IV Encontro Nacional da Anppas 4,5 e 6 de junho de 2008 Brasília - DF Brasil



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Transcrição:

IV Encontro Nacional da Anppas 4,5 e 6 de junho de 2008 Brasília - DF Brasil Análise dos Rendimentos em Comunidades de Várzea do Rio Solimões, Amazonas Renata Reis Mourão Mestre em Desenvolvimento Regional, Pesquisadora do Projeto Piatam Amazonas. Lucirene Aguiar de Souza Doutora em Biologia de Água Doce, Pesquisadora do Projeto Piatam - Amazonas. Alexandre A. F. Rivas Doutor em Economia Ambiental, Coordenador do Projeto Piatam. Professor titular da Universidade Federal do Amazonas. RESUMO Na Região Norte do Brasil, devido as características ambientais da região, estudo da renda mostra especificidades únicas que requerem análises que favoreçam sua compreensão e para fomentar a resolução desses problemas socioeconômicos, particularmente sobre pobreza e indigência já que populações a elas submetidas devem ser priorizadas em detrimento das outras. Para isso foi feito um perfil socioeconômico de nove comunidades localizadas as margens do rio Solimões, na área de estudo do Projeto PIATAM. No que concerne à renda o levantamento foi dividido em dois grupos: principais atividades realizadas e fonte e formas de rendimentos. Para delimitação das linhas de pobreza e indigência foram utilizadas as metodologias do Banco Mundial e do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento. As comunidades estudadas possuem significativo número de residentes em situação de pobreza declarada, desconsiderando os valores não monetários, uma vez que possuem uma dieta alimentar relativamente saudável, a base de proteínas e carboidratos. Com relação à linha de indigência e pobreza as comunidades de Bom Jesus e de Lauro Sodré, foram, respectivamente, as que apresentaram os maiores valores. Provavelmente, estas comunidades conseguem melhorar sua renda devido a maior facilidade de escoamento da sua produção por se encontrarem em áreas próximas aos grandes centros consumidores. A situação de pobreza e indigência nas comunidades estudadas está intimamente ligada à questão dos seus rendimentos, pois quando verificada suas respectivas Rendas Médias e Per Capita a mesma tendência dos índices foi observada.

Introdução Em termos socioeconômicos, o estudo da renda, e principalmente, sua composição são imprescindíveis. O Brasil, um país de cerca de 170 milhões de habitantes vivendo a sua maioria nos grandes centros urbanos, tem uma economia que em termos per capita se situa entre as mais desenvolvidas dos países em desenvolvimento, próxima e em muitos setores superiores a do México, Chile e Argentina. Socialmente, no entanto, os níveis de exclusão e desigualdade estão parizados com os piores do mundo. Parte dessa pobreza e desigualdade encontra-se na área rural do país, em zonas agrícolas, são as pessoas que sobrevivem graças a uma economia de subsistência extremamente precária. (Schwartzman, 2004) Na Região Norte, o estudo da renda mostra especificidades únicas. Diferentemente do que ocorre no Nordeste do país, ou mesmo em zonas agrícolas deprimidas como em Minas Gerais e Rio de Janeiro, na Amazônia apesar das dificuldades de acesso e das grandes distâncias encontradas, é muito difícil encontrar pessoas subnutridas, devido à falta de proteína. Isso porque o consumo de pescado e de farinha de mandioca é muito elevado naquela região. No entanto, no que concerne às questões de habitabilidade, saúde e educação, ou seja, aspectos relacionados à qualidade de vida, a Região ainda é bastante precária. MATERIAIS E MÉTODOS Área de estudo Desde 1986, quando a indústria petrolífera descobriu no Rio Urucu reservas de gás natural e petróleo, o mapeamento de informações tornou-se necessário. Em 2001 surgiu o Projeto PIATAM - Inteligência Socioambiental Estratégica da Indústria do Petróleo na Amazônia - como forma de monitorar as áreas de atuação da industria do petróleo no Amazonas. O projeto tem como objetivo principal a construção de um sistema de informações geo-referenciadas para o planejamento, controle e prevenção de danos socioambientais causados pela indústria do petróleo e gás, de forma a evitá-los e a reduzir seus potenciais impactos nos ecossistemas da região e nas populações ribeirinhas (PIATAM, 2008). O estudo foi realizado nas nove comunidades ribeirinhas estudadas pelo Projeto PIATAM, localizadas no Rio Solimões, Estado do Amazonas. Pela ordem de proximidade a Manaus e em relação ao município que pertencem, são elas: Santa Luzia da Ilha do Baixo, em Iranduba; Nossa Senhora das Graças, Nossa Senhora de Nazaré e Bom Jesus, em Manacapuru; Santo Antônio, em Anori; Matrinxã, em Codajás; Lauro Sodré, Esperança II e Santa Luzia do Buiuçuzinho, em Coari (Figura 1).

