empresa. Já a Figura 4 mostra como varia a representatividade dos custos de serviço de bordo nos custos totais ao longo dos anos estudados. A tendência é a diminuição da dispersão e que todas as empresas pratiquem um valor parecido. 111

Porcentagem de Custo de Catering em Relação ao Custo Total Porcentagem do Custo Total 0 2 4 6 8 10 12 1996 1998 2000 2002 2004 2006 2008 Ano Média Empresas Aéreas Figura 4: Impacto das despesas em catering no custo total na empresas. Por fim, observando a média de custos das duas maiores empresas aéreas brasileiras, percebese claramente uma tendência de queda. A Figura 5 representa a relação entre os custos médios de catering e custos totais, em cada ano. Observa-se claramente uma tendência de queda nos custos desse serviço. Embora era esperado tal fato na empresa GOL, devido a atitudes de redução de custos tomadas nos últimos anos, não era esperado tal resultado para a empresa TAM. Isso indica que a empresa possui uma política de redução de custos desses serviços, mas que não é divulgada abertamente ao público em geral. 112

Porcentagem do Custo de Catering em Relação ao Custo Total (Maiores Empresas) Porcentagem 0 1 2 3 4 5 6 7 8 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 Ano TAM VARIG GOL Figura 5: Variação da relação entre custos de serviço de bordo e custos totais nas duas maiores empresas aéreas brasileiras. 3.2 Modelo Econométrico Inicialmente, ao observar a Figura 5, percebe-se claramente uma tendência de aumento para os custos nas duas empresas nos últimos anos. Portanto, uma variável de tendência (ind_t) seria interessante como variável explicativa do modelo. Juntamente a esse fato, tem-se que houve um crescimento da demanda por transporte nos últimos anos. E muitos dos novos passageiros a utilizarem o transporte aéreo são usuários que são fortemente sensíveis a preços. Para esses passageiros, embora a qualidade do serviço de bordo seja importante, o preço final da passagem aérea é o fator que faz com que esse usuário escolha o modal aéreo para se locomover. Dessa maneira, espera-se que com o aumento da demanda pelo modal aéreo, haverá uma queda nos gastos por parte das empresas aéreas para tentar tornar a passagem mais atrativa economicamente para esse tipo de consumidor. Portanto, uma das variáveis core do modelo de custos seria a demanda por transporte aéreo. No entanto, a demanda é uma variável que depende de vários outros fatores, sendo um dos mais importantes o Produto Interno Bruto (PIB). 113

Contudo, toda vez que a aeronave tem mais passageiros, o gasto com serviços de catering aumenta pelo fato da necessidade física de mais alimentos a bordo. No entanto, supõe-se que esse fator seja amplificado se for aliado a distância percorrida pelo fato que viagens mais longas, há maior gasto com serviços a bordo do que viagens curtas. Dessa maneira espera-se que RPAX (número de passageiros pagantes) e AVST (tamanho da etapa média) sejam variáveis explicativas do modelo. Nesse modelo, optou-se por utilizar LNRPAX que é o logaritmo do número de passageiros pagantes por apresentar melhor aderência ao modelo. Outro fator a se analisar também são etapas internacionais realizadas pelas empresas. Supõese que a variação da taxa cambial (USD) influencie nos custos pois quando a aeronave está sendo reabastecida com produtos em aeroportos internacionais, os valores negociados são em dólares americanos, ou seja, as flutuações da valorização do dólar afetam diretamente esses custos. As viagens internacionais também tem outro fato a ser observado. Como essas etapas são muito longas e são sempre realizadas em aeronaves do tipo fuselagem larga (wide-body), espera que para tais tipos de viagem os custos sejam maiores. Além disso, em aeronaves maiores, há normalmente mais de uma classe. Ou seja, para classe executivas, devido ao atendimento diferenciado, os custos com o catering se tornam maiores. Para agregar esses fatores no modelo, a dummy SEGMENT1 representa o tipo de segmento (doméstico e internacional). Por fim, o fato da entrada da GOL com as novas idéias de baixo-custo é essencial na explicação do modelo. Espera que a entrada da GOL tenha influenciado as empresas aéreas a cortarem custos de catering para tornarem-se mais competitivas. A variável dummy ENT_GOL representa esse período. O período pré e pós desregulação também podem ser representados por essa variável visto que aconteceu no mesmo ano da entrada da empresa. 114

Por fim, utilizou-se o logaritmo do valor gasto por passageiro para cada viagem como variável a ser explicada por se ajustar melhor ao modelo determinado. Tem-se então que: LNEXPPPERPAX = f(ind_t, GDP, RPAX, AVST, USD,SEGMENT1, ENT_GOL ) (1) Em que: LNEXPERPAX é o logaritmo do gasto médio em R$ por passageiro a cada viagem, IND_T é a variável de tendência, GDP é o produto interno bruto anual, em bilhões de R$, LNRPAX é o logaritmo do número de passageiros pagantes, AVST é a distância média da etapa, USD é a taxa de câmbio real dólar americano, SEGMENT1 é a dummy que representa trecho doméstico ou internacional, ENT_GOL é a dummy que representa o período pós entrada da GOL. Além disso, deverá ser levado em consideração a heterogeinidade que apresenta o painel de dados. Conforme mostrado, o tipo de aeronave e o tamanho da rota afetam nos custos. Também deve-se levar em conta o fato da desregulação ocorrida no setor que causou uma maior competição entre as empresas, até a falência de empresas como por exemplo a Varig. Primeiramente, como mostrado na Erro! Fonte de referência não encontrada., foi calculada a regressão utilizando estimador de efeitos fixos de empresas aéreas. O resultado obtido é significativo estatisticamente para todas as variáveis e os sinais obtidos para elas corroboram a hipótese inicial. Quanto maior for o número de passageiros a bordo, maior a desvalorização do real e maior a etapa média realizada, maior serão os custos da empresa. No entanto, com o aumento do PIB, maior será a competição entre as empresas devido a alta da demanda e por consequência, os custos deverão ser cortados. Além disso, conforme mostra o modelo, quando a empresa opera no segmento internacional, maiores serão seus custos de catering. Por fim, percebe-se que realmente a entrada da empresa GOL teve um efeito estatisticamente significante em todas as companhias operantes no Brasil, impactando na diminuição dos custos da indústria, dado que passou a ditar os padrões de custos dos serviços aéreos. 115

