incertezas e contradições*

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Transcrição:

DOI 10.5216/ia.v36i1.15023 Ensino Superior em Portugal: incertezas e contradições* Belmiro Gil Cabrito, da Universidade de Lisboa Resumo: No actual quadro da democracia portuguesa, por um lado, e da sua pertença à União Europeia, por outro, são vários os problemas, dúvidas e inquietações que perpassam no ensino superior. Nestas circunstâncias, neste artigo, destacam-se três desses problemas cuja análise contribuirá para um maior conhecimento da realidade portuguesa. São eles o da equidade do ensino superior; o da aprendizagem ao longo da vida; e o financiamento do ensino superior no quadro do processo de Bolonha. No que respeita a questão da equidade, discute-se a natureza ainda elitista do ensino superior em Portugal. A propósito da aprendizagem ao longo da vida, apresenta-se e interroga-se, num novo dispositivo de acesso ao ensino superior, o processo dos Maiores de 23. Finalmente, reflecte-se sobre alguns dos efeitos do Processo de Bolonha no financiamento do ensino superior, em Portugal. O artigo termina com uma reflexão final sobre as contradições e incertezas que perpassam o ensino superior em Portugal. Palavras-chave: Equidade. Aprendizagem ao longo da vida. Declaração de Bolonha. Introdução Em Abril de 1974 a democracia foi reinstalada em Portugal. Após 48 anos de ditadura, vive-se, no país, após a Revolução dos Cravos, um processo de democratização sem precedentes. Foram, e são, inúmeras as mudanças que têm vindo a ocorrer nas últimas décadas, que se concretizaram em eventos e processos de democratização tão díspares como o fim de uma guerra colonial, a salvaguarda constitucional das liberdades de expressão e * Artigo recebido em 20/08/2010 e aprovado em 22/09/2010.

CABRITO, B.G. Ensino Superior em Portugal: incertezas e contradições de associação sindical e partidária ou a tentativa de criação de um estado social no sentido do estado providência que caracterizava a maior parte das democracias europeias ocidentais, com o direito ao trabalho e à segurança social, o direito à saúde e a criação de um serviço nacional de saúde, ou a universalização da educação, em todos os níveis de ensino. No campo da educação, os números associados à mudança são avassaladores. A escolaridade obrigatória, gratuita, foi instituída iniciandose com 6 anos de escolaridade, passando, em 1986/1987, para 9 anos e, em 2005/2006, para 12 anos. Em 2010/2011 funcionará, pela primeira vez, a obrigatoriedade de um ano de escolaridade pré-primária que abrangerá todas as crianças com 5 anos de idade. Para além dos ensinos pré-primário, fundamental e médio, os efeitos da democratização do país estenderam-se, também, ao ensino superior. No ano anterior à Revolução de Abril, em 1973/1974, frequentavam o ensino superior menos de 30.000 estudantes. Hoje esse número aproxima-se dos 400.000. Simultaneamente, e acompanhando as exigências da União Europeia no que respeita à Aprendizagem ao Longo da Vida saídas da Cimeira de Lisboa (2000), no quadro da designada Estratégia de Lisboa, o ensino superior reinventa-se com a sua abertura a novos públicos, nomeadamente aqueles que não puderam frequentá-lo na idade certa e a sua reestruturação decorrente da Declaração de Bolonha (1999). Equidade, aprendizagem ao longo da vida e Bolonha constituem-se em três dos desafios a que o ensino superior português (e europeu) tem que dar resposta. Neste artigo pretendo salientar alguns dos problemas com que cada um destes desafios se tem confrontado em Portugal, na particular situação de descontentamento generalizado e de desencanto político que se vive na jovem democracia portuguesa e que é resultado de inúmeros factores, nomeadamente, a crise económica, financeira, social e de valores que o país vivencia, a que não é estranho o processo de privatização e de mercadização dos serviços públicos acompanhando a agenda global desta nova fase do capitalismo, tornado global. A equidade no ensino superior O ensino superior tem vindo a conhecer uma explosão da procura nas últimas décadas. De alguma forma, o processo de democratização que se vive no país reflectiu-se no aumento da procura social de educação, numa clara tentativa de ascensão social pela qualificação, testemunhando bem a representação que ainda existe entre os indivíduos do valor social e económico

Inter-Ação, Goiânia, v. 36, n. 1, p. 1-24, jan./jun. 2011 Dossiê 3 da educação, tornada capital humano (Becker, 1964; Schultz, 1961). Todavia, considerando que o ensino superior antes de 1974 era um ensino de elites (mónica, 1978), situação que ainda se verificava em 1995 (Cabrito, 2004) uma questão pertinente se nos coloca: quem são estes novos alunos do ensino superior? Será que este nível de ensino hoje é, realmente, um ensino de todos e para todos? Evolução da procura de ensino superior Como se pode observar no quadro 1, a procura de ensino superior cresceu de forma explosiva nos últimos 30 e tal anos, certamente os nossos anos gloriosos, os anos pós-revolução de Abril de 1974. É notório o crescimento do número de estudantes matriculados no ensino superior nas últimas décadas. De registar que este número apresentou uma evolução tendencialmente decrescente nos últimos anos em virtude, fundamentalmente, de dois factores: por um lado, o demográfico, que se concretiza numa diminuição dos valores da natalidade bem com do número de crianças em idade escolar; por outro, o abandono escolar desde o ensino fundamental, fruto de razões diversas onde pontificam o problema do emprego e a crise económica e financeira por que o país passa. Quando 1 Evolução do número de estudantes do Ensino Superior, universitário e politécnico (1), público e privado (2) Ano lectivo Nº estudantes Ano lectivo Nº estudantes 1960/61 ** 24.149 2000/01 387.703 1965/66 ** 33.972 2001/02 396.601 1970/71 ** 49.461 2002/03 395.478 1975/76 ** 70.912 2003/04 388.724 1980/81 82.428 2004/05 380.937 1986/87 116.291 2005/06 367.312 1990/91 186.780 2006/07 366.729 1995/96 313.795 2008-09 373.002 1999/00 373.745 2009-10 383.627 Fonte: Ministério da Educação Departamento do Ensino Superior GPEARI-OCES Direcção de Serviços de Estatísticas e Indicadores de 1990/1991 em diante * Barreto et alii, A Situação Social em Portugal, 1960-1995 Notas: (1) Em Portugal existem duas ofertas de ensino superior, a universitária, mais virada para a investigação e as actividades de extensão, e a politécnica, mais próxima do mercado de trabalho. (2) Desde 1986 que em Portugal existe ensino superior público e ensino superior privado.

