IMAGINÁRIO, LINGUAGEM VERBAL E ADOLESCENTES



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IMAGINÁRIO, LINGUAGEM VERBAL E ADOLESCENTES Alice Vieira * Como sucede com toda grande arte, o significado mais profundo do conto de fadas será diferente para cada pessoa, e diferente para a mesma pessoa em vários momentos de sua vida. ( Bettelheim ) Estudos sobre a imaginação simbólica e sua conseqüente revalorização, no mundo ocidental, comprovam o papel preponderante que ela exerce não só no equilíbrio psicossocial do homem, mas também no processo de aquisição e produção de conhecimento 1. Entre os temas constituintes do imaginário coletivo, os contos de fadas, representando modelos culturais arcaicos emergentes, por sua força e atemporalidade, continuam atendendo a necessidades afetivas, psíquicas e sociais do homem. A atualidade dos contos tradicionais pode ser observada na sua apropriação e divulgação pelos meios de comunicação, bem como na atração exercida em crianças, jovens e adultos. Histórias em quadrinhos, desenhos animados, filmes musicais são algumas das adaptações oferecidas ao público, ao lado das formas mais tradicionais como contar e ouvir histórias. Bruxas, fadas, lobo mau, gigantes e anões, reis e rainhas, príncipes e princesas, menininhas indefesas, garotinhos perdidos povoam o imaginário * Doutora em Educação pela F.E.U.S.P, Mestre em Literatura Portuguesa pela F.F.L.C.H.-USP, Professora Doutora da F.E.U.S.P., Coordenadora do Laboratório de Leitura da F.E.U.S.P. 1

individual e coletivo, alimentando a fantasia, despertando o lúdico, recriando e solucionando situações e conflitos emocionais. O encontro com essas personagens e mitos ocorre no lar, na escola, pela televisão, cinema, revistas, publicidade, isto é, por linguagens, veículos e locais diversificados. O entrecruzamento das linguagens verbal e não-verbais constrói uma rede sígnica resultante do jogo de relações em que um signo se opõe e remete a outro signo. Segundo Bakhtin: Afinal, compreender um signo consiste em aproximar o signo apreendido de outros signos já conhecidos; em outros termos, a compreensão é uma resposta a um signo por meio de signos.(...) Essa cadeia de criatividade e de compreensão ideológicas, deslocando-se de signo em signo para um novo signo é única e contínua... 2. A linguagem verbal, no entanto, é o fator essencial que subjaz e estrutura a representação de mundo, que se sustenta na rede sígnica. Nesse sentido, este trabalho privilegia e circunscreve-se à representação do imaginário de adolescentes expressa na linguagem verbal. O poder encantatório das palavras bem como o fascínio que elas exercem sobre crianças e adolescentes poucas vezes são explorados na escola. O contato 1 DURAND, Gilbert.A imaginação simbólica, São Paulo, Cultrix/Edusp, 1988. 2 BAKHTIN, Mikhail. Marxismo e Filosofia da Linguagem, São Paulo, Hucitec, p.33-34, 1988. 2

com as palavras, os sons, as formas desencadeia o processo criativo possibilitando a entrada em um mundo misterioso e inexplorado. Brincar com as palavras, criando sons e combinações diferentes, inventar histórias dando expansão a imaginação criadora é uma necessidade do adolescente. Necessidade muitas vezes sufocada por regras e exercícios escolares. O adolescente e a criança, de acordo com Chateau 3, distingüem-se pela maneira como brincam e criam histórias. A criança inventa histórias a partir de uma brincadeira, de um jogo; enquanto o adolescente gosta de brincar de inventar histórias. Nessa diferença aparentemente sutil, ocultamse inúmeras possibilidades de exploração lingüística e criativa. Articular a necessidade de criação ficcional com o jogo, desenvolvendo o imaginário e o lingüístico, eis um desafio para os educadores. O trabalho de Gianni Rodari, Gramática da fantasia 4, insere-se nessa linha de projeto que visa a essencialmente despertar e estimular o imaginário e a linguagem verbal. Relatando atividades realizadas com crianças, na Itália, Rodari propõe jogos, que abrindo as portas da imaginação, liberam o sonho e a fantasia. Embora tenham sido criadas para as crianças, as propostas apresentadas aplicam-se a adolescentes e adultos. Foi o que fizemos. 3 CHATEAU, Jean. Réel et l imaginaire dans le jeu de l enfant - Essai sur la genèse de l imagination, Paris, Librairie Philosophique J. Vrin, 1975. 3