Figura 1 - Imagem Land-Sat da calha do Rio Solimões evidenciando as comunidades a serem estudadas. Fonte Geoprocessamento/PIATAM, 2007. 13

Coleta de dados Os dados utilizados constam da Base de Dados Integrada do Projeto - BDI/PIATAM, construída a partir de um levantamento censitário realizado em Setembro de 2006. Dois questionários, um domiciliar e outro individual, foram aplicados por 12 entrevistadores em período de 20 dias. Ao todo foram entrevistados 398 domicílios, 455 famílias e 1967 habitantes, estes últimos totalizando 1090 homens e 877 mulheres, incluindo as crianças. Os dados do levantamento foram digitados através do aplicativo IMPS, do Bureau do Censo dos Estados Unidos, e posteriormente transferidos para o pacote estatístico SPSS Statistical Package for Social Science. Além do Banco de Dados do Projeto BDI/PIATAM, especificamente os formulários acima mencionados, foram levantados informações secundárias dos municípios nos quais as comunidades se localizam, assim como do Estado do Amazonas e Brasil, como forma de comparar as condições de trabalho, renda e qualidade de vida das comunidades. Essas informações foram obtidas através de levantamento bibliográfico em instituições como IBGE, PNUD, etc. assim como em documentação das prefeituras municipais. Construção Os dados para esta análise sobre pobreza e indigência na área de estudo do PIATAM foram obtidas durante pesquisa de campo, realizada no final de setembro de 2006, que levantou o Perfil Socioeconômico das comunidades estudadas pelo Projeto. Os dados obtidos foram inseridos na Base de Dados Integrada do Projeto BDI/PIATAM, de forma a compilar todas as informações levantadas. No que concerne à renda o levantamento foi dividido em dois grupos: (i) principais atividades realizadas pelos ribeirinhos durante o dia, independente de serem ou não geradoras de rendimento; e (ii) fonte e formas de rendimentos. Método de cálculo Apesar de a pesquisa ter sido aplicada em moradores com 10 anos e mais de idade, a análise dos dados para delimitação das linhas de pobreza e indigência utilizou a população a partir de 15 anos e mais de idade, considerada a população economicamente ativa (PEA). Foram utilizadas duas metodologias para esse cálculo: a do Banco Mundial e a do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento PNUD, ambas considerando somente os aspectos monetários. Com o propósito de agregação global e comparação entre os países, a metodologia do Banco Mundial adota como critério de o valor de US$ 2,00/dia em poder de compra para delimitação da linha de pobreza; e o valor de e US$ 1,00/dia em poder de compra para delimitação da linha de indigência. 14