CABRITO, B.G. Ensino Superior em Portugal: incertezas e contradições Assim, salvaguardados os anos mais recentes, em virtude da questão democrática e do abandono escolar, a procura de ensino superior tem sido explosiva (de registar que no presente ano lectivo, 2010-2011, e apesar de não serem, ainda, conhecidos os números oficiais, as primeiras informações da Direcção Geral do Ensino Superior vão no sentido de ter ocorrido um acréscimo da procura em cerca de 20000 novos candidatos). Aliás, a taxa real de escolarização dos jovens da coorte 18-22 no ensino superior cresceu, de acordo com os dados do Gabinete de Estudos e Planeamento do Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, dos 6-7%, em 1973/74, para mais de 25%, actualmente (muito embora este número fique muito aquém do registado na generalidade dos países da União Europeia). Todavia, mau grado a evolução acima registada, que testemunham o indiscutível processo de democratização do ES nos últimos 30 anos, observável pelo número de jovens que frequenta este subsistema educativo, podem colocar-se várias questões sobre este processo nomeadamente a seguinte: a esta alteração quantitativa na procura de ensino superior corresponde uma mudança estrutural na composição social e económica dos jovens que frequentam o ensino superior ou, pelo contrário, mantém-se o elitismo que caracterizava o ensino superior em Portugal, antes da Revolução Democrática? A origem social dos estudantes do ensino superior Colheita de dados Para conhecer a origem social dos estudantes do ensino do superior, e considerando a inexistência de informação oficial, utilizaram-se os resultados obtidos por dois investigadores no âmbito dos respectivos processos de doutoramento, Belmiro Cabrito e Luísa Cerdeira, relativos aos anos 1995 e 2005, respectivamente Estes investigadores aplicaram um questionário, devidamente testado, a uma amostra representativa dos estudantes do ensino superior em Portugal, que atingiu todos os estabelecimentos universitários públicos e privados do país. Belmiro Cabrito trabalhou com uma amostra de 2025 estudantes universitários; Luísa Cerdeira debruçou-se sobre o ensino superior universitário e o ensino superior politécnico, numa amostra de 1415 estudantes. Para efeitos comparativos, no que respeita à segunda investigação apenas se teve em conta as informações relativas aos estudantes universitários. Apesar das diferenças naturais existentes entre os dois questionários, foram apresentadas, no segundo questionário, questões semelhantes às

Inter-Ação, Goiânia, v. 36, n. 1, p. 1-24, jan./jun. 2011 Dossiê 5 do primeiro, com a intenção de ser possível perceber mudanças que terão ocorrido entre as duas datas e, assim, compreender melhor o fenómeno do ensino superior, em Portugal. Em ambas as investigações, as amostras representativas de âmbito nacional foram construídas em função das variáveis: distribuição geográfica da oferta de ensino superior; a natureza pública e privada do estabelecimento de ensino; curso; género; e, idade dos estudantes. A inclusão dos estudantes num grupo social com o objectivo de medir o grau de equidade do ensino superior,levou aqueles investigadores a utilizarem uma tipologia de classes assente nos estratos rendimento familiar alto/médio alto; médio; e, baixo e determinados em função dos rendimentos dos agregados familiares indicados pelos indivíduos questionados. A população portuguesa foi distribuída pelos mesmos estratos de rendimento. Para a população portuguesa foram utilizados os dados do Censo de 2001 do Instituto Nacional de Estatística porque, por um lado, não existem dados globais relativos à população portuguesa a não ser os obtidos nos anos dos Censos Nacionais; por outro lado, porque a estrutura social de uma população não é uma variável de mudança rápida, tendo em conta todos os factores de natureza social, económica, demográfica, cultural e política que a condicionam, pelo que se partiu do princípio de que a estrutura social da população portuguesa em 2001 não se afastaria muito das relativas aos anos de 1995 e 2005, constituindo, aliás, um ano central. A origem social dos estudantes universitários e o grau de equidade do Ensino Superior No quadro 2, pode observar-se a estrutura social da população portuguesa em 2001 e a estrutura social dos estudantes universitários em 1995 e 2005. Quadro 2 Composição social da População Portuguesa e dos estudantes do Ensino Superior (%) População (*) População universitária (**) Rendimento 2001 1995 2005 Alto e médio alto 9,9 17,6 17,7 Médio 52,1 69,9 73,8 Baixo 38,0 12,5 8,5 (*) Distribuição realizada pelo autor, partindo dos dados do INE Censo 2001. (**) Distribuição realizada pelo autor a partir dos dados dos questionários aplicados aos estudantes universitários pelo autor (1995) e pela Doutora Luísa Cerdeira (2005).

CABRITO, B.G. Ensino Superior em Portugal: incertezas e contradições A análise dos valores do quadro permite retirar, imediatamente, duas grandes conclusões: 1ª Os estratos sociais com rendimentos mais elevados encontram-se sobre representados na população universitária, em prejuízo dos grupos de baixo rendimento, pelo que o grau de equidade da universidade portuguesa, medido pela representação de cada grupo social no conjunto do ensino superior remete para uma universidade de elites. É bastante significativo o facto de a percentagem dos estudantes oriundos dos estratos menos favorecidos da população é, em 2005, menos que a quarta parte dos valores homólogos na população portuguesa quando, em 1995, essa percentagem correspondia a cerca de um terço da população respectiva. 2ª Em termos evolutivos, o elitismo da universidade portuguesa agravou-se, durante no período de dez anos considerado. Contrariamente ao que seria expectável ou, pelo menos, desejável, a de uma participação cada vez mais igualitária das diversas camadas da população numa universidade democrática, registou-se, entre 1995 e 2005, um forte recuo da participação dos indivíduos oriundos dos estratos sociais com menores rendimentos na universidade em benefício, todavia, dos estudantes oriundos de famílias com rendimentos médios. De referir que este recuo democrático atinge quer o ensino universitário público, quer o privado. Observem-se os valores do quadro 3. Quadro 3 Composição social dos estudantes do Ensino Superior Público e Privado (%) 1995 2005 Rendimento Pop. Portuguesa Ens. Ens. Ens. Ens. 2001 Público Privado Publico Privado Alto e médio alto 9,9 14.4 26.4 16,2 21,2 Médio 52,1 71,8 64,3 75,5 69,0 Baixo 38,0 13.8 9.3 8,2 8,5 Fonte: Cabrito (2002) e Cerdeira (2005) Os valores do quadro não só indiciam o elitismo de toda a universidade portuguesa, como nos permitem duas novas inferências: por um lado, o ensino público apresenta sempre o maior grau de equidade; por outro, em termos relativos, ao longo do período em análise, contraditoriamente o ensino público elitizou-se, tendo o ensino privado conhecido um caminho inverso. Os números apresentados se, por um lado, denotam um recuo democrático na universidade, por outro, exigem a sua a leitura mediada pelo aumento significativo do peso dos jovens oriundos da classe média na universidade, nestes dez anos. É indiscutível que ocorreu um processo de