Alunos de Prática de Ensino de Português, do curso de Licenciatura da Faculdade de Educação - USP, vivenciaram alguns exercícios em sala de aula. Eis o depoimento de uma aluna: Parecíamos camponeses que, ao som de músicas folclóricas, partilham o pão, o sal e o vinho: fruto da terra e do trabalho, na alegria gratuita de quem sabe que se pudesse dar tudo o que conhece, ainda assim jamais seria espoliado. Com essa imagem que nos remete a cenas do Memorial do Convento de Saramago, Marilene Maria de Oliveira registra o envolvimento do grupo nas atividades, bem como a necessidade de se trabalhar com o imaginário e a linguagem em todos os níveis de escolaridade. As atividades de fácil execução retomam, em grande parte, contos de fadas tradicionais e fábulas populares. Trabalhamos alguns em sala de aula, entre eles, Chapeuzinho Vermelho no helicóptero, Fábulas ao contrário, Salada de fábulas. A primeira consiste em se dar aos alunos algumas palavras para que com elas inventem uma história. Por exemplo, cinco palavras em série sugerem a estória de Chapeuzinho Vermelho: menina, bosque, flores, lobo, avó. A sexta palavra rompe a série: por exemplo, helicóptero. 5 Em Fábulas ao contrário, dá-se uma reviravolta no tema: Chapeuzinho Vermelho é má e o lobo é bom...cinderela é tão ruim que leva sua paciente madrasta ao desespero, 4 RODARI, Gianni. Gramática da fantasia, São Paulo, Summus, 1982. 5 Idem (p.53). 4

além de roubar os noivos de suas irmãs. 6. Personagens de histórias diferentes se encontram formando um novo conto, em Salada de fábulas. Depois de participarem com entusiasmo dos exercícios, inventando histórias e propondo variações, os licenciados os aplicaram em seus estágios, em salas de aula do 1o. e 2o. grau. Os resultados e o material obtidos oferecem um vasto campo para a pesquisa sobre o imaginário dos adolescentes. Eis alguns exemplos pinçados da atividade realizada com alunos do 1o. ano, de uma escola estadual de 2o. grau, em São Caetano do Sul, São Paulo, sob a direção de Marilene Maria de Oliveira. Chapeuzinho Vermelho no helicóptero, Cinderela e a bruxa madrinha e Branca de Neve e os sete gigantes desempregados foram as senhas que abriram as portas do imaginário, possibilitando a criação de novas histórias. (...) Um dia o rei promoveu um grande baile em homenagem ao príncipe e todas as donzelas do reino foram convidadas. Só que o rei queria moças simples. Cinderela sabendo disso começou a chorar, pois ela era muito rica e não tinha roupas simples. Então ao som de seus soluços apareceu uma bruxa madrinha para ajudá-la. (Adriana, 1o.D). 6 Idem (p.55). 5

Era uma vez...uma garotinha muito branca. Seu nome era Alice. Alice vivia em uma floresta e adorava os pássaros, as flores e os animais que ali viviam com ela. Todos os dias de manhã caminhava pela floresta, brincando com os animais. Certo dia passeando pela floresta, viu um pássaro muito risonho, que bicava as árvores, e cantava como se estivesse rindo. Ele era azul, com sua enorme crista vermelha e bico amarelo. Alice ficou encantada com o pássaro que chamou de Pica-Pau. Querendo brincar com o Pica-Pau, Alice chegou perto da árvore onde ele estava, e assustado o pássaro voou para longe. Alice correu pela floresta tentando avistá-lo, mas não conseguiu. Quando percebeu já estava longe de sua casa e não sabia o caminho de volta. Cansada pela corrida e perdida no meio da floresta, Alice resolveu sentarse um pouco, avistou então um tronco onde sentou-se por algum tempo. Depois de descansada, voltou a andar pela floresta, procurando o caminho de volta, foi quando de costas encostou-se em um enorme pé de feijão que parecia chegar ao céu. (...) No meio do caminho, Branca de Neve tornou a ver o Pica-Pau e tornou a segui-lo, Branca de Neve e os sete Gigantes Desempregados seguiram o 6