No Brasil, o Atlas de Desenvolvimento Humano, realizado pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento - PNUD adota como critério para determinação das linhas de pobreza e indigência a proporção dos indivíduos que vivem em domicílios particulares permanentes com renda equivalente a ½ e ¼ de salário-mínimo vigente na data em que a pesquisa é realizada. Visando os rendimentos totais, os cálculos para a determinação da linha de pobreza e de indigência concentraram-se na fonte e forma dos rendimentos, estando abaixo relacionados: Quanto à fonte dos rendimentos: TR = TA + TNA + AP + AG + outros onde: TR = total dos rendimentos; TA = trabalho assalariado; TNA = trabalho não-assalariado; AP = aposentadoria, pensão ou salário-desemprego; AG = auxílios do governo, como bolsa-família; outros = qualquer outro rendimento não provenientes das fontes acima mencionadas. Quanto à forma de remuneração do trabalho não assalariado (TNA ): TNA = VP + TP + NR onde: TNA = forma de remuneração do trabalho não-assalariado; VP = venda de produtos; TP = troca de produtos; NR = não remunerado. 15

Dessa forma, estimou-se o valor total dos rendimentos mensais dos moradores das nove comunidades estudadas. Como parâmetros, a análise considerou o valor do dólar americano no último dia útil do mês de setembro, mês no qual a pesquisa foi realizada, o equivalente a R$ 2,1742, segundo cotação oficial do Banco Central do Brasil. E o valor do salário mínimo vigente no mesmo mês, de R$350,00 (Banco Mundial, 2007; PNUD, 2006). RESULTADOS E DISCUSSÃO As comunidades em estudo, situadas entre os municípios de Manaus e Coari, nas margens do Rio Solimões, abrigam 1967 habitantes distribuídos em 455 famílias e 396 domicílios. A centralidade das comunidades, em geral, é composta da igreja, seja ela católica ou evangélica, da escola e do centro social, onde são realizadas as festas e reuniões. A Tabela 1 totaliza o número de habitantes, famílias e domicílios das comunidades estudadas, e a distribuição por sexo da população. Tabela 1 Número de domicílios, famílias e habitantes segundo comunidade 2006. Comunidades Total Sexo Domicílios Famílias Habitantes Masculino Feminino Santa Luzia do Baixio 95 106 387 217 170 Nossa Senhora das Graças 69 78 346 190 156 Nossa Senhora de Nazaré 38 40 170 100 70 Bom Jesus 28 31 173 90 83 Santo Antônio 13 18 77 42 35 Matrinxã 7 9 41 22 19 Lauro Sodré 95 117 497 283 214 Esperança II 16 17 72 42 30 Santa Luzia do Buiuçuzinho 35 39 204 104 100 Total 396 455 1967 1090 877 Fonte: Projeto ID-PIATAM, 2006. Note-se que a comunidade Lauro Sodré é a mais populosa, com 497 habitantes, distribuídos em 95 domicílios. Essa comunidade possui características de vila, dispondo de sete ruas, estando à 16

principal às margens do rio Solimões. Há ainda um posto policial, rádio e centro comunitário, além de quatro mercearias que abastecem o mercado local. Vale ressaltar que no trecho em estudo existem comunidades muito pequenas, como Bom Jesus, Santo Antônio, Matrinxã e Esperança II, com população variando entre 41 e 173 habitantes. Durante a pesquisa foi solicitado aos moradores com 10 anos e mais de idade que enumerassem as três atividades mais importantes do seu dia, por ordem de importância. Dentre as atividades citadas quatro mereceram destaque: (i) agricultura, (ii) atividades estudantis, (iii) afazeres domésticos e (iv) pesca. A figura 2 mostra a importância relativa, no conjunto da economia comunitária, de cada uma das atividades mencionadas pelos entrevistados. Produção Familiar 1% Educação 3% Saúde 1% Pesca 8% Outras 2% Trabalho Eventual para Terceiros 1% Agricultura 35% Atividades Estudantis 27% Afazeres Domésticos 22% Figura 2- Ocupação mais importante declarada pelos residentes com 10 anos e mais de idade nas comunidades. Fonte: Projeto ID-PIATAM, 2006. Quanto à fonte dos rendimentos, a maioria dos residentes com 10 anos ou mais, de ambos os sexos, recebe algum valor monetário. Cerca de 65% dos residentes declaram ter rendimentos, sendo 66,3% do sexo masculino (521 indivíduos) e 57,7% do sexo feminino (345 indivíduos). A Tabela 2 abaixo demonstra as fontes de rendimentos dessa população. Verifica-se que a principal dessas fontes, em termos da quantidade de pessoas envolvidas, é constituída pelo trabalho não-assalariado, basicamente as atividades ligadas à agricultura familiar e a pesca comercial multiespecífica. Deve-se observar também a relativa importância do trabalho assalariado (96 pessoas) na 17