Inter-Ação, Goiânia, v. 36, n. 1, p. 1-24, jan./jun. 2011 Dossiê 7 recomposição social da população universitária tendencialmente no sentido da massificação do ensino universitário, apesar de se manter, ainda assim, como um ensino para as elites. A origem social dos estudantes universitários, por área científica A fim de aprofundar a análise, e utilizando-se igual metodologia, foi caracterizada a origem social dos estudantes universitários por área científica, no sentido de perceber até que ponto as afirmações de Prost (1992), quando refere que a democratização do ensino ao invés de diminuir as desigualdades apenas as transferiu dos ensinos básico e secundário para o ensino superior, se aplicavam ao caso português. Nesse sentido, distribuíram-se os dois conjuntos de estudantes (1995 e 2005) pelos diferentes domínios científicos, a fim de perceber quais os cursos preferencialmente escolhidos e por que estudantes, tendo em atenção que, e remetendo para Prost, seria natural que algumas áreas científicas, as que atribuem um estatuto social mais elevado, acusam um grau de equidade bastante inferior ao de outras. Relativamente a 1995, observou-se que a população estudantil que frequentava os cursos genericamente designados por humanidades (Filosofia, História, Geografia, Línguas e Literaturas, Geografia) era a que mais se aproximava, em termos sociais, da estrutura social da população portuguesa. Na situação inversa encontrava-se a população que frequentava os cursos habitualmente associados a situações de maior prestígio e/ou riqueza, nomeadamente, Ciências da Terra, Direito, Farmácia, Arquitectura e Medicina. Em situações intermédias encontrávamos cursos mais novos, que atraem populações menos específicas, como a Economia, a Gestão, a Biologia, a Engenharia. A análise dos dados do questionário referente a 2005 evidencia uma situação semelhante. Observem-se os valores do quadro 4. Quadro 4 Composição dos estudantes universitários, por rendimento e área científica Rendimento Curso Alto e médio alto Alto e médio alto Medicina 34,1 23,9 Engenharia 21,2 9,9 Economia e Gestão 30,6 9,4 Ciências 20,4 11,5 Humanidades 12,7 14,3 Total 17,6 17,7 Fonte: Cabrito, 1995; Cerdeira, 2005

CABRITO, B.G. Ensino Superior em Portugal: incertezas e contradições Dando atenção à composição social dos estudantes em algumas áreas científicas, nas duas datas, podemos afirmar que: i) durante o período em análise, à excepção do curso de medicina, o peso dos estudantes oriundos dos estratos menos favorecidos da população, diminuiu em todos os restantes cursos; ii) evolução semelhante aconteceu com os estudantes oriundos dos estratos sociais mais favorecidos, que diminuiu em o seu peso em todos os cursos, à excepção dos estudantes de Humanidades; iii) apesar do aumento da população de baixo rendimento no curso de medicina, este continua a ser um curso altamente elitista; iv) o peso dos estudantes afectos a rendimentos médios, aumentou durante a década para todos os cursos. De algum modo os dados dão razão a Prost (1992), que denuncia a falta de democraticidade da educação superior, apesar dos processos de universalização e democratização que se tem vindo a conhecer, na Europa, nas últimas décadas. Assim, entre 1995 e 2005, a composição social da população universitária pouco se alterou, remetendo para uma Universidade de elites ao integrar, preferencialmente, indivíduos provenientes das classes média e alta em detrimento da classe baixa e ao canalizar os estudantes dos estratos menos favorecidos para os cursos associados a menor prestígio social, como os de Humanidades. Todavia, esta afirmação tem de ser relativizada pelo facto de a classe média ter visto aumentar de forma significativa a sua participação na universidade. Quer dizer, o peso das franjas (os estratos mais e os estratos menos favorecidos) diminuiu em benefício dos estudantes oriundos de famílias de rendimento médio que surgem muito sobre representados entre os estudantes universitários (73,8%), tendo em conta o seu peso na população portuguesa (52,1%, em 2001). Os novos públicos e o processo dos Maiores de 23 Na Cimeira de Lisboa, a União Europeia desvendou a sua agenda para a próxima década, a designada Estratégia de Lisboa, onde decide a sua transformação numa economia imaterial (Carré, 2005, p.3). Nesta Cimeira, a União Europeia entrou numa nova fase de produção de bens imateriais e impôs-se a si própria como objectivo primordial para a nova década, o de se transformar numa sociedade (economia) do conhecimento, tendo apresentado, a propósito, o Memorando sobre a Aprendizagem ao Longo da Vida, que é definida como como actividade útil realizada de maneira contínua com o objectivo de melhorar as qualificações, os conhecimentos e as atitudes dos indivíduos (Memorando sobre a Aprendizagem ao Longo da Vida, p. 3).

