COMISSÃO DE SECRETARIA DE GOVERNANÇA IBGC O Profissional de Governança Especificidades de Companhias Abertas Julho de 2018 Coordenadora: Iael Lukower Redatores: Annibal Ribeiro Lima Neto, Claudia Rockenbach Leal, Gisélia Silva, Iael Lukower, Luiz Antonio Grisotto Lacerda e Nelson Raso. INTRODUÇÃO Divulgado em abril de 2018, o documento produzido pela Comissão de Secretaria de Governança Corporativa do IBGC apresentou informações gerais sobre o papel do profissional responsável pela secretaria de governança que aqui trataremos como profissional de governança. O texto tratou das contribuições deste profissional para a longevidade das organizações, a melhoria da percepção de riscos pelos stakeholders e a mitigação dos riscos a que os administradores (conselheiros de administração e diretores) estão expostos, independentemente do tamanho e do tipo de organização 1. Já este documento tem por objetivo demonstrar a relevância do profissional de governança nas companhias de capital aberto. Detentoras de capital social democratizado, com ações e outros valores mobiliários disponíveis ao público em geral, as companhias abertas estão sujeitas à regulação do mercado de capitais, devendo cumprir com rígidas normas, submeter-se a fiscalizações e adotar dinâmicas que buscam, sobretudo, proteger a organização e os investidores que não participam do dia a dia dos negócios. Essa realidade pauta em larga medida a atuação do profissional de governança de companhias dessa natureza e lhe confere um caráter bastante específico, ainda em evolução no Brasil. Assim, serão endereçadas aqui as principais características, atribuições e perspectivas da atividade, sempre sob a ótica das empresas de capital aberto e das melhores práticas de governança. É comum que em países que possuem um mercado de capitais dinâmico e maduro, como, entre outros, Austrália, Estados Unidos, Reino Unido, Hong Kong e Singapura, a indicação de um profissional de governança (chartered secretaries) encontre previsão em lei (Companies Act), e a descrição de funções e 1 IBGC, O Profissional da Secretaria de Governança Papel e Responsabilidades, 2018. 1
responsabilidades em códigos de governança emitidos pelas bolsas de valores. Além disso, há entidades de formação e certificação de profissionais para atuarem na função. ATUAÇÃO DO PROFISSIONAL DE GOVERNANÇA EM COMPANHIAS ABERTAS O profissional de governança é responsável pelo apoio direto a todas as atividades relacionadas ao funcionamento do sistema de governança. É fundamental, portanto, que norteie as suas atividades pelos princípios básicos de transparência, equidade, prestação de contas e responsabilidade corporativa que permeiam todos os fundamentos e práticas previstos no Código das Melhores Práticas de Governança Corporativa do IBGC. Nas companhias abertas, esses princípios exigem uma atuação bastante específica, na medida em que, em virtude do acesso a recursos do mercado e de um universo maior de stakeholders (especialmente em companhias de capital pulverizado, sem controle definido), estão presentes elementos tais como: regulação e fiscalização da Comissão de Valores Mobiliários (CVM); regulação e fiscalização de entidades autorreguladoras por exemplo, os segmentos específicos de listagem de bolsas de valores em que os valores mobiliários de sua emissão são negociados; regulação e fiscalização de reguladores e autorreguladores internacionais, quando a companhia possui valores mobiliários negociados no exterior; uma série de boas práticas de governança corporativa recomendadas para empresas que possuem uma composição acionária diversificada; regras de divulgação de informações ao mercado (disclosure) mais intensas, para permitir a tomada de decisões de investimento mais fundamentada e de maneira devidamente informada; responsabilidades adicionais atribuídas aos seus administradores, que, logo, estão mais expostos a riscos; e acompanhamento por investidores institucionais e agentes de voto (voting agents), mais comum em companhias de capital pulverizado, e relevância da proteção a informações privilegiadas. As companhias abertas estão envolvidas por um amplo conjunto de leis e regulações aplicáveis e, consequentemente, seus administradores têm maior exposição perante os diversos stakeholders. Por conta disso, e dada sua proximidade com os fóruns centrais de decisão, o profissional de governança 2
possui uma visão privilegiada da organização e exerce um papel relevante na atuação em conjunto com as áreas de relações com investidores, compliance, gestão de riscos e jurídica, participando de ações específicas, como: preenchimento e atualização do Formulário de Referência previsto nas regras da CVM, inclusive buscando garantir a boa qualidade das informações divulgadas; preenchimento e arquivamento na SEC do Formulário 20-F, caso a companhia possua ações negociadas nos Estados Unidos; prestação de informações para bolsas de valores em que os valores mobiliários sejam negociados observando inclusive as exigências específicas de eventual segmento especial em que a companhia seja listada e para diversos índices de governança como ISE e Dow Jones, entre outros; monitoramento das regras de restrição à negociação por administradores e membros de comitês, dando tratamento adequado às informações privilegiadas abordadas no âmbito dos órgãos de governança; elaboração do calendário de eventos corporativos, da agenda de reuniões e da agenda anual, que inclui temas estratégicos, temáticos e sazonais, definindo previamente as datas de assembleias, reuniões do conselho, de comitês de assessoramento, diretoria e órgãos de controle; elaboração e divulgação de informações ao mercado (via fatos relevantes, comunicados, atas de reunião do conselho de administração e de assembleias); elaboração e divulgação da convocação e do material de suporte de assembleias gerais, inclusive nos casos em que acionistas submetem propostas para deliberação; divulgação de regimentos e políticas dos órgãos da administração, garantindo a revisão, sempre que necessário, e a implementação, em conformidade com a legislação e com as melhores práticas de governança; facilitação de interações entre os órgãos de administração e entre eles e os acionistas, o conselho fiscal, os comitês de assessoramento e as auditorias interna e independente; prestação de informações de qualidade e tempestivas para fundamentar o processo de tomada de decisão pelo conselho de administração e pelos acionistas; 3