composição dos rendimentos da população, principalmente nas três comunidades da área de Coari (Lauro Sodré, Esperança II e Santa Luzia do Buiuçuzinho), as quais congregam 60 dos 96 empregos gerados principalmente na área de saúde e educação. Trata-se de empregos remunerados majoritariamente pela administração municipal, devido à disponibilidade de recursos originários da exploração do petróleo, através dos royalties repassados mensalmente aos municípios que têm atividades ligadas ao petróleo e ao gás natural. Tabela 2 Moradores com 10 anos ou mais de idade que declararam ter algum rendimento, segundo a origem dos rendimentos-2006. Origem dos rendimentos Número de moradores % em relação ao total Rendimento do trabalho assalariado 96 6,3 Aposentadoria, Pensão ou Salário-Desemprego 99 6,5 Bolsa-Família ou outros auxílios do Governo 141 9,2 Trabalho Não-Assalariado 434 28,3 Outra 131 8,5 Total dos residentes com rendimento 866* 100,0 Fonte: Projeto ID-PIATAM. *Na entrevista, cada morador declarou todas suas fontes de rendimento. Assim, há duplicação do número de moradores na coluna correspondente a esse número, e o total, conseqüentemente, não corresponde à soma dos valores da referida coluna. No que concerne especificamente os auxílios governamentais, cerca de 141 indivíduos recebem o chamado Bolsa Família, correspondendo à terça parte dos chefes de família da área estudada. O Bolsa-família faz parte do Programa Fome Zero, sendo um programa de transferência direta de renda com condicionalidades, que beneficia famílias em situação de pobreza (renda individual mensal de R$ 60,01 a R$ 120,00) e extrema pobreza (renda individual mensal de até R$ 60,00). Além da renda individual, o benefício do Bolsa-Família irá depender de fatores como o número de crianças, de gestantes e de nutrizes na família. O benefício varia entre R$ 15,00 (quinze reais) e R$ 95,00 (noventa e cinco reais). 18

A renda monetária nas comunidades estudadas é muito baixa, não importando sua fonte. Cerca de 71,9% dos residentes entrevistados declararam que recebiam, no máximo, até um salaláriomínimo mensal 1 na época das entrevistas. Notam-se significativas variações de rendimentos entre as comunidades estudadas pelo Projeto PIATAM (Tabela 3). As maiores rendas per capita da área são encontradas nas três comunidades situadas mais próximas às cidades de Manaus, Manacapuru e Iranduba. A primeira delas tem como fonte de renda principal a pesca comercial, cujo comércio é facilitado pela proximidade dos frigoríficos da cidade. Já as menores rendas per capita estão nas comunidades localizadas no chamado cinturão da malva (Bom Jesus e Santo Antônio), além de Matrinxã e Lauro Sodré. Tabela 3 Renda mensal per capita e rendimento médio mensal dos moradores com 10 anos e mais de idade, por comunidade 2006. Comunidades Renda per capita (R$) Renda Média (R$) Santa Luzia do Baixio 142,23 182,26 Nossa Senhora das Graças 148,81 207,61 Nossa Senhora de Nazaré 128,87 184,11 Bom Jesus 61,73 92,06 Santo Antônio 85,28 117,26 Matrinxã 61,22 156,87 Lauro Sodré 98,63 157,62 Esperança II 133,70 181,63 Santa Luzia do Buiuçuzinho 100,58 154,27 Total 115,59 167,92 Fonte: Projeto ID-PIATAM, 2006 Os dados expostos, referentes ao ano de 2006, são muito inferiores aos observados para as áreas urbanas e rurais do Brasil e do Estado do Amazonas em anos próximos (IBGE, 2004; IBGE, 2005). Ressalte-se que nenhuma das comunidades aproximou-se da renda per capita de R$ 221,00 das áreas rurais do estado em 2005 (Tabela 4). 1 Em Setembro de 2006, mês da realização do levantamento de campo, o valor do salário-mínimo era de R$ 350,00. 19