Tabela 2. Resultados para a regressão com efeito fixo de empresa aérea lnexpperpax Coef. Std. Err. t P> t [95% Conf. Interval] lnrpax 0.0554 0.0146 3.8000 0.0000 0.0269 0.0840 usd 0.1534 0.0322 4.7600 0.0000 0.0902 0.2166 gdp -0.8788 0.1391-6.3200 0.0000-1.1514-0.6062 segment1 0.3001 0.0736 4.0800 0.0000 0.1559 0.4443 ent_gol -0.4182 0.0961-4.3500 0.0000-0.6066-0.2297 ind_t 0.0155 0.0091 1.7000 0.0900-0.0024 0.0334 avst 0.0003 0.0000 12.7900 0.0000 0.0002 0.0003 A seguir, foi calculada, como mostrado na Tabela 3, a regressão usando estimador por efeitos fixos de equipamentos - isto é, o tipo de aeronave. O resultado obtido é semelhante ao obtido no anterior. Todos coeficientes são significativos, exceto para o coeficiente IND_T. Tabela 3. Resultados para a regressão com efeito fixo de equipamento lnexpperpax Coef. Std. Err. t P> t [95% Conf. Interval] lnrpax 0.0560 0.0210 2.6600 0.0080 0.0148 0.0972 usd 0.1716 0.0450 3.8100 0.0000 0.0834 0.2598 gdp -1.0289 0.1972-5.2200 0.0000-1.4154-0.6424 segment1 0.2739 0.1109 2.4700 0.0130 0.0566 0.4912 ent_gol -0.3808 0.1353-2.8100 0.0050-0.6461-0.1156 ind_t 0.0047 0.0125 0.3700 0.7080-0.0199 0.0293 avst 0.0003 0.0000 6.9700 0.0000 0.0002 0.0004 Nos modelos, pode-se perceber que o valor do coeficiente do GDP é, em modulo, maior do que o de LNRPAX. Ou seja, em um cenário em que o câmbio seja constante e o tamanho médio de aeronave utilizado se mantenha constante, pode-se perceber que para um crescimento anual de passageiros e do PIB, o coeficiente negativo do GDP é mais impactante no modelo significando uma queda nos gastos com passageiros. 116

Conclusão Com a competição acirrada no setor aéreo, as empresas aéreas se vêem sempre inclinadas a cortar custos para se manterem vivas no mercado.dentre os custos cortados comumente, está o custos com o serviço de catering, que é, em geral, o mais diretamente relacionado à experiência de consumo do passageiro e à qualidade percebida dos serviços da companhia aérea em geral. Esse estudo mostrou a que realmente, as queixas de passageiros com relação a qualidade do serviço de bordo são justificadas. Empresas como a Varig, por exemplo, gastavam quase 2 vezes mais do que a média gasta hoje pelas empresas aéreas. Houve uma queda acentuada nos últimos 10 anos e, as empresas praticamente estão se igualando no valor de custo, fato provavelmente provocado pela alta competição do setor. Pode-se até afirmar que a diferença entre a qualidade, medida através da métrica definida anteriormente para este estudo, diminuiu e é praticamente igual para todas as empresas. O modelo econométrico aqui desenvolvido aponta para uma previsão de continuidade da queda nos custos com serviço de bordo para os próximos anos. No entanto, junto a esse modelo, existe um limitante inferior, ou seja, um valor mínimo que o passageiro considera como qualidade mínima. Para vôos de curta duração, a abolição do serviço de catering pode até parecer razoável e completamente aceitável do ponto de vista de alguns passageiros, com baixa propensão a pagar. No entanto, para voos de etapa longa, ou com muitos passageiros que viajam a negócios, essa ideia parece não factível. O grande desafio dos próximos anos será, por parte das companhias aéreas, o de encontrar um balanço entre competitividade de custos e satisfação do consumidor. Por parte da ANAC, o desafio será o de definir se esta é, ou não, uma seara meritória de introdução de mecanismos regulatórios em prol do bem-estar do passageiro. 117

Referências International Aviation Transport Association IATA. www.iata.org/pressroom/airlinesinternational/february-2010/pages/06.aspx. Acessada 15 de setembro Domanico, F. (2007). The European airline industry: law and economics of low cost. European Journal of Economics, vol. 23. pp.199-221. An, M.; Noh, Y. (2009). Airline customer satisfaction and loyalty: impact of in-flight service quality. Serv. Bus,. vol 3 pp.293-307. Grönroos, C. (1984). A service quality model and its marketing implication. European Journal Marketing. 18(4). pp. 36 44. Agência Nacional de Aviação Civil ANAC (2009). RESOLUÇÃO Nº135, DE 9 DE MARÇO DE 2010 que Institui o Programa de Avaliação Dimensional Selo ANAC. Disponível em www.anac.gov.br. Acessada em 30 de novembro. 118