Inter-Ação, Goiânia, v. 36, n. 1, p. 1-24, jan./jun. 2011 Dossiê 9 A consecução deste objectivo teve consequências diversas no quadro da formação de adultos nos diferentes países da União, fundadas nos processos de reconhecimento e de validação de competências. Um dos domínios onde este processo de reconhecimento do valor da experiência veio a ocorrer foi o do ensino superior. Em Portugal, foi criado um novo dispositivo de acesso ao ensino superior designado genericamente de Maiores de 23, já por mim abordado, junto do público brasileiro, em Conferência proferida na Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis. (Cabrito, 2008). O Processo dos Maiores de 23: breve descrição Desde 2006, como resposta à diminuição gradual do número de jovens que procuram o ensino superior, em virtude da questão demográfica; e como forma de combate à exclusão e à discriminação, foi permitido às instituições de ensino superior oferecerem uma nova modalidade de acesso, onde a experiência e os conhecimentos adquiridos dos candidatos, decorrentes do exercício do trabalho ou das relações sociais, são certificados. Esta experiência é genericamente designada por Maiores de 23 e destinada a adultos maiores de 23 anos, cujo percurso académico, social e profissional pode ser objecto de validação e de certificação (Decreto-lei nº 64/2006) e responde à Comunicação da Comissão Europeia ao Parlamento Europeu em 15 de Maio de 2006 intitulada Realizar a Agenda da Modernização das Universidades: Ensino, Investigação e Inovação : Com esta medida esperava-se alargar o ensino superior a novos públicos, aqueles que a ele não acederam na idade normal e contribuir, em simultâneo, para impedir a diminuição de estudantes no ensino superior e diminuir a natureza ainda elitista desse nível de ensino em Portugal (Cabrito, 2002; Cerdeira, 2009). O processo Maiores de 23 constitui um dispositivo de acesso ao ensino superior para os adultos com mais de 23 anos, quaisquer que sejam as suas habilitações académicas. Apenas têm que demonstrar, através de um exame presencial, do currículo vitae e de uma entrevista, capacidade para frequentar, com sucesso, este nível de ensino. Trata-se de um concurso extraordinário que avalia não tanto os conhecimentos dos candidatos mas sim a sua capacidade argumentativa e de raciocínio lógico ao mesmo tempo que certifica a experiência profissional e restantes aprendizagens adquiridas e competências desenvolvidas, a partir de um processo de reconhecimento e certificação dos adquiridos. A classificação final de cada um dos candidatos resulta da média ponderada das

CABRITO, B.G. Ensino Superior em Portugal: incertezas e contradições classificações do exame escrito (que vale 40% da nota final) e da análise do currículo vitae e da entrevista (que valem, conjuntamente, 60% da nota final). Na correcção da prova escrita são privilegiadas as capacidades de interpretação e análise de um texto, de reflexão em torno de um problema, de argumentação lógica e de escrita formal, sendo, para o efeito, utilizado o Referencial Europeu de Competências Chave para a Educação e Formação de Adultos. Na análise do currículo, elaborado em conformidade com o modelo de currículo europeu adoptado pela União Europeia, o Europass CV, são consideradas as habilitações académicas e experiências profissionais dos candidatos e sua relação com o curso a que se candidatam; o percurso profissional; a formação profissional contínua; as competências linguísticas e informáticas; as competências sociais (quais e em que contexto foram adquiridas); e, outras informações que o candidato julgue útil apresentar (como os hábitos de leitura; a prática associativa; a prática desportiva; os hobbies; etc.). A entrevista, serve para perceber a capacidade argumentativa dos candidatos e a capacidade para resolver problemas e responder a novas situações, bem como a sua atitude face ao outro. A experiência dos Maiores de 23: novos públicos ou um problema de consciência do sistema Caracterização dos candidatos Tendo em atenção o objectivo fundamental deste dispositivo de acesso: abrir o ensino superior a novos públicos, trabalhadores que não fizeram estudos na sua idade normal, é imperioso perceber se os novos alunos são, efectivamente, novos públicos. Nesse sentido, é importante caracterizar todos candidatos ao ensino superior em Portugal, pela via dos Maiores de 23. Em virtude da inexistência de dados oficiais nacionais sobre a caracterização dos candidatos, bem como as dificuldades na obtenção de dados nas centenas de instituições de ensino superior do país, realizei um estudo de caso (Bogdan & Bicklen, 1994), de natureza exploratória utilizando, o caso da Universidade de Lisboa, uma instituição pública que é a segunda maior instituição de ensino superior do país, com mais de 20000 estudantes. Em consequência, os resultados que de seguida se apresentam, bem como as inferências e conclusões tecidas devem ser observados com as devidas cautelas por representarem, apenas, uma situação (Yin, 2001).

Inter-Ação, Goiânia, v. 36, n. 1, p. 1-24, jan./jun. 2011 Dossiê 11 Os dados analisados contemplam os quatro anos com que a experiência já conta e foram recolhidos junto do Gabinete de Apoio ao Acesso e Creditação de Qualificações da Universidade de Lisboa. Observe-se, então, o número total dos indivíduos que se candidataram ao Processo dos Maiores de 23 bem como do número daqueles que vieram, efectivamente, a ingressar na Universidade de Lisboa, entre 2006 e 2010. Quadro 5 - Evolução do número total de candidatos e de ingressos Anos 2006 2007 2008 2009 2010 Nº candidatos na UL 470 752 639 724 900 Nº ingressos na UL 168 200 187 191 Nd (*) Total de ingressos no país 10.856 11.773 10.489 10.003 Nd (*) Fonte: Ana Paula Curado, Gabinete de Apoio ao Acesso e Creditação de Qualificações da Universidade de Lisboa Estatísticas Oficiais de Educação do GPEARI Ministério da Ciência, da Tecnologia e Ensino Superior, para os números nacionais (*) nd dados ainda não disponíveis No que respeita ao número de candidatos, após um crescimento nos primeiros anos observa-se uma queda de 2007 para 2008, entretanto já absorvida nos anos posteriores, contrariando, aliás, a tendência nacional. Por seu turno, o número de ingressos nunca decresceu na Universidade, sendo de registar um aumento bastante significativo no último ano, situação que resulta da conjugação de vários factores, uns administrativos, como o aumento do número de vagas disponíveis, a adesão de mais Faculdades da Universidade de Lisboa ao processo e as campanhas de publicitação do dispositivo; e, outras, relacionadas com os próprios candidatos, nomeadamente o seu êxito nas provas prestadas. A evolução da taxa de crescimento dos ingressos, revelando uma situação mais positiva do que a dos candidatos, explica-se, fundamentalmente, pelo progressivo êxito dos candidatos nas provas de selecção do processo, nomeadamente na prova escrita, facto a que não será estranho o elevado nível de conhecimentos dos candidatos, medido pelo seu nível de habilitações académicas, e a respectiva idade. No quadro 6 apresenta-se a forma como tem evoluído, em média, a idade dos novos estudantes que ingressaram pelo processo dos Maiores de 23. Como se pode observar, o nível etário que apresentou maior número de frequências foi o dos 24 anos, isto é, a idade de indivíduos que se encontram no limiar da idade mínima exigida no processo de candidatura, e que permite questionar até que ponto esta modalidade de acesso ao ensino superior se

