Suplemento: Anais da XIII JNLFLP 1925

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TRANSPOESIA: O POEMA COMO RIZOMA Luiz Roberto Peel Furtado de Oliveira (UFT) luizpeel@uft.edu.br Priscila Venâncio Costa (UFT) priscilavenncio@gmail.com RESUMO Neste texto, tratamos do poema como rizoma, ou seja, dos versos e das estrofes se constituindo a partir de linhas ou agenciamentos como zonas de fluência entre o corpo e o afeto. Tendo Espinosa, Nietzsche, Deleuze e Guattari como referencial teórico, procuramos aplicar a lógica da sensação em nossa análise, sempre a partir do acontecimento, que tem o verbo como seu signo de partida e o fluir como geração ou regeneração de afetos. Trata-se de pesquisa bibliográfica desenvolvida no Programa de Pós-Graduação em Ensino de Língua e Literatura, da Universidade Federal do Tocantins, que tem a transignificação como procedimento de criação por meio da conjunção e da disjunção do verbal e do visual. Palavras-chave: Rizomas. Literatura Brasileira. Filosofia da Linguagem. Semiótica do Acontecimento. 1. Introdução Os versos de Hilda Hilst (2003), tirados de sua Ode descontínua e remota para flauta e oboé, ajudar-nos-ão a compreender os poemas como rizomas, como zonas de fluência entre os corpos que se encontram e os afetos advindos desses agenciamentos. Para tanto, servir-nos-emos de esquemas gráficos, posto que a poesia seja parenta das artes visuais. 2. Poesia, fluência e encontros Desde Espinosa, passando por Nietzsche e chegando a Deleuze e Guattari, os encontros são afirmados como necessários, como imprescindíveis, para a fluência das linguagens e dos signos. Deleuze, em conferência de vinte e quatro de janeiro de mil, novecentos e setenta e oito (Cours Vincennes), cita o termo latino usado para encontro: Uma vez, uma única vez, Spinoza utiliza uma palavra latina muito estranha, porém muito importante, que é occursus. Literalmente, é o encontro. O esquema abaixo pretende, de modo não euclidiano, revelar a ne- Suplemento: Anais da XIII JNLFLP 1925

cessidade dos encontros, das fluências (passagens e meios) e das linhas de fuga como constituintes múltiplos da transemiose, que, em cada rima, em cada verso, em cada estrofe e em cada poema, transignifica sons e sentidos, sempre de modo sensitivo, posto que a lógica das sensações se queira igualmente, e obviamente, sensitiva. De fato, a partir de agenciamentos é que os signos poéticos são criados para fluir como cores primárias que se misturam em secundárias (no nosso caso, amarelo e vermelho que se fluem em laranja), para provocar, resultar e criar afetos, gozos e o próprio eu. Caminhemos, então, aos versos de Hilst, para abraçarmos suas sensações e experimentarmos as nossas: Ode descontínua e remota para flauta e oboé. De Ariana para Dionísio É bom que seja assim, Dionísio, que não venhas. Voz e vento apenas Das coisas do lá fora E sozinha supor Que se estivesses dentro Essa voz importante e esse vento Das ramagens de fora Eu jamais ouviria. Atento Meu ouvido escutaria sumo do teu canto. Que não venhas, Dionísio. Porque é melhor sonhar tua rudeza E sorver reconquista a cada noite Pensando: amanhã sim, virá. o tempo de amanhã será riqueza: A cada noite, eu Ariana, preparando Aroma e corpo. E o verso a cada noite Se fazendo de tua sábia ausência. 1926 Revista Philologus, Ano 24, N 72. Rio de Janeiro: CiFEFiL, set./dez.2018.