Tabela 4 - Valor da renda per capita rendimento médio mensal das áreas rurais e urbanas no Brasil e Amazonas 2006. Situação do domicílio Ano Brasil Localidade Amazonas Urbana 2004 583 430 2005 522 376 Rural 2004 247 240 2005 230 221 Fonte: IBGE. Pesquisa Nacional de Amostras de Domicílios (PNAD) 2004 e 2005. A renda e o trabalho das populações amazônicas são complexos e se diferem, em alguns aspectos, do sistema capitalista que rege as principais economias atuais. Como a produção, em sua maioria, é voltada para a sobrevivência da família, o produtor não tem por hábito a contabilidade financeira despesas e receitas obtidas da produção. Este fato dificulta enormemente a separação entre os gastos com a família, ou de subsistência, com o que é propriamente comercializado (FRAXE, 2000; FRAXE, 2004; WITKOSKI, 2007). Nas comunidades estudadas, além da venda de mercadorias, grande parte dos rendimentos ribeirinhos provém de atividades e serviços remunerados pelo poder público, através dos cargos de professores e agentes de saúde, e por aposentadorias, pensões e benefícios governamentais. Estes são fontes de renda monetárias importantes para composição da renda e, em algumas comunidades, uma das principais fontes de diferenciação entre os grupos domésticos (PANTOJA, 2005). As comunidades estudadas pelo PIATAM possuem significativo número de residentes em situação de pobreza declarada, desconsiderando os valores não monetários, ou seja, qualquer atividade visando somente à subsistência, uma vez que essas populações possuem uma dieta alimentar relativamente saudável, a base de proteínas e carboidratos. Os resultados apresentados representam o percentual em relação à população da comunidade, para assim melhor caracterizar os rendimentos em cada uma delas. A figura 3 abaixo representa linha de pobreza e indigência nas comunidades estudadas pelo PIATAM, calculadas na metodologia das duas instituições, Banco Mundial (a) e PNUD (b). Neste gráfico também está representado a localização das comunidades em relação ao trecho Manaus-Coari, no qual estão distribuiídas. 20

A B C (a) (b) Figura 3 Indigência e Pobreza nas comunidades estudadas pelo PIATAM. (a) Metodologia Banco Mundial e (b) Metodologia PNUD A- Comunidades Próximas a Manaus B- Comunidades intermediárias C- Comunidades próximas a Coari 21