CABRITO, B.G. Ensino Superior em Portugal: incertezas e contradições encontra, de facto, a atrair indivíduos adultos que não frequentaram estudos superiores em tempo útil. Quadro 6 Idade dos candidatos Ano Média Moda 2006 37 24 2007 34 24 2008 33 24 2009 33 24 2010 34 24 Fonte: Ana Paula Curado, Gabinete de Apoio ao Acesso e Creditação de Qualificações da Universidade de Lisboa Assim, apesar da existência de candidatos com idades elevadas, é indesmentível o peso dos muito jovens neste conjunto. Esta juventude ainda é ilustrada com a evolução da média de idades, que diminuiu ao longo do período, descendo dos 37 anos em 2006 para os 34 em 2010. Os dados acima interrogam, pois, os próprios objectivos do processo: a de trazer novos públicos (indivíduos em situação de trabalho; indivíduos mais velhos) para o ensino superior. Naturalmente, a situação que a idade dos candidatos aponta terá de influenciar a idade média dos novos estudantes. Observe-se o quadro 7: Quadro 7 Idade dos candidatos que ingressaram através do processo Maiores de 23 Ano Média na Universidade Moda 2006 37 24 2007 34 24 2008 33 24 2009 33 24 2010 33 24 Fonte: Ana Paula Curado, Gabinete de Apoio ao Acesso e Creditação de Qualificações da Universidade de Lisboa Indiscutivelmente, tal como ocorria com os candidatos, também os novos estudantes são, maioritariamente, jovens. Curiosamente, esta juventude deverá acarretar uma pobre experiência profissional. A ser assim, e considerando que esta modalidade de acesso certifica as aprendizagens de vida e experienciais, como explicar a predominância, entre os novos alunos, dos mais novos, a não ser pelo seu nível académico?

Inter-Ação, Goiânia, v. 36, n. 1, p. 1-24, jan./jun. 2011 Dossiê 13 Vejamos, o nível académico destes candidatos ao ensino superior, no quadro 8. Quadro 8 - Habilitações académicas dos novos estudantes Ano 9ª série ou menos 12ª série Frequência ou diploma de ES 2006 43 40 17 2007 26 43 30 2008 29 51 20 2009 15 60 24 2010 10 67 23 Fonte: Ana Paula Curado, Gabinete de Apoio ao Acesso e Creditação de Qualificações da Universidade de Lisboa Os valores do quadro demonstram o fraco peso dos candidatos que têm até à 9ª série no conjunto do total de candidatos, cujo percentual, aliás, diminuiu fortemente ao longo do período. Esta diminuição contrasta com o que se verificou com os indivíduos portadores da 12ª série, que corresponde ao nível de habilitação necessária para o acesso ao ensino superior pela via regular. E é significativo, ainda, a percentagem de candidatos que já passaram pelo ensino superior. Da análise dos valores do quadro podemos concluir que esta medida de acesso ao ensino superior tem apresentado maior atracção para os indivíduos com habilitações médias e superiores (57%; 64% e 72%) do que para aqueles cujo nível de escolaridade não permite a candidatura a estudos superiores pela via normal (abaixo da 12ª série). Deste modo, e conjugando as variáveis idade e habilitação académica, torna-se claro o facto de que jovens portadores da 12ª série aproveitam esta nova oportunidade como mais uma hipótese de entrada no ensino superior. O mesmo sucede com indivíduos portadores de estudos superiores que aproveitam o dispositivo Maiores de 23 para adquirirem outros diplomas académicos vendáveis no mercado de trabalho, num período de desemprego generalizado dos jovens graduados como o que as economias desenvolvidas conhecem actualmente. Apesar do objectivo deste dispositivo ser o de trazer novos públicos à universidade, trabalhadores com experiência de vida a ser certificada, a experiência dos 4 anos de vida desta modalidade de entrada no ensino superior vem demonstrar que os conhecimentos são privilegiados em detrimento daquela experiência. O facto de estudos em outras instituições de ensino superior virem a evidenciar situações semelhantes à da Universidade de

CABRITO, B.G. Ensino Superior em Portugal: incertezas e contradições Lisboa (PIRES, 2009), vem alargar o perigo de que a medida dos Maiores de 23 possa vir a ser genericamente utilizada como mais uma porta de entrada dos estudantes tradicionais, ao invés de uma medida de atracção dos novos públicos, como se o sistema tivesse criado uma outra forma de entrada para os seus excluídos. Desafios e respostas do ensino superior europeu à Declaração de Bolonha O desenvolvimento da União Europeia, bem como dos seus estadosmembros, assenta num conjunto de princípios como os da liberdade de circulação de capitais, de mercadorias e de pessoas. Ora, no que respeita à mobilidade de pessoas, uma das dificuldades que se tem colocado é o da dificuldade de reconhecimento das qualificações e competências de que cada indivíduo é portador, em virtude da existência de vários sistemas educativos, tantos quantos são os estados-membros, que se diferenciam pela estrutura do sistema, nome e duração dos cursos, assuntos e disciplinas leccionados, modos de avaliação, etc. A resolução deste problema encontra-se na origem da criação de um Espaço Europeu de Ensino Superior (que é mesmo mais extenso do que a própria União) e nas propostas de reforma do ensino superior na Europa a que 25 ministros europeus da educação chegaram e que consubstanciaram na Declaração de Bolonha, em1999. O reconhecimento de que ultrapassar esta dificuldade e da necessidade de existência de reconhecimento das habilitações e competências explica e justifica, em grande parte, a criação de um dispositivo que torne fácil e imediato medir e comparar aprendizagens, competências e experiências através de um dispositivo de reconhecimento automático dos diplomas que cada país atribui. A Declaração de Bolonha veio contribuir para a resolução desse problema ao propor a utilização do European Credit Transfer System (2003). Com este dispositivo de comparação, os conhecimentos e competências de cada indivíduo são medidos em créditos os quais podem ser comparados, certificados e utilizados livremente em qualquer país aderente à Declaração de Bolonha, porque representam unidades padrão, os ECTs. Com o European Credit Transfer System o que se compara deixam de ser títulos académicos (que, por vezes, nem possuíam, sequer, equivalente semântico em alguns países), para o ser em termos de créditos. Cada crédito é determinado em função do número de horas que, em média, o estudante precisa para concluir cada disciplina de um curso do ensino superior, sendo