O primeiro poema traz intuições, desejos e corpos que se querem como agenciamentos, como passagens e como devires, numa fluência contínua e sabiamente ausente. Os verbos, destacados na figura, apontam para acontecimentos, para encontros, para suposições, tendo o fora como centro uma estrofe sem versos (a terceira), a afirmação do caos como origem do movimento poético. O caos de onde o poeta faz surgir suas sensações, seus perceptos e afetos (Deleuze, em várias de suas obras, aponta, na esteira dos estoicos, os verbos como elementos pontuais do acontecimento predicativo). A primeira estrofe parte necessariamente do caos, como o trabalho de qualquer poeta, iniciando a criação de perceptos, que, segundo Deleuze, conforme encontramos na série de entrevistas alcunhada de Abecedário, não são apenas percepções, mas conjuntos de percepções e sensações que vão além daqueles que as sentem. Suplemento: Anais da XIII JNLFLP 1927

Nessa outra forma de experimentar o poema, acrescentando algo aos verbos, chegamos um pouco mais perto da completude da predicação como acontecimento, como procura de palavras, de linhas e de cores fluentes e confluentes, um pouco mais perto de sua música; já que a poesia parece estar mais ao lado da música e das artes plásticas e visuais do que da literatura, conforme nos disse Décio Pignatari (2004, p. 9), outros disseram mesmo que a poesia tem como maior inimiga a literatura, não lhe pertencendo. As leituras que fazemos são apresentações e não representações ou interpretações. De fato, precisamos aprender a apresentar o texto poético, e o texto das artes plásticas, e o texto da música. Com um pouco mais de acontecimento, mergulhamos mais na linguagem e na vida, fluímos mais entre os corpos e os afetos, entre os agenciamentos e os devires, produzindo gozo a cada noite, a cada instante da vida. Outro poema, a segunda ode, revela a poesia como vivência da vida secreta; leiamo-lo para, depois, desenhá-lo igualmente por agenciamentos, por rizomas e por devires. Porque tu sabes que é de poesia Minha vida secreta. Tu sabes, Dionísio, Que a teu lado te amando, Antes de ser mulher sou inteira poeta. 1928 Revista Philologus, Ano 24, N 72. Rio de Janeiro: CiFEFiL, set./dez.2018.

Que o teu corpo existe porque o meu Sempre existiu cantando. Meu corpo, Dionísio, É que move o grande corpo teu Ainda que tu me vejas extrema e suplicante Quando amanhece e me dizes adeus. Estes versos cantam o encontro, saúdam o agenciamento, suplicam o occursus ; e, dessa forma, amando como poeta, a mulher permite a existência e o movimento da deidade, apesar do adeus, que pode e deve ser compreendido como um direcionamento ao deus, um a ou para deus. Contemplemos outra possibilidade de apresentação do poema, desta vez menos amarela, talvez um pouco mais rubra, mesmo não o sendo completamente (o vermelho, de certo, soa a partir do amarelo, posto que seja seu vizinho): A vida poética é um sintoma sígnico do escorrer, do amor, da existência, do movimento e do canto dionisíacos, que, como fluências de sensações, de uma lógica não apolínea, fazem com que a poesia se assemelhe à música ou às artes visuais, como já foi dito, como sons, cores, linhas melódicas, pontos e superfícies de silêncio e zonas de fluência entre os corpos e Suplemento: Anais da XIII JNLFLP 1929