pássaro pela floresta e quando foram perceber, estavam em uma parte da floresta totalmente desconhecida... Eles estavam no País das Maravilhas. (Fabiana, 1o.D). O único a conseguir um emprego foi o gigante Mestre. Ele ia ser um administrador de empresa, mas não aceitou porque ele achava que tinha capacidade para arrumar um emprego melhor e acabou dançando. No final das contas, essa história mudou de Branca de Neve e os sete gigantes desempregados, para a Dama e os Vagabundos. (Josefina, 1o.F). Segundo as palavras de Marilene, Na aplicação dessa atividade, vislumbrei projetos interessantes de estórias, assim como li estórias estruturadas. Presenciei o casamento da vovozinha com o lobo, o roubo dos doces da neta de Chapeuzinho e a prisão de um piloto faminto, a vovozinha ganhando na tele-sena, a Chapeuzinho no Rio de Janeiro, vi Branca de Neve procurando emprego, vi-a trocando proteção por emprego (...) E vai por aí a imaginação dos meninos e meninas do 1o. colegial que acharam interessante reescrever história de criança. Os comentários de Marilene e os trechos transcritos nos mostram que os contos de fadas e seus personagens permanecem vivos no imaginário dos jovens, integrando seu cotidiano e alimentando o processo criativo. Da memória surgem tramas e personagens que se estruturam em aparente desordem, criando encontros insólitos, transformando Alice em 7

Branca de Neve, em Joãozinho do pé-de-feijão. Intertextualidade latente aflorando. Analisando as produções dos alunos elaboradas a partir do tema Branca de Neve e os gigantes desempregados, que possibilitava uma incursão por problemas sociais atuais, observamos duas tendências. Alguns textos privilegiaram o mundo encantado, da fantasia. Embora transformados em gigantes desempregados, as personagens continuaram com as características dos anões da história tradicional. Por exemplo, O gigante Soneca, não encontrou emprego porque ao invés de procurar ficou dormindo no banco de uma praça. Outros, transformaram as personagens inserindo-as no cotidiano, agindo como pessoas comuns, Branca de Neve voltou para sua casa e levou os sete gigantes e deu-lhes casa, emprego e comida. Em Cinderela e a bruxa madrinha, ocorreu tendência semelhante. Em um dos textos, Cinderela e sua madrinha ganham na sena acumulada e viajam pelo mundo em um jatinho, saltam de pára-quedas e gastam todo o dinheiro até ficarem na miséria. Situações conflituosas, relacionamentos familiares difíceis, sentimentos antagônicos transparecem nos textos, revelando muitas vezes problemas pessoais. Como no texto em que a mãe de Cinderela, enganada pela bruxa, oferece à filha maçãs envenenadas forçando a comê-las... 8

Quando a menina comeu, passando alguns segundos foi caindo logo. A mãe começou a chorar, dizendo: _ Filha acorda, meu amor! Mas não teve jeito, a bruxa tinha conseguido matar sua única filha. Em outro texto, Cinderela chega em casa muito cansada e bêbada, revelando talvez a realidade de dramas individuais e sociais. Nas narrativas dos jovens, a fantasia brinca entre o real e o imaginário, buscando formas de expressão lingüística - algumas mais felizes que outras - desvelando estruturas culturais arcaicas que permanecem vivas nos contos de fadas. 9

BIBLIOGRAFIA BACHELAR, Gaston. A poética do devaneio, São Paulo, Martins Fontes, 1988. BAKHTIN, Mikhail. Marxismo e Filosofia da Linguagem, São Paulo, Hucitec, 1988. BETTELHEIM, Bruno. A psicanálise dos contos de fadas, Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1992. CHATEAU, Jean. Réel et l imaginaire dans le jeu de l enfant - Essai sur la genèse de l imagination, Paris, Librairie Philosophique J. Vrin, 1975. DURAND, Gilbert. As estruturas antropológicas do imaginário, Lisboa, Editorial Presença, 1982.. A imaginação simbólica, São Paulo, Cultrix/Edusp, 1988. HELD, Jacqueline. O imaginário no poder, São Paulo, Summus, 1980. RODARI, Gianni. Gramática da fantasia, São Paulo, Summus, 1982. 10