Inter-Ação, Goiânia, v. 36, n. 1, p. 1-24, jan./jun. 2011 Dossiê 15 que cada ano de ensino superior corresponde a 60 ECTs e representa um conjunto de competências reconhecidas por todos os assinantes da Declaração de Bolonha. A Declaração de Bolonha e a estrutura do ensino superior europeu A aplicação dos princípios da Declaração de Bolonha surge, desde logo, dificultada pelo facto de que os sistemas de Ensino Superior dos diversos países europeus não apresentarem estrutura igual. Títulos e diplomas são diferentes, assim como o é o número de anos para obter cada um desses diplomas. Este facto exigiu, portanto, uma verdadeira revolução nos sistemas de ensino que conduza a alguma uniformidade na estrutura do ensino superior e que se concretizou, entre outras, na seguinte questão: qual o número de anos e de créditos exigidos para que o estudante disponha de um diploma de ensino superior? Obviamente, não há uma resposta, mas várias respostas a esta questão, em especial se dermos atenção ao facto de que antes da aplicação da Declaração de Bolonha, em alguns países apenas existia ensino universitário (Reino Unido, Espanha, etc.) e noutros existia o ensino universitário e o ensino superior politécnico (França, Alemanha, Portugal, etc.); que em alguns países a graduação se fazia numa única etapa com uma duração de 4/5 (ou mesmo 6 anos em domínios particulares como a medicina) e que noutros países deparávamos com percursos curtos (de 2/3 anos) e percursos longos (4/5 ou mesmo 6 anos), etc. Perante esta diversidade, basicamente centrada ou no modelo anglosaxão (que se caracteriza por um primeiro ciclo de 3 anos e um primeiro diploma de graduação; um segundo ciclo de 2 anos, fazendo corresponder a estes 5 anos o título de mestrado; e um terceiro ciclo de 3 anos, do qual resulta um doutoramento) ou no modelo continental (que se caracteriza por um primeiro ciclo de 4/5 anos correspondendo-lhe um primeiro diploma; um segundo ciclo de 2/3 anos, a que corresponde o mestrado; e um terceiro ciclo de 3 ou mais anos, que atribui o título de doutoramento), a Europa de Bolonha foi forçada a realizar uma opção. Essa opção recaiu no modelo anglo-saxónico, o modelo de 3+2+3 anos, ainda que cada país possa aplicálo de forma contextualizada. Assim, um 1º ciclo de 3 anos e um 2º ciclo de 2 num país, podem ser substituídos por um 1º ciclo de 4 anos e um 2º ciclo de 1 ano noutros, ou por um único ciclo integrado de 5 anos.

CABRITO, B.G. Ensino Superior em Portugal: incertezas e contradições Todavia, a circulação e a equidade exigem que se adopte uma estrutura no ensino superior tão semelhante quanto possível (Hortale; Mora, 2004) pelo que da anterior diversidade, por razões de reconhecimento e de circulação do capital intelectual, chegou-se à uniformidade, apesar de se reconhecer a possibilidade de iniciativas individuais diferenciadas. Naturalmente, essas iniciativas individuais são quase inexistentes pois a diversidade custa caro a países e a estudantes, com percas nas respectivas competitividades. Afinal, e numa perspectiva bem próxima das teorias do capital humano (Becker, 1964; Schultz, 1961) quem é que quer perder mais tempo para obter um diploma de graduação para valer o mesmo que aquilo que se obtém com menos tempo? Por outro lado, pelo facto de a União Europeia concorrer no mercado internacional, nomeadamente com os EUA, a opção de 3+2+3 impôs-se como a que garante maiores ganhos de produtividade ao seu capital intelectual. Adoptado o novo modelo de ensino superior por todos os países da União, independentemente de especificidades próprias de cada país, isto é, vencido o desafio da uniformização da estrutura do ensino superior na Europa, fica-nos um amargo de boca quando repensamos a razão primeira desta mudança: a necessidade de ganhar, até 2010, a competição com as restantes economias, nomeadamente a norte-americana e a japonesa. Ou seja, a Declaração de Bolonha explica-se, em muito, por uma questão económica, as exigências do mercado internacional, e não por razões internas aos próprios sistemas educativos. Assim sendo, será que este processo não terá consequências muito negativas na Europa Social, (neste momento, em caminho acelerado para uma Europa Liberal do Capital), seja ao nível do ensino seja ao nível da investigação? (Duclert; Chatriot, 2003) Mais do que discutir a validade do modelo adoptado, esta é que é a verdadeira questão. A educação e a universidade europeia mercadorizam-se (Barkholt, 2005) e a ligação desejável do ensino superior ao mundo real (Zaharia; Gibert, 2005) está a tornar-se no objectivo primeiro deste nível de ensino, ao mesmo tempo que a participação de alunos e famílias para o financiamento das instituições atinge valores cada vez mais mercantis (Cabrito, 2002; Cerdeira, 2008) numa clara resposta ao apelo da OMC e da OCDE para uma maior participação dos indivíduos no financiamento dos serviços públicos. Neste quadro, a equidade, a democratização e a investigação fundamental ficam para trás (Charle; Buono; Gaubert; Soulié, 2004).