os amores. Os signos poéticos são sintomas das ardências, paixões e veemências, são sintomas de mistura [a palavra sintoma vem de syn+pto+ma indicando o que cai junto, o que escorrega junto, o que flui junto], como podemos contemplar nestes outros versos de Hilst: A minha Casa é guardiã do meu corpo E protetora de todas minhas ardências. E transmuta em palavra Paixão e veemência E minha boca se faz fonte de prata Ainda que eu grite à Casa que só existo Para sorver a água da tua boca. A minha Casa, Dionísio, te lamenta E manda que eu te pergunte assim de frente: À uma mulher que canta ensolarada E que é sonora, múltipla, argonauta Por que recusas amor e permanência? É preciso que Dionísio recuse a permanência do amor (o que permanece não flui), posto que o amor seja fluência e ardência, seja signo, assim como o erótico. E se é signo e fluência, o amor é também acontecimento, não substância. O amor sorve a água do outro, do amante, assim como o amante sorve o amado, mas mais do que estes, o amor é múltiplo, multiplicidade; o amante é argonauta que recusa a permanência (o amante é argonauta dos prefixos, do trans-, do des-, do para-); é argonauta das experimentações sem organicidade (e sem opacidade). Assim, o amor e a permanência recusados fluem em linhas, em hachuras, em figuras geométricas (não euclidianas), em pontos que sorvem a água do outro, em mulheres múltiplas; em suma, em perceptos nunca dantes sentidos (em sintomas vermelhos). 1930 Revista Philologus, Ano 24, N 72. Rio de Janeiro: CiFEFiL, set./dez.2018.

Porque te amo Deverias ao menos te deter Um instante Como as pessoas fazem Quando veem a petúnia Ou a chuva de granizo. Porque te amo Deveria a teus olhos parecer Uma outra Ariana Não essa que te louva A cada verso Mas outra Reverso de sua própria placidez Escudo e crueldade a cada gesto. Porque te amo, Dionísio, é que me faço assim tão simultânea Madura, adolescente E por isso talvez Te aborreças de mim. A poeta pede ao menos o instante; o amor pede, ao menos, a simultaneidade. O amor... pede o tempo do agora. V Quando Beatriz e Caiana te perguntarem, Dionísio, Se me amas, podes dizer que não. Pouco me importa Ser nada à tua volta, sombra, coisa esgarçada No entendimento de tua mãe e irmã. A mim me importa, Dionísio, o que dizes deitado, ao meu ouvido Suplemento: Anais da XIII JNLFLP 1931

E o que tu dizes nem pode ser cantado Porque é palavra de luta e despudor. E no meu verso se faria injúria E no meu quarto se faz verbo de amor. O que importa é a fluência da linguagem entre corpos e afetos. Três luas, Dionísio, não te vejo. Três luas percorro a Casa, a minha, E entre o pátio e a figueira Converso e passeio com meus cães E fingindo altivez digo à minha estrela Essa que é inteira prata, dez mil sóis Sirius pressaga Que Ariana pode estar sozinha Sem Dionísio, sem riqueza ou fama Porque há dentro dela um sol maior: Amor que se alimenta de uma chama Movediça e lunada, mais luzente e alta Quando tu, Dionísio, não estás. A poesia flui um sol maior, flui chama e flui luz. 1932 Revista Philologus, Ano 24, N 72. Rio de Janeiro: CiFEFiL, set./dez.2018.

A poesia é fluência de cores, de linhas, de superfícies sonoras, de palavras e de coisas guardadas sigilosas; é fluência de corpos e de afetos, de melodias e de nuanças coloridas de amarelo; é fluência de luas transfiguradas e rubras e agudas. 3. Considerações finais Um último desenho será a conclusão deste texto; desta vez, não mais rizomas, mas uma gota, para que a fluência se inicie aquosa, sanguínea e líquida. Suplemento: Anais da XIII JNLFLP 1933

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS DELEUZE, Gilles. Logique de la Sensation. Paris: Seuil, 2002. ; GUATTARI, Félix. Mil Platôs: Capitalismo e Esquizofrenia. Volume I, II, III, VI e V. São Paulo: Editora 34, 1995. DELEUZE, G.; GUATTARI, F. O que é filosofia? São Paulo: Editora 34, 1997. HILST, Hilda. Júbilo, Memória, Noviciado da Paixão. São Paulo: Globo, 2003. PIGNATARI, Décio. O que é comunicação poética. Cotia-SP: Ateliê Editorial, 2004. 1934 Revista Philologus, Ano 24, N 72. Rio de Janeiro: CiFEFiL, set./dez.2018.