Segundo o Banco Mundial, para rendimentos abaixo de R$ 65,22, valor correspondente a linha de indigência, o percentual do número de pessoas na linha de indigência varia de 2,39 a 16,46, o quê corresponde a 1 dólar/dia em poder de compra. Quanto à linha de pobreza, este percentual varia de 3,85 a 35,29%, ou seja, o valor de dois dólares/dia em poder de compra, Figura 3. Já na metodologia adotada pelo PNUD, o valor total de pessoas que recebem mensalmente ¼ de salário-mínimo, correspondente a linha de indigência, varia de 3,85 a 20%, o quê representa R$ 87,50/mês; enquanto 3,85 a 38,82% de pessoas recebem abaixo ½ salário mínimo ou R$ 175,00, valor correspondente a linha de pobreza. Com relação à linha de indigência, em ambas as metodologias, a comunidade de Bom Jesus, seguida da comunidade de Lauro Sodré, foi a que apresentou o maior percentual de 35,29%. Quando observado a linha de pobreza, não há diferença significativa entre várias comunidades, permanecendo nos maiores percentuais pelos totais populacionais, Bom Jesus e Lauro Sodré, além da comunidade Santa Luzia do Buiuçuzinho e Nossa Senhora de Nazaré. As comunidades um número menor de pessoas em situação de pobreza e indigência foram as localizadas próximas aos grandes centros consumidores dos municípios de Manaus e Coari. As comunidades Nossa Senhora das Graças e Esperança II apresentaram um bom desempenho em comparação às demais, no entanto, as comunidades do Bom Jesus e Matrinxã, apresentaram valores menores. Isso poderá ter ocorrido pelo pequeno número de moradores dessas comunidades, contribuindo para a redução do indicador. A situação de pobreza e indigência nas comunidades estudadas está intimamente ligada à questão dos rendimentos. Quando verificada a Renda Média e Per Capita das comunidades a mesma tendência acima descrita é observada, ou seja, as comunidades próximas as maiores cidades (Manaus e Coari) possuem rendimentos acima dos observados nas intermediárias (Mourão, Rivas & Fraxe, 2007). Apesar dos resultados obtidos servirem como base para a avaliação da situação econômica destas comunidades, vale ressaltar que, devido à coexistência na área de estudo de dois tipos de atividades econômicas, complementares e por vezes simultâneas: produção de subsistência, e produção de mercadorias, onde a primeira não é monetarizada, e a segunda é uma economia mercantil de troca simples. Dessa forma, a avaliação da sustentabilidade do modo de vida dos moradores da várzea não pode estar submetida à mensuração de indicadores econômicos tradicionais, como renda média e per capita, sem incorporar indicadores como uso e propriedade dos recursos naturais, ou condições em que vive essa população (FRAXE, 2004; PANTOJA, 2005). 22

AGRADECIMENTOS Os autores são gratos à Petrobras, à FINEP, à Universidade Federal do Amazonas, pelo apoio financeiro. São gratos também aos pesquisadores do Programa Piatam por suas contribuições, as quais foram decisivas no desenvolvimento desta pesquisa. BIBLIOGRAFIA BANCO MUNDIAL. 2007. Em: <www.worldbank.org>. Acessado em: 12 de Janeiro de 2007. BANCO CENTRAL. Em: <www.bcb.gov.br> Acessado em: 26 de Fevereiro de 2007. FRAXE, T.J.P. Homens Anfíbios: etnografia de um campesinato das águas. Fortaleza: Secretaria da Cultura e Desporto do Governo do Estado do Ceará. Ed. Annablume, 2000. FRAXE, T.J.P. Cultura Cabocla-Ribeirinha: mitos, lendas e transculturalidade. São Paulo: Annablume, 2004. INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA IBGE. Sistema IBGE de Recuperação Automática SIDRA. Disponível em: <www.ibge.gov.br> Acesso em: 12 de Setembro de 2007. INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA IBGE. Sistema IBGE de Recuperação Automática SIDRA. Disponível em: <www.ibge.gov.br> Acesso em: 12 de Setembro de 2008. MOURÃO, R.R.; RIVAS, A.A.F; FRAXE, T.J.P. O Estado da Economia nas Comunidades de Várzea: atividades tradicionais e integração de mercado. Teixeira, P.; Brasil, M.; Rivas, A.A.F. Produzir e Viver: Estudo Sociodemográfico das Comunidades do Médio Solimões. (no prelo) PANTOJA, M.C. A Várzea do Médio Amazonas e a Sustentabilidade de um Modo de Vida. In: LIMA, D (Org.) Diversidade Socioambiental as Várzeas dos Rios Amazonas e Solimões: Perspectivas Para o Desenvolvimento da Sustentabilidade. Manaus: Ibama, Pró-Várzea, 2005. PROGRAMA DE DESENVOLVIMENTO DAS NAÇÕES UNIDAS - PNUD. 2007. Em: <www.pnud.org.br>. Acessado em: 15 de Janeiro de 2007. SCHWARTZMAN,S. As Causas da Pobreza. Fundação Getúlio Vargas. Rio de Janeiro. 2004. WITKOSKI, A.C. Terras, Florestas e Águas de Trabalho: os camponeses amazônicos e as formas de uso de seus recursos naturais. Manaus: Universidades Federais do Amazonas, 2007. 23