Inter-Ação, Goiânia, v. 36, n. 1, p. 1-24, jan./jun. 2011 Dossiê 17 A Declaração de Bolonha e o financiamento das instituições de ensino superior: o caso português As medidas de política educativa que vêm sendo tomadas pelos estados na sequência da Declaração de Bolonha vão no sentido da privatização da educação que, de serviço de natureza pública se torna, cada vez mais, serviço económico de interesse geral (Barkholt, 2005) que será objecto de compra e venda num mercado da educação que Weiler já anunciara em 1999. Este sentido da privatização da coisa pública que os ventos ultraliberais da globalização também trouxeram à Europa do Estado Providência, tem a sua visibilidade na cada vez maior exigência que se coloca às instituições de ensino superior público em diversificarem as suas fontes de financiamento recorrendo não só à produção de conhecimento para o mercado mas, também, à exigência feita aos estudantes de pagarem a sua frequência na instituição, contrariando a tradição europeia de gratuitidade deste e dos restantes serviços de natureza pública. Assim, e, pelo menos, em Portugal, a opção Bolonha trouxe um custo monetário grave para os estudantes e para as instituições de ensino superior, que poderá vir a ter efeitos na qualidade do ensino afectando, deste modo, o desafio da competitividade que se espera alcançar. E esse custo corresponde ao forte desinvestimento do Estado no ensino superior criando um forte défice financeiro destas instituições. Vejamos, então, por que razão a opção realizada na sequência da Declaração de Bolonha se concretiza numa perca substantiva de financiamento das instituições de ensino superior, por parte do seu financiador tradicional, o Estado. Até à aplicação da Declaração de Bolonha, a duração do 1º ciclo, correspondente à graduação, era de 5 anos; o grau de mestrado, o 2º ciclo, tinha a duração de 2 anos; e, o 3º ciclo, que conduzia ao grau de doutor tinha uma duração que variava, habitualmente, entre os 3 e os 5 anos. Em termos de financiamento, o Estado financiava a instituição de ensino superior de acordo com uma fórmula de financiamento onde o número de alunos matriculados era fundamental. Deste modo, o Estado financiava todo o 1º ciclo, isto é, os 5 anos necessários para obter o diploma de graduação e financiava, ainda, o 1º ano do 2º ciclo, isto é, o 1º ano do mestrado das instituições, em função do número de alunos matriculados nos primeiro e segundo ciclos. Feitas as contas, o Estado financiava 5+1 anos, isto é, 6 anos de ensino das instituições de ensino superior. Após a aplicação da Declaração de Bolonha, o Estado continua a financiar as instituições de ensino superior em função do número de alunos

CABRITO, B.G. Ensino Superior em Portugal: incertezas e contradições matriculados no 1º ciclo, isto é, 3 anos e, em algumas circunstâncias de mestrado integrado (como acontece no curso de psicologia, por exemplo, pois o exercício da profissão de psicólogo exige, de acordo com normas internacionais, 5 anos de ensino superior). As poupanças que alguns dos governos europeus, nomeadamente o português, fazem com este modelo de ensino superior são tão absolutamente fantásticas que permitem duvidar, mais uma vez, das razões subjacentes à Declaração de Bolonha remetendo-as para, fundamentalmente, razões de natureza económica (Cabrito, 2005). Naturalmente, este défice de financiamento estatal às instituições de ensino superior tem de ser colmatado pela angariação de financiamentos noutras fontes e explica as políticas aguerridas e concorrenciais que estas instituições vêm utilizando para conseguir financiamentos no mercado seja a partir da prestação de serviços à colectividade, seja da produção de investigação vendável no mercado, seja da exigência de pagamentos anuais aos estudantes, para frequentar o ensino superior público que a Constituição da República Portuguesa consagra como tendencialmente gratuito. A Declaração de Bolonha, e os desafios do desenvolvimento pessoal e da equidade Em termos individuais, o processo de Bolonha pode ter consequências negativas importantes no que respeita ao desenvolvimento pessoal e social dos cidadãos que passam pelas instituições de Ensino Superior, em virtude da natureza mais vocacional que será dada aos anos que constituem o 1º ciclo. De facto, uma vez que o 1º ciclo do ensino superior, de 3 anos, prepara os estudantes para o mercado de trabalho, este ciclo tem, actualmente, uma natureza fortemente profissionalizante. Assim, esta formação inicial que prepara os jovens para a vida activa, exige um currículo onde os assuntos de natureza mais profissional e vocacional são decisivos, em manifesto prejuízo de assuntos de natureza mais geral e epistemológica que caracterizava o anterior 1º ciclo de cinco anos. Deste modo, os novos diplomas do 1º ciclo são mais profissionalizantes podendo mesmo vir a cair-se no modelo de especialização norte americano, modelo altamente utilitarista (Charle, Buono, Gaubert & Soulié, 2004) que esquece as questões de relação, de comunicação, de reflexão em benefício de questões directamente relacionadas com o exercício de uma profissão. Por outro lado, em virtude do subfinanciamento progressivo das instituições de ensino superior público através do Orçamento de Estado, são de

Inter-Ação, Goiânia, v. 36, n. 1, p. 1-24, jan./jun. 2011 Dossiê 19 prever graves consequências futuras, nomeadamente ao nível da equidade, seja ao nível das instituições de ensino superior seja ao nível dos indivíduos. Ao nível das instituições, as desigualdades já existentes vão agravarse em virtude da diferente capacidade de captação de concursos e contratos por parte das diferentes instituições seja em função da sua área científica seja em função da sua maior ou menor proximidade dos mercados. Ao nível dos indivíduos, a permanência na instituição torna-se mais difícil par os jovens de estratos sociais mais desfavorecidos, pelo facto de terem de pagar maiores anualidades em qualquer dos ciclos, remetendo para uma menor capacidade destes jovens em prosseguir estudos após o ensino médio e, já no ensino superior, em prosseguir para os 2º e 3º ciclos. Em ambas as situações agravar-se-á a equidade do ensino superior, em Portugal, reproduzindo-se uma educação superior para as elites. Nestas circunstâncias, é expectável que o ensino superior deixe de cumprir a sua função fundadora que é a da produção de Conhecimento, em benefício da produção de conhecimentos aplicáveis directamente ao mercado produtivo. Desta forma, estaremos perante processos de produção de competências operatórias e de investigação aplicada, importantes para a colectividade, certamente, mas que representam um défice individual e colectivo. Assim, o destino do actual ensino superior parece ser o de vir a constituir-se num processo de produção de indivíduos imediatamente aproveitáveis pelo mercado, esquecendo a sua função de contribuir para o desenvolvimento pessoal dos cidadãos, o que passa pelo desenvolvimento da autonomia, da criatividade, da capacidade de decisão, etc., e, esquecendo-se, também, da sua função de desenvolvimento das sociedades (Cabrito, 2005; Cabrito; Cerdeira, 2008). Na verdade, não será por acaso que em Portugal, e noutros países certamente, se vêm encerrando cursos com poucos alunos (como os cursos de literatura, de linguística, de filosofia, de epistemologia, ou qualquer outro da área das Humanidades em geral ou mesmo de algumas áreas científicas, como a física, a química ou a geologia), porque não são economicamente viáveis. A execução da Declaração de Bolonha coloca, assim, desafios que o tempo nos dirá se as instituições de ensino superior conseguiram ganhar. Reflexões finais Portugal vive hoje, finais de 2010, uma crise sem precedentes. É uma crise financeira e é uma crise económica. As mais recentes medidas de recuperação da economia anunciadas pelo governo vão no sentido de