prestação de informações sobre temas estratégicos, que demandam a atuação diligente e eficiente do conselho de administração, de forma a sustentar a geração de valor e a perenidade da organização, bem como proteger o patrimônio dos acionistas. Vale observar que, nas companhias abertas, dada a importância das ações acima listadas para assegurar uma boa comunicação da organização com seus diversos públicos e o alinhamento das informações que são prestadas, é de fundamental relevância que haja uma definição clara de papéis e alçadas, assim como um estreito relacionamento entre o profissional de governança e os demais agentes da organização. CONTEXTO ATUAL E PERSPECTIVAS É evidente a constante evolução das melhores práticas de governança corporativa adotadas internacionalmente, a que o Brasil vem convergindo gradativamente, criando uma nova cultura e adquirindo maior maturidade. A atividade do profissional de governança, portanto, deveria naturalmente crescer em paralelo a esse movimento de amadurecimento da governança no mercado brasileiro. No contexto das companhias abertas, essa evolução impõe-se, notadamente, em função de inúmeros processos em curso, dentre os quais destacamos: estrutura de controle cada vez menos concentrada; crescente engajamento e ativismo dos acionistas; maior cobrança pelos investidores institucionais de retorno de longo prazo para seus clientes que inclusive os leva a cada vez mais considerar a questão da governança ao avaliarem riscos na tomada de decisão; ambiente regulatório cada vez mais exigente e sofisticado, com maior imputação de responsabilidade aos administradores. O aumento na quantidade e no rigor da legislação e da regulação emitidas pelas comissões de valores mobiliários e entidades autorreguladoras para as companhias abertas, assim como a consequente ampliação do escopo de atuação do profissional de governança, fez com que emergisse em alguns países 4
o reconhecimento de novos desafios e a crescente valorização desse profissional, com a proposição de uma nova denominação, mais aderente ao perfil necessário para o exercício da função: chief governance officer. Paralelamente, a tendência de adoção de mecanismos e processos de governança, gestão de riscos e compliance (que vêm sendo designados GRC ) tende a conferir mais transparência, previsibilidade e confiabilidade ao mercado, reforça a evolução das demandas e, especialmente para o presidente do conselho das empresas listadas em bolsa de valores, é de fundamental importância que haja uma assessoria eficiente do profissional de governança para o desempenho de suas funções, inclusive na interface com o principal executivo da organização. Os escândalos financeiros recentes e a destruição de valor de empresas de capital aberto afetaram não somente o mercado de capitais, mas o cenário econômico em nível global. Se, por um lado, o já referido aumento do arcabouço legal e regulatório trouxe processos mais complexos e sofisticados, por outro lado restou evidenciado que pessoas qualificadas e alinhadas por uma cultura ética, bem como uma estrutura de governança mais sólida na qual o profissional de governança desempenha papel importante, serão diferenciais no desempenho das organizações. CONCLUSÃO No cenário internacional, o reconhecimento da atuação do profissional de governança como fator de sucesso para o aprimoramento dos sistemas de governança tem evoluído, desde a previsão em códigos de governança e regulamentos, até a proposição de um novo cargo executivo. No Brasil, por outro lado, não obstante tenha havido a evolução da regulação na seara da governança corporativa das companhias de capital aberto, com o consequente aumento dos processos de governança, o entendimento do papel desse profissional e o valor que pode agregar para a organização ainda precisam ser reforçados e mais reconhecidos. De toda forma, as companhias abertas brasileiras vêm gradativamente se tornando mais complexas e sofisticadas, o que, aliado a avanços da regulação, deve tender a uma convergência com a prática internacional. 5
REFERÊNCIAS IBGC (Instituto Brasileiro de Governança Corporativa). O Profissional da Secretaria de Governança Papel e Responsabilidades. São Paulo, IBGC, abr. 2018. Disponível em: <http://conhecimento.ibgc.org.br/paginas/publicacao.aspx?pubid=23611>.. Boas Práticas para Secretaria de Governança. São Paulo, IBGC, 2015 (Série Cadernos de Governança Corporativa, n. 13). Disponível em: <http://conhecimento.ibgc.org.br/paginas/publicacao.aspx?pubid=20996>. AUSTRÁLIA. Corporations Act 2001. Disponível em: <https://www.legislation.gov.au/details/c2018c00131>. REINO UNIDO. Companies Act 2006, Section 271. Disponível em: <https://www.legislation.gov.uk/ukpga/2006/46/section/271>. SINGAPURA. Companies Act 2006, Section 171. Disponível em: <https://sso.agc.gov.sg/act/coa1967>. 6