CABRITO, B.G. Ensino Superior em Portugal: incertezas e contradições um novo acréscimo (brutal) dos impostos directos e indirectos; no aumento do preço dos bens essenciais, nomeadamente os de primeira necessidade e os medicamentos; no corte dos salários aos funcionários públicos; no corte dos financiamentos ao ensino superior, ao serviço nacional de saúde e à segurança social com o objectivo bem economicista de reduzir o deficit com o exterior; etc. A privatização da coisa pública está a fazer-se em ritmo esfusiante. As parcerias público-privado, onde o público perde e o privado, lucra, encontram-se em marcha acelerada. Mas, é também uma crise de valores. Espartilhado na globalização desregulada do capitalismo selvagem total, o fosso entre os 20% mais pobres e os 20% mais ricos aumenta diariamente. No quadro da União Europeia, Portugal é o país onde esse fosso é mais acentuado. A equidade é uma figura de retórica no discurso político. O ambiente que se vive no país é de descontentamento geral e de desconfiança face ao futuro. Naturalmente, também o ensino superior é apanhado por esta situação difícil e os desafios que se lhe colocam, muitos e variados. Desse conjunto, destaquei três que, pela sua importância me pareceram fundamentais para o grande público pouco familiarizado com a realidade portuguesa. Foram eles o desafio da equidade, o desafio da procura de novos públicos para o ensino superior e o desafio da aplicação da Declaração de Bolonha. E, os resultados da resposta do ensino superior a estes desafios não têm sido na direcção desejada. Assim, ao nível da equidade, a situação actual mostra-nos um ensino superior pouco equitativo, elitista, cujo grau de equidade diminuiu na última década. Apesar do esforço para diversificar a base social de recrutamento para o ensino superior, a verdade é que os números denotam um forte desequilíbrio entre a estrutura social da população portuguesa e a estrutura social da população do ensino superior, seja no sector público seja no sector privado. Para além disso, permanece uma distribuição desse público por áreas científicas de estudo fortemente conservadora e reprodutora de desigualdades, com os jovens oriundos dos estratos sociais mais ricos a frequentarem os cursos associados a maiores prestígio e estatuto social, cursos que também foram frequentados pelos familiares e de quem esses estudantes irão herdar consultórios e clientes como qualquer outro património imobiliário, num verdadeiro processo de reprodução social, como o caracterizaram Bourdieu e Passeron (1964, 1970). No que respeita à atracção de novos públicos para o ensino superior, a experiência portuguesa dos Maiores de 23, aliás a mais importante medida de política educativa tomada pelos Governo nesse sentido, não tem trazido

Inter-Ação, Goiânia, v. 36, n. 1, p. 1-24, jan./jun. 2011 Dossiê 21 os resultados esperados. Acautelando o facto de ainda não existirem estudos nacionais de avaliação desta medida, o caso da Universidade de Lisboa denuncia um processo que serve mais como uma outra forma de acesso ao ensino superior para aqueles que não conseguiram aceder pela via normal, do que para trazer novos públicos à universidade. É extremamente baixa a percentagem de indivíduos com forte experiência profissional e de vida e baixo nível de qualificações académicas que consegue aceder ao ensino superior através deste dispositivo. O contrário se passa, exactamente, com aqueles que detêm elevados níveis de qualificação académica, para os quais o dispositivo não terá sido, pelo menos de forma explícita, criado. Finalmente, no quadro dos desafios que a implementação dos princípios incluídos na Declaração de Bolonha coloca, os resultados são, em diferentes níveis, decepcionantes. Assim, a expulsão dos jovens para o mercado de trabalho, ao fim do 1º ciclo, tem sido controversa, pois esses jovens acabam por ser preteridos em benefício daqueles que detêm cinco anos de ensino superior, tenha esse capital sido obtido antes da Declaração de Bolonha, seja depois. Em consequência, e contrariamente ao resultado esperado de uma entrada dos jovens mais cedo no mercado de trabalho, mais de 90% dos jovens que terminam o 1º ciclo, prosseguem estudos para a obtenção do diploma de 2º ciclo. Por outro lado, para esse prosseguimento de estudos, os jovens têm de pagar importantes quantias, mesmo nas instituições públicas, o que coloca questões relacionadas com a (in)capacidade financeira de um bom número desses jovens. Assim, uma boa parte dos jovens que desistem de prosseguir estudos fá-lo em virtude das dificuldades financeiras; os restantes jovens oriundos dos estratos sociais menos endinheirados que prosseguem estudos são forçados a contrair empréstimos e têm uma qualidade de vida bem diferente da dos seus outros colegas. De referir, todavia, duas situações de sucesso, com a implementação da Declaração de Bolonha. Por um lado, assiste-se a uma mobilidade interinstitucional nunca antes conhecida ou, sequer, possível, com jovens a realizar o 1º ciclo numa área e o 2º ciclo noutra, na perspectiva de se tornar mais viável a sua entrada no mercado de trabalho; por outro, assiste-se ao regresso à universidade de adultos já possuidores de diploma do 1º ciclo (de cinco anos, cursos anteriores a Bolonha), para obtenção do diploma de mestrado uma vez que o mercado cada vez mais exige esse diploma para cargos e funções de elevada responsabilidade. No que respeita às instituições públicas de ensino superior, a implementação dos princípios da Declaração de Bolonha acarretou situações de